TRF3 0005020-24.2006.4.03.6181 00050202420064036181
PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. ARTIGO 22, PARÁGRAFO ÚNICO, SEGUNDA PARTE,
DA LEI N. 7.492/1986. VIOLAÇÃO DOS TERMOS DO ACORDO DE COOPERAÇÃO
JUDICIAL EM MATÉRIA PENAL BRASIL ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA DO
NORTE. INOCORRÊNCIA. ART. 402, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL: FASE INADEQUADA
PARA O REQUERIMENTO DE DILIGÊNCIAS CUJA NECESSIDADE OU CONVENIÊNCIA JÁ ERA
CLARA NO MOMENTO DO OFERECIMENTO DA DEFESA PRÉVIA. AUTORIA E MATERIALIDADE
COMPROVADAS. DOSIMETRIA DA PENA. PENA DE MULTA. PROPORCIONALIDADE COM A PENA
CORPORAL. DESTINAÇÃO DA PRESTAÇÃO PECUNIÁRIA. REPARAÇÃO MÍNIMA DO
DANO. RECURSO DA DEFESA PROVIDO EM PARTE.
1. Apelação da defesa contra sentença que condenou o réu como incurso nas
penas do artigo 22, paragrafo único, da lei 7492/86, por manter depósito
no exterior não declarado à repartição competente.
2. Investigações realizadas nos Estados Unidos da América culminaram com
a descoberta de um grande número de atividades ilícitas realizadas por
clientes brasileiros do Banco Banestado, agencia de Nova Iorque, abrangendo,
ainda, contas titularizadas por Brasileiros no Merchants Bank of New York,
entre outros, inexistindo qualquer elemento de prova no sentido de que as
investigações realizadas em território norte americano, em especial as
quebras de sigilo bancário, possuiriam qualquer eiva de ilicitude.
3. Isto posto, verifica-se que o compartilhamento das provas se deu de maneira
totalmente regular entre as autoridades norte americanas e brasileiras,
nos termos do MLAT (Mutual Legal Assistance Treaty), promulgado pelo Decreto
Presidencial 3.810, de 02/05/2001.
4. Por sua vez, considerando que o referido tratado prevê a comunicação
direta entre as Autoridades Centrais dos países participantes, as
informações foram partilhadas, em um primeiro momento, sem a intervenção
do Poder Judiciário. Entretanto, ao tomar conhecimento da existência
de graves indícios da prática de atos ilícitos pelos ora apelantes, as
autoridades brasileiras que participaram da investigação requereram ao Juízo
inicialmente considerado competente a quebra do sigilo dos dados bancários
dos apelantes, a qual foi deferida em decisão devidamente fundamentada.
5. Por fim, não há que se falar em violação aos termos do tratado
de cooperação internacional em matéria penal entre Brasil e Estados
Unidos da América do Norte (MLAT) pela utilização indevida dos documentos
compartilhados em processos distintos, eis que, como bem ressaltado pelo Juízo
a quo, a presente ação penal tem como objeto os mesmo fatos investigados
pelo Governo Norte Americano (Caso Nolasco) que, entretanto, devido ao vultoso
número de possíveis envolvidos e a complexidade das operações financeiras
ilícitas que vieram à tona, resultaram na propositura de diversas ações
penais, em observância ao princípio da eficiência, do devido processo
legal e da ampla defesa.
6. O artigo 402 do Código de Processo Penal, na redação da Lei nº
11.719/2008, se presta para que as partes requeiram "as diligências, cuja
necessidade ou conveniência se origine de circunstâncias ou de fatos
apurados na instrução". Não é a fase adequada para o requerimento de
diligências cuja necessidade ou conveniência já era clara no momento
oferecimento da defesa prévia.
7. O indeferimento de prova não implica ilegalidade, na medida em que
a aferição da necessidade da produção da prova é mister do juiz da
causa, que tem ampla visão sobre o desenrolar da ação penal. O juiz é o
destinatário das provas e tem o dever de indeferir as inúteis e meramente
protelatórias.
8. A defesa não demonstrou efetivo prejuízo, a ensejar a anulação do ato
(artigo 563 do CPP).
