TRF3 0003921-69.2005.4.03.6111 00039216920054036111
PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO. SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO -
SFH. FCVS. PES. CDC. ANATOCISMO. AMORTIZAÇÃO NEGATIVA. SISTEMAS DE
AMORTIZAÇÃO. APELAÇAO DO AUTOR IMPROVIDA. APELAÇÕES DA CEF E DA COHAB
PARCIALMENTE PROVIDAS.
I - Nas ações que pleiteiam a revisão de cláusulas de contrato de mútuo
regido pelas normas do Sistema Financeiro da Habitação, mesmo que não
figure como agente financeiro e credora do contrato, a Caixa Econômica
Federal será parte legítima para figurar no polo passivo da ação se o
contrato for vinculado ao Fundo de Compensação de Variações Salariais,
já que é responsável pela sua gestão, razão suficiente para reconhecer
a competência da Justiça Federal. O risco de comprometimento do FCVS é
certo nesta hipótese, não guardando relação com a matéria discutida no
REsp 1.091.393-SC, julgado no STJ pelo rito do artigo 543-C do CPC que diz
respeito às apólices de seguro acessórias ao contrato de mútuo.
II - A Caixa Econômica Federal, por força do artigo 1º, §1º, do
Decreto-Lei nº 2.291/86, sucedeu legalmente o Banco Nacional da Habitação -
BNH, passando a ser responsável pela gestão do Fundo de Compensação de
Variações Salariais. Por essa razão, não é necessária a presença da
União no pólo passivo da ação.
III - A cobertura pelo FCVS não pode ser requerida se o mutuário está
inadimplente em relação a prestações originalmente previstas em contrato
e não relacionadas ao saldo residual.
IV - O PES não é índice de correção monetária aplicável ao saldo
devedor, o CES é um de seus instrumentos e sua cobrança é legítima mesmo
antes da Lei 8.692/93, se prevista em contrato.
V - O CDC se aplica às instituições financeiras (Súmula 297 do STJ), mas
as cláusulas dos contratos do SFH observam legislação cogente imperando
o princípio pacta sunt servanda. A teoria da imprevisão e o princípio
rebus sic standibus requerem a demonstração de que não subsistem as
circunstâncias fáticas que sustentavam o contrato, justificando o pedido
de revisão contratual.
VI - Nos contratos vinculados ao SFH, a atualização do saldo devedor
antecede sua amortização pelo pagamento da prestação (Súmula 450 do STJ).
VII - A legislação sobre o anatocismo, ao mencionar "capitalização de
juros" ou "juros sobre juros", não se refere a conceitos da matemática
financeira. Como conceito jurídico pressupõe o inadimplemento e um montante
de juros devidos, vencidos e não pagos e posteriormente incorporados ao
capital para que incidam novos juros sobre ele. Não há no ordenamento
jurídico brasileiro proibição absoluta do anatocismo. A MP 1.963-17/00
prevê como regra geral para o sistema bancário, não apenas o regime
matemático de juros compostos, mas o anatocismo propriamente dito. Há na
legislação especial do SFH autorização expressa para a capitalização
mensal de juros desde a edição da Lei 11.977/09 que incluiu o Artigo 15-A
na Lei 4.380/64. REsp 973827/RS julgado pelo artigo 543-C do CPC.
VIII - A utilização da Tabela Price (SFA), do SAC ou do Sacre, por si só,
não provoca desequilíbrio econômico-financeiro, enriquecimento ilícito
ou qualquer ilegalidade, cada um dos referidos sistemas de amortização
possui uma configuração própria de vantagens e desvantagens.
IX - Se o reajuste da prestação pelo PES for sistematicamente inferior
à correção do saldo devedor, configura-se a hipótese de amortização
negativa, na qual o valor da prestação não é suficiente para pagar os
juros mensais e amortizar o capital, com o potencial de majorar o saldo
devedor de maneira insustentável. A amortização negativa se assemelha
ao anatocismo em sentido estrito, já que valores devidos a título de juros
remuneratórios "não pagos", apenas em decorrência do desequilíbrio exposto,
são incorporados ao saldo devedor para nova incidência de juros.
X - Nos contratos com cobertura do FCVS, a existência de um grande saldo
residual decorrente das amortizações negativas é pouco relevante para o
mutuário, já que a responsabilidade pela sua cobertura será do fundo. Na
ausência de cobertura pelo FCVS, porém, é nítido o interesse em afastar
a possível sistemática amortização negativa no contrato. A questão
depende de prova e é ônus da parte Autora.
