TRF3 0003801-40.2016.4.03.0000 00038014020164030000
DIREITO PROCESSUAL CIVIL E CONSTITUCIONAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. ANTECIPAÇÃO
DE TUTELA. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DOS ENTES
DA FEDERAÇÃO. PRESTAÇÃO DE SERVIÇO PÚBLICO DE SAÚDE. LEGITIMIDADE
PASSIVA DA UNIÃO. AUSÊNCIA DE REGISTRO NA ANVISA NÃO AFASTA O DIREITO AO
MEDICAMENTO. BETAGALSIDASE (FABRAZYME). MEDICAMENTO EFICAZ DISPONÍVEL PARA
O TRATAMENTO DA "DOENÇA DE FABRY". RECURSO PROVIDO.
- O direito ao fornecimento dos medicamentos decorre dos deveres impostos à
União, Estado, Distrito Federal e Municípios pelos artigos 6º, 23, inciso
II, e 196 a 200 da Lei Maior na realização do direito à saúde. As normas
legais devem ser interpretadas em conformidade com as normas constitucionais
referidas, a fim de que se concretize o direito fundamental à saúde dos
cidadãos e das cidadãs. Em consequência, a definição do elenco de
medicamentos e tratamentos diversos existe como dever aos entes estatais
para o estabelecimento de uma política de saúde consistente, o que
não exclui que drogas alternativas sejam ministradas pelo médico que
atende o paciente e sob sua responsabilidade profissional, nem que outros
programas sejam estabelecidos para assistir aqueles que forem portadores de
doenças e que não constituem restrição ao acesso à saúde. É certo,
outrossim, que cumpre ao Judiciário a efetivação dos direitos prescritos
na Constituição Federal e nas leis. É a garantia fundamental do artigo
5º, inciso XXXV, da CF. O artigo 2º do Estatuto Constitucional deve ser
interpretado em harmonia com o acesso à jurisdição e com os dispositivos
pertinentes à saúde pública (artigo 6º, inciso II, e artigos 196 a 200
da CF). Como parâmetro, as entidades federais, no atendimento ao direito à
saúde, devem pautar-se pelos princípios e normas constitucionais. O SUS,
na regulamentação que lhe dá a Lei nº 8.080/1990 ((artigos 1º, 2º, 4º,
6º, 7º, inciso IX, a , 9º, 15, 16, 17, 18, 19-M, 19-O, 19-P, 19-Q e 19-R),
deve-se orientar à mais ampla possível realização concreta do direito
fundamental de que aqui se cuida. É de suma importância que o médico seja
respeitado nas prescrições que faz, uma vez que é quem acompanha e faz
recomendações ao paciente, salvo quando a atividade contrarie os próprios
conhecimentos existentes no campo da medicina, o que não é o caso. Nesse
contexto, a prova cabal de que o medicamento é eficaz é desnecessária,
na medida em que a possibilidade de melhora do doente com o uso do remédio
prescrito é suficiente para justificar seu fornecimento.
- No caso dos autos, o relatório médico atesta que a agravante é
portadora da enfermidade denominada "Doença de Fabry", que é "um
erro inato do metabolismo hereditário e caracterizada por depósito da
globotriaosilcerameida (GL-3) no endotélio vascular de todo o organismo
comprometendo órgãos e tecidos. Tem como complicações mais freqüentes
as cardíacas, cerebrovasculares e a mais grave e potencialmente e letal,
insuficiência renal." e conclui que "Diante do quadro clínico, laboratorial
e de imagem, há indicação para o início de tratamento por Terapia de
Reposição Enzimática utilizando-se a enzima recombinante Betagalsidase
(Fabrazyme), na dosagem de 1mg/kg, reposição realizada em regime quinzenal,
por toda a vida da paciente.". De outro lado, a agravada, nos autos de origem,
faz menção à Nota Técnica do Ministério da Saúde n.º 08/2012, segundo a
qual o Betagalsidase (Fabrazyme) é inadequado, em virtude de: i) a agência
de medicamentos do Canadá (CADTH) não recomendou a sua incorporação
ao seu sistema de saúde que é semelhante ao SUS; ii) a CADTH concluiu
que esse medicamento não tem relação custo x benefício satisfatória
e que os ensaios randomizados não mostraram melhoras significativas na
qualidade de vida dos pacientes; e iii) o SUS já oferece tratamentos
alternativos para os sintomas da enfermidade da recorrente. No entanto,
essas justificativas não afastam o dever do poder público de custear o
tratamento necessário a pacientes sem condições financeiras. Saliente-se
que as conclusões da agência de medicamentos canadense e a existência de
tratamentos alternativos para o combate aos sintomas da doença não constituem
óbice à pretensão da recorrente, dado que o Betagalsidase (Fabrazyme)
tem registro na ANVISA, unicamente para o tratamento da doença de FABRY,
a mesma com a qual foi diagnosticada a agravante, conforme o laudo médico,
o que afasta os tratamentos alternativos fornecidos pelo SUS, que apenas
combatem os sintomas e não a enfermidade.
