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Jurisprudência


TRF3 0005714-64.2010.4.03.6112 00057146420104036112

Ementa
AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. INTERVENÇÃO ANTRÓPICA EM ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. MARGEM DE RIO. AUSÊNCIA DE CERCEAMENTO DE DEFESA. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. DANO AMBIENTAL "IN RE IPSA". RESPONSABILIDADE OBJETIVA E SOLIDÁRIA. OBRIGAÇÃO "PROPTER REM". CUMULAÇÃO DAS OBRIGAÇÕES DE INDENIZAR E REPARAR. PRELIMINARES REJEITADAS. APELAÇÕES DOS RÉUS IMPROVIDAS. APELAÇÕES DA UNIÃO E DO MPF PROVIDAS. 1.Não prevalece o argumento de cerceamento ao direito de defesa, vez que as provas pericial e testemunhal revelam-se dispensáveis para o deslinde da causa. 2. Incidência dos princípios in dubio pro natura e da precaução, de modo que ao poluidor recai o ônus probatório de inocorrência de potencial ou efetiva degradação ambiental. 3. Havendo documentos mais que suficientes demonstrando que o rancho em tela está inteiramente inserido em área de preservação permanente ciliar, sendo pacífico na jurisprudência que a mera ocupação nesse espaço territorial especialmente protegido pelo Poder Público por si só constitui dano in re ipsa, em razão de ser qualificado como território non aedificandi, revela-se totalmente dispensável a produção de prova técnica pericial, em homenagem aos princípios da economia processual e razoável duração do processo. 4. Tratando-se a causa de supostos danos ambientais causados pela construção e manutenção de imóvel em área de preservação permanente situada às margens do Rio Paraná, rio federal, a União ingressou neste feito na condição de assistente litisconsorcial, por ter interesse direto na causa, atraindo a competência da Justiça Federal para processar e julgá-la. 5. Preliminares rejeitadas. 6. Em face dos princípios tempus regit actum e da não regressão ou vedação ao retrocesso ecológico, a Lei n° 4.771/65, embora revogada, pode ser aplicada aos fatos ocorridos antes da vigência da Lei n° 12.651/12, ainda que a norma seja mais gravosa ao poluidor. 7. No caso em tela, os danos ambientais foram constatados já no ano de 2007 pelo Poder Público, aplicando-se dessa forma a legislação então em vigor (Lei n° 4.771/65 com as alterações da Lei n° 7.803/89), de maneira que a faixa de área de preservação permanente em questão é de 500m (quinhentos metros), uma vez que o imóvel está situado na margem do Rio Paraná, cuja margem possui largura superior a 600 (seiscentos) metros, nos termos do artigo 2°, "a", item 5, do antigo Código Florestal, conforme Laudo Técnico de Constatação e Avaliação de Dano Ambiental (fls. 109/113). Outrossim, o Laudo Técnico de Vistoria elaborado pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade também concluiu que: "O rancho foi construído dentro da faixa de 500 metros da margem do rio Paraná, que de acordo com a lei 4.771/65 e resolução Conama 303/02, é considerada área de preservação permanente. Qualquer construção nesta faixa só é permitida através de procedimento de autorização ambiental, como define a Resolução Conama 369/06 (que regula sobre os casos excepcionais de ocupação das APP´s). (...) A casa de veraneio foi construída dentro dos limites pertencentes à área de preservação permanente, que naquele trecho do rio Paraná é de 500 metros de largura, conforme estabelece a lei 4.771/65.". 8. A responsabilidade civil por danos ambientais é objetiva, ou seja, independe da caracterização da culpa, além de ser fundada na teoria do risco integral, razão pela qual é incabível a aplicação de excludentes de responsabilidade para afastar a obrigação de reparar ou indenizar. 9. A obrigação de reparar os danos ambientais é considerada propter rem, sendo irrelevante que o autor da degradação ambiental inicial não seja o atual o proprietário, possuidor ou ocupante, pois aquela adere ao título de domínio ou posse, sem prejuízo da solidariedade entre os vários causadores do dano, sendo inviável qualquer alegação de direito adquirido à degradação, nos termos do artigo 7° do novo Código Florestal. 10. Eventual preexistência de degradação ambiental não possui o condão de desconfigurar uma área de preservação permanente, vez que sua importância ecológica em proteger ecossistemas sensíveis ainda se perpetua, sendo a lei imperiosa no sentido de que constitui área protegida aquela coberta ou não por vegetação nativa (art. 1°, §2°, II, Lei n° 4.771/65 e art. 3, II, Lei n° 12.651/12), sendo necessária a recuperação ambiental, em respeito ao fim social da propriedade e a prevalência do direito supraindividual ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. 11. A responsabilidade ambiental, além de ser objetiva, é solidária entre todos os titulares do imóvel cuja construção e manutenção produz danos ambientais, ensejando a formação de litisconsórcio passivo facultativo entre os vários poluidores, diretos ou indiretos, cabendo ao autor demandar contra qualquer um deles, isoladamente ou em conjunto. 12. O imóvel está situado em espaço territorial especialmente protegido pelo Poder Público, que está gravado por obrigação propter rem, de maneira que a alegação de preexistência de construções a posse não exime seu titular da obrigação de reparar e indenizar os danos ambientais, em face da inexistência de direito adquirido de poluir. 13. Considerando que as construções implicaram na supressão de vegetação nativa e suas manutenções impediram ou, ao menos, dificultaram a regeneração natural, não havendo autorização estatal, que poderia ser concedida apenas em caso de utilidade pública, interesse social ou de baixa impacto ambiental (art. 4°, caput, Lei n° 4.717/65 e art. 8°, caput, Lei n° 12.651/12), a mera manutenção de edificação em área de preservação permanente configura ilícito civil, passível de responsabilização por dano ecológico in re ipsa, sendo medida de rigor a manutenção da condenação dos réus, nos termos da r. sentença. 14. Tratando-se de área de preservação permanente situada ao longo de rio, denota-se irrelevante qualquer discussão sobre a natureza da área do local em tela, se rural ou urbana, tendo em vista que a legislação é categórica no sentido que o aludido espaço territorial possui faixa mínima de 500 (quinhentos) metros para cursos d´água com largura acima de 600 (seiscentos) metros. 15. Eventuais atos normativos municipais no sentido de reconhecer a área em questão como urbana ou consolidada não possui o condão de afastar a aplicação das leis ambientais, sobretudo pela previsão legal expressa de necessidade de consentimento do órgão ambiental competente para supressão da vegetação na área de preservação permanente, o que, aliás, não ocorreu no presente caso, vez que ocorreu a ocupação e construção irregular, sem qualquer anuência das autoridades públicas. 16. As obrigações de fazer ou não fazer destinadas à recomposição in natura do bem lesado e a indenização pecuniária são perfeitamente cumuláveis, ao menos em tese, por terem pressupostos diversos, priorizando os princípios do poluidor-pagador e da reparação integral do dano ambiental, nos termos dos artigos 225, §3°, da Constituição Federal e 4° da Lei n° 6.938/81. 17. Imperiosa a condenação dos réus ao pagamento de indenização pelos danos causados pela intervenção antrópica na área de preservação permanente, correspondente ao período temporal em que a coletividade esteve privada desse bem comum, cujo quantum debeatur, a ser revertido ao Fundo previsto no artigo 13 da Lei nº 7.347/85, por se tratar de dano a direito e interesse difuso, deverá ser fixado na liquidação por arbitramento, nos termos dos artigos 475-C e 475-D do Código de Processo Civil. 18. Preliminares arguidas pelos réus em apelações rejeitadas e, no mérito, improvidas e apelações da União e do Ministério Público Federal providas.
Decisão
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, rejeitar as preliminares arguidas pelos réus em apelações e, no mérito, negar-lhes provimento e, por maioria, dar provimento às apelações da União e do Ministério Público Federal para condenar os réus ao pagamento de indenização pelos danos ambientais causados pela intervenção antrópica em área de preservação permanente, cujo quantum debeatur deverá ser fixado por ocasião da liquidação da sentença, nos termos dos artigos 475-C e 475-D do Código de Processo Civil, a ser revertido ao Fundo previsto no artigo 13 da Lei nº 7.347/85, nos termos do voto do Relator, vencidos os Des. Federais Nery Júnior e Carlos Muta que lhe negavam provimento.

