TRF3 0003143-38.2006.4.03.6120 00031433820064036120
APELAÇÃO. CONSTITUCIONAL, PROCESSO CIVIL E CONSUMIDOR. AÇÃO CIVIL
PÚBLICA. COMERCIALIZAÇÃO DE COMBUSTÍVEL ADULTERADO. GASOLINA FORA
DAS ESPECIFICAÇÕES. APLICAÇÃO DOS ARTIGOS 3º, 6º, 18 E 23, DO
CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. RESPONSABILIDADE DO FORNECEDOR SOLIDÁRIA
E OBJETIVA. ARTIGO 23, DA LEI Nº 8078/90 (CDC). VIOLAÇÃO DOS DIREITOS DOS
CONSUMIDORES. DANO E NEXO CAUSAL EXISTENTES. DEVER DE INDENIZAR. RECALL. ARTIGO
10, DO CDC. RECONHECIDA PRELIMINAR. SENTENÇA ULTRAPETITA. CORREÇÃO
DO JULGADO PARA ANULAR PARTE DA SENTENÇA NÃO CORRESPONDENTE AO PEDIDO
MINISTERIAL. REMESSA OFICIAL IMPROVIDA. APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA.
1 - A Lei da Ação Civil Pública e a Lei da Ação Popular integram o
microssistema processual coletivo. Portanto, apesar de a Lei nº 7347/85
não ter expressa previsão acerca da remessa oficial, aplica-se nos casos de
parcial procedência da ação, por analogia, o artigo 19, da Lei nº 4.717/65
(Lei da Ação Popular), uma vez que referida norma deve ser aplicada em todo o
microssistema naquilo que for útil aos interesses da sociedade. Nesse sentido
é o entendimento sedimentado do E. Superior Tribunal de Justiça. Assim,
a r. sentença deve ser submetida ao reexame necessário
2 - No recurso de apelação a apelante sustenta a nulidade da sentença
alegando que o juiz ultrapassou os limites impostos pela inicial. Analisando
os autos verifica-se que na inicial não houve requerimento de publicação
de editais em jornais de grande circulação do Estado de São Paulo e nem
a veiculação deles em canal de televisão, sendo o pedido restrito aos
jornais de maior circulação da região de Araraquara. Logo, a sentença
deve ser reformada nessa parte.
3 - Tendo parte da sentença ultrapassado os limites do pedido, o caso é
de reconhecer a ocorrência de julgamento ultrapetita e anular a parte da
decisão que determinou a publicação de editais em dois jornais de maior
circulação no Estado de São Paulo, assim como a veiculação de editais em
canal de televisão de Araraquara. Por consequência, quanto à publicação
de editais para convocação de consumidores do combustível adulterado, deve
ser mantida a publicação somente nos dois jornais de maior circulação
da região de Araraquara, ajustando-se a condenação aos limites do pedido
formulado pelo autor ministerial.
4 - Não é ponto controvertido na presente ação a existência de
combustível em desconformidade com os padrões estabelecidos pelas normas
regulamentadoras. A questão limita-se a apurar a eventual responsabilidade
da apelante na comercialização do combustível adulterado.
5 - A responsabilidade civil daquele que comercializa combustível adulterado
deve ser analisada no âmbito da defesa dos direitos do consumidor, sendo
a defesa das relações de consumo considerada como direito fundamental,
devidamente consagrada pela Constituição Federal, em consonância aos
artigos 5º, inciso XXXII, e 170, inciso V. Em conformidade com a previsão
constitucional o legislador estabeleceu o Código de Defesa do Consumidor,
fixando direitos básicos e regulando a relação de consumo devidamente.
6 - Não há dúvida que a empresa revendedora de combustíveis
possui responsabilidade legal de oferecer os produtos de acordo com as
especificações regulares, independentemente de equipamentos específicos e
eventual responsabilidade da distribuidora. Nesses termos dispõe a Portaria
nº116/00, da Agência Nacional Do Petróleo - ANP.
7 - Da análise dos autos percebe-se que em nenhum momento a apelante aplicou
as diligencias necessárias para controle de qualidade do combustível,
limitando-se apenas a afirmar a impossibilidade de verificar se o petróleo
fornecido pela distribuidora estava ou não adulterado. Cabe ao fornecedor
proporcionar maior garantia da qualidade do combustível ao consumidor.
8 - A apelante enquadra-se como fornecedor, nos termos do artigo 3º, da
Lei nº 8078/90 (CDC). Assim, aplica-se ao caso em tela os artigos 18 e 23,
do Código de Defesa do Consumidor, os quais estabelecem a responsabilidade
solidária e objetiva do fornecedor. Precedentes deste C. Tribunal Regional
Federal.
