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Jurisprudência


TRF3 0004046-17.2017.4.03.0000 00040461720174030000

Ementa
REVISÃO CRIMINAL. NÃO CONHECIMENTO DE UM DOS PEDIDOS FORMULADOS ANTE A EXARAÇÃO DE PROVIMENTO MERITÓRIO PELO C. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. INTERPRETAÇÃO DOS ARTS. 105, I, E, E 108, I, B, AMBOS DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. PROTEÇÃO À COISA JULGADA E HIPÓTESES DE CABIMENTO. CASO CONCRETO. DANO NO "HD" APREENDIDO. IMPOSSIBILIDADE DE PRODUÇÃO DE CONTRAPROVA. OFENSA AO PRINCÍPIO DO LIVRE CONVENCIMENTO AFASTADA. PREJUÍZO PELA NEGATIVA DE PRODUÇÃO DE PROVA NOVA REFUTADO. APRESENTAÇÃO ESPONTÂNEA PARA CUMPRIMENTO DA PENA IMPOSTA. NECESSIDADE DE APLICAÇÃO DO ART. 66 DO CÓDIGO PENAL. IMPROCEDÊNCIA. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO ENTRE OS DELITOS PREVISTOS NOS ARTS. 241-A E 241-B, AMBOS DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE, E AFASTAMENTO DAS FIGURAS DO CRIME CONTINUADO E DO CONCURSO MATERIAL DE INFRAÇÕES. IMPOSSIBILIDADE. PEDIDO REVISIONAL CONHECIDO EM PARTE PARA SER JULGADO IMPROCEDENTE. - O pedido formulado pelo revisionando nesta Revisão Criminal atinente à redução das penas-base relativas aos arts. 241-A e 241-B, ambos do Estatuto da Criança e do Adolescente, que teriam sido exacerbadas indevidamente em razão de sua culpabilidade (a despeito de sua vida pregressa incólume) não pode ser conhecido na justa medida em que tal questão restou pacificada com ares de definitividade por meio do julgamento levado a efeito junto ao C. Superior Tribunal de Justiça em razão da interposição de Recurso Especial que, além de outros assuntos, pugnava pela readequação da pena nos mesmos moldes em que vertidos pelo revisionando nesta senda. - Este E. Tribunal Regional Federal não se mostra competente para o conhecimento da específica pretensão formulada pelo revisionando que guarda relação com discussões afetas à dosimetria penal sob o pálio da sua culpabilidade tendo em vista que o provimento judicial a que se requer rescindir foi proferido pela C. Instância Superior, que, a teor do art. 105, I, e, da Constituição Federal, possui competência para processar e para julgar, originariamente, as revisões criminais de seus precípuos julgados. A contrário senso, nos termos preconizados no art. 108, I, b, da Constituição Federal, cabe a este E. Tribunal Regional Federal processar e julgar, originariamente, as revisões criminais de seus julgados ou dos juízes federais da respectiva região, o que não se vislumbra possibilidade de ser aplicado, neste caso concreto, no que concerne ao pedido inerente à dosimetria penal outrora delimitado, pois tal matéria foi decidida com definitividade pelo C. Superior Tribunal de Justiça, motivo pelo qual não deve ser conhecida a presente Revisão Criminal no ponto declinado. - O Ordenamento Constitucional de 1988 elencou a coisa julgada como direito fundamental do cidadão (art. 5º, XXXVI), conferindo indispensável proteção ao valor segurança jurídica com o escopo de que as relações sociais fossem pacificadas após a exaração de provimento judicial dotado de imutabilidade. Sobrevindo a impossibilidade de apresentação de recurso em face de uma decisão judicial, há que ser reconhecida a imutabilidade do provimento tendo como base a formação tanto de coisa julgada formal (esgotamento da instância) como de coisa julgada material (predicado que torna imutável o que restou decidido pelo Poder Judiciário, prestigiando, assim, a justiça e a ordem social). - Situações excepcionais, fundadas na ponderação de interesses de assento constitucional, permitem o afastamento de tal característica da imutabilidade das decisões exaradas pelo Poder Judiciário a fim de que prevaleça outro interesse (também tutelado constitucionalmente), sendo justamente neste panorama que nosso sistema jurídico prevê a existência de ação rescisória (a permitir