TRF3 0005156-03.2007.4.03.6111 00051560320074036111
PENAL E PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. APROPRIAÇÃO INDÉBITA
PREVIDENCIÁRIA. DECADÊNCIA PARCIAL. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS. DOLO
GENÉRICO. ENTIDADE BENEFICENTE NA ÁREA DA SAÚDE. ADMINISTRADOR NÃO
REMUNERADO. MATERIALIDADE E AUTORIA DEMONSTRADAS. DÚVIDA QUANTO AO
DOLO. ABSOLVIÇÃO DECRETADA.
1. Parte das competências abrangidas pela NFLD já haviam sido alcançadas
pela decadência tributária por ocasião de sua lavratura. Inteligência
da Súmula Vinculante nº 8 do STF.
2. Materialidade e autoria comprovadas. O próprio réu admitiu, em seu
interrogatório, que era o responsável pela administração da empresa,
inclusive pela condução da parte financeira.
3. O elemento subjetivo no delito do art. 168-A do Código Penal, para todas
as figuras, é o dolo genérico, ou seja, a vontade livre e consciente de
não recolher a contribuição social cujo repasse aos cofres públicos era
um dever legal, bem como o não pagamento de benefício cujo valor tenha sido
reembolsado pela previdência social. Não se exige, como na apropriação
indébita, o dolo específico, ou seja, a vontade livre e consciente de ter
coisa alheia que se sabe ser de outrem (animus rem sibi habendi). Precedentes.
4. No caso concreto há fundadas dúvidas a respeito da existência de vontade
livre e consciente, da parte de praticar a conduta prevista no tipo penal.
5. Esta Turma possui sedimentada jurisprudência no sentido de que o dolo
exigido para a configuração do delito ora em exame é o genérico e não
o específico, de sorte que não se exige do agente o animus rem sibi habendi.
6. Também é pacífico, neste colegiado, que as dificuldades financeiras
do empregador não justificam a apropriação indébita das contribuições
descontadas dos salários dos empregados.
7. De igual sorte, não há divergência neste órgão a respeito da
improcedência do argumento conforme o qual o empregador precisou, em razão
da precariedade financeira, eleger prioridades para manter em atividade seu
negócio.
8. Contudo, o caso dos autos encerra situação diversa, que apresenta
peculiaridades que não podem ser desconsideradas. Não se discute que os
administradores de entidades beneficentes e sem fins lucrativos estejam a
salvo do tipo penal em questão.
9. O conjunto probatório indica que a Associação não estava conseguindo
honrar com seus compromissos. A Associação é uma entidade sem fins
lucrativos, de caráter beneficente, mantida pelo Sistema Único de Saúde,
o que denota seus parcos rendimentos. Foi compelida a aumentar o seu quadro
de pessoal para atender as exigências estabelecidas pelo Ministério da
Saúde, sem que houvesse o correspondente aumento do aporte oferecido pelo
SUS, o que, possivelmente, contribuiu para as dificuldades financeiras pelas
quais vem passando.
10. Tendo em vista a essencialidade do serviço oferecido pelo Hospital
Psiquiátrico mantido pela Associação, não seria razoável exigir que
seu gestor, diante das dificuldades financeiras, priorizasse o pagamento dos
encargos tributários em detrimento dos pacientes. Assim, pode-se constatar
que, de fato, a apropriação das contribuições previdenciárias deu-se
sob o manto da inexigibilidade de conduta diversa, vez que não havia outra
alternativa plausível.
11. Nessas condições e remanescendo dúvida a respeito da existência
do dolo de praticar a conduta delituosa, impõe-se absolver o acusado,
com fundamento no inciso VI do art. 386 do Código de Processo Penal.
12. Ante o exposto, de ofício, absolvo o réu, com fundamento no art. 386,
III, do Código de Processo Penal, da imputação feita pelo Ministério
Público Federal de prática do crime previsto art. 168-A, § 1º, I,
c.c. o art. 71, ambos do Código Penal, com relação às competências de
janeiro de 1999 a dezembro de 2000. Quanto às competências remanescentes,
dou provimento ao recurso do réu para absolvê-lo com fulcro no art. 386,
VI do CPP e julgo prejudicado o recurso ministerial.
Ementa
PENAL E PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. APROPRIAÇÃO INDÉBITA
PREVIDENCIÁRIA. DECADÊNCIA PARCIAL. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS. DOLO
GENÉRICO. ENTIDADE BENEFICENTE NA ÁREA DA SAÚDE. ADMINISTRADOR NÃO
REMUNERADO. MATERIALIDADE E AUTORIA DEMONSTRADAS. DÚVIDA QUANTO AO
DOLO. ABSOLVIÇÃO DECRETADA.
1. Parte das competências abrangidas pela NFLD já haviam sido alcançadas
pela decadência tributária por ocasião de sua lavratura. Inteligência
da Súmula Vinculante nº 8 do STF.
2. Materialidade e autoria comprovadas. O próprio réu admitiu, em seu
interrogatório, que era o responsável pela administração da empresa,
inclusive pela condução da parte financeira.
3. O elemento subjetivo no delito do art. 168-A do Código Penal, para todas
as figuras, é o dolo genérico, ou seja, a vontade livre e consciente de
não recolher a contribuição social cujo repasse aos cofres públicos era
um dever legal, bem como o não pagamento de benefício cujo valor tenha sido
reembolsado pela previdência social. Não se exige, como na apropriação
indébita, o dolo específico, ou seja, a vontade livre e consciente de ter
coisa alheia que se sabe ser de outrem (animus rem sibi habendi). Precedentes.
4. No caso concreto há fundadas dúvidas a respeito da existência de vontade
livre e consciente, da parte de praticar a conduta prevista no tipo penal.