9- No mesmo sentido, no caso de violação ilegal do lacre colocado no
tanque de combustível, o argumento que transfere a autoria do ato para a
distribuidora em nada modifica a responsabilidade do revendedor, o qual não
poderia permitir qualquer ação no local sem a competente autorização.
10 - As alegações do apelante são insuficientes para excluir sua
reponsabilidade na venda de combustível adulterado, na condição de
fornecedor imediato ao consumidor final.
11 - Dano e nexo causal plenamente configurados, cabendo destacar que neste
caso o dano é presumido, e o nexo causal é evidente, uma vez que o dano
foi causado devido ao fornecimento de combustível adulterado pela apelante.
12 - Ressalte-se que, independente de reclamação formal pelos particulares
que abasteceram seus veículos com a gasolina adulterada, não há como negar
a presença de dano potencial aos aludidos consumidores, diante da conduta de
vender combustível adulterado, assim como o dano efetivo à ordem pública,
decorrente da conduta de romper os lacres constituídos pelo Poder Público.
13 - Impõe-se o dever de indenizar, de modo que o juízo a quo atuou
corretamente ao condenar o apelante na obrigação de dar, consistente em
indenizar o valor equivalente ao combustível vendido aos consumidores que
provem tal aquisição, bem como aquela referente ao ressarcimento ao PROCON
de Araraquara, do valor equivalente a todo o combustível comercializado no
período entre 24/08/2005 e 02/09/2005 (Posto Morada do Sol) e não reclamado
pelos consumidores.
14 - Não há que se alegar que a condenação imposta pelo juízo a quo,
determinando a publicação de editais na imprensa convocando os consumidores
que comprovarem ter adquirido combustível adulterado para serem indenizados,
fere o direito de imagem da apelante. Analisando a norma consumerista
percebe-se que na ponderação entre o direito de imagem da apelante e
o direito de informação dos consumidores lesados, há de prevalecer o
direito da coletividade. A publicação de edital não tem como objetivo
ferir a imagem construída pela apelante na cidade, mas sim noticiar a
irregularidade cometida e possibilitar que os consumidores lesados sejam
ressarcidos dos prejuízos sofridos.
15 - Não é possível afastar a obrigação de indenizar pelo simples
fato da apelante alegar que passa por dificuldades financeiras, posto que
exerce atividade comercial considerada de risco, possuindo, portanto,
responsabilidade pela reparação dos danos, não sendo a dificuldade
financeira causa excludente dessa responsabilidade (Artigo 927, caput,
e paragrafo único, do Código Civil).
16 - No que se refere ao reexame necessário, não é possível acolher o
pedido de condenação de dar gasolina à Polícia Federal de Araraquara,
cabendo a própria Polícia Federal realizar esse pedido através da
União. O Ministério Público não tem legitimidade para representar a
Polícia Federal nesse caso, não podendo realizar pedido de indenização
em favor da polícia através da referida ação civil pública, conforme
bem salientado pelo juiz a quo.
17 - No que se refere ao pedido de multa prevista no artigo 3º, da Lei nº
9.847/99, também não merece reforma a sentença, posto que referida multa
deve ser aplicada pela autarquia federal - ANP, através de procedimento
administrativo, não sendo resultado do reconhecimento da responsabilidade
civil em Ação Civil Pública.
18 - Sentença reformada, apenas, para anular a parte da condenação que
determinou a publicação de editais de convocação dos consumidores do
combustível adulterado em dois jornais de maior circulação no Estado de
São Paulo, assim como a veiculação de editais em canal de televisão de
Araraquara.
19 - Remessa oficial, tida por interposta, não provida. Apelação
parcialmente provida.
Ementa
APELAÇÃO. CONSTITUCIONAL, PROCESSO CIVIL E CONSUMIDOR. AÇÃO CIVIL
PÚBLICA. COMERCIALIZAÇÃO DE COMBUSTÍVEL ADULTERADO. GASOLINA FORA
DAS ESPECIFICAÇÕES. APLICAÇÃO DOS ARTIGOS 3º, 6º, 18 E 23, DO
CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. RESPONSABILIDADE DO FORNECEDOR SOLIDÁRIA
E OBJETIVA. ARTIGO 23, DA LEI Nº 8078/90 (CDC). VIOLAÇÃO DOS DIREITOS DOS
CONSUMIDORES. DANO E NEXO CAUSAL EXISTENTES. DEVER DE INDENIZAR. RECALL. ARTIGO
10, DO CDC. RECONHECIDA PRELIMINAR. SENTENÇA ULTRAPETITA. CORREÇÃO
DO JULGADO PARA ANULAR PARTE DA SENTENÇA NÃO CORRESPONDENTE AO PEDIDO
MINISTERIAL. REMESSA OFICIAL IMPROVIDA. APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA.
