TRF3 0003373-24.2017.4.03.0000 00033732420174030000
REVISÃO CRIMINAL. PROTEÇÃO À COISA JULGADA E HIPÓTESES DE CABIMENTO. CASO
CONCRETO. PEDIDO DE ADEQUAÇÃO DA PENA-BASE. PEDIDO DE RECONHECIMENTO DE
BIS IN IDEM ENTRE A AGRAVANTE PREVISTA NO ART. 61, II, G, DO CÓDIGO PENAL,
E A CAUSA DE AUMENTO DE PENA ELENCADA NO ART. 327, § 2º, DO MESMO DIPLOMA
LEGAL. IMPROCEDÊNCIA DA PRETENSÃO.
- O Ordenamento Constitucional de 1988 elencou a coisa julgada como direito
fundamental do cidadão (art. 5º, XXXVI), conferindo indispensável
proteção ao valor segurança jurídica com o escopo de que as relações
sociais fossem pacificadas após a exaração de provimento judicial dotado
de imutabilidade. Sobrevindo a impossibilidade de apresentação de recurso
em face de uma decisão judicial, há que ser reconhecida a imutabilidade
do provimento tendo como base a formação tanto de coisa julgada formal
(esgotamento da instância) como de coisa julgada material (predicado que
torna imutável o que restou decidido pelo Poder Judiciário, prestigiando,
assim, a justiça e a ordem social).
- Situações excepcionais, fundadas na ponderação de interesses de
assento constitucional, permitem o afastamento de tal característica da
imutabilidade das decisões exaradas pelo Poder Judiciário a fim de que
prevaleça outro interesse (também tutelado constitucionalmente), sendo
justamente neste panorama que nosso sistema jurídico prevê a existência de
Ação Rescisória (a permitir o afastamento da coisa julgada no âmbito do
Processo Civil) e de Revisão Criminal (a possibilitar referido afastamento
na senda do Processo Penal).
- No âmbito do Processo Penal, para que seja possível a reconsideração
do que restou decidido sob o manto da coisa julgada, deve ocorrer no caso
concreto uma das situações previstas para tanto no ordenamento jurídico
como hipótese de cabimento da Revisão Criminal nos termos do art. 621
do Código de Processo Penal. Assim, permite-se o ajuizamento de Revisão
Criminal fundada em argumentação no sentido de que (a) a sentença proferida
encontra-se contrária a texto expresso de lei ou a evidência dos autos;
(b) a sentença exarada fundou-se em prova comprovadamente falsa; e (c) houve
o surgimento de prova nova, posterior à sentença, de que o condenado seria
inocente ou de circunstância que permitiria a diminuição da reprimenda
então imposta.
- A Revisão Criminal não se mostra como via adequada para que haja um
rejulgamento do conjunto fático-probatório constante da relação processual
originária, razão pela qual impertinente a formulação de argumentação que
já foi apreciada e rechaçada pelo juízo condenatório. Sequer a existência
de interpretação controvertida permite a propositura do expediente em
tela, pois tal situação (controvérsia de tema na jurisprudência) não
se enquadra na ideia necessária para que o instrumento tenha fundamento de
validade no inciso I do art. 621 do Código de Processo Penal.
- Aduz a revisionanda que a pena-base foi exacerbada em ½ em decorrência das
consequências do crime (prejuízo imposto à Caixa Econômica Federal - CEF
no importe de R$ 100.000,00 - cem mil reais), o que padeceria de ilegalidade
na justa medida em que tal cifra não poderia ser tida como de monta em
face de instituição financeira que fatura milhões de reais ao ano. Aduz,
ainda, que o valor anteriormente declinado é resultado de várias condutas
da suplicante, o que teria sido majorado quando do assentamento da ficção
jurídica do crime continuado, configurando, assim, bis in idem defeso pelo
sistema.
- O Código Penal não estabelece patamares majorantes para as circunstâncias
judiciais previstas em seu art. 59, de modo que, a princípio, mostra-se
possível o aumento da pena-base até o seu limite máximo em razão de uma
única circunstância considerada desfavorável (desde que o juiz o faça de
forma fundamentada). Precedentes do C. Superior Tribunal de Justiça. Dentro
de tal contexto, adentrando ao caso concreto e analisando os termos fundantes
a supedanear a fixação da pena-base acima do mínimo legal, de fato as
consequências do crime mostraram-se exorbitantes à normalidade dos crimes
de peculato na justa medida em que o erário foi desprovido de importância
de vulto (R$ 100.000,00 - cem mil reais), levando-se ainda mais em conta que
tal cifra é histórica e remonta aos idos de setembro de 2004 a junho de
2005. Acaso seja levado em consideração o valor do salário mínimo vigente
a partir de 1º de maio de 2004, qual seja, R$ 260,00 (duzentos e sessenta
reais), chega-se à conclusão de que o desvio redundou em apropriação,
em prejuízo dos combalidos cofres públicos, de mais de 384 (trezentos
e oitenta e quatro) salários mínimos, o que, por si só, é fundamento
mais do que idôneo a referendar a até mesmo módica exacerbação levada
a efeito na pena-base ora discutida.