Data do Julgamento : 02/08/2018
Data da Publicação : 10/08/2018
Classe/Assunto : Ap - APELAÇÃO CÍVEL - 1732004
Órgão Julgador : TERCEIRA TURMA
Relator(a) : DESEMBARGADOR FEDERAL ANTONIO CEDENHO
Comarca : TRIBUNAL - TERCEIRA REGIÃO
Tipo : Acórdão
Indexação : VIDE EMENTA.
Referência legislativa : ***** CFLO-12 CÓDIGO FLORESTAL DE 2012 LEG-FED LEI-12651 ANO-2012 ART-7 ART-3 INC-2 ART-8 LEG-FED LEI-7803 ANO-1989 ***** CFLO-65 CÓDIGO FLORESTAL LEG-FED LEI-4771 ANO-1965 ART-2 LET-A ITE-5 ART-1 PAR-2 INC-2 ART-4 LEG-FED RES-303 ANO-2002 CONAMA ***** CF-1988 CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 LEG-FED ANO-1988 ART-225 PAR-3 LEG-FED LEI-6938 ANO-1981 ART-4 ***** LACP-85 LEI DE AÇÃO CIVIL PÚBLICA LEG-FED LEI-7347 ANO-1985 ART-13 ***** CPC-73 CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 1973 LEG-FED LEI-5869 ANO-1973 ART-475C ART-475D
Fonte da publicação : e-DJF3 Judicial 1 DATA:10/08/2018 ..FONTE_REPUBLICACAO:
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