TRF3 0003507-73.2016.4.03.6115 00035077320164036115
CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. PRELIMINAR DE INADEQUAÇÃO
DA VIA ELEITA REJEITADA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. CIDADANIA. ACESSIBILIDADE
DE PESSOAS PORTADORAS DE NECESSIDADES ESPECIAIS AO EDIFÍCIO DA PROCURADORIA
SECCIONAL DA FAZENDA NACIONAL EM SÃO CARLOS/SP. PREVISÃO CONSTITUCIONAL. LEIS
7.853/89, 10.048/00 e 10.098/00, DECRETOS 3.298/99 e 5.296/04. MUDANÇA DE SEDE
OU OBRAS DE ADAPTAÇÃO E CONSTRUÇÃO. PRAZO PARA CONCLUSÃO. ASTREINTES.
- Não há que se falar em inadequação da via. A ação civil pública pode
veicular pedido de tutela de obrigação de fazer ou não fazer. Embora o
art. 1º da Lei nº 7.347/85 mencione reger as ações de responsabilidade
por danos, o art. 11 é claro ao se referir a ações que tenham por
objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer. Embora seja
óbvio que a ação civil pública não possa substituir a ação direta de
inconstitucionalidade, a presente demanda tem o restrito objetivo de impor
obrigação de fazer ao réu, não de tornar ineficaz erga omnes dispositivo
normativo.
- O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL ajuizou a presente ação civil pública
em face da UNIÃO, objetivando a imposição de obrigação de fazer, qual
seja, instalar a Procuradoria Seccional da Fazenda Nacional em São Carlos
em imóvel que atenda as normas e padrões técnicos de acessibilidade
às pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida. Aduz
o Ministério Público ter instaurado o procedimento preparatório nº
1.34.023.000139/2016-27, que confere o necessário suporte a esta ação,
a fim de apurar as condições do prédio em que instalada a Procuradoria
Seccional da Fazenda Nacional em São Carlos. Afirma que foi realizada
vistoria técnica no prédio, pela Universidade de São Paulo, resultando
em laudo pericial que indicou uma série de irregularidades relativas à
acessibilidade. Alega que o prédio da Procuradoria é próprio, sendo
necessária reforma para cumprir as normas de acessibilidade com urgência.
- A Constituição Federal, no capítulo referente à família, criança,
adolescente, jovem e idoso, introduziu (artigo 227, § 2º) a política
pública de acessibilidade. As Disposições Constitucionais Gerais
complementou (artigo 244) a citada norma. Verifica-se, portanto, que a norma
constitucional estabeleceu a necessidade de lei para regulamentar a questão
da acessibilidade nos edifícios de uso público, tanto no que se refere à
construção (art. 227, § 2º) como a adaptação (art. 244).
- Atendendo ao comando constitucional, foram editadas, dentre outras, as
seguintes leis que podem ser consideradas principais no que diz respeito a
acessibilidade em imóveis, tanto no que diz respeito à construção como
adaptação: Lei n. 7.853/89 (dispõe sobre o apoio às pessoas portadoras
de deficiência, sua integração social, sobre a CORDE, institui a tutela
jurisdicional de interesses coletivos ou difusos dessas pessoas, disciplina a
atuação do Ministério Público, define crimes e dá outras providências);
Decreto n. 3.298/99 (que regulamentou a Lei n. 7.853/89, e dispõe sobre a
política Nacional para a Integração da Pessoa portadora de deficiência,
consolidando normas de proteção); Lei n. 10.098/00 (estabeleceu normas
gerais e critérios básicos para a promoção de acessibilidade das pessoas
portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida); Decreto n. 5.296/04
(regulamentou as Leis n. 10.048/2000, que dá prioridade de atendimento
às pessoas que especifica e Lei n. 10.098, de 19 de dezembro de 2000,
que estabelece normas gerais e critérios básicos para a promoção de
acessibilidade das pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade
reduzida); e Lei nº 13.146/15 (instituiu a Lei Brasileira de Inclusão da
Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência).
- No caso dos autos, as irregularidades do prédio em que instalada a PFN
em São Carlos são fato incontroverso. O Ministério Público demonstra
por laudo haver irregularidades quanto às condições de acessibilidade
de pessoas com deficiência e o réu as admite, embora entenda não haver
necessidade de instalar a PFN local em imóvel provido de acessibilidade.
- De modo nenhum socorre ao réu se escusar de cumprir as prescrições a
respeito da acessibilidade sob o pretexto de que no imóvel não há servidores
lotados com deficiência física, nem que ao local acorrem frequentemente
pessoas com necessidades especiais. As condições de acessibilidade devem ser
observadas a despeito da demanda atual, afinal, o serviço público é posto
à disposição de todos, inclusive a indeterminada demanda futura. Mesmo a
falta de reclamações não seria razão de isenção: a acessibilidade de
edifício público é impositiva (Lei nº 10.098/00, art. 11).
