TRF3 0003041-51.2011.4.03.6181 00030415120114036181
PENAL E PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. ESTATUTO
DO ESTRANGEIRO. LEI Nº 6.815/1980. ART. 125, XIII. DOCUMENTO
IDEOLOGICAMENTE FALSO APRESENTADO EM PEDIDO DE PERMANÊNCIA. ALTERAÇÃO
DA CLASSIFICAÇÃO JURÍDICA DO FATO. ART. 299 DO CÓDIGO PENAL. CRIME
IMPOSSÍVEL. INOCORRÊNCIA. POTENCIALIDADE LESIVA. TIPICIDADE MATERIAL DA
CONDUTA. DOSIMETRIA DA PENA.
1. É certo que a jurisprudência predominante no Superior Tribunal de Justiça
(STJ) é no sentido de que a decisão que revoga a suspensão do processo
pela inobservância das condições impostas, sem conferir ao acusado a
prévia oportunidade de apresentar as justificativas para o descumprimento,
contraria os princípios do contraditório e da ampla defesa (HC nº 227153/SP,
Rel. Min. Laurita Vaz, Quinta Turma, DJe 25.04.2013; HC nº 174870/SP,
Rel. Min. Og Fernandes, Sexta Turma, DJe 18.10.2010). Todavia, no caso,
após a decisão que revogou o benefício, restou infrutífera a intimação
do acusado, que, segundo a certidão de fls. 167, teria se mudado para a
Bolívia e, por isso, nos termos do art. 367 do CPP, foi decretada a sua
revelia, de modo que não há nulidade.
2. Na audiência do art. 89 da Lei nº 9.099/95 é possível ao acusado,
por seu defensor, tratar com o representante do Ministério Público as
condições para a suspensão do processo, a fim de adequá-las ao fato
e à situação pessoal do réu. É de se lembrar também que o acusado e
seu defensor podem recusar a proposta e o feito terá prosseguimento. Por
isso, considerando-se que o acusado teve a devida assistência de defensor,
não se pode inferir que tenha sido prejudicado na audiência de suspensão
condicional do processo
3. a insurgência da defesa quanto à imposição da prestação pecuniária
somente ocorreu nesta fase do processo, depois de descumpridas as condições
e prolatada a sentença condenatória, o que, em princípio, fragiliza
a pretensão de impugnação das condições estabelecidas pelo juízo a
quo. Com efeito, se o acusado e seu defensor nada disseram à época é porque
concordaram com as condições estabelecidas, especialmente sua legalidade. A
Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça consolidou o entendimento
de que não há óbice na fixação de obrigações equivalentes a sanções
penais, como condição ao sursis processual (HC nº 1.498.034/RS, Terceira
Seção, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, j. 25.11.2015, DJe 02.12.2015).
4. A Lei nº 6.815, de 19.8.1980, foi expressamente revogada pela Lei
nº 13.445, de 24.5.2017 (art. 124, II), que não mais tipifica a conduta
específica de "fazer declaração falsa em processo de transformação de
visto, de registro, de alteração de assentamentos, de naturalização,
ou para a obtenção de passaporte para estrangeiro, laissez-passer, ou,
quando exigido, visto de saída". Todavia, fazer declaração falsa para
as finalidades apontadas continua sendo crime, mas não pela legislação
específica relativa ao estrangeiro, e sim pelo Código Penal, cujo art. 299
prevê o crime de falsidade ideológica.
5. Materialidade, autoria e dolo comprovados.
6. A caracterização da falsidade deu-se no momento da apresentação à
Polícia Federal da duplicata que continha dados ideologicamente falsos
e era apta para a obtenção do resultado almejado, independentemente de
ser possível à autoridade policial verificar sua autenticidade antes do
processamento do pedido administrativo. A potencialidade lesiva é demonstrada
pelo fato de ter ficado comprovado nos autos que o acusado apresentou o
documento falso com o intuito de fazer prova perante a Delegacia de Polícia
Federal, objetivando regularizar sua situação migratória. Logo, não há
que se falar em crime impossível.
