TRF3 0003232-72.2016.4.03.6100 00032327220164036100
PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO. SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO -
SFH. CDC. SEGURO. TAXA DE ADMINISTRAÇÃO. ANATOCISMO. SISTEMAS DE
AMORTIZAÇÃO. EXECUÇÃO EXTRAJUDICIAL. APELAÇÃO IMPROVIDA.
I - Nas ações em que se pleiteia a revisão de cláusulas de contratos
de mútuo ligados ao sistema financeiro da habitação, em regra, incide o
artigo 355, I, do novo CPC, permitindo-se o julgamento antecipado da lide,
porquanto comumente as questões de mérito são unicamente de direito. Na
hipótese de a questão de mérito envolver análise de fatos, considerando
que os contratos do SFH são realizados dentro dos parâmetros da legislação
específica, é do autor o ônus de provar o fato constitutivo de seu direito,
inteligência do artigo 373, I, do novo CPC/15. Cabe ao juiz da causa avaliar
a pertinência do pedido de realização de perícia contábil, conforme
artigos 370 e 464 do novo CPC. Considerando as alegações da parte Autora
e a configuração do caso em tela, não se vislumbra o alegado cerceamento
de defesa.
II - O CDC se aplica às instituições financeiras (Súmula 297 do STJ), mas
as cláusulas dos contratos do SFH observam legislação cogente imperando
o princípio pacta sunt servanda. A teoria da imprevisão e o princípio
rebus sic standibus requerem a demonstração de que não subsistem as
circunstâncias fáticas que sustentavam o contrato, justificando o pedido
de revisão contratual. Mesmo nos casos em que se verifica o prejuízo
financeiro, a nulidade pressupõe a incidência dos termos do artigo 6º,
V, artigo 51, IV e § 1º do CDC, sendo o contrato de adesão espécie de
contrato reconhecida como regular pelo próprio CDC em seu artigo 54.
III - O artigo 14 da Lei nº 4.380/64 e os artigos 20 e 21 do Decreto-lei
73/66, preveem a obrigatoriedade de contratação de seguro para os imóveis
que são objeto e garantia de financiamento pelas normas do SFH. A alegação
de venda casada só se sustenta se as quantias cobradas a título de seguro
forem consideravelmente superiores às taxas praticadas por outras seguradoras
em operação similar, ou se a parte Autora pretender exercer a faculdade
de contratar o seguro junto à instituição de sua preferência.
IV - É lícita a cobrança de Taxa de Administração que serve para
custear despesas administrativas, desde que expressamente contratadas,
não configurando abuso ou condição suficiente para levar o mutuário à
inadimplência.
V - A legislação sobre o anatocismo, ao mencionar "capitalização de
juros" ou "juros sobre juros", não se refere a conceitos da matemática
financeira, sendo de todo regular a utilização de taxa de juros efetiva com
capitalização mensal, derivada de taxa de juros nominal com capitalização
anual, ainda quando aquela seja ligeiramente superior a esta. Tampouco
se refere a juros compostos ou a sistemas de amortização que deles se
utilizem. Como conceito jurídico "capitalização de juros" pressupõe
o inadimplemento e um montante de juros devidos, vencidos e não pagos e
posteriormente incorporados ao capital para que incidam novos juros sobre
ele. Não há no ordenamento jurídico brasileiro proibição absoluta de
tal prática, sendo permitida mesmo pela Lei de Usura (artigo 4º do Decreto
22.626/33), com frequência anual, sendo este o critério de interpretação
da Súmula 121 do STF.
VI - Na esteira da Súmula 596 do STF, desde a MP 1.963-17/00, atual MP
2.170-36/01, admite-se como regra geral para o sistema financeiro nacional a
possibilidade de se pactuar capitalização de juros com periodicidade inferior
a um ano. Há na legislação especial do SFH autorização expressa para a
capitalização mensal de juros desde a edição da Lei 11.977/09 que incluiu
o Artigo 15-A na Lei 4.380/64. (REsp 973827/RS julgado pelo artigo 543-C do
CPC). Ademais, a Súmula 539 do STJ reforçou a possibilidade de aplicação
da capitalização de juros inferior a um ano para os contratos ligados ao
SFH a partir da edição da MP 1.963-17/00, desde que expressamente pactuada.
VII - Não existe vedação legal à utilização da Tabela Price (SFA), do
SAC ou do Sacre, estes sistemas de amortização não provocam desequilíbrio
econômico-financeiro no contrato, enriquecimento ilícito ou qualquer outra
ilegalidade, cada um deles possui uma configuração própria de vantagens e
desvantagens. Na ausência de nulidade na cláusula contratual que preveja
a utilização de qualquer um destes sistemas, na ausência de óbices à
prática de juros compostos, não se justifica a revisão do contrato para
a adoção do Método Gauss.