- Está configurada, portanto, a probabilidade do direito da recorrente,
assim como o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo,
uma vez que o estado de saúde da recorrente é grave e se agrava com o
passar do tempo de maneira irreversível, com lesão renal (proteinúria
e microalbuminúria), alteração do relaxamento do ventrículo esquerdo
(com possível fibrose cardíaca) e perda auditiva neurossensorial e mista,
o que justifica a reforma da decisão de primeiro grau, a fim de que seja
concedida a antecipação da tutela, conforme pleiteada.
Agravo de instrumento provido, a fim de confirmar a tutela recursal antecipada,
a fim de determinar que a agravada forneça o medicamento Betagalsidase
(Fabrazyme) à agravante para o tratamento da doença de FABRY, conforme
prescrição médica, de forma contínua e gratuita, sob pena de multa
diária de R$ 1.000,00.
Ementa
DIREITO PROCESSUAL CIVIL E CONSTITUCIONAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. ANTECIPAÇÃO
DE TUTELA. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DOS ENTES
DA FEDERAÇÃO. PRESTAÇÃO DE SERVIÇO PÚBLICO DE SAÚDE. LEGITIMIDADE
PASSIVA DA UNIÃO. AUSÊNCIA DE REGISTRO NA ANVISA NÃO AFASTA O DIREITO AO
MEDICAMENTO. BETAGALSIDASE (FABRAZYME). MEDICAMENTO EFICAZ DISPONÍVEL PARA
O TRATAMENTO DA "DOENÇA DE FABRY". RECURSO PROVIDO.
- O direito ao fornecimento dos medicamentos decorre dos deveres impostos à
União, Estado, Distrito Federal e Municípios pelos artigos 6º, 23, inciso
II, e 196 a 200 da Lei Maior na realização do direito à saúde. As normas
legais devem ser interpretadas em conformidade com as normas constitucionais
referidas, a fim de que se concretize o direito fundamental à saúde dos
cidadãos e das cidadãs. Em consequência, a definição do elenco de
medicamentos e tratamentos diversos existe como dever aos entes estatais
para o estabelecimento de uma política de saúde consistente, o que
não exclui que drogas alternativas sejam ministradas pelo médico que
atende o paciente e sob sua responsabilidade profissional, nem que outros
programas sejam estabelecidos para assistir aqueles que forem portadores de
doenças e que não constituem restrição ao acesso à saúde. É certo,
outrossim, que cumpre ao Judiciário a efetivação dos direitos prescritos
na Constituição Federal e nas leis. É a garantia fundamental do artigo
5º, inciso XXXV, da CF. O artigo 2º do Estatuto Constitucional deve ser
interpretado em harmonia com o acesso à jurisdição e com os dispositivos
pertinentes à saúde pública (artigo 6º, inciso II, e artigos 196 a 200
da CF). Como parâmetro, as entidades federais, no atendimento ao direito à
saúde, devem pautar-se pelos princípios e normas constitucionais. O SUS,
na regulamentação que lhe dá a Lei nº 8.080/1990 ((artigos 1º, 2º, 4º,
6º, 7º, inciso IX, a , 9º, 15, 16, 17, 18, 19-M, 19-O, 19-P, 19-Q e 19-R),
deve-se orientar à mais ampla possível realização concreta do direito
fundamental de que aqui se cuida. É de suma importância que o médico seja
respeitado nas prescrições que faz, uma vez que é quem acompanha e faz
recomendações ao paciente, salvo quando a atividade contrarie os próprios
conhecimentos existentes no campo da medicina, o que não é o caso. Nesse
contexto, a prova cabal de que o medicamento é eficaz é desnecessária,
na medida em que a possibilidade de melhora do doente com o uso do remédio
prescrito é suficiente para justificar seu fornecimento.
