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Jurisprudência


TRF3 0003284-23.2007.4.03.6120 00032842320074036120

Ementa
PROCESSUAL CIVIL. REMESSA NECESSÁRIA TIDA POR INTERPOSTA. INAPLICABILIDADE DA EXCEÇÃO DO ART. 475, §2, DO CPC/73. PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO-DOENÇA. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. CARÊNCIA. QUALIDADE DE SEGURADO. INCAPACIDADE LABORAL TOTAL E PERMANENTE. DESCONSIDERAÇÃO DA CONCLUSÃO PERICIAL. PERMANÊNCIA NO TRABALHO APESAR DA INCAPACIDADE LABORAL. IMPOSSIBILIDADE. ESTADO DE NECESSIDADE. SOBREVIVÊNCIA. DESDOBRAMENTO DO DIREITO CONSTITUCIONAL À VIDA. PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. PRECEDENTES DESTA CORTE. REMESSA NECESSÁRIA E APELAÇÃO DO INSS DESPROVIDAS. SENTENÇA MANTIDA. AÇÃO JULGADA PROCEDENTE. 1 - Remessa necessária tida por interposta. No caso, houve condenação do INSS na concessão e no pagamento dos atrasados dos benefícios previdenciários por incapacidade desde 31/1/2007. Constata-se, portanto, que desde o termo inicial do benefício de auxílio-doença (31/1/2007) até a data da prolação da sentença (20/9/2011) contam-se 56 (cinquenta e seis) prestações que, devidamente corrigidas e com a incidência de juros de mora e verba honorária, se afigura superior ao limite de alçada estabelecido na lei processual, razão pela qual deve ser conhecida a remessa necessária, nos termos do artigo 475, I, do Código de Processo Civil de 1973. 2 - A cobertura do evento invalidez é garantia constitucional prevista no Título VIII, Capítulo II da Seguridade Social, no art. 201, I, da Constituição Federal. 3 - A Lei nº 8.213/91, nos arts. 42 a 47, que o benefício previdenciário da aposentadoria por invalidez será devido ao segurado que tiver cumprido o período de carência exigido de 12 (doze) contribuições mensais, estando ou não em gozo de auxílio-doença, for considerado incapaz e insusceptível de reabilitação para o exercício da atividade que lhe garanta a subsistência. 4 - O auxílio-doença é direito daquele filiado à Previdência, que tiver cumprido o tempo supramencionado, e for considerado temporariamente inapto para o seu labor ou ocupação habitual, por mais de 15 (quinze) dias consecutivos (arts. 59 a 63 da legis). 5 - O ato de concessão ou de reativação do auxílio-doença deve, sempre que possível, fixar o prazo estimado de duração, e, na sua ausência, será considerado o prazo de 120 (cento e vinte) dias, findo o qual cessará o benefício, salvo se o segurado postular a sua prorrogação (§11 do art. 60 da Lei nº 8.213/91, incluído pela Medida Provisória nº 767, de 2017). 6 - Independe de carência a concessão dos benefícios nas hipóteses de acidente de qualquer natureza ou causa e de doença profissional ou do trabalho, bem como ao segurado que, após filiar-se ao Regime Geral da Previdência Social - RGPS, for acometido das moléstias elencadas taxativamente no art. 151 da Lei 8.213/91. 7 - A patologia ou a lesão que já portara o trabalhador ao ingressar no Regime, não impede o deferimento dos benefícios se tiver decorrido a inaptidão de progressão ou agravamento da moléstia. 8 - Necessário para o implemento dos beneplácitos em tela, revestir-se do atributo de segurado, cuja mantença se dá, mesmo sem recolher as contribuições, àquele que conservar todos os direitos perante a Previdência Social durante um lapso variável, a que a doutrina denominou "período de graça", conforme o tipo de filiado e a sua situação, o qual pode ser prorrogado por 24 (vinte e quatro) meses aos que contribuíram por mais de 120 (cento e vinte) meses, nos termos do art. 15 e §1º da Lei. 9 - Havendo a perda da mencionada qualidade, o segurado deverá contar com 12 (doze) contribuições mensais, a partir da nova filiação à Previdência Social, para efeitos de carência, para a concessão dos benefícios de auxílio-doença e aposentadoria por invalidez (art. 27-A da Lei nº 8.213/91, incluído pela Medida Provisória nº 767, de 2017). 