1 - A Lei da Ação Civil Pública e a Lei da Ação Popular integram o
microssistema processual coletivo. Portanto, apesar de a Lei nº 7347/85
não ter expressa previsão acerca da remessa oficial, aplica-se nos casos de
parcial procedência da ação, por analogia, o artigo 19, da Lei nº 4.717/65
(Lei da Ação Popular), uma vez que referida norma deve ser aplicada em todo o
microssistema naquilo que for útil aos interesses da sociedade. Nesse sentido
é o entendimento sedimentado do E. Superior Tribunal de Justiça. Assim,
a r. sentença deve ser submetida ao reexame necessário
2 - No recurso de apelação a apelante sustenta a nulidade da sentença
alegando que o juiz ultrapassou os limites impostos pela inicial. Analisando
os autos verifica-se que na inicial não houve requerimento de publicação
de editais em jornais de grande circulação do Estado de São Paulo e nem
a veiculação deles em canal de televisão, sendo o pedido restrito aos
jornais de maior circulação da região de Araraquara. Logo, a sentença
deve ser reformada nessa parte.
3 - Tendo parte da sentença ultrapassado os limites do pedido, o caso é
de reconhecer a ocorrência de julgamento ultrapetita e anular a parte da
decisão que determinou a publicação de editais em dois jornais de maior
circulação no Estado de São Paulo, assim como a veiculação de editais em
canal de televisão de Araraquara. Por consequência, quanto à publicação
de editais para convocação de consumidores do combustível adulterado, deve
ser mantida a publicação somente nos dois jornais de maior circulação
da região de Araraquara, ajustando-se a condenação aos limites do pedido
formulado pelo autor ministerial.
4 - Não é ponto controvertido na presente ação a existência de
combustível em desconformidade com os padrões estabelecidos pelas normas
regulamentadoras. A questão limita-se a apurar a eventual responsabilidade
da apelante na comercialização do combustível adulterado.
5 - A responsabilidade civil daquele que comercializa combustível adulterado
deve ser analisada no âmbito da defesa dos direitos do consumidor, sendo
a defesa das relações de consumo considerada como direito fundamental,
devidamente consagrada pela Constituição Federal, em consonância aos
artigos 5º, inciso XXXII, e 170, inciso V. Em conformidade com a previsão
constitucional o legislador estabeleceu o Código de Defesa do Consumidor,
fixando direitos básicos e regulando a relação de consumo devidamente.
6 - Não há dúvida que a empresa revendedora de combustíveis
possui responsabilidade legal de oferecer os produtos de acordo com as
especificações regulares, independentemente de equipamentos específicos e
eventual responsabilidade da distribuidora. Nesses termos dispõe a Portaria
nº116/00, da Agência Nacional Do Petróleo - ANP.
7 - Da análise dos autos percebe-se que em nenhum momento a apelante aplicou
as diligencias necessárias para controle de qualidade do combustível,
limitando-se apenas a afirmar a impossibilidade de verificar se o petróleo
fornecido pela distribuidora estava ou não adulterado. Cabe ao fornecedor
proporcionar maior garantia da qualidade do combustível ao consumidor.
8 - A apelante enquadra-se como fornecedor, nos termos do artigo 3º, da
Lei nº 8078/90 (CDC). Assim, aplica-se ao caso em tela os artigos 18 e 23,
do Código de Defesa do Consumidor, os quais estabelecem a responsabilidade
solidária e objetiva do fornecedor. Precedentes deste C. Tribunal Regional
Federal.
9- No mesmo sentido, no caso de violação ilegal do lacre colocado no
tanque de combustível, o argumento que transfere a autoria do ato para a
distribuidora em nada modifica a responsabilidade do revendedor, o qual não
poderia permitir qualquer ação no local sem a competente autorização.
10 - As alegações do apelante são insuficientes para excluir sua
reponsabilidade na venda de combustível adulterado, na condição de
fornecedor imediato ao consumidor final.
11 - Dano e nexo causal plenamente configurados, cabendo destacar que neste
caso o dano é presumido, e o nexo causal é evidente, uma vez que o dano
foi causado devido ao fornecimento de combustível adulterado pela apelante.