7. Ainda que o fim almejado pelo acusado fosse a regularização de sua
situação migratória, o que se tornou desnecessário com a edição do
Decreto nº 6.975/2009, tal fato não descaracteriza a tipicidade do delito,
remanescendo as consequências penais de se fazer declaração falsa em
documento particular.
8. A Lei de Migração pretendeu descriminalizar condutas que o Estatuto
do Estrangeiro criminalizava, num sentido de proteção do estrangeiro
residente no Brasil, regular ou não. Essa proteção, no entanto, não pode
gerar situações absurdas, como, por exemplo, não se considerar crime a
falsificação de documento, público ou particular, para ser apresentado em
processo de visto, registro, alteração de assentamentos, naturalização ou
para a obtenção de passaporte para estrangeiro, mas ser considerada crime
a falsificação de documento para a obtenção de documento no Poupatempo,
por exemplo.
9. Mantida a condenação do apelante, porém, pela prática do crime previsto
no art. 299 do Código Penal. Dosimetria da pena mantida.
10. Apelação não provida.
Ementa
PENAL E PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. ESTATUTO
DO ESTRANGEIRO. LEI Nº 6.815/1980. ART. 125, XIII. DOCUMENTO
IDEOLOGICAMENTE FALSO APRESENTADO EM PEDIDO DE PERMANÊNCIA. ALTERAÇÃO
DA CLASSIFICAÇÃO JURÍDICA DO FATO. ART. 299 DO CÓDIGO PENAL. CRIME
IMPOSSÍVEL. INOCORRÊNCIA. POTENCIALIDADE LESIVA. TIPICIDADE MATERIAL DA
CONDUTA. DOSIMETRIA DA PENA.
1. É certo que a jurisprudência predominante no Superior Tribunal de Justiça
(STJ) é no sentido de que a decisão que revoga a suspensão do processo
pela inobservância das condições impostas, sem conferir ao acusado a
prévia oportunidade de apresentar as justificativas para o descumprimento,
contraria os princípios do contraditório e da ampla defesa (HC nº 227153/SP,
Rel. Min. Laurita Vaz, Quinta Turma, DJe 25.04.2013; HC nº 174870/SP,
Rel. Min. Og Fernandes, Sexta Turma, DJe 18.10.2010). Todavia, no caso,
após a decisão que revogou o benefício, restou infrutífera a intimação
do acusado, que, segundo a certidão de fls. 167, teria se mudado para a
Bolívia e, por isso, nos termos do art. 367 do CPP, foi decretada a sua
revelia, de modo que não há nulidade.
2. Na audiência do art. 89 da Lei nº 9.099/95 é possível ao acusado,
por seu defensor, tratar com o representante do Ministério Público as
condições para a suspensão do processo, a fim de adequá-las ao fato
e à situação pessoal do réu. É de se lembrar também que o acusado e
seu defensor podem recusar a proposta e o feito terá prosseguimento. Por
isso, considerando-se que o acusado teve a devida assistência de defensor,
não se pode inferir que tenha sido prejudicado na audiência de suspensão
condicional do processo
3. a insurgência da defesa quanto à imposição da prestação pecuniária
somente ocorreu nesta fase do processo, depois de descumpridas as condições
e prolatada a sentença condenatória, o que, em princípio, fragiliza
a pretensão de impugnação das condições estabelecidas pelo juízo a
quo. Com efeito, se o acusado e seu defensor nada disseram à época é porque
concordaram com as condições estabelecidas, especialmente sua legalidade. A
Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça consolidou o entendimento
de que não há óbice na fixação de obrigações equivalentes a sanções
penais, como condição ao sursis processual (HC nº 1.498.034/RS, Terceira
Seção, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, j. 25.11.2015, DJe 02.12.2015).
