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Jurisprudência


TRF3 0003871-23.2017.4.03.0000 00038712320174030000

Ementa
HABEAS CORPUS. PRISÃO PREVENTIVA. REQUISITOS. REPRISTINAÇÃO AUTOMÁTICA DOS EFEITOS DE ANTERIOR SEGREGAÇÃO CAUTELAR PREVENTIVA EM DECORRÊNCIA DO NÃO CONHECIMENTO DE HABEAS CORPUS PELO C. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. IMPOSSIBILIDADE. NECESSIDADE DE REANÁLISE DA PRESENÇA DOS REQUISITOS INERENTES A TAL MEDIDA CAUTELAR. RISCO À ORDEM PÚBLICA NÃO CONFIGURADO: PECULIARIDADES DO CASO CONCRETO. IMPOSIÇÃO DE MEDIDAS ALTERNATIVAS À PRISÃO. CONCESSÃO DA ORDEM. - O Código de Processo Penal, alterado pela Lei nº 12.403/2011, dispõe que a custódia cautelar deve ser interpretada e ser decretada apenas quando não cabível no caso concreto qualquer outra medida (também de natureza cautelar) dentre aquelas elencadas no art. 319 do Diploma Processual (inferência do art. 282, § 6º, de indicado Código, que prevê a prisão cautelar como ultima ratio). Assim, mostra-se cabível cogitar do expediente em tela quando os postulados que compõem a proporcionalidade (adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito) assim indicarem que a medida excepcional de constrição da liberdade antes de formada a culpa (portanto, antes do trânsito em julgado) é imperiosa diante do caso concreto. - A teor do art. 312 do Código de Processo Penal, a prisão preventiva somente poderá ser decretada se presentes o fumus comissi delicti (consistente na necessidade de prova da materialidade delitiva e de indícios suficientes de autoria) e o periculum libertatis (garantia da ordem pública ou da ordem econômica, conveniência da instrução criminal ou asseguramento da aplicação da lei penal). O expediente também poderá ser imposto em decorrência do descumprimento de quaisquer das medidas constantes do art. 319 do Diploma Processual (art. 312, parágrafo único, do Código de Processo Penal). - Ainda que concorrentes no caso concreto os pressupostos anteriormente listados (fumus comissi delicti e periculum libertatis), faz-se necessária, para a decretação da preventiva, que a infração penal imputada àquele que se objetiva encarcerar cautelarmente enquadre-se nos parâmetros trazidos pelo art. 313 do Código de Processo Penal: (a) crime doloso punido com pena privativa de liberdade máxima superior a 04 anos; (b) agente já condenado por outro crime doloso, em sentença transitada em julgado, ressalvado o disposto no inciso I do caput do art. 64 do Código Penal; e (c) crime envolvendo violência doméstica e familiar contra a mulher, a criança, o adolescente, o idoso, o enfermo ou a pessoa com deficiência para garantir a execução das medidas protetivas de urgência (independentemente do quantum de pena cominada). - Admite-se, ainda, a decretação da preventiva quando houver dúvida sobre a identidade civil da pessoa ou quando esta não fornecer elementos suficientes para esclarecê-la (devendo o preso ser colocado imediatamente em liberdade após sua identificação, salvo se outra hipótese recomendar a manutenção da medida) - art. 313, parágrafo único, do Diploma Processual Penal. - A privação de liberdade em tela pode ser decretada em qualquer fase da investigação policial ou em sede de processo penal (art. 311 do Código de Processo Penal), devendo a decisão que a decretar, a substituir por outras medidas cautelares ou a denegar ser sempre motivada (seja por força do que prevê o art. 315 do Código Processual Penal, seja, principalmente, em razão do comando inserto no art. 93, IX, da Constituição Federal). - A prisão preventiva deve ser analisada sempre com supedâneo na cláusula rebus sic stantibus: seus pressupostos autorizadores devem estar presentes no momento de sua decretação bem como ao longo do período de sua vigência (art. 316 do Código de Processo Penal). - Tendo como supedâneo o disposto no art. 316 do Código de Processo Penal (que reza que o juiz terá de analisar a presença dos requisitos necessários à decretação