o afastamento da coisa julgada no âmbito do Processo Civil) e de revisão criminal (a possibilitar referido afastamento na senda do Processo Penal). - No âmbito do Processo Penal, para que seja possível a reconsideração do que restou decidido sob o manto da coisa julgada, deve ocorrer no caso concreto uma das situações previstas para tanto no ordenamento jurídico como hipótese de cabimento da revisão criminal nos termos do art. 621, do Código de Processo Penal. Assim, permite-se o ajuizamento de revisão criminal fundada em argumentação no sentido de que (a) a sentença proferida encontra-se contrária a texto expresso de lei ou a evidência dos autos; (b) a sentença exarada fundou-se em prova comprovadamente falsa; e (c) houve o surgimento de prova nova, posterior à sentença, de que o condenado seria inocente ou de circunstância que permitiria a diminuição da reprimenda então imposta. - A revisão criminal não se mostra como via adequada para que haja um rejulgamento do conjunto fático-probatório constante da relação processual originária, razão pela qual impertinente a formulação de argumentação que já foi apreciada e rechaçada pelo juízo condenatório. Sequer a existência de interpretação controvertida permite a propositura do expediente em tela, pois tal situação (controvérsia de tema na jurisprudência) não se enquadra na ideia necessária para que o instrumento tenha fundamento de validade no inciso I do art. 621 do Código de Processo Penal. - Alega o revisionando a impossibilidade de produzir contraprova (que, segundo sua versão, seria indispensável à busca do justo) em razão de dano no HD periciado (o que restou atestado pelo Núcleo de Criminalística do Setor Técnico-Científico da Polícia Federal). - Imperioso destacar a impossibilidade de deferimento de qualquer requerimento formulado pelo revisionando nos autos subjacentes que guardasse relação com o espelhamento integral do HD então apreendido por força de mandado de busca e apreensão deferido judicialmente tendo em vista a existência, em referido suporte de gravação, de elementos que configuram objeto material de infrações penais que visam tutelar bem jurídico precípuo, especialmente aquele ligado às crianças e aos adolescentes expostos a conteúdo de sexo no contexto de práticas pedófilas. Por certo, o deferimento de cópia integral de todo o conteúdo amealhado no HD apreendido teria o condão de redundar na prática de ilícito penal combatido pelos artigos constantes do Estatuto da Criança e do Adolescente (sem prejuízo de outras cominações constantes em leis penais diversas). - Sem prejuízo do anteriormente exposto, o revisionando objetivava com o requerimento de cópia do HD apreendido o acesso a dados nele gravados relativo a arquivos e planilhas de sua atividade profissional e de sua esposa necessários à execução de suas rotinas profissionais. Nesse diapasão, nota-se a ausência de qualquer mínima ofensa ao direito constitucional de defesa do revisionando em decorrência da impossibilidade de fornecimento do requerido (pelo dano no "HD") na justa medida em que se pugnava a cópia do material apreendido apenas para que fosse possível a continuidade das rotinas profissionais do então investigado e de sua esposa, o que, por certo, por não guardar qualquer vínculo a permitir um melhor exercício do propalado direito de defesa e de produção de contraprova, os arquivos passíveis de ser fornecidos seriam aqueles que não possuiriam em seu conteúdo qualquer material criminoso afeto à pornografia infanto-juvenil. - Mostra-se de rigor asseverar que o revisionando teve acesso a todo tempo à mídia digital que acompanhou o laudo pericial elaborado em decorrência de perícia levada a efeito por força da apreensão do HD em sua residência. Desta forma, como gravados em tal mídia arquivos e elementos relevantes para o deslindar dos fatos então em apuração e que deram ensejo ao oferecimento de denúncia, plenamente