9. A autoria e a materialidade do delito comprovadas nos autos.
10. O bem jurídico tutelado pela norma penal descrita no parágrafo único
do artigo 22, da lei 7.492/89 é a "proteção da política e do mercado
cambial brasileiros" (TRF3, HC 20070300036640-0/SP, Ramza Tartuce, 5ª T.,
u., 29.10.2007 apud Junior, José Paulo Baltazar; Crimes Federais; Livraria
do Advogado; Oitava Edição; fls. 481), o qual foi efetivamente violado
pela conduta do apelante.
11. Na primeira fase de fixação da pena, verifico que as circunstâncias do
delito se mostram extremante desfavoráveis ao apelante, tendo o acusado se
utilizado de doleiros que operavam a subconta Rigler da empresa Beacon Hill
no JP Morgan Bank, para remeter valores para sua conta bancaria mantida no
HSBC New York, mantendo assim valores acima de quarto milhões de dólares
no exterior, chegando a quase cinco milhões no ano de 2003, e o fato de que
as atividades delituosas se estenderam, de maneira ininterrupta, por um longo
lapso temporal (aproximadamente três anos), revelando uma intensa lesão ao
bem jurídico tutelado e uma acentuada culpabilidade por parte do apelante
que, progressivamente, teria efetuado operações de câmbio não autorizadas,
promovido a saída de moeda ou divisa ao exterior sem autorização legal e
lá mantido depósitos não declarados à repartição federal competente,
razão pela qual mantenho a pena-base em 02 (dois) anos e 09 (nove) meses
de reclusão, que torno definitiva, uma vez que ausentes circunstâncias
atenuantes ou agravantes, causas de aumento ou diminuição.
12. Presentes os requisitos constantes do artigo 44, do Código Penal,
substituo a pena privativa de liberdade por duas restritivas de direitos
consistentes em: a) prestação pecuniária no valor de 20 (vinte)
salários-mínimos, que destino à União Federal, e b) prestação de
serviços à comunidade ou a entidades públicas, na forma a ser estabelecida
pelo juízo da execução.
13. Pena de multa deve seguir os mesmos parâmetros de fixação da pena
privativa.
14. A aplicação da pena de multa enseja a imposição de um valor pecuniário
de caráter penal bastante para a censura do comportamento praticado, sendo
que, para a fixação do valor da pena pecuniária, deve ser observada a
situação do réu, conforme dispõe o artigo 60 Código Penal.
15. A pena de prestação pecuniária, substitutiva da pena privativa de
liberdade, deve ser revertida em favor da entidade lesada com a ação
criminosa, nos termos do artigo 45, §1° do Código Penal, no caso, a União.
16. Reparação do dano prevista no artigo 387, IV, do Código Penal
mantida. O legislador com a edição da Lei nº 11.719/08, ao alterar a
redação do art. 387, IV, do CPP, e estabelecer que o juiz, ao proferir a
sentença, "fixará o valor mínimo da reparação dos danos causados pela
infração", integrou o disposto no artigo 91, inciso I, do Código Penal,
que expressamente prevê como efeito da condenação o dever de reparação
do dano. Possibilidade de que na ação de execução, se esta vir a ser
instaurada pela vítima, seja apurado outro valor de reparação - maior ou
menor, diverso daquele fixado pelo Juízo criminal, não se podendo olvidar,
ainda, da possibilidade de se concluir pela inexistência de valor a ser
indenizado.
17. Recurso da defesa parcialmente provido.
Ementa
PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. ARTIGO 22, PARÁGRAFO ÚNICO, SEGUNDA PARTE,
DA LEI N. 7.492/1986. VIOLAÇÃO DOS TERMOS DO ACORDO DE COOPERAÇÃO
JUDICIAL EM MATÉRIA PENAL BRASIL ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA DO
NORTE. INOCORRÊNCIA. ART. 402, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL: FASE INADEQUADA
PARA O REQUERIMENTO DE DILIGÊNCIAS CUJA NECESSIDADE OU CONVENIÊNCIA JÁ ERA
CLARA NO MOMENTO DO OFERECIMENTO DA DEFESA PRÉVIA. AUTORIA E MATERIALIDADE
COMPROVADAS. DOSIMETRIA DA PENA. PENA DE MULTA. PROPORCIONALIDADE COM A PENA
CORPORAL. DESTINAÇÃO DA PRESTAÇÃO PECUNIÁRIA. REPARAÇÃO MÍNIMA DO
DANO. RECURSO DA DEFESA PROVIDO EM PARTE.
