TRF3 0004046-17.2017.4.03.0000 00040461720174030000
REVISÃO CRIMINAL. NÃO CONHECIMENTO DE UM DOS PEDIDOS FORMULADOS ANTE
A EXARAÇÃO DE PROVIMENTO MERITÓRIO PELO C. SUPERIOR TRIBUNAL DE
JUSTIÇA. INTERPRETAÇÃO DOS ARTS. 105, I, E, E 108, I, B, AMBOS DA
CONSTITUIÇÃO FEDERAL. PROTEÇÃO À COISA JULGADA E HIPÓTESES DE
CABIMENTO. CASO CONCRETO. DANO NO "HD" APREENDIDO. IMPOSSIBILIDADE
DE PRODUÇÃO DE CONTRAPROVA. OFENSA AO PRINCÍPIO DO LIVRE
CONVENCIMENTO AFASTADA. PREJUÍZO PELA NEGATIVA DE PRODUÇÃO DE
PROVA NOVA REFUTADO. APRESENTAÇÃO ESPONTÂNEA PARA CUMPRIMENTO
DA PENA IMPOSTA. NECESSIDADE DE APLICAÇÃO DO ART. 66 DO CÓDIGO
PENAL. IMPROCEDÊNCIA. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO ENTRE OS
DELITOS PREVISTOS NOS ARTS. 241-A E 241-B, AMBOS DO ESTATUTO DA CRIANÇA E
DO ADOLESCENTE, E AFASTAMENTO DAS FIGURAS DO CRIME CONTINUADO E DO CONCURSO
MATERIAL DE INFRAÇÕES. IMPOSSIBILIDADE. PEDIDO REVISIONAL CONHECIDO EM
PARTE PARA SER JULGADO IMPROCEDENTE.
- O pedido formulado pelo revisionando nesta Revisão Criminal atinente à
redução das penas-base relativas aos arts. 241-A e 241-B, ambos do Estatuto
da Criança e do Adolescente, que teriam sido exacerbadas indevidamente em
razão de sua culpabilidade (a despeito de sua vida pregressa incólume) não
pode ser conhecido na justa medida em que tal questão restou pacificada
com ares de definitividade por meio do julgamento levado a efeito junto
ao C. Superior Tribunal de Justiça em razão da interposição de Recurso
Especial que, além de outros assuntos, pugnava pela readequação da pena
nos mesmos moldes em que vertidos pelo revisionando nesta senda.
- Este E. Tribunal Regional Federal não se mostra competente para o
conhecimento da específica pretensão formulada pelo revisionando que
guarda relação com discussões afetas à dosimetria penal sob o pálio
da sua culpabilidade tendo em vista que o provimento judicial a que se
requer rescindir foi proferido pela C. Instância Superior, que, a teor do
art. 105, I, e, da Constituição Federal, possui competência para processar
e para julgar, originariamente, as revisões criminais de seus precípuos
julgados. A contrário senso, nos termos preconizados no art. 108, I, b, da
Constituição Federal, cabe a este E. Tribunal Regional Federal processar
e julgar, originariamente, as revisões criminais de seus julgados ou dos
juízes federais da respectiva região, o que não se vislumbra possibilidade
de ser aplicado, neste caso concreto, no que concerne ao pedido inerente
à dosimetria penal outrora delimitado, pois tal matéria foi decidida com
definitividade pelo C. Superior Tribunal de Justiça, motivo pelo qual não
deve ser conhecida a presente Revisão Criminal no ponto declinado.
- O Ordenamento Constitucional de 1988 elencou a coisa julgada como direito
fundamental do cidadão (art. 5º, XXXVI), conferindo indispensável
proteção ao valor segurança jurídica com o escopo de que as relações
sociais fossem pacificadas após a exaração de provimento judicial dotado
de imutabilidade. Sobrevindo a impossibilidade de apresentação de recurso
em face de uma decisão judicial, há que ser reconhecida a imutabilidade
do provimento tendo como base a formação tanto de coisa julgada formal
(esgotamento da instância) como de coisa julgada material (predicado que
torna imutável o que restou decidido pelo Poder Judiciário, prestigiando,
assim, a justiça e a ordem social).