- Beira ao irrazoável argumentação no sentido de que o montante de R$
100.000,00 (cem mil reais) seria diminuto em face dos lucros que instituições
financeiras auferem ano a ano. Para além de ser um desfalque que refoge
ao corrente peculato (que estaria configurado com a mera apropriação de
míseros reais pertencentes ao poder público), o raciocínio desenvolvido pela
revisionanda teria o condão, em última análise, de impedir o reconhecimento
de qualquer crime patrimonial cometido em face de conglomerados econômicos
ou de pessoas físicas abonadas na justa medida em que, para "ricos", o que
seria a perda de parcela ínfima de seu patrimônio. Se tal argumentação
mostra-se inadequada quando o patrimônio é privado, que dirá quando em jogo
o interesse público primário a todos pertencentes de uma administração
pública (empregada em sentido amplo) proba.
- Sequer é possível reconhecer o aventado bis in idem sustentado pela
revisionanda no ponto (qual seja, de que o valor anteriormente declinado
é resultado de várias condutas da suplicante, o que teria sido majorado
quando do assentamento da ficção jurídica do crime continuado). A figura da
continuidade delitiva leva em consideração, para fins de fixação do quantum
majorador, a quantidade de crimes perpetrados pelo agente (justamente com o
escopo de que não tenha cabimento - em benefício do acusado - o concurso
material de delitos, cuja consequência está na somatória das diversas penas
individualizadas fixadas de acordo com o reconhecimento dos inúmeros crimes
perpetrados). Desta feita, em momento algum o valor desviado foi levado
em consideração para fins de delimitação da fração de aumento pelo
assentamento do instituto elencado no art. 71 do Código Penal. Precedentes
do C. Supremo Tribunal Federal e do E. Superior Tribunal de Justiça.
- Alega a revisionanda a existência de bis in idem não tolerado pelo
ordenamento na justa medida em que teve reconhecida contra sua pessoa a
agravante prevista no art. 61, II, g, do Código Penal, ao mesmo tempo em
que aplicada a causa de aumento de pena elencada no § 2º do art. 327 do
Código Penal. Todavia, a teor do v. voto proferido quando do julgamento
dos recursos de Apelação manejados pelos então corréus, não se verifica
a aplicação da agravante anteriormente declinada ao caso concreto, o que
faz com que caia por terra a argumentação ventilada pela revisionanda nesta
senda e reste prejudicado o pedido formulado de reconhecimento de bis in idem.
- Após o exaurimento da análise dos pontos aventados pela revisionanda,
nota-se que sua intenção está em rediscutir nesta senda aspectos que foram
todos apreciados, contextualizados e julgados na Ação Penal subjacente, o que
não se coaduna com os limites de cognição consagrados para fins revisionais
na justa medida em que o expediente em tela não deve ser interpretado como
uma nova possibilidade de haver um julgamento de recurso de Apelação (com
a cognição inerente a tal recurso). Em última instância, depreende-se
sua intenção em manifestar seu inconformismo com a condenação que lhe
foi impingida, condenação esta balizada no amplo conhecimento das provas
e dos fatos e da extensiva valoração levada a efeito na Ação Penal que
deu origem ao título penal condenatório que se busca desconstituir, o que
não se admite ser aventado em Revisão Criminal.
- Revisão Criminal julgada improcedente.
Ementa
REVISÃO CRIMINAL. PROTEÇÃO À COISA JULGADA E HIPÓTESES DE CABIMENTO. CASO
CONCRETO. PEDIDO DE ADEQUAÇÃO DA PENA-BASE. PEDIDO DE RECONHECIMENTO DE
BIS IN IDEM ENTRE A AGRAVANTE PREVISTA NO ART. 61, II, G, DO CÓDIGO PENAL,
E A CAUSA DE AUMENTO DE PENA ELENCADA NO ART. 327, § 2º, DO MESMO DIPLOMA
LEGAL. IMPROCEDÊNCIA DA PRETENSÃO.