1. Apelação da defesa contra sentença que condenou o réu como incurso nas
penas do artigo 22, paragrafo único, da lei 7492/86, por manter depósito
no exterior não declarado à repartição competente.
2. Investigações realizadas nos Estados Unidos da América culminaram com
a descoberta de um grande número de atividades ilícitas realizadas por
clientes brasileiros do Banco Banestado, agencia de Nova Iorque, abrangendo,
ainda, contas titularizadas por Brasileiros no Merchants Bank of New York,
entre outros, inexistindo qualquer elemento de prova no sentido de que as
investigações realizadas em território norte americano, em especial as
quebras de sigilo bancário, possuiriam qualquer eiva de ilicitude.
3. Isto posto, verifica-se que o compartilhamento das provas se deu de maneira
totalmente regular entre as autoridades norte americanas e brasileiras,
nos termos do MLAT (Mutual Legal Assistance Treaty), promulgado pelo Decreto
Presidencial 3.810, de 02/05/2001.
4. Por sua vez, considerando que o referido tratado prevê a comunicação
direta entre as Autoridades Centrais dos países participantes, as
informações foram partilhadas, em um primeiro momento, sem a intervenção
do Poder Judiciário. Entretanto, ao tomar conhecimento da existência
de graves indícios da prática de atos ilícitos pelos ora apelantes, as
autoridades brasileiras que participaram da investigação requereram ao Juízo
inicialmente considerado competente a quebra do sigilo dos dados bancários
dos apelantes, a qual foi deferida em decisão devidamente fundamentada.
5. Por fim, não há que se falar em violação aos termos do tratado
de cooperação internacional em matéria penal entre Brasil e Estados
Unidos da América do Norte (MLAT) pela utilização indevida dos documentos
compartilhados em processos distintos, eis que, como bem ressaltado pelo Juízo
a quo, a presente ação penal tem como objeto os mesmo fatos investigados
pelo Governo Norte Americano (Caso Nolasco) que, entretanto, devido ao vultoso
número de possíveis envolvidos e a complexidade das operações financeiras
ilícitas que vieram à tona, resultaram na propositura de diversas ações
penais, em observância ao princípio da eficiência, do devido processo
legal e da ampla defesa.
6. O artigo 402 do Código de Processo Penal, na redação da Lei nº
11.719/2008, se presta para que as partes requeiram "as diligências, cuja
necessidade ou conveniência se origine de circunstâncias ou de fatos
apurados na instrução". Não é a fase adequada para o requerimento de
diligências cuja necessidade ou conveniência já era clara no momento
oferecimento da defesa prévia.
7. O indeferimento de prova não implica ilegalidade, na medida em que
a aferição da necessidade da produção da prova é mister do juiz da
causa, que tem ampla visão sobre o desenrolar da ação penal. O juiz é o
destinatário das provas e tem o dever de indeferir as inúteis e meramente
protelatórias.
8. A defesa não demonstrou efetivo prejuízo, a ensejar a anulação do ato
(artigo 563 do CPP).
9. A autoria e a materialidade do delito comprovadas nos autos.
10. O bem jurídico tutelado pela norma penal descrita no parágrafo único
do artigo 22, da lei 7.492/89 é a "proteção da política e do mercado
cambial brasileiros" (TRF3, HC 20070300036640-0/SP, Ramza Tartuce, 5ª T.,
u., 29.10.2007 apud Junior, José Paulo Baltazar; Crimes Federais; Livraria
do Advogado; Oitava Edição; fls. 481), o qual foi efetivamente violado
pela conduta do apelante.
11. Na primeira fase de fixação da pena, verifico que as circunstâncias do
delito se mostram extremante desfavoráveis ao apelante, tendo o acusado se
utilizado de doleiros que operavam a subconta Rigler da empresa Beacon Hill
no JP Morgan Bank, para remeter valores para sua conta bancaria mantida no
HSBC New York, mantendo assim valores acima de quarto milhões de dólares
no exterior, chegando a quase cinco milhões no ano de 2003, e o fato de que
as atividades delituosas se estenderam, de maneira ininterrupta, por um longo
lapso temporal (aproximadamente três anos), revelando uma intensa lesão ao
bem jurídico tutelado e uma acentuada culpabilidade por parte do apelante
que, progressivamente, teria efetuado operações de câmbio não autorizadas,
promovido a saída de moeda ou divisa ao exterior sem autorização legal e
lá mantido depósitos não declarados à repartição federal competente,
razão pela qual mantenho a pena-base em 02 (dois) anos e 09 (nove) meses
de reclusão, que torno definitiva, uma vez que ausentes circunstâncias
atenuantes ou agravantes, causas de aumento ou diminuição.
