TRF3 0004721-81.2006.4.03.6105 00047218120064036105
PENAL. PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. ESTELIONATO EM DETRIMENTO
DA PREVIDÊNCIA SOCIAL. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS. PRINCÍPIO DA
INSIGNIFICÂNCIA AFASTADO. DOSIMETRIA DA PENA. REPARAÇÃO DE DANOS. RECURSO
DA DEFESA PROVIDO EM PARTE.
1. A materialidade delitiva restou demonstrada pelo procedimento administrativo
do INSS, que constatou que o réu, Alison Guilherme do Carmo, utilizou
documento falso, bem como atestados médicos falsos, para requerer a
concessão de benefício previdenciário, entre 01.04.2005 e 10.07.2005,
tendo sido auferida vantagem indevida na cifra de R$ 4.369,60 (quatro mil
e trezentos e sessenta e nove reais e sessenta centavos). Tais fatos foram
confirmados, em Juízo, pelo testemunho do próprio réu.
2. A autoria delitiva restou inconteste. O réu confessou a prática do
crime de estelionato em detrimento do INSS, utilizando-se de documento de
identidade falso, bem como de receituários médicos adquiridos de pessoa
desconhecida, próximos à Praça Sete, em Belo Horizonte.
3. O Laudo de Exame Documentoscópico apresentou conclusão no sentido
de haver correspondência entre as assinaturas constantes dos documentos
utilizados para requerer o benefício previdenciário e a grafia do réu.
4. O princípio da insignificância, como corolário do princípio da
pequenez ofensiva inserto no artigo 98, inciso I, da Constituição Federal,
estabelece que o Direito Penal, pela adequação típica do fato à norma
incriminadora, somente deve intervir nos casos de lesão de certa gravidade,
atestando a atipicidade penal nas hipóteses de delitos de lesão mínima,
que ensejam resultado diminuto. Todavia, o escopo da teoria da intervenção
mínima não se aplica ao crime de estelionato praticado contra entidade de
direito público, no caso, o INSS, porquanto o bem jurídico tutelado não
se limita ao patrimônio individual, mas abrange toda a coletividade ante
a destinação social.
5. Condenação mantida.
6. De acordo com o artigo 68 do Código Penal, a pena base será fixada
levando-se em conta a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social,
a personalidade do agente, os motivos, as circunstâncias e consequências
do crime, bem como o comportamento da vítima (art. 59 do CP).
7. As circunstâncias judiciais de caráter residual são aquelas que,
envolvendo aspectos objetivos e subjetivos encontrados no processo, podem
ser livremente apreciadas pelo magistrado, respeitados os princípios da
proporcionalidade, da razoabilidade e da finalidade da pena.
8. No caso dos autos, o MM. Juiz a quo fixou a pena-base acima do mínimo
legal, por entender que a culpabilidade do réu se deu em grau exasperado,
bem como em razão da existência de condenação criminal contra o acusado,
com trânsito em julgado.
9. No caso concreto, a culpabilidade do réu foi acentuada. Isso porque,
para a consumação do delito em questão, o réu se valeu da prática de
outros delitos (falsificação de documento e uso de documento falso), que,
embora absorvidos pelo crime de estelionato (Súmula 17 do STJ), denotam
maior índice de reprovabilidade de sua conduta.
10. No tocante aos antecedentes, verifica-se que há condenação com trânsito
em julgado contra o acusado pelo mesmo delito, que, embora não configure
reincidência, já que o trânsito em julgado se deu em momento posterior
ao cometimento do presente delito, pode ser considerada como circunstância
judicial desfavorável.
11. Ressalte-se que a valoração maior aos antecedentes criminais em relação
às demais circunstâncias judiciais foi minuciosamente fundamentada na
r. sentença, de modo, estando dentro da razoabilidade, deve prevalecer
o critério de cálculo da pena utilizado pelo D. Juízo a quo, posto que
o magistrado de primeiro grau é quem tem contato direto com os fatos que
fundamentam a pretensão acusatória, estando, assim, melhor preparado para
decidir a lide.
