TRF3 0003575-29.2012.4.03.6126 00035752920124036126
DIREITO DO CONSUMIDOR. PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO. LEGITIMIDADE PASSIVA
DA CEF. MÚTUO HABITACIONAL. ATRASO NA ENTREGA DA OBRA. RESPONSABILIDADE
SOLIDÁRIA. LUCROS CESSANTES E DANOS MORAIS COMPROVADOS. CABIMENTO. APELAÇÃO
PARCIALMENTE PROVIDA.
1. A instituição financeira não se limitou a atuar como agente financeiro no
"Contrato por Instrumento Particular de Compra e Venda de Terreno e Mútuo
para Construção com Obrigação, Fiança e Hipoteca - Financiamento de
Imóveis na Planta e/ou em Construção - Recursos FGTS", mas operou como
agente executor de política federal de promoção de moradia popular e
fiscalizador do andamento da obra, razão pela qual deve integrar o polo
passivo da demanda.
2. Segundo pode ser observado do instrumento contratual, a construção do
empreendimento Residencial Atlântico Norte, do qual faz parte a unidade
imobiliária adquirida pelos apelantes, recebeu subsídios do Governo Federal
por intermédio do Programa "Minha Casa, Minha Vida", funcionando a Caixa
Econômica Federal como agente operador do programa, atuando com controle
técnico, financeiro e operacional sobre o andamento da construção do
empreendimento.
3. Aplica-se o entendimento consolidado pelo Superior Tribunal de Justiça,
no sentido de que possui legitimidade passiva a Caixa Econômica Federal
para responder, nos casos em que não atua apenas como agente financeiro,
"por vícios, atraso ou outras questões relativas à construção de
imóveis objeto do Programa Habitacional Minha Casa Minha Vida se, à luz da
legislação, do contrato e da atividade por ela desenvolvida, atuar como
agente executor de políticas federais para a promoção de moradia para
pessoas de baixa renda (...)" (AgInt no REsp 1646130/PE, Rel. Ministro LUIS
FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 30/08/2018, DJe 04/09/2018).
4. Entre as partes litigantes emerge uma inegável relação de consumo,
regulamentada nos precisos termos que reza o Código de Defesa do
Consumidor. As empresas que formam a cadeia de fornecimento respondem de forma
objetiva, ou seja, independentemente da existência da culpa, pela reparação
dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação
de serviço, nos termos estipulados no artigo 14 do CDC. Precedente.
5. Nesta avença, em que manifestamente impede-se a livre discussão das
cláusulas contratuais, redigidas de forma antecipada e unilateral pela
instituição financeira, constava nova previsão unilateralmente estabelecida
para a conclusão da obra, conforme os prazos e etapas previstos no cronograma
físico-financeiro aprovados pela Caixa Econômica Federal.
6. Conhecida a vulnerabilidade do consumidor, ressalta a abusividade
da previsão de novo prazo de entrega do empreendimento, forma com que
as rés buscam se valer com o exclusivo fim de eximir os fornecedores da
responsabilidade pela inobservância do primeiro pacto, estipulando cláusula
que pesa apenas sobre o consumidor.
7. A cláusula que prevê prazo significativamente superior àquele
estabelecido no primeiro contrato gera vantagem somente à construtora, à
empresa organizadora e ao agente financeiro, quebra o equilíbrio contratual
e enfraquece ainda mais a posição desvalida do consumidor, violando
princípios fundamentais da relação de consumo, bem como os artigos 39,
inciso V, e 51, IV do CDC, razão pela qual deve ser desconsiderada.
8. Se novo limite para a entrega da obra precisou ser pactuado, isso não
se deve à culpa dos adquirentes do imóvel, mas exclusivamente à mora das
empresas, tecnicamente responsáveis pelo empreendimento, que deixaram de
entregar o imóvel no dia contratualmente estipulado. Em outras palavras,
os apelantes não podem ser prejudicados pela privação injusta do uso do
bem por descumprimento contratual imputável exclusivamente às demandadas.
