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Jurisprudência


TRF3 0004202-24.2011.4.03.6108 00042022420114036108

Ementa
PROCESSO CIVIL. ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL. CONCESSIONÁRIA DE SERVIÇO PÚBLICO. ACIDENTE FERROVIÁRIO. TRANSPORTE DE COMBUSTÍVEL. DESCARRILAMENTO. EXPLOSÃO. FALTA DE CONVERSAÇÃO DA LINHA FÉRREA. INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS, MORAIS E ESTÉTICOS. 1. A questão posta nos autos diz respeito a pedido de indenização por danos materiais, morais e estéticos em razão de acidente ferroviário. 2. Preliminarmente, discute-se a legitimidade da ANTT para figurar no polo passivo da ação. O artigo 102-A da Lei 10.233/2001 extinguiu o Departamento Nacional de Estradas de Rodagem - DNER e criou a Agencia Nacional de Transportes Terrestres - ANTT, a Agência Nacional de Transportes Aquaviários - ANTAQ e o Departamento Nacional de Infra Estrutura de Transportes - DNIT, atribuindo à União Federal, nos termos do seu decreto regulamentar, a responsabilidade pela condução das ações judiciais em curso em que o DNER figurasse como parte, assim como as que fossem ajuizadas durante o curso do processo de inventariança (artigo 4º do Decreto 4.128/2002), que teve início em 13.02.2002 (Decreto 4.128/2002), e se findou em 08/08/2003 (Decreto 4.803/03). 3. Na espécie, porém, a ação foi proposta em período posterior ao do processo de inventariança, em 20.05.2011, quando a legitimidade não era mais da União Federal, respondendo a ANTT, uma vez que sua responsabilidade abrange todas as atividades de exploração da infraestrutura rodoviária por terceiros. Afasta-se preliminar de ilegitimidade passiva suscitada pela ANTT. 4. Quanto à análise do mérito, a discussão recai sobre o tema da responsabilidade civil do Estado, de modo que se fazem pertinentes algumas considerações doutrinárias e jurisprudenciais. São elementos da responsabilidade civil a ação ou omissão do agente, a culpa, o nexo causal e o dano, do qual surge o dever de indenizar. 5. No direito brasileiro, a responsabilidade civil do Estado é, em regra, objetiva, isto é, prescinde da comprovação de culpa do agente, bastando-se que se comprove o nexo causal entre a conduta do agente e o dano. Entretanto, nos casos em que verificados danos por omissão, só deve ser responsabilizado o Estado quando, embora obrigado a impedir o dano, descumpre o seu dever legal. Em outros termos, nos atos omissivos, só há responsabilidade quando decorrente de ato ilícito. O mesmo regramento, inclusive, é aplicado às concessionárias de serviços públicos, nos termos do artigo 25 da Lei nº 8.987/95. 6. No presente caso, o polo passivo da ação está devidamente ocupado pelo Grupo América Latina Logística, companhia ferroviária concessionária do serviço público em tela, e também pela ANTT, autarquia federal vinculada ao Ministério dos Transportes, cuja responsabilidade é apenas subsidiária. 7. A respeito do acidente, observa-se que o laudo pericial expressamente dispõe que o nível de precipitação acumulada no local foi preponderante para o desprendimento do solo e para os acontecimentos seguintes. O perito afirma ainda que o local era um aterro, isto é, artificialmente construído, sem que houvesse vegetações arbustivas ou arbóreas suficientes para dar sustentação ao terreno e prevenir erosões. 8. A perícia confirma, portanto, que o solapamento do chão provocou a suspensão dos trilhos, uma vez que o enfraquecimento do substrato gerou desestabilização dos elementos formadores da ferrovia, o que, por sua vez, ocasionou o descarrilamento, visto que o peso do trem fez com que os trilhos, sem sustentação, cedessem acarretando o tombamento. 9. Quanto ao derramamento de gasolina, restou demonstrado que o combustível extremamente volátil contaminou massa de ar que se deslocou pela concentração dos gases, e gerou combustão no momento em que transeuntes da região acionaram a ignição de seus carros. 