TRF3 0004143-69.2007.4.03.6110 00041436920074036110
PENAL. PROCESSUAL PENAL. APELAÇÕES CRIMINAIS. ESTELIONATO EM DETRIMENTO
DA PREVIDÊNCIA SOCIAL. EX-SERVIDORAS DO INSS. PRELIMINAR DE CERCEAMENTO
DE DEFESA REJEITADA. INOCORRÊNCIA DA PRESCRIÇÃO RETROATIVA. DELITO
DE CARÁTER PERMANENTE. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS. DOLO
CONFIGURADO. CONDENAÇÕES MANTIDAS. DOSIMETRIA DA PENA. CIRCUNTÂNCIAS
JUDICIAIS DESFAVORÁVEIS NÃO OBSTAM A FIXAÇÃO DE REGIME INICIAL ABERTO
PARA O CUMPRIMENTO DA PENA.
1. Rejeitada a preliminar de cerceamento de defesa aventada pela ré Zilda
Elena, tendo em vista que, por mais de uma vez, lhe foi dada a oportunidade
de relatar a sua versão sobre os fatos, sendo decretada a sua revelia tão
somente em razão de reiterada e injustificada ausência em ato processual.
2. Não prospera a preliminar de ocorrência da prescrição retroativa
em relação à conduta da acusada Vera Lúcia. O estelionato contra a
Previdência Social, em que há percepção de parcelas sucessivas do
benefício, consubstancia delito de caráter permanente, em que o momento
consumativo se protrai no tempo e cujo cômputo do lapso prescricional tem
início a contar da data em que cessar a permanência, ou seja, a partir do
momento em que ocorrer o último pagamento do benefício fraudulento.
3. No caso, a participação da acusada Vera não se findou com a concessão
do benefício, sendo ela também a responsável pelas sucessivas alterações e
agendamentos de perícias inexistentes, de modo a configurar a permanência do
ato delituoso por ela praticado. Assim, o termo a quo do prazo prescricional em
relação à sua conduta delituosa é 30 de abril de 2004, data da cessação
do benefício fraudulento, em observância ao disposto no artigo 111, III,
do Código Penal. Dessa forma, considerando que a denúncia foi recebida em
13 de agosto de 2009, claro está que entre as referidas datas não decorreu
o prazo prescricional de oito anos, aplicável ao caso (artigo 109, IV,
do Código Penal)
4. Materialidade comprovada por diversos documentos que instruíram o
procedimento administrativo do INSS e demais documentos constantes dos autos.
5. A coautoria delitiva restou comprovada nos autos. Vera Lúcia da Silva e
Zilda Elena Leonel Ferreira requereram em nome de Iraci Silveira Cleto, sem o
seu conhecimento e mediante fraude, o benefício de auxílio-doença junto ao
INSS, na Agência da Previdência Social de Itapetininga/SP. Apurou-se que,
no período em que o benefício foi pago, Iraci era servidora estatutária
do Estado de São Paulo e, assim, não poderia receber auxílio-doença do
INSS, sendo manifesta, pois, a irregularidade da concessão.
6. A acusada Zilda Elena Leonel Ferreira, servidora aposentada do INSS, foi
cadastrada como procuradora de Iraci, sem o conhecimento desta, tendo admitido,
perante a autoridade policial, que comparecia ao banco, mensalmente, para
sacar o valor relativo ao pagamento do benefício em questão. Além disso,
na qualidade de ex-servidora do INSS, Zilda tinha conhecimento de todos os
trâmites que envolvem a concessão de um benefício, não podendo alegar
que desconhecia a ilicitude de seu ato.
7. A corré Vera Lúcia da Silva foi a servidora responsável pelo processo
de concessão fraudulenta, constando, ainda, o seu número de matrícula nos
demais procedimentos necessários à manutenção do benefício. Ademais,
a acusada relatou, em Juízo, que, na época dos fatos, exercia função
de confiança, sendo responsável por todos os procedimentos relativos
ao auxílio-doença na Agência do INSS de Itapetininga/SP. Desse modo, a
acusada tinha pleno conhecimento da legislação previdenciária, restando
evidente o dolo em sua conduta, consistente na intenção de receber as
prestações do benefício em proveito próprio.
8. Por fim, a extensa folha de antecedentes da acusada Vera demonstra a
existência de diversos inquéritos policiais e ações criminais contra
ela, em relação à prática desse mesmo delito, tendo sido, inclusive,
submetida a processo disciplinar, sendo-lhe aplicada a pena de demissão do
serviço público, no ano de 2007.