- O Ordenamento Constitucional de 1988 elencou a coisa julgada como direito
fundamental do cidadão (art. 5º, XXXVI), conferindo indispensável
proteção ao valor segurança jurídica com o escopo de que as relações
sociais fossem pacificadas após a exaração de provimento judicial dotado
de imutabilidade. Sobrevindo a impossibilidade de apresentação de recurso
em face de uma decisão judicial, há que ser reconhecida a imutabilidade
do provimento tendo como base a formação tanto de coisa julgada formal
(esgotamento da instância) como de coisa julgada material (predicado que
torna imutável o que restou decidido pelo Poder Judiciário, prestigiando,
assim, a justiça e a ordem social).
- Situações excepcionais, fundadas na ponderação de interesses de
assento constitucional, permitem o afastamento de tal característica da
imutabilidade das decisões exaradas pelo Poder Judiciário a fim de que
prevaleça outro interesse (também tutelado constitucionalmente), sendo
justamente neste panorama que nosso sistema jurídico prevê a existência de
Ação Rescisória (a permitir o afastamento da coisa julgada no âmbito do
Processo Civil) e de Revisão Criminal (a possibilitar referido afastamento
na senda do Processo Penal).
- No âmbito do Processo Penal, para que seja possível a reconsideração
do que restou decidido sob o manto da coisa julgada, deve ocorrer no caso
concreto uma das situações previstas para tanto no ordenamento jurídico
como hipótese de cabimento da Revisão Criminal nos termos do art. 621
do Código de Processo Penal. Assim, permite-se o ajuizamento de Revisão
Criminal fundada em argumentação no sentido de que (a) a sentença proferida
encontra-se contrária a texto expresso de lei ou a evidência dos autos;
(b) a sentença exarada fundou-se em prova comprovadamente falsa; e (c) houve
o surgimento de prova nova, posterior à sentença, de que o condenado seria
inocente ou de circunstância que permitiria a diminuição da reprimenda
então imposta.
- A Revisão Criminal não se mostra como via adequada para que haja um
rejulgamento do conjunto fático-probatório constante da relação processual
originária, razão pela qual impertinente a formulação de argumentação que
já foi apreciada e rechaçada pelo juízo condenatório. Sequer a existência
de interpretação controvertida permite a propositura do expediente em
tela, pois tal situação (controvérsia de tema na jurisprudência) não
se enquadra na ideia necessária para que o instrumento tenha fundamento de
validade no inciso I do art. 621 do Código de Processo Penal.
- Aduz a revisionanda que a pena-base foi exacerbada em ½ em decorrência das
consequências do crime (prejuízo imposto à Caixa Econômica Federal - CEF
no importe de R$ 100.000,00 - cem mil reais), o que padeceria de ilegalidade
na justa medida em que tal cifra não poderia ser tida como de monta em
face de instituição financeira que fatura milhões de reais ao ano. Aduz,
ainda, que o valor anteriormente declinado é resultado de várias condutas
da suplicante, o que teria sido majorado quando do assentamento da ficção
jurídica do crime continuado, configurando, assim, bis in idem defeso pelo
sistema.
- O Código Penal não estabelece patamares majorantes para as circunstâncias
judiciais previstas em seu art. 59, de modo que, a princípio, mostra-se
possível o aumento da pena-base até o seu limite máximo em razão de uma
única circunstância considerada desfavorável (desde que o juiz o faça de
forma fundamentada). Precedentes do C. Superior Tribunal de Justiça. Dentro
de tal contexto, adentrando ao caso concreto e analisando os termos fundantes
a supedanear a fixação da pena-base acima do mínimo legal, de fato as
consequências do crime mostraram-se exorbitantes à normalidade dos crimes
de peculato na justa medida em que o erário foi desprovido de importância
de vulto (R$ 100.000,00 - cem mil reais), levando-se ainda mais em conta que
tal cifra é histórica e remonta aos idos de setembro de 2004 a junho de
2005. Acaso seja levado em consideração o valor do salário mínimo vigente
a partir de 1º de maio de 2004, qual seja, R$ 260,00 (duzentos e sessenta
reais), chega-se à conclusão de que o desvio redundou em apropriação,
em prejuízo dos combalidos cofres públicos, de mais de 384 (trezentos
e oitenta e quatro) salários mínimos, o que, por si só, é fundamento
mais do que idôneo a referendar a até mesmo módica exacerbação levada
a efeito na pena-base ora discutida.