XI - Caso em que o contrato prevê a cobertura pelo FCVS e a perícia,
por ausência de informações suficientes, não apontou o desrespeito à
cláusula PES, mas indicou a configuração de amortização negativa, bem como
a cobrança em dobro a título de seguro na primeira prestação. Supondo
que a parte Autora tivesse realizado o pagamento regular de todas as
prestações contratadas, a existência de eventual saldo residual em
função de amortizações negativas seria objeto de cobertura pelo FCVS,
não havendo interesse na revisão das prestações. Considerando, no
entanto, a possibilidade de vencimento antecipado em face de inadimplemento
de prestações, cogita-se subsistir o interesse de afastar as amortizações
negativas.
XII - Deste modo a dívida deverá ser revista com a contabilização dos
juros remuneratórios "não pagos" em decorrência de amortização negativa
em conta separada, sobre a qual incidirá apenas correção monetária,
destinando-se os valores pagos nas prestações a amortizar primeiramente a
conta principal. A compensação do saldo devedor e a eventual repetição
do indébito deverá ser apurada em sede de execução. A cobertura pelo
FCVS só poderá ser requerida se o mutuário não estiver inadimplente
em relação às prestações originalmente previstas em contrato e não
relacionadas ao saldo residual.
XIII - Apelação da parte Autora improvida, apelações da COHAB e da
CEF parcialmente providas para esclarecer os critérios de cálculo das
prestações, afastando-se a amortização negativa, bem como os critérios
para eventual cobertura de saldo residual pelo FCVS, mantida a sentença
quando à repetição do indébito relativo à primeira prestação, valor
que poderá ser compensado em sede de execução.
Ementa
PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO. SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO -
SFH. FCVS. PES. CDC. ANATOCISMO. AMORTIZAÇÃO NEGATIVA. SISTEMAS DE
AMORTIZAÇÃO. APELAÇAO DO AUTOR IMPROVIDA. APELAÇÕES DA CEF E DA COHAB
PARCIALMENTE PROVIDAS.
I - Nas ações que pleiteiam a revisão de cláusulas de contrato de mútuo
regido pelas normas do Sistema Financeiro da Habitação, mesmo que não
figure como agente financeiro e credora do contrato, a Caixa Econômica
Federal será parte legítima para figurar no polo passivo da ação se o
contrato for vinculado ao Fundo de Compensação de Variações Salariais,
já que é responsável pela sua gestão, razão suficiente para reconhecer
a competência da Justiça Federal. O risco de comprometimento do FCVS é
certo nesta hipótese, não guardando relação com a matéria discutida no
REsp 1.091.393-SC, julgado no STJ pelo rito do artigo 543-C do CPC que diz
respeito às apólices de seguro acessórias ao contrato de mútuo.
II - A Caixa Econômica Federal, por força do artigo 1º, §1º, do
Decreto-Lei nº 2.291/86, sucedeu legalmente o Banco Nacional da Habitação -
BNH, passando a ser responsável pela gestão do Fundo de Compensação de
Variações Salariais. Por essa razão, não é necessária a presença da
União no pólo passivo da ação.
III - A cobertura pelo FCVS não pode ser requerida se o mutuário está
inadimplente em relação a prestações originalmente previstas em contrato
e não relacionadas ao saldo residual.
IV - O PES não é índice de correção monetária aplicável ao saldo
devedor, o CES é um de seus instrumentos e sua cobrança é legítima mesmo
antes da Lei 8.692/93, se prevista em contrato.
V - O CDC se aplica às instituições financeiras (Súmula 297 do STJ), mas
as cláusulas dos contratos do SFH observam legislação cogente imperando
o princípio pacta sunt servanda. A teoria da imprevisão e o princípio
rebus sic standibus requerem a demonstração de que não subsistem as
circunstâncias fáticas que sustentavam o contrato, justificando o pedido
de revisão contratual.
VI - Nos contratos vinculados ao SFH, a atualização do saldo devedor
antecede sua amortização pelo pagamento da prestação (Súmula 450 do STJ).
