TRF3 0003995-42.2013.4.03.6112 00039954220134036112
APELAÇÃO. PROCESSO CIVIL. CONSTITUCIONAL. AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL
PÚBLICA. INEXISTÊNCIA DE PRESCRIÇÃO E NULIDADE. COLISÃO DE DIREITOS
FUNDAMENTAIS. PONDERAÇÃO. PROPORCIONALIDADE. DIGNIDADE DA PESSOA
HUMANA. CONSTRUÇÃO ANTERIOR À PREVISÃO LEGAL. SENTENÇA REFORMADA. RECURSO
DE APELAÇÃO DOS RÉUS PARCIALMENTE PROVIDO. REMESSA OFICIAL E RECURSOS DA
UNIÃO E DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL NÃO PROVIDOS.
1- Não obstante a Lei nº 7.347/85 (Lei da Ação Civil Pública) silencie
a respeito, a r. sentença deve ser submetida ao reexame necessário, em
interpretação analógica do art. 19 da Lei nº 4.717/65 (Lei da Ação
Popular).
2 - Trata-se de remessa oficial, tida por interposta, e de recursos de
apelação interpostos pelo Ministério Público Federal (fls. 253/267),
pela União Federal (fls. 275/283) e por Pedro Marques e Maria Neide de Abreu
Marques (fls. 281/289) contra sentença proferida pelo r. Juízo da 2ª Vara
Federal de Presidente Prudente, em Ação Civil Pública (fls. 305/316),
na qual foi acolhida parcialmente a pretensão deduzida pelo Parquet,
de apuração e recuperação de dano ambiental em Área de Preservação
Permanente, causada por edificação localizada às margens do Rio Paraná,
no município de Rosana-SP.
3 - A referida Ação Civil Pública foi ajuizada pelo ajuizada pelo
Ministério Público Federal em face de Pedro Marques e Maria Neide de
Abreu Marques, que os réus são possuidores de imóvel situado em área de
preservação permanente (Lote nº 145, posteriormente renumerado para 147,
na Avenida Erivelton Francisco de Oliveira, s/nº, no bairro Beira-Rio,
no município de Rosana /SP, localizado em faixa de 500 metros a partir do
maior leito sazonal do rio Paraná), sem autorização.
4 - Não é possível o acolhimento do pedido de unificação de todas as
Ações Civis Públicas sobre o tema, uma vez que a reunião dos inúmeros
feitos para a decisão conjunta, prejudicaria a economia processual e
segurança jurídica, implicando em tumulto e morosidade resultante do
elevado número de litigantes e das particularidades de cada imóvel.
5 - Não é necessária a participação do município de Rosana, uma vez
que o caso em exame trata de danos ambientais e o dever de reparação, não
sendo possível demonstrar de plano o interesse do município de Rosana,
bem como a possibilidade do município de Rosana ser responsabilizado pelo
dano ambiental. Nulidade inexistente.
6 - Rejeição da preliminar da prescrição. A pretensão reparatória
ambiental é imprescritível, visto que o direito ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado é fundamental. A imprescritibilidade se adequa
à previsão constitucional de garantia de um meio ambiente equilibrado para
as presentes e futuras gerações. Precedentes do E. Superior Tribunal de
Justiça.
7 - Apesar de não ser possível acolher a preliminar de prescrição, de
rigor reconhecer o direito dos réus à moradia, garantindo o direito de
permanecerem no local.
8 - Analisando o conjunto probatório constante nos autos, não restou
evidenciado que a construção tenha sido feita irregularmente, após a área
ser considerada como área de preservação permanente. Conforme se extrai
das alegações e documentos constantes nos autos, a construção distante
quase 200 metros da margem do rio, existe no local há, aproximadamente,
50 anos e os réus residem no local há 40 (quarenta) anos.
9 - O direito de construir é regulado pela lei vigente à época de seu
exercício. Assim a legislação aplicável ao caso deve ser a da época
do fato que provocou o dano ambiental, aplicando-se o princípio do tempus
regit actum.