5. Esta Turma possui sedimentada jurisprudência no sentido de que o dolo
exigido para a configuração do delito ora em exame é o genérico e não
o específico, de sorte que não se exige do agente o animus rem sibi habendi.
6. Também é pacífico, neste colegiado, que as dificuldades financeiras
do empregador não justificam a apropriação indébita das contribuições
descontadas dos salários dos empregados.
7. De igual sorte, não há divergência neste órgão a respeito da
improcedência do argumento conforme o qual o empregador precisou, em razão
da precariedade financeira, eleger prioridades para manter em atividade seu
negócio.
8. Contudo, o caso dos autos encerra situação diversa, que apresenta
peculiaridades que não podem ser desconsideradas. Não se discute que os
administradores de entidades beneficentes e sem fins lucrativos estejam a
salvo do tipo penal em questão.
9. O conjunto probatório indica que a Associação não estava conseguindo
honrar com seus compromissos. A Associação é uma entidade sem fins
lucrativos, de caráter beneficente, mantida pelo Sistema Único de Saúde,
o que denota seus parcos rendimentos. Foi compelida a aumentar o seu quadro
de pessoal para atender as exigências estabelecidas pelo Ministério da
Saúde, sem que houvesse o correspondente aumento do aporte oferecido pelo
SUS, o que, possivelmente, contribuiu para as dificuldades financeiras pelas
quais vem passando.
10. Tendo em vista a essencialidade do serviço oferecido pelo Hospital
Psiquiátrico mantido pela Associação, não seria razoável exigir que
seu gestor, diante das dificuldades financeiras, priorizasse o pagamento dos
encargos tributários em detrimento dos pacientes. Assim, pode-se constatar
que, de fato, a apropriação das contribuições previdenciárias deu-se
sob o manto da inexigibilidade de conduta diversa, vez que não havia outra
alternativa plausível.
11. Nessas condições e remanescendo dúvida a respeito da existência
do dolo de praticar a conduta delituosa, impõe-se absolver o acusado,
com fundamento no inciso VI do art. 386 do Código de Processo Penal.
12. Ante o exposto, de ofício, absolvo o réu, com fundamento no art. 386,
III, do Código de Processo Penal, da imputação feita pelo Ministério
Público Federal de prática do crime previsto art. 168-A, § 1º, I,
c.c. o art. 71, ambos do Código Penal, com relação às competências de
janeiro de 1999 a dezembro de 2000. Quanto às competências remanescentes,
dou provimento ao recurso do réu para absolvê-lo com fulcro no art. 386,
VI do CPP e julgo prejudicado o recurso ministerial.Decisão
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a
Egrégia Décima Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região,
por unanimidade, DE OFÍCIO, ABSOLVER O RÉU, COM FUNDAMENTO NO ART. 386,
III, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL, DA IMPUTAÇÃO FEITA PELO MINISTÉRIO
PÚBLICO FEDERAL DE PRÁTICA DO CRIME PREVISTO ART. 168-A, § 1º, I,
C.C. O ART. 71, AMBOS DO CÓDIGO PENAL, COM RELAÇÃO ÀS COMPETÊNCIAS
DE JANEIRO DE 1999 A DEZEMBRO DE 2000, NOS TERMOS DO VOTO DO RELATOR E,
QUANTO ÀS COMPETÊNCIAS REMANESCENTES, POR MAIORIA, DECIDIU DAR PROVIMENTO
AO RECURSO DO RÉU PARA ABSOLVÊ-LO COM FULCRO NO ART. 386, VI DO CPP E
JULGAR PREJUDICADO O RECURSO MINISTERIAL, NOS TERMOS DO VOTO DIVERGENTE
DA DES. FED. CECILIA MELLO, COM QUEM VOTOU O DES. FED. JOSÉ LUNARDELLI,
VENCIDO O RELATOR QUE DAVA PROVIMENTO À APELAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO
FEDERAL PARA ELEVAR A PENA-BASE PARA 3 (TRÊS) ANOS DE RECLUSÃO E 15 (QUINZE)
DIAS-MULTA, NEGAVA PROVIMENTO AO RECURSO DE VICTOR HUGO BOARETTO JÚNIOR E,
DE OFÍCIO, RECONHECIA A CIRCUNSTÂNCIA ATENUANTE DA CONFISSÃO, REDUZIA A
PENA IMPOSTA EM 1/6 (UM SEXTO) E FIXAVA A PENA DEFINITIVA DO APELANTE EM 4
(QUATRO) ANOS E 2 (DOIS) MESES DE RECLUSÃO E 20 (VINTE) DIAS-MULTA, nos termos
do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Data do Julgamento
:
28/06/2016
Data da Publicação
:
14/07/2016
Classe/Assunto
:
Ap. - APELAÇÃO CRIMINAL - 43874
Órgão Julgador
:
DÉCIMA PRIMEIRA TURMA
Relator(a)
:
DESEMBARGADOR FEDERAL NINO TOLDO
Comarca
:
TRIBUNAL - TERCEIRA REGIÃO
Tipo
:
Acórdão
Relator para
acórdão
:
DESEMBARGADORA FEDERAL CECILIA MELLO
Referência
legislativa
:
***** STFV SÚMULA VINCULANTE DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
LEG-FED SUV-8
***** CP-40 CÓDIGO PENAL DE 1940
LEG-FED DEL-2848 ANO-1940 ART-168A PAR-1 INC-1 ART-71
***** CPP-41 CÓDIGO DE PROCESSO PENAL
LEG-FED DEL-3689 ANO-1941 ART-386 INC-6
Fonte da publicação
:
e-DJF3 Judicial 1 DATA:14/07/2016
..FONTE_REPUBLICACAO:
Mostrar discussão