possível o exercício do mister defensivo por seu patrono (inclusive por meio da contratação de assistente técnico com o escopo de refutar as conclusões a que chegou o expert oficial e, assim, fazer a contraprova), de modo que, também sob tal viés, impossível constatar sequer um lampejo ou um átimo de mácula ao direito constitucional de defesa assegurado a todos os acusados no âmbito processual dentro do contexto protetivo do devido processo legal. - Requer o revisionando a aplicação do contido no art. 66 do Código Penal em razão de sua apresentação espontânea para cumprimento da reprimenda que lhe foi imposta após a sobrevinda do trânsito em julgado da condenação. A despeito de efetivamente ter-se apresentado espontaneamente, os argumentos tecidos pelo revisionando para aplicação do disposto no artigo mencionado não têm o condão de impor a consequência vindicada (redução da pena) à míngua de qualquer fundamento legal. - Diante da sobrevinda de decisão emanada do Poder Judiciário, o natural e, até mesmo, o esperado é que a pessoa atingida por ela cumpra o comando imperativo inerente aos provimentos judiciais de modo que se mostra risível pugnar-se pelo abrandamento de pena em razão de um evento que necessariamente atingiria o revisionando (cumprimento da pena) ainda que não se apresentasse espontaneamente para o encarceramento. - Em outras palavras, o revisionando não agiu senão como a sociedade esperava que se comportasse após ter sido condenado pelo Poder Judiciário pela prática de nefastos crimes envolvendo o contexto de pedofilia (tendo ele exercido seu direito de defesa em 04 esferas de jurisdição), de modo que não deve ser beneficiado com a diminuição da pena que lhe foi impingida seja porque agiu como somente poderia fazê-lo (aceitando a condenação e refletindo os erros cometidos - vide, a propósito, perícia médica trazida à colação nesta Revisão na qual, ao lado de atestar a higidez mental do revisionando, menciona que ele sabe que cometeu infração penal e, assim, deve arcar com as consequências, bem como que tem plena noção de seus erros e deseja tornar-se, novamente, um indivíduo útil à sociedade), seja porque o ordenamento não contempla a benesse pugnada. - Cumpre ressaltar, ademais, que o preceito legal utilizado para dar a pecha de legítima à pretensão deduzida pelo revisionando (art. 66 do Código Penal - atenuante genérica) tem seu âmbito de aplicação especificamente quando da segunda etapa da dosimetria penal (a teor do comando inserto no art. 68 de mencionado diploma), não sendo um salvo conduto passível de ser alegado em momentos ulteriores em que já assegurada a imutabilidade da sentença penal condenatória pela intangibilidade inerente à formação da coisa julgada, sob pena do sistema como um todo ruir ante a insegurança jurídica que se instalaria acaso fosse possível revisitar o provimento judicial protegido pela coisa julgada ao mero alvedrio de qualquer alegação de bom mocismo ou de bom caráter ou de bom comportamento. - Apresentar-se para cumprir pena imposta pelo ente estatal não é qualidade: é DEVER daquele que cometeu um crime e, em razão disso, restou condenado pelo Poder Judiciário, não devendo ser agraciado com qualquer suposta benesse. - Pugna o revisionando pelo reconhecimento do princípio da consunção com o propósito de afastar tanto o concurso material (entre os delitivos dos arts. 241-A e 241-B, ambos do Estatuto da Criança e do Adolescente, pelos quais foi condenado) como a figura do crime continuado (em relação aos 75 compartilhamentos de arquivos pornográficos no âmbito de incidência do art. 241-A do diploma legal já mencionado). - Impossível o acolhimento do requerido, uma vez que as condutas típicas insculpidas nos arts. 241-A e 241-B, ambos do Estatuto da Criança e do Adolescente, visam, a despeito de tutelarem nossas crianças e nossos adolescentes, coibir práticas por demais graves ocorrentes na sociedade