10 - No laudo pericial de fls. 138/145, elaborado por profissional médico de confiança do Juízo em 01/2/2010, constatou-se ser a parte autora portadora de "Síndrome Neuropsiquiátrica associada ao Traumatismo Crânio Encefálico (SNP-TCE)" (resposta ao quesito n. 1 do autor - fl. 139). Esclareceu o vistor oficial que o autor apresenta atualmente, em graus variáveis, "distúrbio do humor, alterações de comportamento e déficits cognitivos (alterações na atenção, vigilância, concentração, memória, linguagem e função executiva, na presença de inteligência próxima à normalidade (...) Trata-se de um quadro onde temos força motriz preservada, mas capacidade mental reduzida, que o impede de cumprir laços trabalhistas, comprovado pelos vínculos trabalhistas de curta duração, após sua alta pela perícia do INSS: 11/06/2001-15/9/2003, 05/07/2004-19/11/2004, 04/09/2007-11/10/2007, 15/10/2007-13/11/2007, 01/12/2007-06/01/2008 e 09/06/2008-19/08/2008, e pelo trabalho atual referido pelo autor: "bicos" carpinando terrenos e quintais (que também mostra uma dificuldade em assumir e cumprir compromissos trabalhistas regulares)" (sic) (resposta ao quesito n. 2 do autor - fl. 139). Concluiu pela existência de incapacidade total e permanente para o trabalho (resposta ao quesito n. 4 do Juízo - fl. 143). 11 - No que se refere à data de início da incapacidade laboral, o vistor oficial a considera "coincidente com a Data do Início da Doença (DID), a partir de 14/10/2001, data do acidente sofrido pelo autor (queda de bicicleta) com consequente TCE" (resposta ao quesito n. 11 do Juízo - fl. 144). 12 - Da mesma forma que o juiz não está adstrito ao laudo pericial, a contrario sensu do que dispõe o art. 436 do CPC/73 (atual art. 479 do CPC) e do princípio do livre convencimento motivado, a não adoção das conclusões periciais, na matéria técnica ou científica que refoge à controvérsia meramente jurídica depende da existência de elementos robustos nos autos em sentido contrário e que infirmem claramente o parecer do experto. Atestados médicos, exames ou quaisquer outros documentos produzidos unilateralmente pelas partes não possuem tal aptidão, salvo se aberrante o laudo pericial, circunstância que não se vislumbra no caso concreto. Por ser o juiz o destinatário das provas, a ele incumbe a valoração do conjunto probatório trazido a exame. Precedentes: STJ, 4ª Turma, RESP nº 200802113000, Rel. Luis Felipe Salomão, DJE: 26/03/2013; AGA 200901317319, 1ª Turma, Rel. Arnaldo Esteves Lima, DJE. 12/11/2010. 13 - Saliente-se que a perícia médica foi efetivada por profissional inscrito no órgão competente, o qual respondeu aos quesitos elaborados e forneceu diagnóstico com base na análise de histórico da parte e de exames complementares por ela fornecidos, bem como efetuando demais análises que entendeu pertinentes, e, não sendo infirmado pelo conjunto probatório, referida prova técnica merece confiança e credibilidade. 14 - O extrato do Cadastro Nacional de Informações Sociais da fl. 167/168 demonstra que o autor efetuou recolhimentos previdenciários nos seguintes períodos: como segurado empregado, de 02/11/1992 a 19/2/1993, de 01/3/1993 a 07/4/1993, de 24/5/1993 a 30/12/1993, de 23/5/1994 a 29/5/1994, de 30/5/1994 a 19/2/1995, de 27/5/1997 a 06/1997, de 15/6/1998 a 21/11/1998, 07/8/2000 a 11/2000, de 11/6/2001 a 15/9/2003, de 05/4/2004 a 22/11/2004, em 04/9/2007, de 15/10/2007 a 13/11/2007, de 01/12/2007 a 06/1/2008, de 09/6/2008 a 07/2008 e de 03/5/2010 a 19/10/2010; como trabalhador avulso, de 01/10/1999 a 30/11/1999 e de 01/10/1999 a 31/10/1999 e, como autônomo, de 01/1/1997 a 31/1/1997 e de 01/7/1997 a 31/10/1997. 15 - O extrato do CNIS de fls. 83/84 ainda revela que o autor esteve em gozo do benefício de auxílio-doença de 15/10/2001 a 17/8/2003 e de 27/1/2005 a 31/1/2007. 16 - Assim, observados o histórico contributivo do autor, notadamente os contratos de trabalho vigentes de 07/8/2000 a 11/2000 e de 11/6/2001 a 15/9/2003, e a data de início da incapacidade laboral (14/10/2001), verifica-se que a própria Autarquia Previdenciária reconheceu não só o cumprimento da carência mínima exigida por lei e a condição de segurado do demandante, mas também o fato de que a incapacidade laboral eclodiu quando ele já estava vinculado ao sistema, ao conceder-lhe o benefício de auxílio-doença em 15/10/2001 (NB 1213214391). 