TRF3 0005954-71.2006.4.03.6119 00059547120064036119
ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. REMESSA NECESSÁRIA TIDA POR INTERPOSTA E
APELAÇÕES EM AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. ATOS DE ENRIQUECIMENTO
ILÍCITO E VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS ADMINISTRATIVOS. ACEITAÇÃO DE
VANTAGEM INDEVIDA PARA TOLERAR ATIVIDADE ILÍCITA. POSSE IRREGULAR DE ARMA
DE FOGO. AGENTE DE POLÍCIA FEDERAL. GRAVIDADE DAS CONDUTAS.
1. Remessa oficial conhecida, uma vez que o artigo 19 da Lei nº 4.717/65
(Lei de Ação Popular) deve ser aplicado, por analogia, às ações de
improbidade administrativa, ainda que julgados parcialmente procedentes os
pedidos iniciais.
2. Ainda que julgados parcialmente procedentes os pedidos iniciais, a
sentença deve ser submetida ao reexame necessário para ser dotada de
eficácia, devolvendo-se toda a matéria ao Tribunal para reanálise da
pretensão inicial, com o escopo de conceder a tutela mais efetiva em prol
da moralidade administrativa.
3. Interpretando-se a contrario sensu os artigos 935 do Código Civil e 66
do Código de Processo Penal, pode-se concluir que apenas quando o Juízo
penal, categoricamente, reconhece a inexistência dos fatos imputados ou a
ausência de autoria ou participação do réu é que haverá repercussão
na esfera cível.
4. Nada obsta que os mesmos fatos analisados na seara penal sejam reconhecidos
como atos de improbidade administrativa, especialmente porque o mero
atentado aos princípios da Administração Pública já é suficiente para
configurá-los, sendo dispensável a efetiva violação dos bens jurídicos
tutelados pela normal penal.
5. É plenamente possível a utilização de prova emprestada em ação civil
de improbidade administrativa, desde que assegurados o contraditório e a ampla
defesa no processo em que utilizados, conforme ocorrido no presente caso.
6. Extrai-se do acervo probatório que, entre os meses de novembro e dezembro
de 2003, o réu, Agente de Polícia Federal, responsável pelo controle
migratório no Aeroporto Internacional de Guarulhos/SP, aceitou vantagens
indevidas consistentes em dinheiro para retardar e omitir atos de ofício.
7. O réu, na condição de agente de Polícia Federal, em razão de seu cargo
e de suas atribuições, propiciou o uso de documentos públicos falsos por
cidadãos chineses, consistentes em passaportes falsos, possibilitando o
embarque deles em voo com destino aos Estados Unidos da América, e escala
em Santiago/Chile.
8. Visando não ser identificado, o agente policial fraudou o carimbo utilizado
para estampar as marcas do controle de imigração nas folhas dos passaportes,
com a exclusão de seu número de identificação funcional.
9. Ainda que não tenha havido o efetivo recebimento de vantagem, ao aceitar
a promessa de tal vantagem, conforme restou demonstrado, o requerido praticou
ato de improbidade que importou em enriquecimento ilícito, incorrendo no
ato descrito no inciso V, do artigo 9° e no inciso II, do artigo 11, ambos
da LIA.
10. Durante as investigações criminais, no cumprimento de mandado de busca e
apreensão, policiais federais encontraram, na residência do réu, uma arma
de fogo não registrada, cujo fato, além de ser tipificado como crime do
artigo 12 da Lei n° 10.826/03, configura ato de improbidade administrativa
que viola os princípios da Administração Pública, previsto no artigo 11
da LIA, especialmente os deveres de honestidade e legalidade.
11. Quanto ao elemento subjetivo, para a configuração dos atos de improbidade
previstos nos artigos 9° e 11 da LIA se exige o dolo, o qual, contudo,
não precisa ser específico, bastando ser genérico.
12. As provas indicam que o réu agiu efetivamente com dolo, pois, de maneira
livre e consciente sabia da falsidade dos passaportes, tendo deixado três
cidadãos chineses embarcarem irregularmente em voo internacional, até
que adulterou o carimbo aposto nos aludidos documentos de modo a não ser
identificado.
13. Na condição de agente policial, não há dúvidas de que tinha plena
ciência sobre a necessidade de certificado de registro de todas as armas
de fogo porventura em seu poder, ainda que no interior de sua residência,
sob pena de cometimento de crime tipificado no Estatuto do Desarmamento.
14. Embora o artigo 12 da LIA estabeleça várias sanções, as quais
variam em grau e espécie conforme o ato de improbidade administrativa
incorrido pelo réu, cabe ao juiz eleger quais serão aplicadas ao agente,
podendo fixá-las de maneira cumulativa ou isolada, à luz dos princípios
da razoabilidade e proporcionalidade.