12. Todavia, ainda que se aplique o patamar de aumento de 3/8 (três oitavos),
em razão da culpabilidade exacerbada e da existência de maus antecedentes,
a pena-base do acusado não chegaria a 02 (dois) anos e 06 (seis) meses de
reclusão.
13. Dessa forma, utilizando o mesmo critério de aumento estabelecido pelo
MM. Juízo a quo, fixo a pena-base do réu em 01 (um) ano, 04 (quatro)
meses e 15 (quinze) dias de reclusão, que, reduzida em 1/6 (um sexto),
nos termos do artigo 65, III, "d", do Código Penal, e aumentada em 1/3
(um terço) em decorrência do §3º do artigo 171 do mesmo código, resulta
definitiva em 01 (um) ano, 06 (seis) meses e 09 (nove) dias de reclusão.
14. Considerando que a pena pecuniária deve guardar proporção com o
quantum estabelecido à pena privativa de liberdade, estabeleço-a em 12
(doze) dias-multa, devendo, em seguida, ser atenuada e majorada nos mesmos
moldes determinados pelo MM. Juízo a quo, resultando definitiva em 13
(treze) dias-multa.
15. Mantenho o valor unitário de um trigésimo do salário mínimo vigente,
a ser devidamente atualizado por ocasião do pagamento.
16. Em razão do redimensionamento da pena, estabeleço o regime inicial
aberto para o seu cumprimento, nos termos do artigo 33, §2º, "c", do Código
Penal, pois, embora haja circunstâncias judiciais desfavoráveis ao réu,
estas não configuram razão suficiente para ensejar um regime mais gravoso.
17. A existência de circunstâncias judiciais desfavoráveis ao réu obsta
a substituição da reprimenda privativa de liberdade por restritivas de
direitos, nos termos do artigo 44, III, do Código Penal.
18. No tocante à reparação de danos em favor do INSS, cumpre observar que
o fato delitivo ocorreu no ano de 2005, sendo, portanto, anterior ao advento
da Lei nº 11.719/2008, que alterou o artigo 387, inciso IV, do Código de
Processo Penal, possibilitando ao magistrado a fixação, na sentença, de
valor mínimo para a reparação de danos. Todavia, referida novatio legis
in pejus não deve retroagir, pois seria em prejuízo ao réu, o que não
é admitido no ordenamento jurídico penal brasileiro.
19. De outra parte, cumpre esclarecer que não houve um pedido expresso
do Ministério Público Federal, na denúncia, objetivando a condenação
do réu à reparação mínima de danos, bem como um pedido de apuração
do valor devido, a ser realizada durante a instrução criminal, com o
oferecimento de oportunidade para o réu se manifestar, em respeito ao
princípio do contraditório e da ampla defesa. Ausentes essas condições,
é defeso ao magistrado fixar, de ofício, na sentença, tanto a condenação
pela reparação mínima de danos, quanto o valor devido.
20. Apelação do réu a que se dá parcial provimento.
Ementa
PENAL. PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. ESTELIONATO EM DETRIMENTO
DA PREVIDÊNCIA SOCIAL. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS. PRINCÍPIO DA
INSIGNIFICÂNCIA AFASTADO. DOSIMETRIA DA PENA. REPARAÇÃO DE DANOS. RECURSO
DA DEFESA PROVIDO EM PARTE.
1. A materialidade delitiva restou demonstrada pelo procedimento administrativo
do INSS, que constatou que o réu, Alison Guilherme do Carmo, utilizou
documento falso, bem como atestados médicos falsos, para requerer a
concessão de benefício previdenciário, entre 01.04.2005 e 10.07.2005,
tendo sido auferida vantagem indevida na cifra de R$ 4.369,60 (quatro mil
e trezentos e sessenta e nove reais e sessenta centavos). Tais fatos foram
confirmados, em Juízo, pelo testemunho do próprio réu.
2. A autoria delitiva restou inconteste. O réu confessou a prática do
crime de estelionato em detrimento do INSS, utilizando-se de documento de
identidade falso, bem como de receituários médicos adquiridos de pessoa
desconhecida, próximos à Praça Sete, em Belo Horizonte.