da preventiva para impô-la novamente - cláusula rebus sic stantibus inerente à prisão em comento), à autoridade coatora cabia, ao invés de simplesmente dar efeitos repristinatórios à segregação cautelar deferida com base no conjunto fático-probatório de aproximadamente 01 ano pretérito, reapreciar a existência de fundamento a validar a segregação cautelar requerida pelo órgão ministerial naquele novo instante processual, o que, entretanto, não foi executado no caso concreto na justa medida em que a r. decisão impingida como coatora escorou-se, tão somente, no julgamento levado a efeito pelo C. Pretório Excelso não conhecendo do writ lá impetrado. - O laudo pericial da polícia federal concluiu que "houve confronto entre indígenas e fazendeiros ocorrendo disparos de arma de fogo de ambos os lados, onde foi vitimado o indígena CLODIOLDE AQUILEU RODRIGUES DE SOUZA. Os indígenas partiram para o confronto com arma de fogo e tentaram atear fogo na propriedade rural". - Se não houve, por parte dos indígenas, ou eventualmente dos que agiram no interesse deles, o socorro ao Judiciário para concretização da posse que consideram justa, de outra parte, não se exigiria, necessariamente, abrir mão de uso de meios legítimos, escudados no Direito Civil, para contenção da invasão da propriedade de quem tem a posse atual. A análise da adequação das condutas, de parte a parte, deve ser verificada no âmbito da ação penal, e ou investigação, que contemple todos os responsáveis pelos excessos, homicídio, lesões corporais, dano, exercício arbitrário das próprias razões, esbulho possessório etc. Se a transgressão dos cidadãos mediante o desrespeito à lei, invocando seus pretensos direitos, passa a ser norma, a não transgressão torna-se agressão: uma situação de total anarquia jurídica generalizada, em que o Direito passa a ser manipulado e banalizado num mundo sem deveres e consagração de desrespeitos mútuos. - Algumas pessoas têm agido no exercício das próprias "razões" diante da descrença e da quebra de confiança na eficiência de nossas instituições. O que está por detrás dos fatos levados a conhecimento deste tribunal é objeto irrenunciável da mais profunda reflexão: a integridade física das pessoas e o uso da força para fazer valer suas pretensões (de parte a parte), lamentavelmente com a supressão da vida de uma pessoa e ferimentos diversos. A questão não é só de onde viemos, mas quem somos e porque somos, devendo causar espécie tanto uma sociedade que opte pela supressão de direitos aos indígenas, quanto a que desguarnece direitos dos demais, assim como pela supressão dos deveres dos indígenas ou supressão dos deveres dos demais. - A proteção que deve merecer comunidades indígenas, que nos brindou com seus costumes e forma de agir, língua e alimentação, a ponto de interferir em nosso modo de viver e ver as coisas, não pode fazer com que olhemos inadequadamente o ambiente atual, com visão só no passado. Se assim for, todos seremos considerados invasores, inclusive os que habitam em nossas grandes cidades. A simbiose existente entre passado, presente e futuro deve exigir o respeito mútuo para que nos unamos de tal forma que um não possa viver sem o outro, uma equação que sempre se conserva, num corpo, um todo. - Nossa civilização apenas se enriquece na plenitude, no que somos-fomos, e não se pode enveredar para o desprezo do alheio, representado aqui na violação à lei. E nossas instituições devem responder via sistema racional, que não pode ser passional e sujeito a movimentos demagógicos. - Formação é indissociável de nossa civilização, e somente nos respeitaremos se a educação indigenista for inserida em nossas escolas, talvez assim resgatemos nossas reconhecidas qualidades, mas sob novo viés, do respeito ao próximo, do respeito às leis, do respeito às instituições. Deixaremos, quiçá, de sermos ao mesmo tempo, reféns e desfrutadores uns dos outros. - A necessidade de garantia da ordem pública e aspectos inerentes à gravidade