15. Perda da função pública, suspensão dos direitos políticos e
proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou
incentivos fiscais ou creditícios são sanções proporcionais e razoáveis ao
caso em tela, em face da alta periculosidade do réu e da acentuada gravidade
concreta de suas condutas.
16. A suspensão dos direitos políticos e proibição de contratar com o
Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios
devem ser fixadas em 8 (oito) anos e 10 (dez) anos, respectivamente.
17. Revela-se adequada para reprimir e prevenir a prática de atos de
improbidade administrativa, fixar a sanção de multa civil no valor de
vinte vezes o valor da última remuneração recebida quando do exercício
do cargo de Agente de Polícia Federal.
18. Em relação à condenação à compensação de dano moral coletivo,
não se vislumbra que as condutas ímprobas praticadas pelo réu causaram
significativa repulsa social ou desprestígio à Polícia Federal a ponto
de prejudicar a prestação de serviços públicos.
19. Afastamento da condenação ao pagamento de honorários advocatícios,
em homenagem ao princípio da simetria, embora o polo ativo tenha sidos
composto também pela União, nos termos do artigo 18 da Lei n° 7.347/85.
20. Em face da redação do artigo 20, parágrafo único, da LIA prever que
a medida cautelar de afastamento do exercício do cargo é possível desde
que não haja prejuízo da remuneração, de rigor excluir a condenação
à devolução, mormente porque o caput do referido dispositivo determina
que a perda do cargo somente se efetiva com o trânsito em julgado.
21. Remessa necessária, tida por interposta, e apelações do Ministério
Público Federal, da União e do réu parcialmente providas.
Ementa
ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. REMESSA NECESSÁRIA TIDA POR INTERPOSTA E
APELAÇÕES EM AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. ATOS DE ENRIQUECIMENTO
ILÍCITO E VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS ADMINISTRATIVOS. ACEITAÇÃO DE
VANTAGEM INDEVIDA PARA TOLERAR ATIVIDADE ILÍCITA. POSSE IRREGULAR DE ARMA
DE FOGO. AGENTE DE POLÍCIA FEDERAL. GRAVIDADE DAS CONDUTAS.
1. Remessa oficial conhecida, uma vez que o artigo 19 da Lei nº 4.717/65
(Lei de Ação Popular) deve ser aplicado, por analogia, às ações de
improbidade administrativa, ainda que julgados parcialmente procedentes os
pedidos iniciais.
2. Ainda que julgados parcialmente procedentes os pedidos iniciais, a
sentença deve ser submetida ao reexame necessário para ser dotada de
eficácia, devolvendo-se toda a matéria ao Tribunal para reanálise da
pretensão inicial, com o escopo de conceder a tutela mais efetiva em prol
da moralidade administrativa.
3. Interpretando-se a contrario sensu os artigos 935 do Código Civil e 66
do Código de Processo Penal, pode-se concluir que apenas quando o Juízo
penal, categoricamente, reconhece a inexistência dos fatos imputados ou a
ausência de autoria ou participação do réu é que haverá repercussão
na esfera cível.
4. Nada obsta que os mesmos fatos analisados na seara penal sejam reconhecidos
como atos de improbidade administrativa, especialmente porque o mero
atentado aos princípios da Administração Pública já é suficiente para
configurá-los, sendo dispensável a efetiva violação dos bens jurídicos
tutelados pela normal penal.
5. É plenamente possível a utilização de prova emprestada em ação civil
de improbidade administrativa, desde que assegurados o contraditório e a ampla
defesa no processo em que utilizados, conforme ocorrido no presente caso.
6. Extrai-se do acervo probatório que, entre os meses de novembro e dezembro
de 2003, o réu, Agente de Polícia Federal, responsável pelo controle
migratório no Aeroporto Internacional de Guarulhos/SP, aceitou vantagens
indevidas consistentes em dinheiro para retardar e omitir atos de ofício.
7. O réu, na condição de agente de Polícia Federal, em razão de seu cargo
e de suas atribuições, propiciou o uso de documentos públicos falsos por
cidadãos chineses, consistentes em passaportes falsos, possibilitando o
embarque deles em voo com destino aos Estados Unidos da América, e escala
em Santiago/Chile.
8. Visando não ser identificado, o agente policial fraudou o carimbo utilizado
para estampar as marcas do controle de imigração nas folhas dos passaportes,
com a exclusão de seu número de identificação funcional.
9. Ainda que não tenha havido o efetivo recebimento de vantagem, ao aceitar
a promessa de tal vantagem, conforme restou demonstrado, o requerido praticou
ato de improbidade que importou em enriquecimento ilícito, incorrendo no
ato descrito no inciso V, do artigo 9° e no inciso II, do artigo 11, ambos
da LIA.
10. Durante as investigações criminais, no cumprimento de mandado de busca e
apreensão, policiais federais encontraram, na residência do réu, uma arma
de fogo não registrada, cujo fato, além de ser tipificado como crime do
artigo 12 da Lei n° 10.826/03, configura ato de improbidade administrativa
que viola os princípios da Administração Pública, previsto no artigo 11
da LIA, especialmente os deveres de honestidade e legalidade.