VIII - Apenas com a verificação de ausência de autorização legislativa
especial e de previsão contratual, poderá ser afastada a capitalização
de juros devidos, vencidos e não pagos em prazo inferior a um ano. Nesta
hipótese, em se verificando o inadimplemento de determinada prestação,
a contabilização dos juros remuneratórios não pagos deve ser realizada
em conta separada, sobre a qual incidirá apenas correção monetária,
destinando-se os valores pagos nas prestações a amortizar primeiramente a
conta principal. O mesmo procedimento, não condicionado a autorização
legislativa ou contratual, poderá ser adotado em se verificando a
configuração sistemática de amortizações negativas na gestão do
contrato.
IX - As razões pelas quais se considera regular a consolidação da
propriedade pelo rito da Lei 9.514/97 são semelhantes àquelas que fundamentam
a regularidade da execução extrajudicial pelo Decreto-lei 70/66. Ademais,
o artigo 39, I da Lei 9.514/97 faz expressa referência aos artigos 29 a 41
do Decreto-lei 70/66. No âmbito do SFH e do SFI, as discussões em torno
da execução extrajudicial pelos referidos diplomas legais se confundem em
larga medida. O procedimento próprio previsto pelo Decreto-lei 70/66 garante
ao devedor a defesa de seus interesses ao prever a notificação para a
purgação da mora (artigo 31, § 1º), não sendo incomum, mesmo nessa fase,
que o credor proceda à renegociação das dívidas de seus mutuários, ainda
que não tenha o dever de assim proceder. No mesmo sentido é o artigo 26,
caput e §§ 1º, 2º e 3º da Lei 9.514/97.
X - O Decreto-lei 70/66 é compatível com as normas constitucionais que tratam
do devido processo legal. Não é negado ao devedor o direito de postular
perante o Poder Judiciário a suspensão ou anulação de atos relativos
ao procedimento de execução extrajudicial em virtude de irregularidades
procedimentais. A mera existência de ação revisional não garante a
suspensão da execução pelas regras do Decreto-lei 70/66. Para tanto
a discussão deve se fundar em jurisprudência consolidada do STF ou STJ
(fumus boni iuris). REsp 1067237, artigo 543-C do CPC.
XI - Apelação improvida.
Ementa
PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO. SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO -
SFH. CDC. SEGURO. TAXA DE ADMINISTRAÇÃO. ANATOCISMO. SISTEMAS DE
AMORTIZAÇÃO. EXECUÇÃO EXTRAJUDICIAL. APELAÇÃO IMPROVIDA.
I - Nas ações em que se pleiteia a revisão de cláusulas de contratos
de mútuo ligados ao sistema financeiro da habitação, em regra, incide o
artigo 355, I, do novo CPC, permitindo-se o julgamento antecipado da lide,
porquanto comumente as questões de mérito são unicamente de direito. Na
hipótese de a questão de mérito envolver análise de fatos, considerando
que os contratos do SFH são realizados dentro dos parâmetros da legislação
específica, é do autor o ônus de provar o fato constitutivo de seu direito,
inteligência do artigo 373, I, do novo CPC/15. Cabe ao juiz da causa avaliar
a pertinência do pedido de realização de perícia contábil, conforme
artigos 370 e 464 do novo CPC. Considerando as alegações da parte Autora
e a configuração do caso em tela, não se vislumbra o alegado cerceamento
de defesa.
II - O CDC se aplica às instituições financeiras (Súmula 297 do STJ), mas
as cláusulas dos contratos do SFH observam legislação cogente imperando
o princípio pacta sunt servanda. A teoria da imprevisão e o princípio
rebus sic standibus requerem a demonstração de que não subsistem as
circunstâncias fáticas que sustentavam o contrato, justificando o pedido
de revisão contratual. Mesmo nos casos em que se verifica o prejuízo
financeiro, a nulidade pressupõe a incidência dos termos do artigo 6º,
V, artigo 51, IV e § 1º do CDC, sendo o contrato de adesão espécie de
contrato reconhecida como regular pelo próprio CDC em seu artigo 54.
III - O artigo 14 da Lei nº 4.380/64 e os artigos 20 e 21 do Decreto-lei
73/66, preveem a obrigatoriedade de contratação de seguro para os imóveis
que são objeto e garantia de financiamento pelas normas do SFH. A alegação
de venda casada só se sustenta se as quantias cobradas a título de seguro
forem consideravelmente superiores às taxas praticadas por outras seguradoras
em operação similar, ou se a parte Autora pretender exercer a faculdade
de contratar o seguro junto à instituição de sua preferência.
IV - É lícita a cobrança de Taxa de Administração que serve para
custear despesas administrativas, desde que expressamente contratadas,
não configurando abuso ou condição suficiente para levar o mutuário à
inadimplência.