9. Configurado o atraso na entrega do imóvel, é de ser julgado procedente
o pedido reparatório pelas perdas patrimoniais e extrapatrimoniais, de
forma a responder solidariamente todos os que tenham intervindo de alguma
forma na relação de consumo, e participado, direta ou indiretamente, para
ocorrência do dano, independentemente de culpa, nos termos do art. 14 e 18
do Código de Defesa do Consumidor.
10. É pacífico o entendimento jurisprudencial no sentido de que o simples
descumprimento contratual de entrega de unidade imobiliária no prazo pactuado
gera direito ao comprador de indenização pelos lucros cessantes, havendo
presunção de prejuízo. Nesse sentido, recentes precedentes do Superior
Tribunal de Justiça.
11. A responsabilidade pelos lucros cessantes é devida no valor equivalente
ao aluguel de um imóvel similar praticado pelo mercado, correspondente a 0,5%
(meio por cento) ao mês do valor atualizado do imóvel, desde a data em que
findo o prazo de tolerância estipulado no contrato até a efetiva entrega
do bem.
12. A despeito de conhecer a tese fixada pela Corte Superior, no sentido
de que o mero descumprimento contratual de atraso na entrega de obra não
gera danos morais, é de se entender, no presente caso, que os elementos
dos autos evidenciam mais do que mero dissabor causados aos apelantes.
13. E nem se menciona o puído argumento do "sonho da casa própria", porém,
não há como se desvencilhar da repercussão causada aos adquirentes
pelo atraso substancial na entrega de imóvel, pois adia planos, frustra
expectativas, e impõe aos compradores transtornos que ultrapassam o mero
aborrecimento.
14. Portanto, de rigor o pagamento de indenização a título de danos morais
fixados em R$ 10.000,00 (dez mil reais), quantia que atende aos princípios
da razoabilidade e proporcionalidade.
15. Inversão do ônus da sucumbência.
16. Apelação provida parcialmente.
Ementa
DIREITO DO CONSUMIDOR. PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO. LEGITIMIDADE PASSIVA
DA CEF. MÚTUO HABITACIONAL. ATRASO NA ENTREGA DA OBRA. RESPONSABILIDADE
SOLIDÁRIA. LUCROS CESSANTES E DANOS MORAIS COMPROVADOS. CABIMENTO. APELAÇÃO
PARCIALMENTE PROVIDA.
1. A instituição financeira não se limitou a atuar como agente financeiro no
"Contrato por Instrumento Particular de Compra e Venda de Terreno e Mútuo
para Construção com Obrigação, Fiança e Hipoteca - Financiamento de
Imóveis na Planta e/ou em Construção - Recursos FGTS", mas operou como
agente executor de política federal de promoção de moradia popular e
fiscalizador do andamento da obra, razão pela qual deve integrar o polo
passivo da demanda.
2. Segundo pode ser observado do instrumento contratual, a construção do
empreendimento Residencial Atlântico Norte, do qual faz parte a unidade
imobiliária adquirida pelos apelantes, recebeu subsídios do Governo Federal
por intermédio do Programa "Minha Casa, Minha Vida", funcionando a Caixa
Econômica Federal como agente operador do programa, atuando com controle
técnico, financeiro e operacional sobre o andamento da construção do
empreendimento.
3. Aplica-se o entendimento consolidado pelo Superior Tribunal de Justiça,
no sentido de que possui legitimidade passiva a Caixa Econômica Federal
para responder, nos casos em que não atua apenas como agente financeiro,
"por vícios, atraso ou outras questões relativas à construção de
imóveis objeto do Programa Habitacional Minha Casa Minha Vida se, à luz da
legislação, do contrato e da atividade por ela desenvolvida, atuar como
agente executor de políticas federais para a promoção de moradia para
pessoas de baixa renda (...)" (AgInt no REsp 1646130/PE, Rel. Ministro LUIS
FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 30/08/2018, DJe 04/09/2018).
4. Entre as partes litigantes emerge uma inegável relação de consumo,
regulamentada nos precisos termos que reza o Código de Defesa do
Consumidor. As empresas que formam a cadeia de fornecimento respondem de forma
objetiva, ou seja, independentemente da existência da culpa, pela reparação
dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação
de serviço, nos termos estipulados no artigo 14 do CDC. Precedente.