10 - A legislação vigente à época da construção, estabelecia como
área de preservação permanente a distância de 100 da margem do rio
(redação inicial da Lei nº 4.771/65).
11 - Considerando que o imóvel foi construído à aproximadamente 200 metros
da margem do rio, não há como se afirmar que à época a construção foi
feita de forma irregular e clandestina, desobedecendo as normas ambientais
vigentes.
12 - Diante da peculiaridade do caso em tela, deve ser feito uma
ponderação dos direitos fundamentais aplicando-se o princípio da
proporcionalidade. Saliente-se que, nos casos que envolvem, de um lado,
o direito à vida digna, à propriedade, à moradia e, de outro, o direito
à preservação do meio ambiente, não se pode afirmar que um sempre
prevalecerá frente ao outro, devendo a solução ser dada conforme a
situação concreta. Analisar e julgar o caso somente pela ótica do direito
ambiental, como que reconhecendo que esse assumiria maior importância por
sua violação acarretar danos a toda coletividade, é adotar uma posição
desarrazoada e extremista, que ignora as necessidades sociais e a função
socioambiental da propriedade.
13 - Cabe enfatizar que não se desconhece que a proteção do meio ambiente
erige-se como direito fundamental expressamente reconhecido pela Constituição
Federal (artigo 225), assim como um direito humano reconhecido em diversos
tratados internacionais. Entretanto, não se pode olvidar da proteção
constitucional ao direito à moradia, e à propriedade (artigos 5º e 6º,
da Constituição Federal), os quais estão relacionados diretamente com a
dignidade da pessoa humana.
14 - Não restam dúvidas que a proteção ambiental é necessária e urgente;
todavia, no caso em tela, é imperiosa a consideração dos direitos à moradia
e à vida digna, como também são urgentes e essenciais para a preservação
da dignidade da pessoa humana. Renegar esses direitos ou colocá-los sempre
em segundo plano, frente ao direito ambiental, é possibilitar uma solução
jurídica incorreta quanto à interpretação sistemática do direito,
ao princípio da harmonização, ao princípio da proporcionalidade e à
força normativa da Constituição Federal.
15 - Com efeito, diante do conflito de direitos, como no caso concreto,
deve ser feita uma ponderação buscando a solução mais razoável e justa,
utilizando o princípio da proporcionalidade.
16 - Diante da situação em exame, exigir dos apelantes que desocupem o
imóvel, e ainda promova a reparação ambiental decorrente da construção,
a qual não há provas de que foi feita em desconformidade com a lei, é
deixá-los totalmente desamparados e sem qualquer alternativa, ressaltando-se
que os réus são materialmente carentes. Cabe salientar, que não se estar
aqui garantindo um direito à agressão ambiental, mas apenas afirmando que
não é razoável impedir a utilização da área pelos apelantes.
17 - Assim, de rigor a reforma da sentença, para garantir o direito à
moradia dos apelantes, mantendo-se apenas a obrigação de não fazer, não
podendo os apelantes realizarem novas construções e novas degradações
ambientais, conforme o Código Florestal Lei nº 12.651/12.
18 - Preliminares rejeitadas. Remessa oficial e recursos de apelação do
Ministério Publico Federal e da União Federal não providos. Recurso de
apelação de Pedro Marques e Maria Neide de Abreu Marques parcialmente
provido.
Ementa
APELAÇÃO. PROCESSO CIVIL. CONSTITUCIONAL. AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL
PÚBLICA. INEXISTÊNCIA DE PRESCRIÇÃO E NULIDADE. COLISÃO DE DIREITOS
FUNDAMENTAIS. PONDERAÇÃO. PROPORCIONALIDADE. DIGNIDADE DA PESSOA
HUMANA. CONSTRUÇÃO ANTERIOR À PREVISÃO LEGAL. SENTENÇA REFORMADA. RECURSO
DE APELAÇÃO DOS RÉUS PARCIALMENTE PROVIDO. REMESSA OFICIAL E RECURSOS DA
UNIÃO E DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL NÃO PROVIDOS.
