TRF3 0006079-55.2004.4.03.6104 00060795520044036104
DIREITO ADMINISTRATIVO, CONSTITUCIONAL, CIVIL E PROCESSUAL
CIVIL. INTERVENÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. NÃO CONFIGURAÇÃO
DA HIPÓTESE LEGAL. AUTORES. ALCANCE DA MAIORIDADE. NULIDADE DO
PROCESSO. NECESSIDADE DE FORMAÇÃO DE LITISCONSÓRCIO PASSIVO
NECESSÁRIO. NÃO CONFIGURAÇÃO. ALEGAÇÃO EM TESE. NÃO
COMPROVAÇÃO. PRESCRIÇÃO DO FUNDO DE DIREITO E DAS PARCELAS DE
TRATO SUCESSIVO. NÃO OCORRÊNCIA. DECRETO 20.910/32. REQUERIMENTO
ADMINISTRATIVO. SUSPENSÃO DO PRAZO PRESCRICIONAL. INCAPAZ. MENOR DE DEZESSEIS
ANOS. NÃO FLUÊNCIA DO PRAZO DE PRESCRIÇÃO. CÓDIGO CIVIL DE 1916. PENSÃO
POR MORTE. SERVIDOR PÚBLICO FEDERAL. ARTIGO 217 (REDAÇÃO ORIGINAL)
DA LEI Nº 8.112/90. COMPROVAÇÃO DA UNIÃO ESTÁVEL ENTRE COMPANHEIRA E
SERVIDOR FALECIDO. AUSÊNCIA DE DESIGNAÇÃO EXPRESSA DA COMPANHEIRA JUNTO
AO ASSENTO FUNCIONAL. DESNECESSIDADE. FILHOS DA COMPANHEIRA. QUALIDADE DE
ENTEADO. CONCEITO. CARACTERIZAÇÃO. CONDENAÇÃO DA UNIÃO FEDERAL AO
PAGAMENTO DE CUSTAS PROCESSUAIS AFASTADA. PARTE AUTORA BENEFICIÁRIA DA
JUSTIÇA GRATUITA.
1. Consigna-se a desnecessidade de intervenção do Ministério Público
Federal nestes autos, haja vista que não configurada a hipótese legal,
considerando que os autores Roney e Rodrigo já atingiram a maioridade.
2. A alegação quanto à necessidade de formação de litisconsórcio
passivo necessário com os demais filhos do de cujus - requisito que não
teria sido observado pelos demandantes - restou lançada de forma totalmente
especulativa e deduzida apenas em tese, de forma temerária. Nada nos autos
aponta na direção de que algum dos outros filhos do de cujus possam ser
inválidos, de molde a ostentar o direito à pensão por morte em razão
dessa incapacidade.
3. Não se está a exigir da União prova impossível, já que ostenta
condição de investigação na seara administrativa junto ao órgão de
origem do servidor falecido, no qual poderia empreender ampla incursão,
a fim de colher dados atinentes a uma suposta incapacidade de outros filhos
do de cujus, o que justificaria a alardeada necessidade de formação de
litisconsórcio passivo necessário.
4. A prescrição é regida, no caso concreto, pelo disposto no Decreto nº
20.910/32 (cinco anos).
5. O autor Rodrigo contava 9 anos de idade por ocasião do óbito do
instituidor da pensão, momento que deve ser tomado como termo inicial para
a contagem do prazo prescricional (actio nata). Assim, o referido demandante
era menor de dezesseis anos e, portanto, absolutamente incapaz (na dicção
do Código Civil de 1916, artigo 5º, inciso I, vigente à época), razão por
que não corria contra ele a prescrição (artigo 169, inciso I do CC/1916).
6. Trata-se de hipótese de suspensão da prescrição, que no caso concreto
sequer se inicia, ao menos não enquanto o menor não complete os dezesseis
anos (termo fixado na norma). Tendo a ação sido proposta antes disso,
não se cogita da ocorrência de prescrição no tocante ao autor Rodrigo.
7. Ao tempo do falecimento do instituidor do benefício pretendido, a
postulante Eliana já era maior; o autor Roney, por sua vez, conquanto
não tivesse atingido a maioridade nessa ocasião, já contava dezesseis
anos completos, não se colhendo notícia nos autos de outras causas de
suspensão do curso da prescrição, que começou a correr, então, de forma
inexorável, desde o evento morte (a partir de quando nasce o direito de
reclamar a pensão pleiteada nestes autos).