5. Nesta avença, em que manifestamente impede-se a livre discussão das
cláusulas contratuais, redigidas de forma antecipada e unilateral pela
instituição financeira, constava nova previsão unilateralmente estabelecida
para a conclusão da obra, conforme os prazos e etapas previstos no cronograma
físico-financeiro aprovados pela Caixa Econômica Federal.
6. Conhecida a vulnerabilidade do consumidor, ressalta a abusividade
da previsão de novo prazo de entrega do empreendimento, forma com que
as rés buscam se valer com o exclusivo fim de eximir os fornecedores da
responsabilidade pela inobservância do primeiro pacto, estipulando cláusula
que pesa apenas sobre o consumidor.
7. A cláusula que prevê prazo significativamente superior àquele
estabelecido no primeiro contrato gera vantagem somente à construtora, à
empresa organizadora e ao agente financeiro, quebra o equilíbrio contratual
e enfraquece ainda mais a posição desvalida do consumidor, violando
princípios fundamentais da relação de consumo, bem como os artigos 39,
inciso V, e 51, IV do CDC, razão pela qual deve ser desconsiderada.
8. Se novo limite para a entrega da obra precisou ser pactuado, isso não
se deve à culpa dos adquirentes do imóvel, mas exclusivamente à mora das
empresas, tecnicamente responsáveis pelo empreendimento, que deixaram de
entregar o imóvel no dia contratualmente estipulado. Em outras palavras,
os apelantes não podem ser prejudicados pela privação injusta do uso do
bem por descumprimento contratual imputável exclusivamente às demandadas.
9. Configurado o atraso na entrega do imóvel, é de ser julgado procedente
o pedido reparatório pelas perdas patrimoniais e extrapatrimoniais, de
forma a responder solidariamente todos os que tenham intervindo de alguma
forma na relação de consumo, e participado, direta ou indiretamente, para
ocorrência do dano, independentemente de culpa, nos termos do art. 14 e 18
do Código de Defesa do Consumidor.
10. É pacífico o entendimento jurisprudencial no sentido de que o simples
descumprimento contratual de entrega de unidade imobiliária no prazo pactuado
gera direito ao comprador de indenização pelos lucros cessantes, havendo
presunção de prejuízo. Nesse sentido, recentes precedentes do Superior
Tribunal de Justiça.
11. A responsabilidade pelos lucros cessantes é devida no valor equivalente
ao aluguel de um imóvel similar praticado pelo mercado, correspondente a 0,5%
(meio por cento) ao mês do valor atualizado do imóvel, desde a data em que
findo o prazo de tolerância estipulado no contrato até a efetiva entrega
do bem.
12. A despeito de conhecer a tese fixada pela Corte Superior, no sentido
de que o mero descumprimento contratual de atraso na entrega de obra não
gera danos morais, é de se entender, no presente caso, que os elementos
dos autos evidenciam mais do que mero dissabor causados aos apelantes.
13. E nem se menciona o puído argumento do "sonho da casa própria", porém,
não há como se desvencilhar da repercussão causada aos adquirentes
pelo atraso substancial na entrega de imóvel, pois adia planos, frustra
expectativas, e impõe aos compradores transtornos que ultrapassam o mero
aborrecimento.
14. Portanto, de rigor o pagamento de indenização a título de danos morais
fixados em R$ 10.000,00 (dez mil reais), quantia que atende aos princípios
da razoabilidade e proporcionalidade.
15. Inversão do ônus da sucumbência.
16. Apelação provida parcialmente.Decisão
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide
a Egrégia Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por
unanimidade, dar parcial provimento ao recurso de apelação, nos termos do
relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Data do Julgamento
:
30/10/2018
Data da Publicação
:
09/11/2018
Classe/Assunto
:
Ap - APELAÇÃO CÍVEL - 1990939
Órgão Julgador
:
PRIMEIRA TURMA
Relator(a)
:
DESEMBARGADOR FEDERAL HÉLIO NOGUEIRA
Comarca
:
TRIBUNAL - TERCEIRA REGIÃO
Tipo
:
Acórdão
Indexação
:
VIDE EMENTA.
Fonte da publicação
:
e-DJF3 Judicial 1 DATA:09/11/2018
..FONTE_REPUBLICACAO:
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