- Situações excepcionais, fundadas na ponderação de interesses de
assento constitucional, permitem o afastamento de tal característica da
imutabilidade das decisões exaradas pelo Poder Judiciário a fim de que
prevaleça outro interesse (também tutelado constitucionalmente), sendo
justamente neste panorama que nosso sistema jurídico prevê a existência de
ação rescisória (a permitir o afastamento da coisa julgada no âmbito do
Processo Civil) e de revisão criminal (a possibilitar referido afastamento
na senda do Processo Penal).
- No âmbito do Processo Penal, para que seja possível a reconsideração
do que restou decidido sob o manto da coisa julgada, deve ocorrer no caso
concreto uma das situações previstas para tanto no ordenamento jurídico
como hipótese de cabimento da revisão criminal nos termos do art. 621,
do Código de Processo Penal. Assim, permite-se o ajuizamento de revisão
criminal fundada em argumentação no sentido de que (a) a sentença proferida
encontra-se contrária a texto expresso de lei ou a evidência dos autos;
(b) a sentença exarada fundou-se em prova comprovadamente falsa; e (c) houve
o surgimento de prova nova, posterior à sentença, de que o condenado seria
inocente ou de circunstância que permitiria a diminuição da reprimenda
então imposta.
- A revisão criminal não se mostra como via adequada para que haja um
rejulgamento do conjunto fático-probatório constante da relação processual
originária, razão pela qual impertinente a formulação de argumentação que
já foi apreciada e rechaçada pelo juízo condenatório. Sequer a existência
de interpretação controvertida permite a propositura do expediente em
tela, pois tal situação (controvérsia de tema na jurisprudência) não
se enquadra na ideia necessária para que o instrumento tenha fundamento de
validade no inciso I do art. 621 do Código de Processo Penal.
- Alega o revisionando a impossibilidade de produzir contraprova (que,
segundo sua versão, seria indispensável à busca do justo) em razão de
dano no HD periciado (o que restou atestado pelo Núcleo de Criminalística
do Setor Técnico-Científico da Polícia Federal).
- Imperioso destacar a impossibilidade de deferimento de qualquer requerimento
formulado pelo revisionando nos autos subjacentes que guardasse relação
com o espelhamento integral do HD então apreendido por força de mandado
de busca e apreensão deferido judicialmente tendo em vista a existência,
em referido suporte de gravação, de elementos que configuram objeto material
de infrações penais que visam tutelar bem jurídico precípuo, especialmente
aquele ligado às crianças e aos adolescentes expostos a conteúdo de sexo
no contexto de práticas pedófilas. Por certo, o deferimento de cópia
integral de todo o conteúdo amealhado no HD apreendido teria o condão de
redundar na prática de ilícito penal combatido pelos artigos constantes do
Estatuto da Criança e do Adolescente (sem prejuízo de outras cominações
constantes em leis penais diversas).
- Sem prejuízo do anteriormente exposto, o revisionando objetivava com
o requerimento de cópia do HD apreendido o acesso a dados nele gravados
relativo a arquivos e planilhas de sua atividade profissional e de sua esposa
necessários à execução de suas rotinas profissionais. Nesse diapasão,
nota-se a ausência de qualquer mínima ofensa ao direito constitucional de
defesa do revisionando em decorrência da impossibilidade de fornecimento do
requerido (pelo dano no "HD") na justa medida em que se pugnava a cópia do
material apreendido apenas para que fosse possível a continuidade das rotinas
profissionais do então investigado e de sua esposa, o que, por certo, por
não guardar qualquer vínculo a permitir um melhor exercício do propalado
direito de defesa e de produção de contraprova, os arquivos passíveis de
ser fornecidos seriam aqueles que não possuiriam em seu conteúdo qualquer
material criminoso afeto à pornografia infanto-juvenil.
