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Jurisprudência


TRF3 0003978-87.2010.4.03.6119 00039788720104036119

Ementa
CIVIL E PROCESSO CIVIL. COMPENTÊNCIA PARA AS AÇÕES ACIDENTÁRIAS. AÇÃO DE REGRESSO. CONSTITUCIONALIDADE DO ART. 120 DA LEI Nº 8.213/91. INEXISTÊNCIA DE BIS IN IDEM EM RELAÇÃO AO SAT/RAT. PRESSUPOSTOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL SUBJETIVA. ÔNUS DA PROVA. PAGAMENTOS FUTUROS. ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA. SENTENÇA REFORMADA. APELAÇÃO DA RÉ DESPROVIDA. 1. A Constituição Federal excetuou, expressamente, algumas situações de competência quando o Instituto Nacional do Seguro Social for parte, atribuindo-a, seja para a Justiça Comum, seja para a Justiça do Trabalho. Assim, definiu a competência da Justiça Comum Estadual para julgamento de ações indenizatórias propostas pelo segurado contra o INSS, a fim de se obter o benefício e serviços previdenciários relativos ao acidente de trabalho. Isto pois a Constituição Federal exclui, expressamente, as causas de acidente de trabalho da competência da Justiça Federal e a competência da Justiça Estadual é residual. O C. Supremo Tribunal Federal pacificou a questão com a edição da Súmula nº 501. A Emenda Constitucional nº 45/2004, por sua vez, alterou o artigo 114, inciso VI, para definir como competente a Justiça do Trabalho para o julgamento de ações de indenização por danos morais e patrimoniais decorrentes de acidente de trabalho propostas por empregado contra empregador. Esse entendimento restou consolidado com a adição da Súmula Vinculante nº 22. E, por fim, as ações regressivas interpostas pelo Instituto Nacional do Seguro Social em face de empregadores, a fim de ver ressarcidas as despesas suportadas com o pagamento de benefícios previdenciários, causadas por atos ilícitos dos empregadores, devem ser julgadas pela Justiça Federal, porquanto o debate não diz respeito à relação de trabalho, mas à responsabilização civil do empregador, a ensejar a aplicação da regra geral contida no art. 109, I, da Constituição Federal. Assim, como se vê, são três as ações possíveis: (i) ações indenizatórias propostas pelo empregado-segurado contra o INSS, a fim de se obter o benefício e serviços previdenciários relativos ao acidente de trabalho, de competência da Justiça Comum Estadual; (ii) ações indenizatórias por danos materiais, morais e estéticos, decorrentes de acidente de trabalho, ajuizadas pelo empregado contra o empregador, de competência da Justiça do Trabalho; (iii) ações regressivas ajuizadas pelo Instituto Nacional do Seguro Social - INSS contra o empregador, a fim de ver ressarcidas as despesas suportadas com o pagamento de benefícios previdenciários, causadas por negligência do empregador quanto às normas de segurança, de competência da Justiça Comum Federal. Na primeira, verifica-se se o segurado faz jus ou não ao benefício previdenciário pleiteado. Na segunda, verifica-se a existência ou não de responsabilidade do empregador pelos danos sofridos, nos termos da legislação trabalhista. Na terceira, verifica-se a existência ou não de responsabilidade civil do empregador pelo ressarcimento dos benefícios pagos pelo INSS, nos termos do artigo 120 da Lei nº 8.213/91. São, pois, ações distintas e autônomas, submetidas à competência de Justiças diversas. Necessário realizar estes breves esclarecimentos, diante do teor das razões de apelação, a fim de fundamentar a seguinte conclusão: não cabe à Justiça Federal apreciar se o benefício concedido e pago pelo INSS é devido o não. Somente a Justiça Estadual possui competência para tanto. À Justiça Federal cabe tão-somente apreciar se estão presentes os requisitos da responsabilidade civil do empregador pelo ressarcimento dos benefícios pagos pelo INSS, nos termos do artigo 120 da Lei nº 8.213/91. 2. Os artigos 120 e 121 da Lei nº 8.213/91 asseguram ao INSS o direito de regresso contra o empregador nos casos de negligência do empregador quanto às normas padrão de segurança e higiene no ambiente de trabalho. E, com a Emenda Constitucional nº 20/98, restou expressamente estabelecido que tanto a Previdência Social quanto o setor privado são responsáveis pela cobertura do risco de acidente do trabalho. Essa responsabilidade funda-se na premissa de que os danos gerados culposamente pelo empregador ao INSS, decorrente de acidente do trabalho, não podem e não devem ser suportados por toda a sociedade em razão de atitude ilícita da empresa que não cumpre normas do ambiente de trabalho, além de possuir o escopo de evitar que o empregador continue a descumprir as normas relativas à segurança do trabalho. 