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Jurisprudência


TRF3 0003652-59.2012.4.03.6119 00036525920124036119

Ementa
PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. DIREITO À SAÚDE. SOLIDARIEDADE DOS ENTES FEDERATIVOS. SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO. DOR CRÔNICA. "PLEXO BRAQUIAL". HIPOSSUFICIÊNCIA. APELAÇÃO DESPROVIDA. 1. Trata-se de recursos de apelação nos quais se discute a responsabilidade solidária da União, do Estado de São Paulo e do Município de Guarulhos ao fornecimento do medicamento "Gabapentina - 300mg (1 comprimido de 6 em 6 horas)" ao autor da ação, ora apelado, Cláudio Sineval Valente Nunes, a fim de permitir um melhor tratamento para a sua dor crônica. 2. Primeiramente, sobre as alegações preliminares de ausência do interesse de agir do Estado de São Paulo e da União e ilegitimidade ad causam da União, sem razão, eis que, de um lado, não só há a comprovação da doença do autor (fls. 176/180), como a negativa do SUS ao fornecimento do medicamento ao autor, antes do oferecimento da demanda (fl. 19), e, por outro, a Constituição Federal de 1988 determina, em seu art. 196, que o direito fundamental à saúde é dever de todos os entes federativos, respondendo eles de forma solidária pela prestação de tal serviço público. Ou seja, a divisão de tarefas entre os entes federados na promoção, proteção e gestão do sistema de saúde visa tão somete otimizar o serviço, não podendo ser oposta como excludente de responsabilidade do ente, seja ele a União, o Estado ou o Município. 3. Em relação ao mérito, tenha-se em vista que a Carta de 1988, ao constitucionalizar o direito à saúde como direito fundamental, inovou a ordem jurídica nacional, na medida em que nas Constituições anteriores tal direito se restringia à salvaguarda específica de direitos dos trabalhadores, além de disposições sobre regras de competência que não tinham, todavia, o condão de garantir o acesso universal à saúde. 4. É de se notar que a Constituição, ao dispor do direito à saúde, não se limita a aspectos de natureza curativa, mas estabelece que as ações devem ser amplas no sentido de garantir um tratamento curativo, mas de determinar também que as políticas públicas devem ter como o escopo a profilaxia de doenças. 5. Observe-se que os direitos e valores munidos de fundamentalidade na ordem constitucional não têm completude a menos que se garantam as condições necessárias para sua efetivação. Continuando o raciocínio, a garantia do direito fundamental de acesso à saúde é, sim, uma garantia de toda a sociedade, gerando um dever por parte do poder público de implementar políticas públicas que visem ao bem-estar geral da população. 6. A guarda dos direitos fundamentais, especialmente, mas não tão somente, no que concerne ao chamado mínimo existencial, pode ser argumento válido no sentido de justificar intervenção judicial quando não houver, por parte do poder público, o devido suprimento às necessidades básicas do indivíduo. Bem assim, ainda que, no campo da definição de políticas públicas, seja possível priorizar a tutela das necessidades coletivas, não se pode, com esse raciocínio, supor que há qualquer legitimidade em se negar em sua plenitude a condição de titularidade do direito pelo indivíduo. Prosseguindo nesse juízo, na medida em que o direito à saúde se consubstancia, também, como direito subjetivo do indivíduo, não me parecem legítimas as afirmações segundo as quais a tutela individual trataria uma inaceitável intervenção do Poder Judiciário sobre o Executivo e as políticas públicas que este leva a cabo. 7. Sabendo-se que, como já afirmado, o direito à saúde, além do aspecto coletivo, constrói-se como direito fundamental subjetivo de cada indivíduo; verificando-se, outrossim, a ausência ou deficiência do poder público em promover as necessárias políticas que garantam ao indivíduo condições de saúde dignas, não é razoável supor se pudesse negar ao indivíduo a tutela jurisdicional, uma vez que é obrigação do Estado zelar pela saúde de todos, mas também pela de cada um dos indivíduos do país. 8. Assim tem se posicionado majoritariamente a jurisprudência pátria, no sentido de que se protejam tanto aquelas hipóteses de iminente risco para a vida humana, quanto aquelas em que caiba restabelecer a noção de mínimo existencial, que estabelece o parâmetro intangível e nuclear da dignidade da pessoa humana, sem o que toda a base principiológica do texto constitucional estaria mortalmente comprometida. 