VII - A legislação sobre o anatocismo, ao mencionar "capitalização de
juros" ou "juros sobre juros", não se refere a conceitos da matemática
financeira. Como conceito jurídico pressupõe o inadimplemento e um montante
de juros devidos, vencidos e não pagos e posteriormente incorporados ao
capital para que incidam novos juros sobre ele. Não há no ordenamento
jurídico brasileiro proibição absoluta do anatocismo. A MP 1.963-17/00
prevê como regra geral para o sistema bancário, não apenas o regime
matemático de juros compostos, mas o anatocismo propriamente dito. Há na
legislação especial do SFH autorização expressa para a capitalização
mensal de juros desde a edição da Lei 11.977/09 que incluiu o Artigo 15-A
na Lei 4.380/64. REsp 973827/RS julgado pelo artigo 543-C do CPC.
VIII - A utilização da Tabela Price (SFA), do SAC ou do Sacre, por si só,
não provoca desequilíbrio econômico-financeiro, enriquecimento ilícito
ou qualquer ilegalidade, cada um dos referidos sistemas de amortização
possui uma configuração própria de vantagens e desvantagens.
IX - Se o reajuste da prestação pelo PES for sistematicamente inferior
à correção do saldo devedor, configura-se a hipótese de amortização
negativa, na qual o valor da prestação não é suficiente para pagar os
juros mensais e amortizar o capital, com o potencial de majorar o saldo
devedor de maneira insustentável. A amortização negativa se assemelha
ao anatocismo em sentido estrito, já que valores devidos a título de juros
remuneratórios "não pagos", apenas em decorrência do desequilíbrio exposto,
são incorporados ao saldo devedor para nova incidência de juros.
X - Nos contratos com cobertura do FCVS, a existência de um grande saldo
residual decorrente das amortizações negativas é pouco relevante para o
mutuário, já que a responsabilidade pela sua cobertura será do fundo. Na
ausência de cobertura pelo FCVS, porém, é nítido o interesse em afastar
a possível sistemática amortização negativa no contrato. A questão
depende de prova e é ônus da parte Autora.
XI - Caso em que o contrato prevê a cobertura pelo FCVS e a perícia,
por ausência de informações suficientes, não apontou o desrespeito à
cláusula PES, mas indicou a configuração de amortização negativa, bem como
a cobrança em dobro a título de seguro na primeira prestação. Supondo
que a parte Autora tivesse realizado o pagamento regular de todas as
prestações contratadas, a existência de eventual saldo residual em
função de amortizações negativas seria objeto de cobertura pelo FCVS,
não havendo interesse na revisão das prestações. Considerando, no
entanto, a possibilidade de vencimento antecipado em face de inadimplemento
de prestações, cogita-se subsistir o interesse de afastar as amortizações
negativas.
XII - Deste modo a dívida deverá ser revista com a contabilização dos
juros remuneratórios "não pagos" em decorrência de amortização negativa
em conta separada, sobre a qual incidirá apenas correção monetária,
destinando-se os valores pagos nas prestações a amortizar primeiramente a
conta principal. A compensação do saldo devedor e a eventual repetição
do indébito deverá ser apurada em sede de execução. A cobertura pelo
FCVS só poderá ser requerida se o mutuário não estiver inadimplente
em relação às prestações originalmente previstas em contrato e não
relacionadas ao saldo residual.
XIII - Apelação da parte Autora improvida, apelações da COHAB e da
CEF parcialmente providas para esclarecer os critérios de cálculo das
prestações, afastando-se a amortização negativa, bem como os critérios
para eventual cobertura de saldo residual pelo FCVS, mantida a sentença
quando à repetição do indébito relativo à primeira prestação, valor
que poderá ser compensado em sede de execução.Decisão
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide
a Egrégia Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por
unanimidade, negar provimento à apelação da parte Autora e dar parcial
provimento às apelações da COHAB e da CEF para esclarecer os critérios
de cálculo das prestações, afastando-se a amortização negativa, bem
como os critérios para eventual cobertura de saldo residual pelo FCVS,
mantida a sentença quando à repetição do indébito relativo à primeira
prestação, valor que poderá ser compensado em sede de execução, nos termos
do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Data do Julgamento
:
07/02/2017
Data da Publicação
:
24/02/2017
Classe/Assunto
:
AC - APELAÇÃO CÍVEL - 1374009
Órgão Julgador
:
PRIMEIRA TURMA
Relator(a)
:
DESEMBARGADOR FEDERAL VALDECI DOS SANTOS
Comarca
:
TRIBUNAL - TERCEIRA REGIÃO
Tipo
:
Acórdão
Indexação
:
VIDE EMENTA.
Fonte da publicação
:
e-DJF3 Judicial 1 DATA:24/02/2017
..FONTE_REPUBLICACAO:
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