- No caso dos autos, o relatório médico atesta que a agravante é
portadora da enfermidade denominada "Doença de Fabry", que é "um
erro inato do metabolismo hereditário e caracterizada por depósito da
globotriaosilcerameida (GL-3) no endotélio vascular de todo o organismo
comprometendo órgãos e tecidos. Tem como complicações mais freqüentes
as cardíacas, cerebrovasculares e a mais grave e potencialmente e letal,
insuficiência renal." e conclui que "Diante do quadro clínico, laboratorial
e de imagem, há indicação para o início de tratamento por Terapia de
Reposição Enzimática utilizando-se a enzima recombinante Betagalsidase
(Fabrazyme), na dosagem de 1mg/kg, reposição realizada em regime quinzenal,
por toda a vida da paciente.". De outro lado, a agravada, nos autos de origem,
faz menção à Nota Técnica do Ministério da Saúde n.º 08/2012, segundo a
qual o Betagalsidase (Fabrazyme) é inadequado, em virtude de: i) a agência
de medicamentos do Canadá (CADTH) não recomendou a sua incorporação
ao seu sistema de saúde que é semelhante ao SUS; ii) a CADTH concluiu
que esse medicamento não tem relação custo x benefício satisfatória
e que os ensaios randomizados não mostraram melhoras significativas na
qualidade de vida dos pacientes; e iii) o SUS já oferece tratamentos
alternativos para os sintomas da enfermidade da recorrente. No entanto,
essas justificativas não afastam o dever do poder público de custear o
tratamento necessário a pacientes sem condições financeiras. Saliente-se
que as conclusões da agência de medicamentos canadense e a existência de
tratamentos alternativos para o combate aos sintomas da doença não constituem
óbice à pretensão da recorrente, dado que o Betagalsidase (Fabrazyme)
tem registro na ANVISA, unicamente para o tratamento da doença de FABRY,
a mesma com a qual foi diagnosticada a agravante, conforme o laudo médico,
o que afasta os tratamentos alternativos fornecidos pelo SUS, que apenas
combatem os sintomas e não a enfermidade.
- Está configurada, portanto, a probabilidade do direito da recorrente,
assim como o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo,
uma vez que o estado de saúde da recorrente é grave e se agrava com o
passar do tempo de maneira irreversível, com lesão renal (proteinúria
e microalbuminúria), alteração do relaxamento do ventrículo esquerdo
(com possível fibrose cardíaca) e perda auditiva neurossensorial e mista,
o que justifica a reforma da decisão de primeiro grau, a fim de que seja
concedida a antecipação da tutela, conforme pleiteada.
Agravo de instrumento provido, a fim de confirmar a tutela recursal antecipada,
a fim de determinar que a agravada forneça o medicamento Betagalsidase
(Fabrazyme) à agravante para o tratamento da doença de FABRY, conforme
prescrição médica, de forma contínua e gratuita, sob pena de multa
diária de R$ 1.000,00.Decisão
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide
a Egrégia Quarta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por
unanimidade, dar provimento ao agravo de instrumento, a fim de confirmar
a tutela recursal antecipada, a fim de determinar que a agravada forneça
o medicamento Betagalsidase (Fabrazyme) à agravante para o tratamento
da doença de FABRY, conforme prescrição médica, de forma contínua e
gratuita, sob pena de multa diária de R$ 1.000,00, nos termos do relatório
e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Data do Julgamento
:
19/10/2016
Data da Publicação
:
08/11/2016
Classe/Assunto
:
AI - AGRAVO DE INSTRUMENTO - 577213
Órgão Julgador
:
QUARTA TURMA
Relator(a)
:
DESEMBARGADOR FEDERAL ANDRE NABARRETE
Comarca
:
TRIBUNAL - TERCEIRA REGIÃO
Tipo
:
Acórdão
Indexação
:
VIDE EMENTA.
Fonte da publicação
:
e-DJF3 Judicial 1 DATA:08/11/2016
..FONTE_REPUBLICACAO:
Mostrar discussão