V - A legislação sobre o anatocismo, ao mencionar "capitalização de
juros" ou "juros sobre juros", não se refere a conceitos da matemática
financeira, sendo de todo regular a utilização de taxa de juros efetiva com
capitalização mensal, derivada de taxa de juros nominal com capitalização
anual, ainda quando aquela seja ligeiramente superior a esta. Tampouco
se refere a juros compostos ou a sistemas de amortização que deles se
utilizem. Como conceito jurídico "capitalização de juros" pressupõe
o inadimplemento e um montante de juros devidos, vencidos e não pagos e
posteriormente incorporados ao capital para que incidam novos juros sobre
ele. Não há no ordenamento jurídico brasileiro proibição absoluta de
tal prática, sendo permitida mesmo pela Lei de Usura (artigo 4º do Decreto
22.626/33), com frequência anual, sendo este o critério de interpretação
da Súmula 121 do STF.
VI - Na esteira da Súmula 596 do STF, desde a MP 1.963-17/00, atual MP
2.170-36/01, admite-se como regra geral para o sistema financeiro nacional a
possibilidade de se pactuar capitalização de juros com periodicidade inferior
a um ano. Há na legislação especial do SFH autorização expressa para a
capitalização mensal de juros desde a edição da Lei 11.977/09 que incluiu
o Artigo 15-A na Lei 4.380/64. (REsp 973827/RS julgado pelo artigo 543-C do
CPC). Ademais, a Súmula 539 do STJ reforçou a possibilidade de aplicação
da capitalização de juros inferior a um ano para os contratos ligados ao
SFH a partir da edição da MP 1.963-17/00, desde que expressamente pactuada.
VII - Não existe vedação legal à utilização da Tabela Price (SFA), do
SAC ou do Sacre, estes sistemas de amortização não provocam desequilíbrio
econômico-financeiro no contrato, enriquecimento ilícito ou qualquer outra
ilegalidade, cada um deles possui uma configuração própria de vantagens e
desvantagens. Na ausência de nulidade na cláusula contratual que preveja
a utilização de qualquer um destes sistemas, na ausência de óbices à
prática de juros compostos, não se justifica a revisão do contrato para
a adoção do Método Gauss.
VIII - Apenas com a verificação de ausência de autorização legislativa
especial e de previsão contratual, poderá ser afastada a capitalização
de juros devidos, vencidos e não pagos em prazo inferior a um ano. Nesta
hipótese, em se verificando o inadimplemento de determinada prestação,
a contabilização dos juros remuneratórios não pagos deve ser realizada
em conta separada, sobre a qual incidirá apenas correção monetária,
destinando-se os valores pagos nas prestações a amortizar primeiramente a
conta principal. O mesmo procedimento, não condicionado a autorização
legislativa ou contratual, poderá ser adotado em se verificando a
configuração sistemática de amortizações negativas na gestão do
contrato.
IX - As razões pelas quais se considera regular a consolidação da
propriedade pelo rito da Lei 9.514/97 são semelhantes àquelas que fundamentam
a regularidade da execução extrajudicial pelo Decreto-lei 70/66. Ademais,
o artigo 39, I da Lei 9.514/97 faz expressa referência aos artigos 29 a 41
do Decreto-lei 70/66. No âmbito do SFH e do SFI, as discussões em torno
da execução extrajudicial pelos referidos diplomas legais se confundem em
larga medida. O procedimento próprio previsto pelo Decreto-lei 70/66 garante
ao devedor a defesa de seus interesses ao prever a notificação para a
purgação da mora (artigo 31, § 1º), não sendo incomum, mesmo nessa fase,
que o credor proceda à renegociação das dívidas de seus mutuários, ainda
que não tenha o dever de assim proceder. No mesmo sentido é o artigo 26,
caput e §§ 1º, 2º e 3º da Lei 9.514/97.
X - O Decreto-lei 70/66 é compatível com as normas constitucionais que tratam
do devido processo legal. Não é negado ao devedor o direito de postular
perante o Poder Judiciário a suspensão ou anulação de atos relativos
ao procedimento de execução extrajudicial em virtude de irregularidades
procedimentais. A mera existência de ação revisional não garante a
suspensão da execução pelas regras do Decreto-lei 70/66. Para tanto
a discussão deve se fundar em jurisprudência consolidada do STF ou STJ
(fumus boni iuris). REsp 1067237, artigo 543-C do CPC.
XI - Apelação improvida.Decisão
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide
a Egrégia Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região,
por unanimidade, negar provimento à apelação, nos termos do relatório
e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Data do Julgamento
:
26/03/2019
Data da Publicação
:
04/04/2019
Classe/Assunto
:
Ap - APELAÇÃO CÍVEL - 2299010
Órgão Julgador
:
PRIMEIRA TURMA
Relator(a)
:
DESEMBARGADOR FEDERAL VALDECI DOS SANTOS
Comarca
:
TRIBUNAL - TERCEIRA REGIÃO
Tipo
:
Acórdão
Indexação
:
VIDE EMENTA.
Fonte da publicação
:
e-DJF3 Judicial 1 DATA:04/04/2019
..FONTE_REPUBLICACAO:
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