- Mostra-se de rigor asseverar que o revisionando teve acesso a todo
tempo à mídia digital que acompanhou o laudo pericial elaborado em
decorrência de perícia levada a efeito por força da apreensão do HD
em sua residência. Desta forma, como gravados em tal mídia arquivos e
elementos relevantes para o deslindar dos fatos então em apuração e que
deram ensejo ao oferecimento de denúncia, plenamente possível o exercício
do mister defensivo por seu patrono (inclusive por meio da contratação de
assistente técnico com o escopo de refutar as conclusões a que chegou o
expert oficial e, assim, fazer a contraprova), de modo que, também sob tal
viés, impossível constatar sequer um lampejo ou um átimo de mácula ao
direito constitucional de defesa assegurado a todos os acusados no âmbito
processual dentro do contexto protetivo do devido processo legal.
- Requer o revisionando a aplicação do contido no art. 66 do Código Penal
em razão de sua apresentação espontânea para cumprimento da reprimenda que
lhe foi imposta após a sobrevinda do trânsito em julgado da condenação. A
despeito de efetivamente ter-se apresentado espontaneamente, os argumentos
tecidos pelo revisionando para aplicação do disposto no artigo mencionado
não têm o condão de impor a consequência vindicada (redução da pena)
à míngua de qualquer fundamento legal.
- Diante da sobrevinda de decisão emanada do Poder Judiciário, o natural
e, até mesmo, o esperado é que a pessoa atingida por ela cumpra o comando
imperativo inerente aos provimentos judiciais de modo que se mostra risível
pugnar-se pelo abrandamento de pena em razão de um evento que necessariamente
atingiria o revisionando (cumprimento da pena) ainda que não se apresentasse
espontaneamente para o encarceramento.
- Em outras palavras, o revisionando não agiu senão como a sociedade
esperava que se comportasse após ter sido condenado pelo Poder Judiciário
pela prática de nefastos crimes envolvendo o contexto de pedofilia (tendo ele
exercido seu direito de defesa em 04 esferas de jurisdição), de modo que
não deve ser beneficiado com a diminuição da pena que lhe foi impingida
seja porque agiu como somente poderia fazê-lo (aceitando a condenação e
refletindo os erros cometidos - vide, a propósito, perícia médica trazida
à colação nesta Revisão na qual, ao lado de atestar a higidez mental do
revisionando, menciona que ele sabe que cometeu infração penal e, assim,
deve arcar com as consequências, bem como que tem plena noção de seus
erros e deseja tornar-se, novamente, um indivíduo útil à sociedade),
seja porque o ordenamento não contempla a benesse pugnada.
- Cumpre ressaltar, ademais, que o preceito legal utilizado para dar a pecha de
legítima à pretensão deduzida pelo revisionando (art. 66 do Código Penal
- atenuante genérica) tem seu âmbito de aplicação especificamente quando
da segunda etapa da dosimetria penal (a teor do comando inserto no art. 68 de
mencionado diploma), não sendo um salvo conduto passível de ser alegado em
momentos ulteriores em que já assegurada a imutabilidade da sentença penal
condenatória pela intangibilidade inerente à formação da coisa julgada,
sob pena do sistema como um todo ruir ante a insegurança jurídica que se
instalaria acaso fosse possível revisitar o provimento judicial protegido
pela coisa julgada ao mero alvedrio de qualquer alegação de bom mocismo
ou de bom caráter ou de bom comportamento.
- Apresentar-se para cumprir pena imposta pelo ente estatal não é qualidade:
é DEVER daquele que cometeu um crime e, em razão disso, restou condenado pelo
Poder Judiciário, não devendo ser agraciado com qualquer suposta benesse.
- Pugna o revisionando pelo reconhecimento do princípio da consunção com
o propósito de afastar tanto o concurso material (entre os delitivos dos
arts. 241-A e 241-B, ambos do Estatuto da Criança e do Adolescente, pelos
quais foi condenado) como a figura do crime continuado (em relação aos 75
compartilhamentos de arquivos pornográficos no âmbito de incidência do
art. 241-A do diploma legal já mencionado).