1- Não obstante a Lei nº 7.347/85 (Lei da Ação Civil Pública) silencie
a respeito, a r. sentença deve ser submetida ao reexame necessário, em
interpretação analógica do art. 19 da Lei nº 4.717/65 (Lei da Ação
Popular).
2 - Trata-se de remessa oficial, tida por interposta, e de recursos de
apelação interpostos pelo Ministério Público Federal (fls. 253/267),
pela União Federal (fls. 275/283) e por Pedro Marques e Maria Neide de Abreu
Marques (fls. 281/289) contra sentença proferida pelo r. Juízo da 2ª Vara
Federal de Presidente Prudente, em Ação Civil Pública (fls. 305/316),
na qual foi acolhida parcialmente a pretensão deduzida pelo Parquet,
de apuração e recuperação de dano ambiental em Área de Preservação
Permanente, causada por edificação localizada às margens do Rio Paraná,
no município de Rosana-SP.
3 - A referida Ação Civil Pública foi ajuizada pelo ajuizada pelo
Ministério Público Federal em face de Pedro Marques e Maria Neide de
Abreu Marques, que os réus são possuidores de imóvel situado em área de
preservação permanente (Lote nº 145, posteriormente renumerado para 147,
na Avenida Erivelton Francisco de Oliveira, s/nº, no bairro Beira-Rio,
no município de Rosana /SP, localizado em faixa de 500 metros a partir do
maior leito sazonal do rio Paraná), sem autorização.
4 - Não é possível o acolhimento do pedido de unificação de todas as
Ações Civis Públicas sobre o tema, uma vez que a reunião dos inúmeros
feitos para a decisão conjunta, prejudicaria a economia processual e
segurança jurídica, implicando em tumulto e morosidade resultante do
elevado número de litigantes e das particularidades de cada imóvel.
5 - Não é necessária a participação do município de Rosana, uma vez
que o caso em exame trata de danos ambientais e o dever de reparação, não
sendo possível demonstrar de plano o interesse do município de Rosana,
bem como a possibilidade do município de Rosana ser responsabilizado pelo
dano ambiental. Nulidade inexistente.
6 - Rejeição da preliminar da prescrição. A pretensão reparatória
ambiental é imprescritível, visto que o direito ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado é fundamental. A imprescritibilidade se adequa
à previsão constitucional de garantia de um meio ambiente equilibrado para
as presentes e futuras gerações. Precedentes do E. Superior Tribunal de
Justiça.
7 - Apesar de não ser possível acolher a preliminar de prescrição, de
rigor reconhecer o direito dos réus à moradia, garantindo o direito de
permanecerem no local.
8 - Analisando o conjunto probatório constante nos autos, não restou
evidenciado que a construção tenha sido feita irregularmente, após a área
ser considerada como área de preservação permanente. Conforme se extrai
das alegações e documentos constantes nos autos, a construção distante
quase 200 metros da margem do rio, existe no local há, aproximadamente,
50 anos e os réus residem no local há 40 (quarenta) anos.
9 - O direito de construir é regulado pela lei vigente à época de seu
exercício. Assim a legislação aplicável ao caso deve ser a da época
do fato que provocou o dano ambiental, aplicando-se o princípio do tempus
regit actum.
10 - A legislação vigente à época da construção, estabelecia como
área de preservação permanente a distância de 100 da margem do rio
(redação inicial da Lei nº 4.771/65).
11 - Considerando que o imóvel foi construído à aproximadamente 200 metros
da margem do rio, não há como se afirmar que à época a construção foi
feita de forma irregular e clandestina, desobedecendo as normas ambientais
vigentes.
12 - Diante da peculiaridade do caso em tela, deve ser feito uma
ponderação dos direitos fundamentais aplicando-se o princípio da
proporcionalidade. Saliente-se que, nos casos que envolvem, de um lado,
o direito à vida digna, à propriedade, à moradia e, de outro, o direito
à preservação do meio ambiente, não se pode afirmar que um sempre
prevalecerá frente ao outro, devendo a solução ser dada conforme a
situação concreta. Analisar e julgar o caso somente pela ótica do direito
ambiental, como que reconhecendo que esse assumiria maior importância por
sua violação acarretar danos a toda coletividade, é adotar uma posição
desarrazoada e extremista, que ignora as necessidades sociais e a função
socioambiental da propriedade.