- Alegar limitação orçamentária, invocar a teoria da reserva do possível
ou afirmar a falta de recursos públicos materiais ou financeiros, em si,
não justifica a omissão pública, especialmente em campo tão nobre como
é da vida digna e da saúde, incluso a proteção às pessoas portadoras
de necessidade especiais.
- Nem mesmo o requisito formal da licitação, cuja legislação conhece
hipóteses de dispensa e inexigibilidade, pode impor-se em circunstâncias
tão especiais, de proteção às pessoas portadoras de necessidade especiais,
o que, por evidente, não autoriza que, com tal pretexto, sejam praticadas
arbitrariedades, desvios de poder e de finalidade.
- Existe urgência que se cumpra o determinado pelo Juízo a quo, haja
vista que a falta de acessibilidade impediu até agora que alguma pessoa
com deficiência ou com mobilidade reduzida valha-se das instalações da
Procuradoria da Fazenda Nacional em São Carlos/SP, seja como usuária do
serviço público, seja até mesmo como servidora ou contratada.
- O cumprimento da sentença não necessita da transferência para outro
prédio, podendo-se fazer a reforma do prédio atual.
- Sentença que condenou a União a instalar a Procuradoria Seccional da
Fazenda Nacional em São Carlos/SP em prédio dotado de condições de
acessibilidade deve ser mantida, ressalvando que a obrigação pode ser
cumprida reformando o prédio atual que lhe pertence (conforme o disposto
na Lei nº 10.098/2000, Decreto nº 5.296/2004, e demais normas que tratam
de acessibilidade, tudo em conformidade com as Normas Técnicas da ABNT).
- A obrigação deverá ser cumprida em 6 (seis) meses. Astreintes no valor
de R$ 1.000,00 (um mil reais) diários.
- Apelação da UNIÃO improvida. Recurso do MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
parcialmente provido.
Ementa
CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. PRELIMINAR DE INADEQUAÇÃO
DA VIA ELEITA REJEITADA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. CIDADANIA. ACESSIBILIDADE
DE PESSOAS PORTADORAS DE NECESSIDADES ESPECIAIS AO EDIFÍCIO DA PROCURADORIA
SECCIONAL DA FAZENDA NACIONAL EM SÃO CARLOS/SP. PREVISÃO CONSTITUCIONAL. LEIS
7.853/89, 10.048/00 e 10.098/00, DECRETOS 3.298/99 e 5.296/04. MUDANÇA DE SEDE
OU OBRAS DE ADAPTAÇÃO E CONSTRUÇÃO. PRAZO PARA CONCLUSÃO. ASTREINTES.
- Não há que se falar em inadequação da via. A ação civil pública pode
veicular pedido de tutela de obrigação de fazer ou não fazer. Embora o
art. 1º da Lei nº 7.347/85 mencione reger as ações de responsabilidade
por danos, o art. 11 é claro ao se referir a ações que tenham por
objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer. Embora seja
óbvio que a ação civil pública não possa substituir a ação direta de
inconstitucionalidade, a presente demanda tem o restrito objetivo de impor
obrigação de fazer ao réu, não de tornar ineficaz erga omnes dispositivo
normativo.
- O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL ajuizou a presente ação civil pública
em face da UNIÃO, objetivando a imposição de obrigação de fazer, qual
seja, instalar a Procuradoria Seccional da Fazenda Nacional em São Carlos
em imóvel que atenda as normas e padrões técnicos de acessibilidade
às pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida. Aduz
o Ministério Público ter instaurado o procedimento preparatório nº
1.34.023.000139/2016-27, que confere o necessário suporte a esta ação,
a fim de apurar as condições do prédio em que instalada a Procuradoria
Seccional da Fazenda Nacional em São Carlos. Afirma que foi realizada
vistoria técnica no prédio, pela Universidade de São Paulo, resultando
em laudo pericial que indicou uma série de irregularidades relativas à
acessibilidade. Alega que o prédio da Procuradoria é próprio, sendo
necessária reforma para cumprir as normas de acessibilidade com urgência.
- A Constituição Federal, no capítulo referente à família, criança,
adolescente, jovem e idoso, introduziu (artigo 227, § 2º) a política
pública de acessibilidade. As Disposições Constitucionais Gerais
complementou (artigo 244) a citada norma. Verifica-se, portanto, que a norma
constitucional estabeleceu a necessidade de lei para regulamentar a questão
da acessibilidade nos edifícios de uso público, tanto no que se refere à
construção (art. 227, § 2º) como a adaptação (art. 244).