que não se mostram necessariamente inseridas uma no bojo da outra, podendo, desta feita, ser cometidas em concomitância sem que haja a possibilidade de se reconhecer a ideia de que uma foi crime-meio para a prática criminosa fim. - O art. 241-A pune, basicamente, a conduta daquele que compartilha (por meio das diversas formas descritas nos núcleos constantes do tipo penal), por qualquer meio, inclusive sistema de informática ou telemático, material pornográfico envolvendo criança ou adolescente ao passo que o art. 241-B almeja punir o armazenamento de material pornográfico no contexto envolvendo criança ou adolescente, não havendo, assim, confusão ou superposição entre as condutas imbricadas penalmente a permitir o reconhecimento da consunção. - Importante ser destacado que o cometimento de uma das figuras típicas não gera necessariamente a perpetração da outra (donde se conclui a necessidade imperiosa do elemento volitivo, ou seja, de desígnios autônomos para a tipificação de cada qual) da mesma forma que, tendo sido levada a efeito aquela cujo apenamento é mais gravoso, não se nota relação de crime-meio X crime-fim a permitir o assentamento apenas da prática criminosa final, o que corrobora a impossibilidade de se reconhecer a consunção vindicada. Precedentes deste E. Tribunal Regional Federal da 3ª Região. - Especificamente no que tange ao caso retratado na relação processual penal subjacente, nota-se a impossibilidade de se reconhecer a consunção pugnada na justa medida em que, além de objetividades jurídicas distintas protegidas por cada tipo penal mencionado anteriormente, nota-se a independência tanto de momentos consumativos como de elementos volitivos do revisionando quando da perpetração dos delitos, o que reforça o posicionamento segundo o qual não se deve acolher o requerido ora em apreciação. - Impossível o afastamento, também requerido, da figura do crime continuado em relação ao cometimento do delito previsto no art. 241-A do Estatuto da Criança e do Adolescente tendo em vista a devida comprovação, no bojo do Feito nº 0005850-14.2011.403.6181, de que houve o compartilhamento de 75 arquivos pornográficos, o que enseja a correta regência contida no art. 71 do Código Penal quando da fixação da pena pelo crime indicado, não havendo que se cogitar em crime único (tal qual aduzido) exatamente porque o compartilhamento de 75 arquivos indica o oposto: para cada download de rigor o assentamento de crime autônomo e, diante do cumprimento dos requisitos inerentes ao crime continuado, necessária a exasperação da reprimenda tal qual lançada pelo Eminente Desembargador Federal Relator do feito subjacente. - Revisão criminal conhecida parcialmente e, na parte conhecida, julgado improcedente o pedido. Pedido liminar prejudicado.
Decisão
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Quarta Seção do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, CONHECER PARCIALMENTE desta Revisão Criminal e, na parte conhecida, julgar IMPROCEDENTE o pedido, restando prejudicado o pleito liminar, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Data do Julgamento : 16/08/2018
Data da Publicação : 24/08/2018
Classe/Assunto : RvC - REVISÃO CRIMINAL - 1404
Órgão Julgador : QUARTA SEÇÃO
Relator(a) : DESEMBARGADOR FEDERAL FAUSTO DE SANCTIS
Comarca : TRIBUNAL - TERCEIRA REGIÃO
Tipo : Acórdão
Referência legislativa : ***** CF-1988 CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 LEG-FED ANO-1988 ART-105 INC-1 LET-E ART-108 INC-1 LET-B ART-5 INC-36 ***** CP-40 CÓDIGO PENAL DE 1940 LEG-FED DEL-2848 ANO-1940 ART-66 ART-68 ART-71 ***** ECA-90 ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE LEG-FED LEI-8069 ANO-1990 ART-241A ART-241B ***** CPP-41 CÓDIGO DE PROCESSO PENAL LEG-FED DEL-3689 ANO-1941 ART-621 INC-1
Fonte da publicação : e-DJF3 Judicial 1 DATA:24/08/2018 ..FONTE_REPUBLICACAO:
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