8. "A jurisprudência do STJ é no sentido de que a prescrição atinge
o próprio fundo de direito quando transcorridos mais de 5 (cinco) anos
entre a morte do instituidor (servidor público estadual) e o ajuizamento da
ação em que se postula o reconhecimento do benefício da pensão por morte"
(AgRg no REsp 1508984, Relator Ministro Herman Benjamin).
9. A parte autora atravessou, na esfera administrativa, pedido de pagamento
do benefício pleiteado, o que tem o condão de suspender a fluência do prazo
prescricional, nos termos do disposto no artigo 4º do Decreto nº 20.910/32.
10. Dada a suspensão da prescrição verificada na espécie (de quase
um ano - interregno para conclusão da análise do pedido administrativo)
e considerada a data do ajuizamento da ação, não restou configurada a
prescrição, quer do fundo de direito, quer das parcelas de trato sucessivo.
11. O artigo 217 da Lei nº 8.112/90, em sua redação original - vigente
ao tempo do óbito do instituidor e, ipso facto, legislação aplicável
à espécie - dispõe sobre os requisitos para a concessão do benefício
de pensão por morte de servidor público: comprovação de união estável
(para a companheira) e da qualidade de enteado até 21 anos.
12. Os documentos carreados aos autos demonstram a união estável mantida
entre a autora Eliana e o instituidor da pensão. O fato de não constar
como companheira expressamente "designada" no assento funcional do servidor
falecido não lhe retira o direito à percepção do benefício, desde que
comprovada a situação fática que a credencia ao recebimento da pensão,
o que se encontra atendido na espécie. Precedente do C. STJ (REsp 236980,
Relator Ministro Edson Vidigal).
13. Os autores Rodrigo e Roney comprovam a qualidade de filhos da demandante
Eliana e, por consequência, demonstram a condição de enteados do servidor
falecido, que manifestou expressamente tal desejo, conforme as documentos
acostados ao feito. Não se há de exigir, igualmente, a prévia designação
expressa de tais menores no registro funcional do servidor, já que comprovado
o relacionamento que os unia ao instituidor da pensão.
14. Há de ser refutada a alegação de que a qualidade de "enteado" deflui
estritamente do vínculo estabelecido entre o filho de casamento anterior
com relação ao cônjuge atual de sua mãe, de modo que, não preenchida
rigorosamente a hipótese jurídica prescrita, não se teria a figura do
enteado e, portanto, indevido o benefício perseguido.
15. Essa visão não mais se sustenta depois do advento da Constituição
de 88, que irrompe no ordenamento jurídico trazendo todo um novo plexo de
direitos no âmbito do Direito de Família, legitimando formas familiares
antes não reconhecidas pela sociedade, embora amplamente praticadas.
16. A Constituição cidadã pretendeu inaugurar na seara da família
relações mais igualitárias e humanizadas, negando-se a virar as costas
à realidade que imprimia profundas mudanças na velha sociedade, mas antes
acolhendo-as e normatizando os efeitos jurídicos daí decorrentes. Tanto assim
que, exempli gratia, vedou o tratamento discriminatório e sexista que impunha
a prevalência da vontade do homem sobre a da mulher na sociedade conjugal
(artigo 226, § 5), bem assim afastou o odioso comportamento segregador
em relação aos filhos havidos das diferentes relações mantidas por
seus genitores com terceiros, que tinha por consequência, muitas vezes,
a marginalização de parte da prole e o estabelecimento de uma gradação
indevida de direitos em variegadas proporções e matizes entre os diferentes
descendentes, conforme o filho fosse mais ou menos "legítimo" (concebido no
berço do casamento ou produto de relação "concubinária" ou aleatória e
errante fora do matrimônio), como se simplesmente filhos todos não fossem
perante os seus genitores e aos olhos de Deus (artigo 227, § 6º).
17. Aos autores foram concedidos os benefícios da Justiça Gratuita, de
modo que não se justifica a condenação da União ao pagamento de custas
processuais, já que não as deve a título próprio, sequer em forma de
reembolso à parte adversa, uma vez que esta não as despendeu.