12 - Ressalte-se que, independente de reclamação formal pelos particulares
que abasteceram seus veículos com a gasolina adulterada, não há como negar
a presença de dano potencial aos aludidos consumidores, diante da conduta de
vender combustível adulterado, assim como o dano efetivo à ordem pública,
decorrente da conduta de romper os lacres constituídos pelo Poder Público.
13 - Impõe-se o dever de indenizar, de modo que o juízo a quo atuou
corretamente ao condenar o apelante na obrigação de dar, consistente em
indenizar o valor equivalente ao combustível vendido aos consumidores que
provem tal aquisição, bem como aquela referente ao ressarcimento ao PROCON
de Araraquara, do valor equivalente a todo o combustível comercializado no
período entre 24/08/2005 e 02/09/2005 (Posto Morada do Sol) e não reclamado
pelos consumidores.
14 - Não há que se alegar que a condenação imposta pelo juízo a quo,
determinando a publicação de editais na imprensa convocando os consumidores
que comprovarem ter adquirido combustível adulterado para serem indenizados,
fere o direito de imagem da apelante. Analisando a norma consumerista
percebe-se que na ponderação entre o direito de imagem da apelante e
o direito de informação dos consumidores lesados, há de prevalecer o
direito da coletividade. A publicação de edital não tem como objetivo
ferir a imagem construída pela apelante na cidade, mas sim noticiar a
irregularidade cometida e possibilitar que os consumidores lesados sejam
ressarcidos dos prejuízos sofridos.
15 - Não é possível afastar a obrigação de indenizar pelo simples
fato da apelante alegar que passa por dificuldades financeiras, posto que
exerce atividade comercial considerada de risco, possuindo, portanto,
responsabilidade pela reparação dos danos, não sendo a dificuldade
financeira causa excludente dessa responsabilidade (Artigo 927, caput,
e paragrafo único, do Código Civil).
16 - No que se refere ao reexame necessário, não é possível acolher o
pedido de condenação de dar gasolina à Polícia Federal de Araraquara,
cabendo a própria Polícia Federal realizar esse pedido através da
União. O Ministério Público não tem legitimidade para representar a
Polícia Federal nesse caso, não podendo realizar pedido de indenização
em favor da polícia através da referida ação civil pública, conforme
bem salientado pelo juiz a quo.
17 - No que se refere ao pedido de multa prevista no artigo 3º, da Lei nº
9.847/99, também não merece reforma a sentença, posto que referida multa
deve ser aplicada pela autarquia federal - ANP, através de procedimento
administrativo, não sendo resultado do reconhecimento da responsabilidade
civil em Ação Civil Pública.
18 - Sentença reformada, apenas, para anular a parte da condenação que
determinou a publicação de editais de convocação dos consumidores do
combustível adulterado em dois jornais de maior circulação no Estado de
São Paulo, assim como a veiculação de editais em canal de televisão de
Araraquara.
19 - Remessa oficial, tida por interposta, não provida. Apelação
parcialmente provida.Decisão
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas,
decide a Egrégia Quarta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região,
por unanimidade, negar provimento à remessa oficial, tida por interposta,
e dar parcial provimento ao recurso de apelação, apenas para anular a parte
da sentença que determinou a publicação de editais de convocação de
consumidores em dois jornais de maior circulação no Estado de São Paulo,
assim como a veiculação de editais em canal de televisão de Araraquara, uma
vez que essa parte ultrapassou os limites do pedido ministerial, mantendo-se
no mais a r. sentença recorrida, nos termos do relatório e voto que ficam
fazendo parte integrante do presente julgado.
Data do Julgamento
:
21/06/2017
Data da Publicação
:
12/07/2017
Classe/Assunto
:
AC - APELAÇÃO CÍVEL - 1270550
Órgão Julgador
:
QUARTA TURMA
Relator(a)
:
DESEMBARGADOR FEDERAL MARCELO SARAIVA
Comarca
:
TRIBUNAL - TERCEIRA REGIÃO
Tipo
:
Acórdão
Referência
legislativa
:
***** CDC-90 CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR
LEG-FED LEI-8078 ANO-1990 ART-3 ART-6 ART-10 ART-18 ART-23
***** LACP-85 LEI DE AÇÃO CIVIL PÚBLICA
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LEG-FED PRT-116 ANO-2000
AGÊNCIA NACIONAL DO PETRÓLEO - ANP
***** CC-02 CÓDIGO CIVIL DE 2002
LEG-FED LEI-10406 ANO-2002 ART-927 PAR-ÚNICO
LEG-FED LEI-9847 ANO-1999 ART-3
Fonte da publicação
:
e-DJF3 Judicial 1 DATA:12/07/2017
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