17 - Não há dúvida que os benefícios por incapacidade servem justamente para suprir a ausência da remuneração do segurado que tem sua força de trabalho comprometida e não consegue exercer suas ocupações profissionais habituais, em razão de incapacidade temporária ou definitiva. Assim como não se questiona o fato de que o exercício de atividade remunerada, após a implantação de tais benefícios, implica na sua imediata cessação e na necessidade de devolução das parcelas recebidas durante o período que o segurado auferiu renda. E os princípios que dão sustentação ao raciocínio são justamente os da vedação ao enriquecimento ilícito e da coibição de má-fé do segurado. É, inclusive, o que deixou expresso o legislador no art. 46 da Lei nº 8.213/91, em relação à aposentadoria por invalidez. 18 - Completamente diferente, entretanto, é a situação do segurado que se vê compelido a ter de ingressar em juízo, diante da negativa da autarquia previdenciária de lhe conceder o benefício vindicado, por considerar ausente algum dos requisitos necessários. Ora, havendo pretensão resistida e enquanto não acolhido o pleito do jurisdicionado, é óbvio que outra alternativa não lhe resta, senão a de se sacrificar, inclusive com possibilidade de agravamento da situação incapacitante, como única maneira de prover o próprio sustento. Isto não configura má-fé e, muito menos, enriquecimento ilícito. A ocorrência denomina-se estado de necessidade e nada mais é do que desdobramento dos direitos constitucionais à vida e dignidade do ser humano. Realmente é intrigante a postura do INSS porque, ao que tudo indica, pretende que o sustento do segurado fosse provido de forma divina, transferindo responsabilidade sua para o incapacitado ou, então, para alguma entidade que deve reputar sacra. Pugna pela responsabilização patrimonial daquele que teve seu direito violado, necessitou de tutela jurisdicional para tê-lo reparado, viu sua legítima pretensão ser resistida até o fim e teve de suportar o calvário processual. 19 - No caso específico dos autos, a demanda foi aforada em 21/5/2010 (fl. 2), justamente porque cessado indevida e administrativamente o benefício em janeiro de 2007, e sentenciada em 20/09/2011 (fl. 182), oportunidade em que se restabeleceu o benefício de auxílio-doença desde a última cessação administrativa, convertendo-o em aposentadoria por invalidez, a partir da perícia judicial, sendo concedida a antecipação de tutela. O início do pagamento (DIP) se deu em 01/09/2011 (fl. 184). 20 - Premido a laborar, diante do direito vilipendiado e da necessidade de sobrevivência, com recolhimentos ao RGPS, não se pode admitir a penalização do segurado com o desconto dos valores do benefício devido no período em que perdurou o contrato de trabalho. Até porque, nessas circunstâncias, tal raciocínio serviria de estímulo ao mercado informal de trabalho, absolutamente censurável e ofensivo à dignidade do trabalhador, eis que completamente à margem da fiscalização estatal, o que implicaria, inclusive, em prejuízo ao erário e ao custeio do regime. Precedentes desta Corte Regional (AC 0036499-51.2011.4.03.9999, 10ª Turma, Rel. Des. Fed. Baptista Pereira, j. 05/02/2013, e-DJF3 Judicial 1 DATA:15/02/2013; AR 0019784-55.2011.4.03.0000, 3ª Seção, Rel. Des. Fed. Sérgio Nascimento, 3ª Seção, j. 13/10/2011, e-DJF3 Judicial 1 DATA:18/11/2013; AC 0000298-55.2014.4.03.9999). 21 - Dessa forma, tendo em vista que o demandante é incapaz e totalmente insusceptível de reabilitação para o exercício da atividade que lhe garanta a subsistência, de rigor a concessão do benefício de aposentadoria por invalidez. 22 - Remessa necessária e apelação do INSS desprovidas. Sentença mantida. Ação julgada procedente.
Decisão
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Sétima Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, negar provimento à remessa necessária, tida por interposta, e à apelação do INSS, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Data do Julgamento : 06/11/2017
Data da Publicação : 16/11/2017
Classe/Assunto : Ap - APELAÇÃO CÍVEL - 1733298
Órgão Julgador : SÉTIMA TURMA
Relator(a) : DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO
Comarca : TRIBUNAL - TERCEIRA REGIÃO
Tipo : Acórdão
Indexação : VIDE EMENTA.
Fonte da publicação : e-DJF3 Judicial 1 DATA:16/11/2017 ..FONTE_REPUBLICACAO:
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