9. In casu, o autor, Claudio Sineval Valente Nunes, sofreu acidente automobilístico, do qual restaram sequelas em seu braço esquerdo ("plexo braquial"), dentre as quais, dores crônicas. . 10.De acordo com o laudo pericial de fls. 176/180, determinado pela 5ª Vara Federal da Subseção Judiciária de Guarulhos, após exame físico neurológico, constatou "dor neuropática e plegia secundária à lesão de plexo braquial esquerdo" (fls. 178), sendo que "o tratamento é medicamentoso para controle da dor e fisioterápico para tentativa de função motora", enquanto que "o tratamento da dor neuropática é comumente realizado com medicações classificadas como antidepressivos (amitriptilina, nortriptilina, duloxetina), antiepilépticos (carbamazepina, oxcarbazepina, gabapentina, pregabalina, topiramato, lamotrigina, ácido valpróico) e opióides (tramadol, oxicodoma, morfina, metadona)" (fl. 178), tendo concluído que o medicamento pleiteado na inicial é eficaz para o controle da dor do autor (fl. 179 - Item VII-Respostas aos quesitos do autor) e que, mesmo o medicamento possa ser substituído por outros medicamentos existentes no mercado, "como o autor apresentou melhora com a medicação utilizada, não é recomendável a substituição" (fl. 179). O perito médico judicial apontou ainda, em resposta ao quesito 10, apresentado pelo Município de Guarulhos, que este não disponibilizou qualquer dos medicamentos/insumos solicitados pelo autor (fl. 179) e que especificamente em relação à gabapentina, "apesar da consagrada indicação deste medicamento para dor neuropática, este medicamento só é disponibilizado, na rede pública, para pacientes portadores de epilepsia" (fl. 179). 11. Não cabe unicamente a Administração decidir qual o melhor tratamento médico deve ser aplicado ao paciente, ao contrário, podendo o médico responsável pela análise do quadro médico do paciente, opinar sobre ele, por ter formação técnica específica e contato direto com o submetido ao tratamento para saber o que melhor convém a este. Corrobora essa ideia a conclusão do perito médico judicial, que expressamente advertiu que, como o autor apresentou melhora com a utilização da gabapentina, não é recomendável a substituição dele por outro medicamento, ainda que essa substituição, em tese, seja plenamente possível. 12. Uma leitura constitucional do caso demonstra que o postulado da dignidade da pessoa humana não permite, em nenhuma hipótese, o estabelecimento rígido do fornecimento de determinado medicamento/tratamento, sem chances de modificação, ainda que gere efeitos mais danosos ao paciente, somente para que assim se onere menos o Estado. Todos, sem exceção, devem ter acesso a tratamento médico digno e eficaz, mormente quando não se possuam recursos para custeá-lo. Nesse universo se insere inclusive medicamentos que não constam da lista do SUS e não podem ser substituídos com a mesma eficácia pelo poder público. 13. Apelação desprovida.
Decisão
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, negar provimento aos recursos de apelação da União, do Estado de São Paulo e do Município de Guarulhos, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Data do Julgamento : 18/08/2016
Data da Publicação : 26/08/2016
Classe/Assunto : Ap - APELAÇÃO CÍVEL - 2052123
Órgão Julgador : TERCEIRA TURMA
Relator(a) : DESEMBARGADOR FEDERAL ANTONIO CEDENHO
Comarca : TRIBUNAL - TERCEIRA REGIÃO
Tipo : Acórdão
Referência legislativa : ***** CF-1988 CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 LEG-FED ANO-1988
Fonte da publicação : e-DJF3 Judicial 1 DATA:26/08/2016 ..FONTE_REPUBLICACAO:
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