concreta das condutas imputadas aos agentes não se mostravam presentes no instante em que houve o restabelecimento da prisão cautelar (em 27.09.2017), uma vez que o paciente encontrava-se em liberdade desde o momento em que C. Supremo Tribunal Federal deferiu ordem liminar de soltura sem que houvesse qualquer menção da ocorrência de outro conflito de terras no qual envolvido o paciente, de modo que se nota que a ordem pública e a gravidade das condutas não mais necessitavam de acautelamento preventivo quando do novo decreto constritivo da liberdade. - Ausente risco à ordem pública e imposição de medidas cautelares à prisão (art. 319 do Código de Processo Penal): comparecimento trimestral em juízo, para informar e justificar atividades (inciso I); proibição de acesso ao local dos fatos, salvo com permissão judicial ou decorrente de medida judicial deferida (inciso II); proibição de manter contato com as vítimas e testemunhas ou pessoas ligadas a elas (inciso III); proibição de ausentar-se por mais de oito dias do local onde reside, salvo por autorização judicial, com entrega de seu(s) passaporte(s) (inciso IV); proibição de contato com os demais corréus, com a ressalva de reunião, com seus advogados, entre os corréus que possuírem defesa comum; deixar de fixar fiança e de determinar a monitoração eletrônica diante dos argumentos expendidos (a não obstrução do andamento dos atos do processo e de não terem se furtado às determinações da justiça já que compareceram espontaneamente para o cumprimento da ordem de prisão). - Provimento ao Agravo Regimental para conceder a ordem de Habeas Corpus em favor do paciente, revogando, assim, a prisão preventiva decretada pela autoridade apontada como coatora, mediante a expedição de Alvará de Soltura clausulado e o compromisso de cumprimento de medidas cautelares perante o juízo de primeiro grau.
Decisão
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Décima Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar provimento ao Agravo Regimental para conceder a ordem de Habeas Corpus em favor de Nelson Buainain Filho, revogando, assim, a prisão preventiva decretada pela autoridade apontada como coatora, com a expedição de alvará de soltura clausulado, mediante o compromisso de cumprimento das medidas cautelares perante o juízo de primeiro grau, nos seguintes termos: comparecimento trimestral em juízo, para informar e justificar atividades (inciso I); proibição de acesso ao local dos fatos, salvo com permissão judicial ou decorrente de medida judicial deferida (inciso II); proibição de manter contato com as vítimas e testemunhas ou pessoas ligadas a elas (inciso III); proibição de ausentar-se por mais de oito dias do local onde reside, salvo por autorização judicial, com entrega de seu(s) passaporte(s) (inciso IV); proibição de contato com os demais corréus, com a ressalva de reunião, com seus advogados, entre os corréus que possuírem defesa comum; deixar de fixar fiança e de determinar a monitoração eletrônica diante dos argumentos expendidos (a não obstrução do andamento dos atos do processo e de não terem se furtado às determinações da justiça já que compareceram espontaneamente para o cumprimento da ordem de prisão).

Data do Julgamento : 28/11/2017
Data da Publicação : 13/12/2017
Classe/Assunto : HC - HABEAS CORPUS - 73321
Órgão Julgador : DÉCIMA PRIMEIRA TURMA
Relator(a) : DESEMBARGADOR FEDERAL FAUSTO DE SANCTIS
Comarca : TRIBUNAL - TERCEIRA REGIÃO
Tipo : Acórdão
Referência legislativa : LEG-FED LEI-12403 ANO-2011 ***** CPP-41 CÓDIGO DE PROCESSO PENAL LEG-FED DEL-3689 ANO-1941 ART-282 PAR-6 ART-312 PAR-ÚNICO ART-313 PAR-ÚNICO ART-311 ART-316 ART-319 INC-1 INC-2 INC-3 INC-4 ***** CP-40 CÓDIGO PENAL DE 1940 LEG-FED DEL-2848 ANO-1940 ART-64 INC-1 ***** CF-1988 CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 LEG-FED ANO-1988 ART-93 INC-9
Fonte da publicação : e-DJF3 Judicial 1 DATA:13/12/2017 ..FONTE_REPUBLICACAO:
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