3. Ademais, o fato de o empregador contribuir para o custeio do regime geral de previdência social, mediante o recolhimento de tributos e contribuições sociais, dentre estas aquela destinada ao Seguro de Acidente do Trabalho (SAT), atualmente denominada Riscos Ambientais do Trabalho (RAT), não exclui a responsabilidade nos casos de acidente de trabalho decorrentes de culpa sua, por inobservância das normas de segurança e higiene do trabalho. Isso porque a cobertura do SAT/RAT abrange somente os casos em que o acidente de trabalho decorre de culpa exclusiva da vítima, de caso fortuito ou de força maior. Não abrange, portanto, os casos em que o acidente de trabalho decorre de negligência do empregador quanto às normas padrão de segurança e higiene no ambiente de trabalho. 4. A responsabilidade do empregador, em relação ao ressarcimento dos valores despendidos pelo INSS com benefícios previdenciários concedidos em razão de acidentes de trabalho, é subjetiva (exige culpa ou dolo). São pressupostos da responsabilidade civil subjetiva: a) ação ou omissão do agente; b) do dano experimentado pela vítima; c) do nexo causal entre a ação e omissão e o dano; d) da culpa do agente, nos termos dos artigos 186 e 927 do Código Civil. Consoante art. 19, §1º, da Lei nº 8.213/91, o empregador é responsável pela adoção e uso das medidas coletivas e individuais de proteção e segurança da saúde do trabalhador. E mais que isso, conforme art. 157, da Consolidação das Leis do Trabalho, é dever do empregador fiscalizar o cumprimento das determinações e procedimentos de segurança do trabalho. Assim, é o empregador a responsável não apenas pela adoção de medidas coletivas e individuais de proteção e segurança da saúde do trabalhador, mas também pela fiscalização do seu cumprimento. 5. No âmbito das ações de regresso, considerando que se trata de responsabilidade subjetiva e que o art. 120 da Lei nº 8.213/91 exige "negligência do empregador quanto às normas padrão de segurança e higiene no ambiente de trabalho", entende-se que a conduta do empregador apta a ensejar a responsabilidade pelo ressarcimento ao INSS é a negligência do empregador consistente na desobediência, dolosa ou culposa, das normas regulamentares referentes à segurança e higiene no ambiente de trabalho. 6. Se a conduta negligente do empregador em relação às normas regulamentares referentes à segurança e higiene no ambiente de trabalho for a única causa do acidente de trabalho, há responsabilidade do empregador pelo ressarcimento da totalidade dos valores pagos pelo INSS a título de benefício previdenciário. Por sua vez, se tanto a conduta negligente do empregador quanto a do empregado forem causas do acidente de trabalho (concurso de causas), há responsabilidade do empregador pelo ressarcimento somente da metade dos valores pagos pelo INSS a título de benefício previdenciário. E, por fim, se se tratar de culpa exclusiva do empregado, de caso fortuito ou de força maior, não há responsabilidade. 7. Ressalto que, nos termos do art. 333 do CPC, incumbe ao INSS comprovar a existência de culpa do empregador (fato constitutivo do direito do autor) e, por outro lado, cabe ao empregador demonstrar a existência de culpa concorrente ou exclusiva do empregado, de caso fortuito ou de força maior (fatos impeditivos do direito do autor). 8. Depreende-se dos autos que o INSS instruiu a inicial com cópias da ação indenizatória que tramitou perante o E. Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (fls. 29/54) e cópias do procedimento administrativo referente à concessão do benefício (fls. 56/71). Dos depoimentos prestados na esfera trabalhista verifica-se que houve culpa do empregador, pois foi determinado ao empregado acidentado que operasse máquina para a qual não havia recebido treinamento. Neste sentido, destaco seguintes trechos dos depoimentos do empregado acidentado e de sua testemunha: "(...) o operador da máquina tirou férias e o encarregado mandou o depoente operá-la mesmo sem ter treinamento" (fl. 47) e "(...) que o reclamante foi designado pelo encarregado para trabalhar no misturador no dia do acidente; que o reclamante foi designado para fazer tudo na máquina, e não apenas auxiliar" (fl. 48). Aliás, destaco também o seguinte trecho do depoimento do próprio preposto do empregador: "(...) que foi instalada uma nova máquina no setor e foi nela que o reclamante se acidentou; que o reclamante não era o operador dessa máquina, pois o operador era o Vagner; que o reclamante se acidentou na máquina no 2º dia de operação dela (...) que o reclamante não