9. Nos termos do artigo 68 do Código Penal, a pena base será fixada
levando-se em conta a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social,
a personalidade do agente, os motivos, as circunstâncias e consequências
do crime, bem como o comportamento da vítima (art. 59, CP).
10. As circunstâncias judiciais de caráter residual são aquelas que,
envolvendo aspectos objetivos e subjetivos encontrados no processo, podem
ser livremente apreciadas pelo magistrado, respeitados os princípios da
proporcionalidade, da razoabilidade e da finalidade da pena.
11. A pena-base da acusada Zilda Elena foi majorada em 1/3 (um terço), por se
tratar de crime cometido em detrimento da Previdência Social, nos termos do
§3º do artigo 171 do Código Penal, restando definitiva em 02 (dois) anos,
02 (dois) meses e 20 (vinte) dias de reclusão, em regime inicial aberto,
e 32 (trinta e dois) dias-multa, no valor unitário de um trigésimo do
valor do salário mínimo vigente à época do último fato delituoso.
12. A pena privativa de liberdade foi substituída por duas restritivas de
direitos, consistentes na prestação de serviços a entidade assistencial,
a ser designada pelo Juízo da Execução, pelo tempo de duração da pena
privativa de liberdade, e na prestação pecuniária no valor de 05 (cinco)
salários mínimos, a serem recolhidos em prol de entidade pública com
destinação social, a ser designada pelo Juízo da Execução, podendo tal
valor ser parcelado no transcorrer da execução.
13. No tocante à acusada Vera, a pena-base foi aumentada em um ano, em razão
da agravante prevista no artigo 61, II, alínea "g", do Código Penal, sendo
aplicada, ainda, a majoração de 1/3 (um terço), por se tratar de crime
cometido em detrimento da Previdência Social, nos termos do §3º do artigo
171 do Código Penal, restando definitiva em 4 (quatro) anos de reclusão, em
regime inicial semiaberto, e pagamento de 53 (cinquenta e três) dias-multa,
no valor unitário de um trigésimo do salário mínimo vigente à época do
último fato, sendo vedada a substituição por penas restritivas de direitos.
14. Ainda, as rés foram condenadas, de forma solidária, a reparar o dano
causado ao INSS pela infração, no valor de R$ 121.334,25 (cento e vinte e
um mil, trezentos e trinta e quatro reais e vinte e cinco centavos), a ser
devidamente atualizado até o efetivo pagamento, com fundamento no artigo 387,
inciso IV, do Código de Processo Penal.
15. Mantidas as penalidades impostas à Zilda Elena Leonel Ferreira, por
restar cumprido o escopo da prevenção geral e específica, impondo-se a
justa retribuição da pena derivada.
16. A existência de diversos inquéritos policiais e ações criminais em
curso contra a acusada Vera, malgrado não possa configurar maus antecedentes,
em razão de ausência de trânsito em julgado, revela personalidade delitiva
e conduta social desfavorável da ré, de modo a autorizar a fixação da
pena-base em patamar superior ao da acusada Zilda. Ademais, as circunstâncias
judiciais desfavoráveis obstam a substituição da reprimenda privativa de
liberdade por restritiva de direitos, nos termos do artigo 44, inciso III,
do Código Penal.
17. A sentença merece reparos no tocante ao regime inicial de cumprimento
da pena fixado para a acusada Vera. Isso porque as circunstâncias judiciais
desfavoráveis, por si só, não configuram razão suficiente para ensejar um
regime mais gravoso da pena. Ressalte-se, ainda, que a acusada é pessoa idosa
(65 anos - fl. 282), com endereço fixo e vida modesta, sendo, inclusive,
representada pela Defensoria Pública da União nos presentes autos, de modo
que o regime inicial aberto, nos termos do artigo 33, §2º, alínea "c",
se mostra mais compatível com as suas chances de recuperação.
18. Apelação de Zilda Elena Leonel Ferreira a que se nega
provimento. Apelação de Vera Lúcia da Silva Santos a que se dá parcial
provimento.
Ementa
PENAL. PROCESSUAL PENAL. APELAÇÕES CRIMINAIS. ESTELIONATO EM DETRIMENTO
DA PREVIDÊNCIA SOCIAL. EX-SERVIDORAS DO INSS. PRELIMINAR DE CERCEAMENTO
DE DEFESA REJEITADA. INOCORRÊNCIA DA PRESCRIÇÃO RETROATIVA. DELITO
DE CARÁTER PERMANENTE. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS. DOLO
CONFIGURADO. CONDENAÇÕES MANTIDAS. DOSIMETRIA DA PENA. CIRCUNTÂNCIAS
JUDICIAIS DESFAVORÁVEIS NÃO OBSTAM A FIXAÇÃO DE REGIME INICIAL ABERTO
PARA O CUMPRIMENTO DA PENA.