- Impossível o acolhimento do requerido, uma vez que as condutas típicas
insculpidas nos arts. 241-A e 241-B, ambos do Estatuto da Criança e do
Adolescente, visam, a despeito de tutelarem nossas crianças e nossos
adolescentes, coibir práticas por demais graves ocorrentes na sociedade
que não se mostram necessariamente inseridas uma no bojo da outra, podendo,
desta feita, ser cometidas em concomitância sem que haja a possibilidade de
se reconhecer a ideia de que uma foi crime-meio para a prática criminosa fim.
- O art. 241-A pune, basicamente, a conduta daquele que compartilha (por
meio das diversas formas descritas nos núcleos constantes do tipo penal),
por qualquer meio, inclusive sistema de informática ou telemático, material
pornográfico envolvendo criança ou adolescente ao passo que o art. 241-B
almeja punir o armazenamento de material pornográfico no contexto envolvendo
criança ou adolescente, não havendo, assim, confusão ou superposição entre
as condutas imbricadas penalmente a permitir o reconhecimento da consunção.
- Importante ser destacado que o cometimento de uma das figuras típicas
não gera necessariamente a perpetração da outra (donde se conclui a
necessidade imperiosa do elemento volitivo, ou seja, de desígnios autônomos
para a tipificação de cada qual) da mesma forma que, tendo sido levada
a efeito aquela cujo apenamento é mais gravoso, não se nota relação de
crime-meio X crime-fim a permitir o assentamento apenas da prática criminosa
final, o que corrobora a impossibilidade de se reconhecer a consunção
vindicada. Precedentes deste E. Tribunal Regional Federal da 3ª Região.
- Especificamente no que tange ao caso retratado na relação processual penal
subjacente, nota-se a impossibilidade de se reconhecer a consunção pugnada
na justa medida em que, além de objetividades jurídicas distintas protegidas
por cada tipo penal mencionado anteriormente, nota-se a independência tanto
de momentos consumativos como de elementos volitivos do revisionando quando
da perpetração dos delitos, o que reforça o posicionamento segundo o qual
não se deve acolher o requerido ora em apreciação.
- Impossível o afastamento, também requerido, da figura do crime continuado
em relação ao cometimento do delito previsto no art. 241-A do Estatuto da
Criança e do Adolescente tendo em vista a devida comprovação, no bojo
do Feito nº 0005850-14.2011.403.6181, de que houve o compartilhamento
de 75 arquivos pornográficos, o que enseja a correta regência contida no
art. 71 do Código Penal quando da fixação da pena pelo crime indicado, não
havendo que se cogitar em crime único (tal qual aduzido) exatamente porque o
compartilhamento de 75 arquivos indica o oposto: para cada download de rigor
o assentamento de crime autônomo e, diante do cumprimento dos requisitos
inerentes ao crime continuado, necessária a exasperação da reprimenda tal
qual lançada pelo Eminente Desembargador Federal Relator do feito subjacente.
- Revisão criminal conhecida parcialmente e, na parte conhecida, julgado
improcedente o pedido. Pedido liminar prejudicado.