recebeu treinamento para trabalhar na máquina porque não foi designado para operá-la" (fl. 47). Como se vê, o preposto da empresa-ré reconheceu que o empregado acidentado não era o operador da máquina que operava quando sofreu o acidente, assim como que já era o 2º dia em que ele operava aquela máquina. Desse modo, ainda que se cogitasse que não há prova de que a empresa tenha determinado, por meio do encarregado, ao empregado acidentado que operasse máquina para a qual não tinha treinamento, é inescapável a conclusão de que houve ao menos negligência da empresa-ré quanto à fiscalização do cumprimento das normas e procedimentos de segurança. Isso porque, neste caso, a empresa-ré teria permitido ou não teria percebido que o empregado acidentado estava operando, por dois dias consecutivos, máquina para a qual não tinha treinamento. Por sua vez, a empresa-ré deixou de contestar a inicial e o MM. Juiz a quo, em 18/07/2011, decretou a sua revelia e determinou a aplicação dos seus efeitos (fl. 91). E, em 12/08/2011, a parte ré requereu vista dos autos fora de cartório, o que restou indeferido pelo MM. Juiz a quo, tendo em vista que os autos já estavam conclusos para sentença (fls. 95/96). Não houve interposição de recurso contra esta decisão e, em 24/08/2012, foi prolatada a sentença recorrida. 9. Portanto, no caso dos autos, o INSS logrou demonstrar a deficiência e precariedade da segurança do trabalhador, restando caracterizada a culpa do empregador e, por outro lado, o empregador sequer tentou demonstrar a existência de culpa concorrente ou exclusiva do empregado, de caso fortuito ou de força maior. Assim, a empresa-ré deve ressarcir ao INSS a totalidade dos valores pagos pelo INSS a título de benefício previdenciário, bem como os que vierem a ser pagos enquanto perdurar aquela obrigação (isto é, enquanto perdurar o pagamento do benefício previdenciário). 10. Considerando que se trata de ação de regresso de benefício previdenciário cujo pagamento perdurará após o trânsito em julgado deste processo, é possível a condenação da empresa-ré ao ressarcimento dos valores que vierem a ser pagos pelo INSS (parcelas vincendas). Isso porque, embora o benefício previdenciário denominado auxílio-doença (NB nº 52.998.964-30) tenha sido pago por tempo determinado (de 23/04/2008 a 11/04/2011 - fls. 158), este veio a ser convertido em auxílio-acidente (NB nº 54.592.221-05), em 12/04/2011 (fl. 160), e o pagamento deste pode perdurar após o trânsito em julgado. Todavia, não é possível a constituição de capital, prevista no art. 475-Q do CPC, pois tal procedimento refere-se especificamente às hipóteses em que indenização incluir prestação de alimentos. E, embora os benefícios pagos pelo INSS ao empregado acidentado ou aos seus familiares possuam natureza alimentar, a verba que o empregador deve ressarcir, em regresso, ao INSS não possui natureza alimentar. 11. Por fim, apenas para que não se alegue omissão, consigno que a parte apelante também sustenta que a concessão de auxílio-acidente enseja enriquecimento sem causa do empregado acidentado, pois ele está recebendo pensão vitalícia da empresa em razão da condenação na ação trabalhista. Pois bem. A tese não merece prosperar. Primeiro porque, como já dito, a Justiça Federal não tem competência para aferir se o pagamento do auxílio-acidente é devido ou não, pois a Constituição Federal exclui, expressamente, as causas de acidente de trabalho da sua competência. Desse modo, ainda que houvesse alguma ilegalidade na concessão do benefício, este Tribunal não poderia, como requer a apelante no primeiro pedido formulado nas suas razões recursais, reconhecer que o segurado não faz jus ao benefício auxílio-acidente. Segundo porque não há cumulação indevida entre a pensão paga pela empesa ao empregado acidentado e o ressarcimento pago pela empresa ao INSS, pois se tratam de indenizações distintas, pagas a pessoas distintas. 12. Por todas as razões expostas, a sentença deve ser integralmente mantida. 13. Recurso de apelação da parte ré desprovido.
Decisão
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, negar provimento ao recurso de apelação da parte ré, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Data do Julgamento : 11/06/2018
Data da Publicação : 15/06/2018
Classe/Assunto : Ap - APELAÇÃO CÍVEL - 1881293
Órgão Julgador : QUINTA TURMA
Relator(a) : DESEMBARGADOR FEDERAL PAULO FONTES
Comarca : TRIBUNAL - TERCEIRA REGIÃO
Tipo : Acórdão
Indexação : VIDE EMENTA.
Fonte da publicação : e-DJF3 Judicial 1 DATA:15/06/2018 ..FONTE_REPUBLICACAO:
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