3. O Laudo de Exame Documentoscópico apresentou conclusão no sentido
de haver correspondência entre as assinaturas constantes dos documentos
utilizados para requerer o benefício previdenciário e a grafia do réu.
4. O princípio da insignificância, como corolário do princípio da
pequenez ofensiva inserto no artigo 98, inciso I, da Constituição Federal,
estabelece que o Direito Penal, pela adequação típica do fato à norma
incriminadora, somente deve intervir nos casos de lesão de certa gravidade,
atestando a atipicidade penal nas hipóteses de delitos de lesão mínima,
que ensejam resultado diminuto. Todavia, o escopo da teoria da intervenção
mínima não se aplica ao crime de estelionato praticado contra entidade de
direito público, no caso, o INSS, porquanto o bem jurídico tutelado não
se limita ao patrimônio individual, mas abrange toda a coletividade ante
a destinação social.
5. Condenação mantida.
6. De acordo com o artigo 68 do Código Penal, a pena base será fixada
levando-se em conta a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social,
a personalidade do agente, os motivos, as circunstâncias e consequências
do crime, bem como o comportamento da vítima (art. 59 do CP).
7. As circunstâncias judiciais de caráter residual são aquelas que,
envolvendo aspectos objetivos e subjetivos encontrados no processo, podem
ser livremente apreciadas pelo magistrado, respeitados os princípios da
proporcionalidade, da razoabilidade e da finalidade da pena.
8. No caso dos autos, o MM. Juiz a quo fixou a pena-base acima do mínimo
legal, por entender que a culpabilidade do réu se deu em grau exasperado,
bem como em razão da existência de condenação criminal contra o acusado,
com trânsito em julgado.
9. No caso concreto, a culpabilidade do réu foi acentuada. Isso porque,
para a consumação do delito em questão, o réu se valeu da prática de
outros delitos (falsificação de documento e uso de documento falso), que,
embora absorvidos pelo crime de estelionato (Súmula 17 do STJ), denotam
maior índice de reprovabilidade de sua conduta.
10. No tocante aos antecedentes, verifica-se que há condenação com trânsito
em julgado contra o acusado pelo mesmo delito, que, embora não configure
reincidência, já que o trânsito em julgado se deu em momento posterior
ao cometimento do presente delito, pode ser considerada como circunstância
judicial desfavorável.
11. Ressalte-se que a valoração maior aos antecedentes criminais em relação
às demais circunstâncias judiciais foi minuciosamente fundamentada na
r. sentença, de modo, estando dentro da razoabilidade, deve prevalecer
o critério de cálculo da pena utilizado pelo D. Juízo a quo, posto que
o magistrado de primeiro grau é quem tem contato direto com os fatos que
fundamentam a pretensão acusatória, estando, assim, melhor preparado para
decidir a lide.
12. Todavia, ainda que se aplique o patamar de aumento de 3/8 (três oitavos),
em razão da culpabilidade exacerbada e da existência de maus antecedentes,
a pena-base do acusado não chegaria a 02 (dois) anos e 06 (seis) meses de
reclusão.
13. Dessa forma, utilizando o mesmo critério de aumento estabelecido pelo
MM. Juízo a quo, fixo a pena-base do réu em 01 (um) ano, 04 (quatro)
meses e 15 (quinze) dias de reclusão, que, reduzida em 1/6 (um sexto),
nos termos do artigo 65, III, "d", do Código Penal, e aumentada em 1/3
(um terço) em decorrência do §3º do artigo 171 do mesmo código, resulta
definitiva em 01 (um) ano, 06 (seis) meses e 09 (nove) dias de reclusão.
14. Considerando que a pena pecuniária deve guardar proporção com o
quantum estabelecido à pena privativa de liberdade, estabeleço-a em 12
(doze) dias-multa, devendo, em seguida, ser atenuada e majorada nos mesmos
moldes determinados pelo MM. Juízo a quo, resultando definitiva em 13
(treze) dias-multa.
15. Mantenho o valor unitário de um trigésimo do salário mínimo vigente,
a ser devidamente atualizado por ocasião do pagamento.