Ementa
REVISÃO CRIMINAL. NÃO CONHECIMENTO DE UM DOS PEDIDOS FORMULADOS ANTE
A EXARAÇÃO DE PROVIMENTO MERITÓRIO PELO C. SUPERIOR TRIBUNAL DE
JUSTIÇA. INTERPRETAÇÃO DOS ARTS. 105, I, E, E 108, I, B, AMBOS DA
CONSTITUIÇÃO FEDERAL. PROTEÇÃO À COISA JULGADA E HIPÓTESES DE
CABIMENTO. CASO CONCRETO. DANO NO "HD" APREENDIDO. IMPOSSIBILIDADE
DE PRODUÇÃO DE CONTRAPROVA. OFENSA AO PRINCÍPIO DO LIVRE
CONVENCIMENTO AFASTADA. PREJUÍZO PELA NEGATIVA DE PRODUÇÃO DE
PROVA NOVA REFUTADO. APRESENTAÇÃO ESPONTÂNEA PARA CUMPRIMENTO
DA PENA IMPOSTA. NECESSIDADE DE APLICAÇÃO DO ART. 66 DO CÓDIGO
PENAL. IMPROCEDÊNCIA. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO ENTRE OS
DELITOS PREVISTOS NOS ARTS. 241-A E 241-B, AMBOS DO ESTATUTO DA CRIANÇA E
DO ADOLESCENTE, E AFASTAMENTO DAS FIGURAS DO CRIME CONTINUADO E DO CONCURSO
MATERIAL DE INFRAÇÕES. IMPOSSIBILIDADE. PEDIDO REVISIONAL CONHECIDO EM
PARTE PARA SER JULGADO IMPROCEDENTE.
- O pedido formulado pelo revisionando nesta Revisão Criminal atinente à
redução das penas-base relativas aos arts. 241-A e 241-B, ambos do Estatuto
da Criança e do Adolescente, que teriam sido exacerbadas indevidamente em
razão de sua culpabilidade (a despeito de sua vida pregressa incólume) não
pode ser conhecido na justa medida em que tal questão restou pacificada
com ares de definitividade por meio do julgamento levado a efeito junto
ao C. Superior Tribunal de Justiça em razão da interposição de Recurso
Especial que, além de outros assuntos, pugnava pela readequação da pena
nos mesmos moldes em que vertidos pelo revisionando nesta senda.
- Este E. Tribunal Regional Federal não se mostra competente para o
conhecimento da específica pretensão formulada pelo revisionando que
guarda relação com discussões afetas à dosimetria penal sob o pálio
da sua culpabilidade tendo em vista que o provimento judicial a que se
requer rescindir foi proferido pela C. Instância Superior, que, a teor do
art. 105, I, e, da Constituição Federal, possui competência para processar
e para julgar, originariamente, as revisões criminais de seus precípuos
julgados. A contrário senso, nos termos preconizados no art. 108, I, b, da
Constituição Federal, cabe a este E. Tribunal Regional Federal processar
e julgar, originariamente, as revisões criminais de seus julgados ou dos
juízes federais da respectiva região, o que não se vislumbra possibilidade
de ser aplicado, neste caso concreto, no que concerne ao pedido inerente
à dosimetria penal outrora delimitado, pois tal matéria foi decidida com
definitividade pelo C. Superior Tribunal de Justiça, motivo pelo qual não
deve ser conhecida a presente Revisão Criminal no ponto declinado.
- O Ordenamento Constitucional de 1988 elencou a coisa julgada como direito
fundamental do cidadão (art. 5º, XXXVI), conferindo indispensável
proteção ao valor segurança jurídica com o escopo de que as relações
sociais fossem pacificadas após a exaração de provimento judicial dotado
de imutabilidade. Sobrevindo a impossibilidade de apresentação de recurso
em face de uma decisão judicial, há que ser reconhecida a imutabilidade
do provimento tendo como base a formação tanto de coisa julgada formal
(esgotamento da instância) como de coisa julgada material (predicado que
torna imutável o que restou decidido pelo Poder Judiciário, prestigiando,
assim, a justiça e a ordem social).
- Situações excepcionais, fundadas na ponderação de interesses de
assento constitucional, permitem o afastamento de tal característica da
imutabilidade das decisões exaradas pelo Poder Judiciário a fim de que
prevaleça outro interesse (também tutelado constitucionalmente), sendo
justamente neste panorama que nosso sistema jurídico prevê a existência de
ação rescisória (a permitir o afastamento da coisa julgada no âmbito do
Processo Civil) e de revisão criminal (a possibilitar referido afastamento
na senda do Processo Penal).