10. É inquestionável tratar-se de responsabilidade subjetiva da companhia ferroviária por omissão na conservação da via férrea. O evento chuva é completamente previsível e contornável, devendo a concessionária de serviço público tomar medidas necessárias para evitar o desmoronamento da via férrea. Agrava-se ainda mais a situação pelo fato de que o acidente ocorreu em região sabidamente frágil às intempéries, e no mês que registrou maior acúmulo de precipitação. No mais, assevera-se a negligência da companhia ferroviária tendo em vista o conteúdo altamente inflamável da carga transportada, que enquadra o serviço público prestado como atividade potencialmente causadora de danos. Também não foram observadas diligências posteriores ao ocorrido, a fim de evitar acidentes imediatos, como o da hipótese em comento. 11. Não há que se falar em ocorrência de caso fortuito, força maior, ou qualquer outra excludente de responsabilidade civil capaz de ilidir o nexo de causalidade. O acidente decorre de culpa e ilicitude da conduta da concessionária de serviço público, não se tratando de mera fatalidade. Os argumentos do Grupo América Latina Logística e da ANTT no tocante a inexistência de configuração dos elementos da responsabilidade civil merecem ser afastados. 12. Dano material é o prejuízo financeiro efetivamente sofrido pela vítima, causando diminuição do seu patrimônio. Esse dano pode ser de duas naturezas: o que efetivamente o lesado perdeu, dano emergente, e o que razoavelmente deixou de ganhar, lucro cessante. 13. No presente caso, os danos emergentes correspondem às despesas de tratamento, que não foram cabalmente demonstradas pelo requerente e nem expressamente pleiteadas, restando desde logo indeferida sua indenização. Sobre os lucros cessantes, as provas trazidas são plenamente suficientes para que se verifique a perda de renda do autor diante de sua incapacidade laborativa pós acidente. Não é caso de redução da pensão mensal fixada em três salários mínimos, visto que o autor é responsável por seu sustento próprio e de seus genitores. 14. Quanto ao dano moral, a doutrina o conceitua enquanto "dor, vexame, sofrimento ou humilhação que, fugindo à normalidade, interfira intensamente no comportamento psicológico do indivíduo, causando-lhe aflições, angústia e desequilíbrio em seu bem-estar. Mero dissabor, aborrecimento, mágoa, irritação ou sensibilidade exacerbada estão fora da órbita do dano moral, porquanto, além de fazerem parte da normalidade do nosso dia a dia, no trabalho, no trânsito, entre os amigos e até no ambiente familiar, tais situações não são intensas e duradouras, a ponto de romper o equilíbrio psicológico do indivíduo. (Cavalieri, Sérgio. Responsabilidade Civil. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 549)" 15. Já sobre o dano estético, posiciona-se Néri Tadeu Câmara Souza descrevendo, na sua concepção, que "o dano estético é aquilo que agride a pessoa nos seus sentimentos de autoestima, prejudicando a sua avaliação própria como indivíduo. Denigre a imagem que tem de si. Por isto não precisa estar exposto, ser externo, nem ser de grande monta para que caracterize-se a seqüela física como dano estético . Mesmo deformidades em áreas intimas da pessoas que, dificilmente, nas situações sociais estejam expostas à vista de terceiros, caracterizam o dano estético já que a presença de alterações físicas, mesmo diminutas, têm conscientizada sua presença pelo portador e sabe este que em situações de maior intimidade com outras pessoas aflorarão, tornar-se-ão visíveis. Isto lhe traz um indizível sofrimento interno, psicológico. (O dano estético na atividade do médico. Publicada no Júris Síntese n. 29 - MAI/JUN de 2001, in: Júris Síntese Millennium). Menciona-se também que o dano estético é autônomo em relação ao dano moral, sendo lícita a cumulação das indenizações, a teor da Súmula nº 387 do C. STJ. 16. Acerca do autor Cláudio de Souza Mello, conforme laudo pericial e fotos acostadas (937/946), o demandante teve 