1. Rejeitada a preliminar de cerceamento de defesa aventada pela ré Zilda
Elena, tendo em vista que, por mais de uma vez, lhe foi dada a oportunidade
de relatar a sua versão sobre os fatos, sendo decretada a sua revelia tão
somente em razão de reiterada e injustificada ausência em ato processual.
2. Não prospera a preliminar de ocorrência da prescrição retroativa
em relação à conduta da acusada Vera Lúcia. O estelionato contra a
Previdência Social, em que há percepção de parcelas sucessivas do
benefício, consubstancia delito de caráter permanente, em que o momento
consumativo se protrai no tempo e cujo cômputo do lapso prescricional tem
início a contar da data em que cessar a permanência, ou seja, a partir do
momento em que ocorrer o último pagamento do benefício fraudulento.
3. No caso, a participação da acusada Vera não se findou com a concessão
do benefício, sendo ela também a responsável pelas sucessivas alterações e
agendamentos de perícias inexistentes, de modo a configurar a permanência do
ato delituoso por ela praticado. Assim, o termo a quo do prazo prescricional em
relação à sua conduta delituosa é 30 de abril de 2004, data da cessação
do benefício fraudulento, em observância ao disposto no artigo 111, III,
do Código Penal. Dessa forma, considerando que a denúncia foi recebida em
13 de agosto de 2009, claro está que entre as referidas datas não decorreu
o prazo prescricional de oito anos, aplicável ao caso (artigo 109, IV,
do Código Penal)
4. Materialidade comprovada por diversos documentos que instruíram o
procedimento administrativo do INSS e demais documentos constantes dos autos.
5. A coautoria delitiva restou comprovada nos autos. Vera Lúcia da Silva e
Zilda Elena Leonel Ferreira requereram em nome de Iraci Silveira Cleto, sem o
seu conhecimento e mediante fraude, o benefício de auxílio-doença junto ao
INSS, na Agência da Previdência Social de Itapetininga/SP. Apurou-se que,
no período em que o benefício foi pago, Iraci era servidora estatutária
do Estado de São Paulo e, assim, não poderia receber auxílio-doença do
INSS, sendo manifesta, pois, a irregularidade da concessão.
6. A acusada Zilda Elena Leonel Ferreira, servidora aposentada do INSS, foi
cadastrada como procuradora de Iraci, sem o conhecimento desta, tendo admitido,
perante a autoridade policial, que comparecia ao banco, mensalmente, para
sacar o valor relativo ao pagamento do benefício em questão. Além disso,
na qualidade de ex-servidora do INSS, Zilda tinha conhecimento de todos os
trâmites que envolvem a concessão de um benefício, não podendo alegar
que desconhecia a ilicitude de seu ato.
7. A corré Vera Lúcia da Silva foi a servidora responsável pelo processo
de concessão fraudulenta, constando, ainda, o seu número de matrícula nos
demais procedimentos necessários à manutenção do benefício. Ademais,
a acusada relatou, em Juízo, que, na época dos fatos, exercia função
de confiança, sendo responsável por todos os procedimentos relativos
ao auxílio-doença na Agência do INSS de Itapetininga/SP. Desse modo, a
acusada tinha pleno conhecimento da legislação previdenciária, restando
evidente o dolo em sua conduta, consistente na intenção de receber as
prestações do benefício em proveito próprio.
8. Por fim, a extensa folha de antecedentes da acusada Vera demonstra a
existência de diversos inquéritos policiais e ações criminais contra
ela, em relação à prática desse mesmo delito, tendo sido, inclusive,
submetida a processo disciplinar, sendo-lhe aplicada a pena de demissão do
serviço público, no ano de 2007.
9. Nos termos do artigo 68 do Código Penal, a pena base será fixada
levando-se em conta a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social,
a personalidade do agente, os motivos, as circunstâncias e consequências
do crime, bem como o comportamento da vítima (art. 59, CP).
10. As circunstâncias judiciais de caráter residual são aquelas que,
envolvendo aspectos objetivos e subjetivos encontrados no processo, podem
ser livremente apreciadas pelo magistrado, respeitados os princípios da
proporcionalidade, da razoabilidade e da finalidade da pena.
11. A pena-base da acusada Zilda Elena foi majorada em 1/3 (um terço), por se
tratar de crime cometido em detrimento da Previdência Social, nos termos do
§3º do artigo 171 do Código Penal, restando definitiva em 02 (dois) anos,
02 (dois) meses e 20 (vinte) dias de reclusão, em regime inicial aberto,
e 32 (trinta e dois) dias-multa, no valor unitário de um trigésimo do
valor do salário mínimo vigente à época do último fato delituoso.