- No âmbito do Processo Penal, para que seja possível a reconsideração
do que restou decidido sob o manto da coisa julgada, deve ocorrer no caso
concreto uma das situações previstas para tanto no ordenamento jurídico
como hipótese de cabimento da revisão criminal nos termos do art. 621,
do Código de Processo Penal. Assim, permite-se o ajuizamento de revisão
criminal fundada em argumentação no sentido de que (a) a sentença proferida
encontra-se contrária a texto expresso de lei ou a evidência dos autos;
(b) a sentença exarada fundou-se em prova comprovadamente falsa; e (c) houve
o surgimento de prova nova, posterior à sentença, de que o condenado seria
inocente ou de circunstância que permitiria a diminuição da reprimenda
então imposta.
- A revisão criminal não se mostra como via adequada para que haja um
rejulgamento do conjunto fático-probatório constante da relação processual
originária, razão pela qual impertinente a formulação de argumentação que
já foi apreciada e rechaçada pelo juízo condenatório. Sequer a existência
de interpretação controvertida permite a propositura do expediente em
tela, pois tal situação (controvérsia de tema na jurisprudência) não
se enquadra na ideia necessária para que o instrumento tenha fundamento de
validade no inciso I do art. 621 do Código de Processo Penal.
- Alega o revisionando a impossibilidade de produzir contraprova (que,
segundo sua versão, seria indispensável à busca do justo) em razão de
dano no HD periciado (o que restou atestado pelo Núcleo de Criminalística
do Setor Técnico-Científico da Polícia Federal).
- Imperioso destacar a impossibilidade de deferimento de qualquer requerimento
formulado pelo revisionando nos autos subjacentes que guardasse relação
com o espelhamento integral do HD então apreendido por força de mandado
de busca e apreensão deferido judicialmente tendo em vista a existência,
em referido suporte de gravação, de elementos que configuram objeto material
de infrações penais que visam tutelar bem jurídico precípuo, especialmente
aquele ligado às crianças e aos adolescentes expostos a conteúdo de sexo
no contexto de práticas pedófilas. Por certo, o deferimento de cópia
integral de todo o conteúdo amealhado no HD apreendido teria o condão de
redundar na prática de ilícito penal combatido pelos artigos constantes do
Estatuto da Criança e do Adolescente (sem prejuízo de outras cominações
constantes em leis penais diversas).
- Sem prejuízo do anteriormente exposto, o revisionando objetivava com
o requerimento de cópia do HD apreendido o acesso a dados nele gravados
relativo a arquivos e planilhas de sua atividade profissional e de sua esposa
necessários à execução de suas rotinas profissionais. Nesse diapasão,
nota-se a ausência de qualquer mínima ofensa ao direito constitucional de
defesa do revisionando em decorrência da impossibilidade de fornecimento do
requerido (pelo dano no "HD") na justa medida em que se pugnava a cópia do
material apreendido apenas para que fosse possível a continuidade das rotinas
profissionais do então investigado e de sua esposa, o que, por certo, por
não guardar qualquer vínculo a permitir um melhor exercício do propalado
direito de defesa e de produção de contraprova, os arquivos passíveis de
ser fornecidos seriam aqueles que não possuiriam em seu conteúdo qualquer
material criminoso afeto à pornografia infanto-juvenil.
- Mostra-se de rigor asseverar que o revisionando teve acesso a todo
tempo à mídia digital que acompanhou o laudo pericial elaborado em
decorrência de perícia levada a efeito por força da apreensão do HD
em sua residência. Desta forma, como gravados em tal mídia arquivos e
elementos relevantes para o deslindar dos fatos então em apuração e que
deram ensejo ao oferecimento de denúncia, plenamente possível o exercício
do mister defensivo por seu patrono (inclusive por meio da contratação de
assistente técnico com o escopo de refutar as conclusões a que chegou o
expert oficial e, assim, fazer a contraprova), de modo que, também sob tal
viés, impossível constatar sequer um lampejo ou um átimo de mácula ao
direito constitucional de defesa assegurado a todos os acusados no âmbito
processual dentro do contexto protetivo do devido processo legal.