4. A Lei nº 6.815, de 19.8.1980, foi expressamente revogada pela Lei
nº 13.445, de 24.5.2017 (art. 124, II), que não mais tipifica a conduta
específica de "fazer declaração falsa em processo de transformação de
visto, de registro, de alteração de assentamentos, de naturalização,
ou para a obtenção de passaporte para estrangeiro, laissez-passer, ou,
quando exigido, visto de saída". Todavia, fazer declaração falsa para
as finalidades apontadas continua sendo crime, mas não pela legislação
específica relativa ao estrangeiro, e sim pelo Código Penal, cujo art. 299
prevê o crime de falsidade ideológica.
5. Materialidade, autoria e dolo comprovados.
6. A caracterização da falsidade deu-se no momento da apresentação à
Polícia Federal da duplicata que continha dados ideologicamente falsos
e era apta para a obtenção do resultado almejado, independentemente de
ser possível à autoridade policial verificar sua autenticidade antes do
processamento do pedido administrativo. A potencialidade lesiva é demonstrada
pelo fato de ter ficado comprovado nos autos que o acusado apresentou o
documento falso com o intuito de fazer prova perante a Delegacia de Polícia
Federal, objetivando regularizar sua situação migratória. Logo, não há
que se falar em crime impossível.
7. Ainda que o fim almejado pelo acusado fosse a regularização de sua
situação migratória, o que se tornou desnecessário com a edição do
Decreto nº 6.975/2009, tal fato não descaracteriza a tipicidade do delito,
remanescendo as consequências penais de se fazer declaração falsa em
documento particular.
8. A Lei de Migração pretendeu descriminalizar condutas que o Estatuto
do Estrangeiro criminalizava, num sentido de proteção do estrangeiro
residente no Brasil, regular ou não. Essa proteção, no entanto, não pode
gerar situações absurdas, como, por exemplo, não se considerar crime a
falsificação de documento, público ou particular, para ser apresentado em
processo de visto, registro, alteração de assentamentos, naturalização ou
para a obtenção de passaporte para estrangeiro, mas ser considerada crime
a falsificação de documento para a obtenção de documento no Poupatempo,
por exemplo.
9. Mantida a condenação do apelante, porém, pela prática do crime previsto
no art. 299 do Código Penal. Dosimetria da pena mantida.
10. Apelação não provida.Decisão
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide
a Egrégia Décima Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região,
por unanimidade, REJEITAR A MATÉRIA PRELIMINAR e, no mérito, NEGAR PROVIMENTO
à apelação e, DE OFÍCIO, alterar a capitulação jurídica do fato para
o art. 299 do Código Penal, ficando mantida a pena definitiva em 1 (um)
ano de reclusão, em regime inicial aberto, nos termos do relatório e voto
que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Data do Julgamento
:
24/07/2018
Data da Publicação
:
30/07/2018
Classe/Assunto
:
Ap. - APELAÇÃO CRIMINAL - 64682
Órgão Julgador
:
DÉCIMA PRIMEIRA TURMA
Relator(a)
:
DESEMBARGADOR FEDERAL NINO TOLDO
Comarca
:
TRIBUNAL - TERCEIRA REGIÃO
Tipo
:
Acórdão
Referência
legislativa
:
***** EE-80 ESTATUTO DO ESTRANGEIRO
LEG-FED LEI-6815 ANO-1980 ART-125 INC-13
***** CP-40 CÓDIGO PENAL DE 1940
LEG-FED DEL-2848 ANO-1940 ART-299
***** CPP-41 CÓDIGO DE PROCESSO PENAL
LEG-FED DEL-3689 ANO-1941 ART-367
***** LJE-95 LEI DOS JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS E CRIMINAIS
LEG-FED LEI-9099 ANO-1995 ART-89
LEG-FED LEI-13445 ANO-2017 ART-124 INC-2
LEG-FED DEC-6975 ANO-2009
Fonte da publicação
:
e-DJF3 Judicial 1 DATA:30/07/2018
..FONTE_REPUBLICACAO:
Mostrar discussão