- Beira ao irrazoável argumentação no sentido de que o montante de R$
100.000,00 (cem mil reais) seria diminuto em face dos lucros que instituições
financeiras auferem ano a ano. Para além de ser um desfalque que refoge
ao corrente peculato (que estaria configurado com a mera apropriação de
míseros reais pertencentes ao poder público), o raciocínio desenvolvido pela
revisionanda teria o condão, em última análise, de impedir o reconhecimento
de qualquer crime patrimonial cometido em face de conglomerados econômicos
ou de pessoas físicas abonadas na justa medida em que, para "ricos", o que
seria a perda de parcela ínfima de seu patrimônio. Se tal argumentação
mostra-se inadequada quando o patrimônio é privado, que dirá quando em jogo
o interesse público primário a todos pertencentes de uma administração
pública (empregada em sentido amplo) proba.
- Sequer é possível reconhecer o aventado bis in idem sustentado pela
revisionanda no ponto (qual seja, de que o valor anteriormente declinado
é resultado de várias condutas da suplicante, o que teria sido majorado
quando do assentamento da ficção jurídica do crime continuado). A figura da
continuidade delitiva leva em consideração, para fins de fixação do quantum
majorador, a quantidade de crimes perpetrados pelo agente (justamente com o
escopo de que não tenha cabimento - em benefício do acusado - o concurso
material de delitos, cuja consequência está na somatória das diversas penas
individualizadas fixadas de acordo com o reconhecimento dos inúmeros crimes
perpetrados). Desta feita, em momento algum o valor desviado foi levado
em consideração para fins de delimitação da fração de aumento pelo
assentamento do instituto elencado no art. 71 do Código Penal. Precedentes
do C. Supremo Tribunal Federal e do E. Superior Tribunal de Justiça.
- Alega a revisionanda a existência de bis in idem não tolerado pelo
ordenamento na justa medida em que teve reconhecida contra sua pessoa a
agravante prevista no art. 61, II, g, do Código Penal, ao mesmo tempo em
que aplicada a causa de aumento de pena elencada no § 2º do art. 327 do
Código Penal. Todavia, a teor do v. voto proferido quando do julgamento
dos recursos de Apelação manejados pelos então corréus, não se verifica
a aplicação da agravante anteriormente declinada ao caso concreto, o que
faz com que caia por terra a argumentação ventilada pela revisionanda nesta
senda e reste prejudicado o pedido formulado de reconhecimento de bis in idem.
- Após o exaurimento da análise dos pontos aventados pela revisionanda,
nota-se que sua intenção está em rediscutir nesta senda aspectos que foram
todos apreciados, contextualizados e julgados na Ação Penal subjacente, o que
não se coaduna com os limites de cognição consagrados para fins revisionais
na justa medida em que o expediente em tela não deve ser interpretado como
uma nova possibilidade de haver um julgamento de recurso de Apelação (com
a cognição inerente a tal recurso). Em última instância, depreende-se
sua intenção em manifestar seu inconformismo com a condenação que lhe
foi impingida, condenação esta balizada no amplo conhecimento das provas
e dos fatos e da extensiva valoração levada a efeito na Ação Penal que
deu origem ao título penal condenatório que se busca desconstituir, o que
não se admite ser aventado em Revisão Criminal.
- Revisão Criminal julgada improcedente.Decisão
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide
a Egrégia Quarta Seção do Tribunal Regional Federal da 3ª Região,
por unanimidade, JULGAR IMPROCEDENTE o pleito revisional, nos termos do
relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Data do Julgamento
:
21/02/2019
Data da Publicação
:
28/02/2019
Classe/Assunto
:
RvC - REVISÃO CRIMINAL - 1373
Órgão Julgador
:
QUARTA SEÇÃO
Relator(a)
:
DESEMBARGADOR FEDERAL FAUSTO DE SANCTIS
Comarca
:
TRIBUNAL - TERCEIRA REGIÃO
Tipo
:
Acórdão
Referência
legislativa
:
***** CF-1988 CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988
LEG-FED ANO-1988 ART-5 INC-36
***** CPP-41 CÓDIGO DE PROCESSO PENAL
LEG-FED DEL-3689 ANO-1941 ART-621 INC-1
***** CP-40 CÓDIGO PENAL DE 1940
LEG-FED DEL-2848 ANO-1940 ART-59 ART-61 INC-2 LET-G ART-71 ART-327 PAR-2
Fonte da publicação
:
e-DJF3 Judicial 1 DATA:28/02/2019
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