12. Presentes os requisitos constantes do artigo 44, do Código Penal,
substituo a pena privativa de liberdade por duas restritivas de direitos
consistentes em: a) prestação pecuniária no valor de 20 (vinte)
salários-mínimos, que destino à União Federal, e b) prestação de
serviços à comunidade ou a entidades públicas, na forma a ser estabelecida
pelo juízo da execução.
13. Pena de multa deve seguir os mesmos parâmetros de fixação da pena
privativa.
14. A aplicação da pena de multa enseja a imposição de um valor pecuniário
de caráter penal bastante para a censura do comportamento praticado, sendo
que, para a fixação do valor da pena pecuniária, deve ser observada a
situação do réu, conforme dispõe o artigo 60 Código Penal.
15. A pena de prestação pecuniária, substitutiva da pena privativa de
liberdade, deve ser revertida em favor da entidade lesada com a ação
criminosa, nos termos do artigo 45, §1° do Código Penal, no caso, a União.
16. Reparação do dano prevista no artigo 387, IV, do Código Penal
mantida. O legislador com a edição da Lei nº 11.719/08, ao alterar a
redação do art. 387, IV, do CPP, e estabelecer que o juiz, ao proferir a
sentença, "fixará o valor mínimo da reparação dos danos causados pela
infração", integrou o disposto no artigo 91, inciso I, do Código Penal,
que expressamente prevê como efeito da condenação o dever de reparação
do dano. Possibilidade de que na ação de execução, se esta vir a ser
instaurada pela vítima, seja apurado outro valor de reparação - maior ou
menor, diverso daquele fixado pelo Juízo criminal, não se podendo olvidar,
ainda, da possibilidade de se concluir pela inexistência de valor a ser
indenizado.
17. Recurso da defesa parcialmente provido.Decisão
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide
a Egrégia Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região,
por maioria, dar parcial provimento ao apelo da defesa para reduzir a
pena de multa e, de ofício, alterar a destinação da pena de prestação
pecuniária em favor da União, nos termos do relatório e voto do Relator,
que ficam fazendo parte integrante do presente julgado, acompanhado pelo
Des. Fed. Valdeci dos Santos, vencido o Des. Fed. Wilson Zauhy, que dava
parcial provimento ao recurso em maior extensão.
Data do Julgamento
:
15/05/2018
Data da Publicação
:
23/05/2018
Classe/Assunto
:
Ap. - APELAÇÃO CRIMINAL - 50134
Órgão Julgador
:
PRIMEIRA TURMA
Relator(a)
:
DESEMBARGADOR FEDERAL HÉLIO NOGUEIRA
Comarca
:
TRIBUNAL - TERCEIRA REGIÃO
Tipo
:
Acórdão
Indexação
:
VIDE EMENTA.
Referência
legislativa
:
***** LCCSF-86 LEI DOS CRIMES CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL
LEG-FED LEI-7492 ANO-1986 ART-22 PAR-ÚNICO
***** CPP-41 CÓDIGO DE PROCESSO PENAL
LEG-FED DEL-3689 ANO-1941 ART-402 ART-563 ART-387 INC-4
LEG-FED DEC-3810 ANO-2001
LEG-FED LEI-11719 ANO-2008
***** CP-40 CÓDIGO PENAL DE 1940
LEG-FED DEL-2848 ANO-1940 ART-44 ART-45 PAR-1 ART-91 INC-1 ART-60
Doutrina
:
Autor: JOSE PAULO BALTAZAR JÚNIOR
Título: CRIMES FEDERAIS , Editora: LIVRARIA DO ADVOGADO , Ed.: 8ª
, Pag.: 481
Fonte da publicação
:
e-DJF3 Judicial 1 DATA:23/05/2018
..FONTE_REPUBLICACAO:
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