11. Quanto ao elemento subjetivo, para a configuração dos atos de improbidade
previstos nos artigos 9° e 11 da LIA se exige o dolo, o qual, contudo,
não precisa ser específico, bastando ser genérico.
12. As provas indicam que o réu agiu efetivamente com dolo, pois, de maneira
livre e consciente sabia da falsidade dos passaportes, tendo deixado três
cidadãos chineses embarcarem irregularmente em voo internacional, até
que adulterou o carimbo aposto nos aludidos documentos de modo a não ser
identificado.
13. Na condição de agente policial, não há dúvidas de que tinha plena
ciência sobre a necessidade de certificado de registro de todas as armas
de fogo porventura em seu poder, ainda que no interior de sua residência,
sob pena de cometimento de crime tipificado no Estatuto do Desarmamento.
14. Embora o artigo 12 da LIA estabeleça várias sanções, as quais
variam em grau e espécie conforme o ato de improbidade administrativa
incorrido pelo réu, cabe ao juiz eleger quais serão aplicadas ao agente,
podendo fixá-las de maneira cumulativa ou isolada, à luz dos princípios
da razoabilidade e proporcionalidade.
15. Perda da função pública, suspensão dos direitos políticos e
proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou
incentivos fiscais ou creditícios são sanções proporcionais e razoáveis ao
caso em tela, em face da alta periculosidade do réu e da acentuada gravidade
concreta de suas condutas.
16. A suspensão dos direitos políticos e proibição de contratar com o
Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios
devem ser fixadas em 8 (oito) anos e 10 (dez) anos, respectivamente.
17. Revela-se adequada para reprimir e prevenir a prática de atos de
improbidade administrativa, fixar a sanção de multa civil no valor de
vinte vezes o valor da última remuneração recebida quando do exercício
do cargo de Agente de Polícia Federal.
18. Em relação à condenação à compensação de dano moral coletivo,
não se vislumbra que as condutas ímprobas praticadas pelo réu causaram
significativa repulsa social ou desprestígio à Polícia Federal a ponto
de prejudicar a prestação de serviços públicos.
19. Afastamento da condenação ao pagamento de honorários advocatícios,
em homenagem ao princípio da simetria, embora o polo ativo tenha sidos
composto também pela União, nos termos do artigo 18 da Lei n° 7.347/85.
20. Em face da redação do artigo 20, parágrafo único, da LIA prever que
a medida cautelar de afastamento do exercício do cargo é possível desde
que não haja prejuízo da remuneração, de rigor excluir a condenação
à devolução, mormente porque o caput do referido dispositivo determina
que a perda do cargo somente se efetiva com o trânsito em julgado.
21. Remessa necessária, tida por interposta, e apelações do Ministério
Público Federal, da União e do réu parcialmente providas.Decisão
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide
a Egrégia Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região,
por unanimidade, dar parcial provimento à remessa necessária, tida por
interposta, e às apelações do Ministério Público Federal, da União e
do réu, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante
do presente julgado.
Data do Julgamento
:
04/04/2018
Data da Publicação
:
11/04/2018
Classe/Assunto
:
Ap - APELAÇÃO CÍVEL - 2044809
Órgão Julgador
:
TERCEIRA TURMA
Relator(a)
:
DESEMBARGADOR FEDERAL ANTONIO CEDENHO
Comarca
:
TRIBUNAL - TERCEIRA REGIÃO
Tipo
:
Acórdão
Indexação
:
VIDE EMENTA.
Referência
legislativa
:
***** LAP-65 LEI DE AÇÃO POPULAR
LEG-FED LEI-4717 ANO-1965 ART-19
***** CC-02 CÓDIGO CIVIL DE 2002
LEG-FED LEI-10406 ANO-2002 ART-935
***** CPP-41 CÓDIGO DE PROCESSO PENAL
LEG-FED DEL-3689 ANO-1941 ART-66
***** LIA-92 LEI DA IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA
LEG-FED LEI-8429 ANO-1992 ART-9 INC-5 ART-11 INC-2 ART-20 PAR-ÚNICO
***** ED-2003 ESTATUTO DO DESARMAMENTO
LEG-FED LEI-10826 ANO-2003 ART-12
***** LACP-85 LEI DE AÇÃO CIVIL PÚBLICA
LEG-FED LEI-7347 ANO-1985 ART-18
PROC:AP 0005237-49.2007.4.03.6111/SP ÓRGÃO:QUARTA TURMA
JUIZ:DESEMBARGADORA FEDERAL MARLI FERREIRA
AUD:22/11/2017
DATA:06/03/2018 PG:
Fonte da publicação
:
e-DJF3 Judicial 1 DATA:11/04/2018
..FONTE_REPUBLICACAO:
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