12. A pena privativa de liberdade foi substituída por duas restritivas de
direitos, consistentes na prestação de serviços a entidade assistencial,
a ser designada pelo Juízo da Execução, pelo tempo de duração da pena
privativa de liberdade, e na prestação pecuniária no valor de 05 (cinco)
salários mínimos, a serem recolhidos em prol de entidade pública com
destinação social, a ser designada pelo Juízo da Execução, podendo tal
valor ser parcelado no transcorrer da execução.
13. No tocante à acusada Vera, a pena-base foi aumentada em um ano, em razão
da agravante prevista no artigo 61, II, alínea "g", do Código Penal, sendo
aplicada, ainda, a majoração de 1/3 (um terço), por se tratar de crime
cometido em detrimento da Previdência Social, nos termos do §3º do artigo
171 do Código Penal, restando definitiva em 4 (quatro) anos de reclusão, em
regime inicial semiaberto, e pagamento de 53 (cinquenta e três) dias-multa,
no valor unitário de um trigésimo do salário mínimo vigente à época do
último fato, sendo vedada a substituição por penas restritivas de direitos.
14. Ainda, as rés foram condenadas, de forma solidária, a reparar o dano
causado ao INSS pela infração, no valor de R$ 121.334,25 (cento e vinte e
um mil, trezentos e trinta e quatro reais e vinte e cinco centavos), a ser
devidamente atualizado até o efetivo pagamento, com fundamento no artigo 387,
inciso IV, do Código de Processo Penal.
15. Mantidas as penalidades impostas à Zilda Elena Leonel Ferreira, por
restar cumprido o escopo da prevenção geral e específica, impondo-se a
justa retribuição da pena derivada.
16. A existência de diversos inquéritos policiais e ações criminais em
curso contra a acusada Vera, malgrado não possa configurar maus antecedentes,
em razão de ausência de trânsito em julgado, revela personalidade delitiva
e conduta social desfavorável da ré, de modo a autorizar a fixação da
pena-base em patamar superior ao da acusada Zilda. Ademais, as circunstâncias
judiciais desfavoráveis obstam a substituição da reprimenda privativa de
liberdade por restritiva de direitos, nos termos do artigo 44, inciso III,
do Código Penal.
17. A sentença merece reparos no tocante ao regime inicial de cumprimento
da pena fixado para a acusada Vera. Isso porque as circunstâncias judiciais
desfavoráveis, por si só, não configuram razão suficiente para ensejar um
regime mais gravoso da pena. Ressalte-se, ainda, que a acusada é pessoa idosa
(65 anos - fl. 282), com endereço fixo e vida modesta, sendo, inclusive,
representada pela Defensoria Pública da União nos presentes autos, de modo
que o regime inicial aberto, nos termos do artigo 33, §2º, alínea "c",
se mostra mais compatível com as suas chances de recuperação.
18. Apelação de Zilda Elena Leonel Ferreira a que se nega
provimento. Apelação de Vera Lúcia da Silva Santos a que se dá parcial
provimento.Decisão
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide
a Egrégia Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por
unanimidade, rejeitar as preliminares arguidas pelas rés e, no mérito, por
unanimidade, negar provimento à apelação de Zilda Elena Leonel Ferreira e,
por maioria, dar parcial provimento à apelação de Vera Lúcia da Silva
Santos, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante
do presente julgado.
Data do Julgamento
:
12/04/2016
Data da Publicação
:
18/04/2016
Classe/Assunto
:
ACR - APELAÇÃO CRIMINAL - 53119
Órgão Julgador
:
PRIMEIRA TURMA
Relator(a)
:
DESEMBARGADOR FEDERAL VALDECI DOS SANTOS
Comarca
:
TRIBUNAL - TERCEIRA REGIÃO
Tipo
:
Acórdão
Referência
legislativa
:
***** CP-40 CÓDIGO PENAL DE 1940
LEG-FED DEL-2848 ANO-1940 ART-33 PAR-2 LET-C ART-44 INC-3 ART-59 ART-61
INC-2 LET-G ART-68 ART-109 INC-4 ART-111 INC-3 ART-171 PAR-3
***** CPP-41 CÓDIGO DE PROCESSO PENAL
LEG-FED DEL-3689 ANO-1941 ART-387 INC-4
Fonte da publicação
:
e-DJF3 Judicial 1 DATA:18/04/2016
..FONTE_REPUBLICACAO:
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