- Atendendo ao comando constitucional, foram editadas, dentre outras, as
seguintes leis que podem ser consideradas principais no que diz respeito a
acessibilidade em imóveis, tanto no que diz respeito à construção como
adaptação: Lei n. 7.853/89 (dispõe sobre o apoio às pessoas portadoras
de deficiência, sua integração social, sobre a CORDE, institui a tutela
jurisdicional de interesses coletivos ou difusos dessas pessoas, disciplina a
atuação do Ministério Público, define crimes e dá outras providências);
Decreto n. 3.298/99 (que regulamentou a Lei n. 7.853/89, e dispõe sobre a
política Nacional para a Integração da Pessoa portadora de deficiência,
consolidando normas de proteção); Lei n. 10.098/00 (estabeleceu normas
gerais e critérios básicos para a promoção de acessibilidade das pessoas
portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida); Decreto n. 5.296/04
(regulamentou as Leis n. 10.048/2000, que dá prioridade de atendimento
às pessoas que especifica e Lei n. 10.098, de 19 de dezembro de 2000,
que estabelece normas gerais e critérios básicos para a promoção de
acessibilidade das pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade
reduzida); e Lei nº 13.146/15 (instituiu a Lei Brasileira de Inclusão da
Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência).
- No caso dos autos, as irregularidades do prédio em que instalada a PFN
em São Carlos são fato incontroverso. O Ministério Público demonstra
por laudo haver irregularidades quanto às condições de acessibilidade
de pessoas com deficiência e o réu as admite, embora entenda não haver
necessidade de instalar a PFN local em imóvel provido de acessibilidade.
- De modo nenhum socorre ao réu se escusar de cumprir as prescrições a
respeito da acessibilidade sob o pretexto de que no imóvel não há servidores
lotados com deficiência física, nem que ao local acorrem frequentemente
pessoas com necessidades especiais. As condições de acessibilidade devem ser
observadas a despeito da demanda atual, afinal, o serviço público é posto
à disposição de todos, inclusive a indeterminada demanda futura. Mesmo a
falta de reclamações não seria razão de isenção: a acessibilidade de
edifício público é impositiva (Lei nº 10.098/00, art. 11).
- Alegar limitação orçamentária, invocar a teoria da reserva do possível
ou afirmar a falta de recursos públicos materiais ou financeiros, em si,
não justifica a omissão pública, especialmente em campo tão nobre como
é da vida digna e da saúde, incluso a proteção às pessoas portadoras
de necessidade especiais.
- Nem mesmo o requisito formal da licitação, cuja legislação conhece
hipóteses de dispensa e inexigibilidade, pode impor-se em circunstâncias
tão especiais, de proteção às pessoas portadoras de necessidade especiais,
o que, por evidente, não autoriza que, com tal pretexto, sejam praticadas
arbitrariedades, desvios de poder e de finalidade.
- Existe urgência que se cumpra o determinado pelo Juízo a quo, haja
vista que a falta de acessibilidade impediu até agora que alguma pessoa
com deficiência ou com mobilidade reduzida valha-se das instalações da
Procuradoria da Fazenda Nacional em São Carlos/SP, seja como usuária do
serviço público, seja até mesmo como servidora ou contratada.
- O cumprimento da sentença não necessita da transferência para outro
prédio, podendo-se fazer a reforma do prédio atual.
- Sentença que condenou a União a instalar a Procuradoria Seccional da
Fazenda Nacional em São Carlos/SP em prédio dotado de condições de
acessibilidade deve ser mantida, ressalvando que a obrigação pode ser
cumprida reformando o prédio atual que lhe pertence (conforme o disposto
na Lei nº 10.098/2000, Decreto nº 5.296/2004, e demais normas que tratam
de acessibilidade, tudo em conformidade com as Normas Técnicas da ABNT).
- A obrigação deverá ser cumprida em 6 (seis) meses. Astreintes no valor
de R$ 1.000,00 (um mil reais) diários.
- Apelação da UNIÃO improvida. Recurso do MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
parcialmente provido.Decisão
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide
a Egrégia Quarta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por
unanimidade, negar provimento ao recurso da União e dar parcial provimento
à apelação do Ministérió Público Federal, nos termos do relatório e
voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Data do Julgamento
:
20/06/2018
Data da Publicação
:
06/07/2018
Classe/Assunto
:
Ap - APELAÇÃO CÍVEL - 2278139
Órgão Julgador
:
QUARTA TURMA
Relator(a)
:
DESEMBARGADORA FEDERAL MÔNICA NOBRE
Comarca
:
TRIBUNAL - TERCEIRA REGIÃO
Tipo
:
Acórdão
Referência
legislativa
:
***** LACP-85 LEI DE AÇÃO CIVIL PÚBLICA
LEG-FED LEI-7347 ANO-1985 ART-1 ART-11
***** CF-1988 CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988
LEG-FED ANO-1988 ART-227 PAR-2 ART-244
LEG-FED LEI-7853 ANO-1989
LEG-FED DEC-3298 ANO-1999
LEG-FED LEI-7853 ANO-1989
LEG-FED DEC-5296 ANO-2004
LEG-FED LEI-10048 ANO-2000
LEG-FED LEI-13146 ANO-2015
ESTATUTO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA
LEG-FED LEI-10098 ANO-2000 ART-11
Fonte da publicação
:
e-DJF3 Judicial 1 DATA:06/07/2018
..FONTE_REPUBLICACAO:
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