16. Em razão do redimensionamento da pena, estabeleço o regime inicial
aberto para o seu cumprimento, nos termos do artigo 33, §2º, "c", do Código
Penal, pois, embora haja circunstâncias judiciais desfavoráveis ao réu,
estas não configuram razão suficiente para ensejar um regime mais gravoso.
17. A existência de circunstâncias judiciais desfavoráveis ao réu obsta
a substituição da reprimenda privativa de liberdade por restritivas de
direitos, nos termos do artigo 44, III, do Código Penal.
18. No tocante à reparação de danos em favor do INSS, cumpre observar que
o fato delitivo ocorreu no ano de 2005, sendo, portanto, anterior ao advento
da Lei nº 11.719/2008, que alterou o artigo 387, inciso IV, do Código de
Processo Penal, possibilitando ao magistrado a fixação, na sentença, de
valor mínimo para a reparação de danos. Todavia, referida novatio legis
in pejus não deve retroagir, pois seria em prejuízo ao réu, o que não
é admitido no ordenamento jurídico penal brasileiro.
19. De outra parte, cumpre esclarecer que não houve um pedido expresso
do Ministério Público Federal, na denúncia, objetivando a condenação
do réu à reparação mínima de danos, bem como um pedido de apuração
do valor devido, a ser realizada durante a instrução criminal, com o
oferecimento de oportunidade para o réu se manifestar, em respeito ao
princípio do contraditório e da ampla defesa. Ausentes essas condições,
é defeso ao magistrado fixar, de ofício, na sentença, tanto a condenação
pela reparação mínima de danos, quanto o valor devido.
20. Apelação do réu a que se dá parcial provimento.Decisão
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide
a Egrégia Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região,
por maioria, dar parcial provimento à apelação do réu, para, mantendo
a sua condenação pelo crime previsto no artigo 171, § 3º, do Código
Penal, reduzir a sua pena para 01 (um) ano, 06 (seis) meses e 09 (nove)
dias de reclusão e pagamento de 13 (treze) dias-multa, bem como fixar o
regime inicial aberto para o cumprimento da pena, nos termos do artigo 33
do Código Penal, e afastar a condenação do réu em reparar o dano, visto
que fixada de ofício pelo juiz, nos termos do voto do Relator, acompanhado
pelo Desembargador Federal Wilson Zauhy, vencido Desembargador Federal Hélio
Nogueira que divergia quanto ao regime inicial de cumprimento da pena, que
mantinha o semiaberto diante das circunstâncias judiciais desfavoráveis,
em especial, os maus antecedentes (art. 33, §3º, do CP) e ainda, mantinha
o valor mínimo da reparação de danos (art. 387, inc. IV, do CPP), tal como
constou da sentença. Por maioria, determinar a imediata expedição de guia
de execução, nos termos do voto do Relator, acompanhado pelo Desembargador
Federal Hélio Nogueira, vencido o Desembargador Federal Wilson Zauhy que
entende deva ser determinada a expedição de guia de execução somente após
a certificação de esgotamento dos recursos ordinários no caso concreto,
nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente
julgado.
Data do Julgamento
:
27/06/2017
Data da Publicação
:
06/07/2017
Classe/Assunto
:
Ap. - APELAÇÃO CRIMINAL - 56949
Órgão Julgador
:
PRIMEIRA TURMA
Relator(a)
:
DESEMBARGADOR FEDERAL VALDECI DOS SANTOS
Comarca
:
TRIBUNAL - TERCEIRA REGIÃO
Tipo
:
Acórdão
Referência
legislativa
:
***** CF-1988 CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988
LEG-FED ANO-1988 ART-98 INC-1
***** CP-40 CÓDIGO PENAL DE 1940
LEG-FED DEL-2848 ANO-1940 ART-68 ART-59 ART-65 INC-3 LET-D ART-171 PAR-3
ART-33 PAR-2 LET-C ART-44 INC-3
***** STJ SÚMULA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
LEG-FED SUM-17
***** CPP-41 CÓDIGO DE PROCESSO PENAL
LEG-FED DEL-3689 ANO-1941 ART-387 INC-4
LEG-FED LEI-11719 ANO-2008
Fonte da publicação
:
e-DJF3 Judicial 1 DATA:06/07/2017
..FONTE_REPUBLICACAO:
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