- Requer o revisionando a aplicação do contido no art. 66 do Código Penal
em razão de sua apresentação espontânea para cumprimento da reprimenda que
lhe foi imposta após a sobrevinda do trânsito em julgado da condenação. A
despeito de efetivamente ter-se apresentado espontaneamente, os argumentos
tecidos pelo revisionando para aplicação do disposto no artigo mencionado
não têm o condão de impor a consequência vindicada (redução da pena)
à míngua de qualquer fundamento legal.
- Diante da sobrevinda de decisão emanada do Poder Judiciário, o natural
e, até mesmo, o esperado é que a pessoa atingida por ela cumpra o comando
imperativo inerente aos provimentos judiciais de modo que se mostra risível
pugnar-se pelo abrandamento de pena em razão de um evento que necessariamente
atingiria o revisionando (cumprimento da pena) ainda que não se apresentasse
espontaneamente para o encarceramento.
- Em outras palavras, o revisionando não agiu senão como a sociedade
esperava que se comportasse após ter sido condenado pelo Poder Judiciário
pela prática de nefastos crimes envolvendo o contexto de pedofilia (tendo ele
exercido seu direito de defesa em 04 esferas de jurisdição), de modo que
não deve ser beneficiado com a diminuição da pena que lhe foi impingida
seja porque agiu como somente poderia fazê-lo (aceitando a condenação e
refletindo os erros cometidos - vide, a propósito, perícia médica trazida
à colação nesta Revisão na qual, ao lado de atestar a higidez mental do
revisionando, menciona que ele sabe que cometeu infração penal e, assim,
deve arcar com as consequências, bem como que tem plena noção de seus
erros e deseja tornar-se, novamente, um indivíduo útil à sociedade),
seja porque o ordenamento não contempla a benesse pugnada.
- Cumpre ressaltar, ademais, que o preceito legal utilizado para dar a pecha de
legítima à pretensão deduzida pelo revisionando (art. 66 do Código Penal
- atenuante genérica) tem seu âmbito de aplicação especificamente quando
da segunda etapa da dosimetria penal (a teor do comando inserto no art. 68 de
mencionado diploma), não sendo um salvo conduto passível de ser alegado em
momentos ulteriores em que já assegurada a imutabilidade da sentença penal
condenatória pela intangibilidade inerente à formação da coisa julgada,
sob pena do sistema como um todo ruir ante a insegurança jurídica que se
instalaria acaso fosse possível revisitar o provimento judicial protegido
pela coisa julgada ao mero alvedrio de qualquer alegação de bom mocismo
ou de bom caráter ou de bom comportamento.
- Apresentar-se para cumprir pena imposta pelo ente estatal não é qualidade:
é DEVER daquele que cometeu um crime e, em razão disso, restou condenado pelo
Poder Judiciário, não devendo ser agraciado com qualquer suposta benesse.
- Pugna o revisionando pelo reconhecimento do princípio da consunção com
o propósito de afastar tanto o concurso material (entre os delitivos dos
arts. 241-A e 241-B, ambos do Estatuto da Criança e do Adolescente, pelos
quais foi condenado) como a figura do crime continuado (em relação aos 75
compartilhamentos de arquivos pornográficos no âmbito de incidência do
art. 241-A do diploma legal já mencionado).
- Impossível o acolhimento do requerido, uma vez que as condutas típicas
insculpidas nos arts. 241-A e 241-B, ambos do Estatuto da Criança e do
Adolescente, visam, a despeito de tutelarem nossas crianças e nossos
adolescentes, coibir práticas por demais graves ocorrentes na sociedade
que não se mostram necessariamente inseridas uma no bojo da outra, podendo,
desta feita, ser cometidas em concomitância sem que haja a possibilidade de
se reconhecer a ideia de que uma foi crime-meio para a prática criminosa fim.