13 - Cabe enfatizar que não se desconhece que a proteção do meio ambiente
erige-se como direito fundamental expressamente reconhecido pela Constituição
Federal (artigo 225), assim como um direito humano reconhecido em diversos
tratados internacionais. Entretanto, não se pode olvidar da proteção
constitucional ao direito à moradia, e à propriedade (artigos 5º e 6º,
da Constituição Federal), os quais estão relacionados diretamente com a
dignidade da pessoa humana.
14 - Não restam dúvidas que a proteção ambiental é necessária e urgente;
todavia, no caso em tela, é imperiosa a consideração dos direitos à moradia
e à vida digna, como também são urgentes e essenciais para a preservação
da dignidade da pessoa humana. Renegar esses direitos ou colocá-los sempre
em segundo plano, frente ao direito ambiental, é possibilitar uma solução
jurídica incorreta quanto à interpretação sistemática do direito,
ao princípio da harmonização, ao princípio da proporcionalidade e à
força normativa da Constituição Federal.
15 - Com efeito, diante do conflito de direitos, como no caso concreto,
deve ser feita uma ponderação buscando a solução mais razoável e justa,
utilizando o princípio da proporcionalidade.
16 - Diante da situação em exame, exigir dos apelantes que desocupem o
imóvel, e ainda promova a reparação ambiental decorrente da construção,
a qual não há provas de que foi feita em desconformidade com a lei, é
deixá-los totalmente desamparados e sem qualquer alternativa, ressaltando-se
que os réus são materialmente carentes. Cabe salientar, que não se estar
aqui garantindo um direito à agressão ambiental, mas apenas afirmando que
não é razoável impedir a utilização da área pelos apelantes.
17 - Assim, de rigor a reforma da sentença, para garantir o direito à
moradia dos apelantes, mantendo-se apenas a obrigação de não fazer, não
podendo os apelantes realizarem novas construções e novas degradações
ambientais, conforme o Código Florestal Lei nº 12.651/12.
18 - Preliminares rejeitadas. Remessa oficial e recursos de apelação do
Ministério Publico Federal e da União Federal não providos. Recurso de
apelação de Pedro Marques e Maria Neide de Abreu Marques parcialmente
provido.Decisão
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide
a Egrégia Quarta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por
unanimidade, negar provimento à remessa oficial e aos recursos de apelação
do Ministério Público Federal e da União Federal; e dar parcial provimento
ao recurso de apelação de Pedro Marques e Maria Neide de Abreu Marques,
nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente
julgado.
Data do Julgamento
:
01/08/2018
Data da Publicação
:
12/09/2018
Classe/Assunto
:
Ap - APELAÇÃO CÍVEL - 2245883
Órgão Julgador
:
QUARTA TURMA
Relator(a)
:
DESEMBARGADOR FEDERAL MARCELO SARAIVA
Comarca
:
TRIBUNAL - TERCEIRA REGIÃO
Tipo
:
Acórdão
Referência
legislativa
:
***** LACP-85 LEI DE AÇÃO CIVIL PÚBLICA
LEG-FED LEI-7347 ANO-1985
***** LAP-65 LEI DE AÇÃO POPULAR
LEG-FED LEI-4717 ANO-1965 ART-19
***** CFLO-65 CÓDIGO FLORESTAL
LEG-FED LEI-4771 ANO-1965
***** CF-1988 CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988
LEG-FED ANO-1988 ART-225
***** CF-1988 CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988
LEG-FED ANO-1988 ART-5 ART-6
***** CFLO-12 CÓDIGO FLORESTAL DE 2012
LEG-FED LEI-12651 ANO-2012
Fonte da publicação
:
e-DJF3 Judicial 1 DATA:12/09/2018
..FONTE_REPUBLICACAO:
Mostrar discussão