63% do corpo queimado (face, membros superiores, tórax anterior e posterior), com sequelas estéticas e funcionais permanentes, nas quais se incluem cicatrizes oriundas de queimaduras de 3º grau, atrofia das mãos e dedos, e limitação de movimentos. O perito ainda responde que há impossibilidade da recuperação plena de sua capacidade laborativa, verifica que o autor enfrentou grande risco de morte, e reconheceu o extremo abalo psicológico e o estado depressivo do autor. Por fim, destaca-se o depoimento da testemunha Cristiane Rocha, médica chefe da unidade de queimados do Hospital Estadual em que o apelante foi atendido, que afirmou cuidar-se de caso de tratamento extremamente doloroso, com risco de dores permanentes. Isto posto, reputo razoável manter a fixação por danos morais em R$ 80.000,00 e arbitro indenização por dano estético também no valor de R$ 80.000,00. 17. Acerca do autor Ismael Peres da Silva conforme laudo pericial e fotos acostadas (947/955), o demandante teve 15% do corpo queimado (face, cervical anterior, membros superiores e pés), com sequelas estéticas e funcionais permanentes. Nesse caso, porém, a limitação dos movimentos foi moderada, não houve atrofia de partes do corpo, as cicatrizes são parcialmente recuperáveis, há possibilidade de recuperação total da capacidade laborativa e não houve risco de morte. Isto posto, reputo razoável manter a fixação por danos morais em R$ 40.000,00 e arbitro indenização por dano estético no valor de R$ 10.000,00. 18. Acerca do autor Imer Arantes de Oliveira, conforme laudo pericial e fotos acostadas (956/964), o demandante teve 16% do corpo queimado (face, membros superiores, região cervical, região escapular, mãos e punhos), também com sequelas estéticas e funcionais permanentes. Nesse caso, porém, igualmente a limitação dos movimentos foi moderada, não houve atrofia de partes do corpo, as cicatrizes são parcialmente recuperáveis, há possibilidade de recuperação total da capacidade laborativa e não houve risco de morte. Isto posto, reputo razoável manter a fixação por danos morais em R$ 40.000,00 e arbitro indenização por dano estético no valor de R$ 10.000,00. 19. Quanto à autora Ana Roberta Venancio, conforme laudo pericial e fotos acostadas (928/936), a demandante teve 36% do corpo queimado (face, membros superiores, coxa esquerda, punho e mãos), com sequelas estéticas e funcionais permanentes, nas quais se incluem cicatrizes oriundas de queimaduras de 3º grau, atrofia das mãos e dedos. Foi reconhecido o risco de morte e estado depressivo, porém há possibilidade de recuperação parcial da capacidade laborativa e moderada limitação dos movimentos. Isto posto, reputo razoável manter a fixação por danos morais em R$ 60.000,00 e arbitro indenização por dano estético no valor de R$ 30.000,00. 20. Finalmente, em relação às indenizações por dano moral e estético, determino a incidência de correção monetária desde seus arbitramentos (Súmula 362 do STJ) e juros de mora a partir do evento danoso (Súmula 54 do STJ). 21. Quanto aos honorários advocatícios, nos termos do artigo 85, §3º, II, do atual Código de Processo Civil, fixo-os em 8% sobre o valor da condenação. 22. Apelações dos autores parcialmente providas. Apelação da ANTT desprovida. Apelação do Grupo América Latina Logística desprovida.
Decisão
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento às apelações dos autores e negar provimento às apelações da ANTT e do Grupo América Latina Logística, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Data do Julgamento : 07/02/2018
Data da Publicação : 16/02/2018
Classe/Assunto : ApReeNec - APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA - 2164307
Órgão Julgador : TERCEIRA TURMA
Relator(a) : DESEMBARGADOR FEDERAL ANTONIO CEDENHO
Comarca : TRIBUNAL - TERCEIRA REGIÃO
Tipo : Acórdão
Indexação : VIDE EMENTA.
Fonte da publicação : e-DJF3 Judicial 1 DATA:16/02/2018 ..FONTE_REPUBLICACAO:
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