- O art. 241-A pune, basicamente, a conduta daquele que compartilha (por
meio das diversas formas descritas nos núcleos constantes do tipo penal),
por qualquer meio, inclusive sistema de informática ou telemático, material
pornográfico envolvendo criança ou adolescente ao passo que o art. 241-B
almeja punir o armazenamento de material pornográfico no contexto envolvendo
criança ou adolescente, não havendo, assim, confusão ou superposição entre
as condutas imbricadas penalmente a permitir o reconhecimento da consunção.
- Importante ser destacado que o cometimento de uma das figuras típicas
não gera necessariamente a perpetração da outra (donde se conclui a
necessidade imperiosa do elemento volitivo, ou seja, de desígnios autônomos
para a tipificação de cada qual) da mesma forma que, tendo sido levada
a efeito aquela cujo apenamento é mais gravoso, não se nota relação de
crime-meio X crime-fim a permitir o assentamento apenas da prática criminosa
final, o que corrobora a impossibilidade de se reconhecer a consunção
vindicada. Precedentes deste E. Tribunal Regional Federal da 3ª Região.
- Especificamente no que tange ao caso retratado na relação processual penal
subjacente, nota-se a impossibilidade de se reconhecer a consunção pugnada
na justa medida em que, além de objetividades jurídicas distintas protegidas
por cada tipo penal mencionado anteriormente, nota-se a independência tanto
de momentos consumativos como de elementos volitivos do revisionando quando
da perpetração dos delitos, o que reforça o posicionamento segundo o qual
não se deve acolher o requerido ora em apreciação.
- Impossível o afastamento, também requerido, da figura do crime continuado
em relação ao cometimento do delito previsto no art. 241-A do Estatuto da
Criança e do Adolescente tendo em vista a devida comprovação, no bojo
do Feito nº 0005850-14.2011.403.6181, de que houve o compartilhamento
de 75 arquivos pornográficos, o que enseja a correta regência contida no
art. 71 do Código Penal quando da fixação da pena pelo crime indicado, não
havendo que se cogitar em crime único (tal qual aduzido) exatamente porque o
compartilhamento de 75 arquivos indica o oposto: para cada download de rigor
o assentamento de crime autônomo e, diante do cumprimento dos requisitos
inerentes ao crime continuado, necessária a exasperação da reprimenda tal
qual lançada pelo Eminente Desembargador Federal Relator do feito subjacente.
- Revisão criminal conhecida parcialmente e, na parte conhecida, julgado
improcedente o pedido. Pedido liminar prejudicado.Decisão
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide
a Egrégia Quarta Seção do Tribunal Regional Federal da 3ª Região,
por unanimidade, CONHECER PARCIALMENTE desta Revisão Criminal e, na parte
conhecida, julgar IMPROCEDENTE o pedido, restando prejudicado o pleito liminar,
nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente
julgado.
Data do Julgamento
:
16/08/2018
Data da Publicação
:
24/08/2018
Classe/Assunto
:
RvC - REVISÃO CRIMINAL - 1404
Órgão Julgador
:
QUARTA SEÇÃO
Relator(a)
:
DESEMBARGADOR FEDERAL FAUSTO DE SANCTIS
Comarca
:
TRIBUNAL - TERCEIRA REGIÃO
Tipo
:
Acórdão
Referência
legislativa
:
***** CF-1988 CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988
LEG-FED ANO-1988 ART-105 INC-1 LET-E ART-108 INC-1 LET-B ART-5 INC-36
***** CP-40 CÓDIGO PENAL DE 1940
LEG-FED DEL-2848 ANO-1940 ART-66 ART-68 ART-71
***** ECA-90 ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE
LEG-FED LEI-8069 ANO-1990 ART-241A ART-241B
***** CPP-41 CÓDIGO DE PROCESSO PENAL
LEG-FED DEL-3689 ANO-1941 ART-621 INC-1
Fonte da publicação
:
e-DJF3 Judicial 1 DATA:24/08/2018
..FONTE_REPUBLICACAO:
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