18. Apelação a que se nega provimento. Remessa oficial parcialmente provida.
Ementa
DIREITO ADMINISTRATIVO, CONSTITUCIONAL, CIVIL E PROCESSUAL
CIVIL. INTERVENÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. NÃO CONFIGURAÇÃO
DA HIPÓTESE LEGAL. AUTORES. ALCANCE DA MAIORIDADE. NULIDADE DO
PROCESSO. NECESSIDADE DE FORMAÇÃO DE LITISCONSÓRCIO PASSIVO
NECESSÁRIO. NÃO CONFIGURAÇÃO. ALEGAÇÃO EM TESE. NÃO
COMPROVAÇÃO. PRESCRIÇÃO DO FUNDO DE DIREITO E DAS PARCELAS DE
TRATO SUCESSIVO. NÃO OCORRÊNCIA. DECRETO 20.910/32. REQUERIMENTO
ADMINISTRATIVO. SUSPENSÃO DO PRAZO PRESCRICIONAL. INCAPAZ. MENOR DE DEZESSEIS
ANOS. NÃO FLUÊNCIA DO PRAZO DE PRESCRIÇÃO. CÓDIGO CIVIL DE 1916. PENSÃO
POR MORTE. SERVIDOR PÚBLICO FEDERAL. ARTIGO 217 (REDAÇÃO ORIGINAL)
DA LEI Nº 8.112/90. COMPROVAÇÃO DA UNIÃO ESTÁVEL ENTRE COMPANHEIRA E
SERVIDOR FALECIDO. AUSÊNCIA DE DESIGNAÇÃO EXPRESSA DA COMPANHEIRA JUNTO
AO ASSENTO FUNCIONAL. DESNECESSIDADE. FILHOS DA COMPANHEIRA. QUALIDADE DE
ENTEADO. CONCEITO. CARACTERIZAÇÃO. CONDENAÇÃO DA UNIÃO FEDERAL AO
PAGAMENTO DE CUSTAS PROCESSUAIS AFASTADA. PARTE AUTORA BENEFICIÁRIA DA
JUSTIÇA GRATUITA.
1. Consigna-se a desnecessidade de intervenção do Ministério Público
Federal nestes autos, haja vista que não configurada a hipótese legal,
considerando que os autores Roney e Rodrigo já atingiram a maioridade.
2. A alegação quanto à necessidade de formação de litisconsórcio
passivo necessário com os demais filhos do de cujus - requisito que não
teria sido observado pelos demandantes - restou lançada de forma totalmente
especulativa e deduzida apenas em tese, de forma temerária. Nada nos autos
aponta na direção de que algum dos outros filhos do de cujus possam ser
inválidos, de molde a ostentar o direito à pensão por morte em razão
dessa incapacidade.
3. Não se está a exigir da União prova impossível, já que ostenta
condição de investigação na seara administrativa junto ao órgão de
origem do servidor falecido, no qual poderia empreender ampla incursão,
a fim de colher dados atinentes a uma suposta incapacidade de outros filhos
do de cujus, o que justificaria a alardeada necessidade de formação de
litisconsórcio passivo necessário.
4. A prescrição é regida, no caso concreto, pelo disposto no Decreto nº
20.910/32 (cinco anos).
5. O autor Rodrigo contava 9 anos de idade por ocasião do óbito do
instituidor da pensão, momento que deve ser tomado como termo inicial para
a contagem do prazo prescricional (actio nata). Assim, o referido demandante
era menor de dezesseis anos e, portanto, absolutamente incapaz (na dicção
do Código Civil de 1916, artigo 5º, inciso I, vigente à época), razão por
que não corria contra ele a prescrição (artigo 169, inciso I do CC/1916).
6. Trata-se de hipótese de suspensão da prescrição, que no caso concreto
sequer se inicia, ao menos não enquanto o menor não complete os dezesseis
anos (termo fixado na norma). Tendo a ação sido proposta antes disso,
não se cogita da ocorrência de prescrição no tocante ao autor Rodrigo.
7. Ao tempo do falecimento do instituidor do benefício pretendido, a
postulante Eliana já era maior; o autor Roney, por sua vez, conquanto
não tivesse atingido a maioridade nessa ocasião, já contava dezesseis
anos completos, não se colhendo notícia nos autos de outras causas de
suspensão do curso da prescrição, que começou a correr, então, de forma
inexorável, desde o evento morte (a partir de quando nasce o direito de
reclamar a pensão pleiteada nestes autos).
8. "A jurisprudência do STJ é no sentido de que a prescrição atinge
o próprio fundo de direito quando transcorridos mais de 5 (cinco) anos
entre a morte do instituidor (servidor público estadual) e o ajuizamento da
ação em que se postula o reconhecimento do benefício da pensão por morte"
(AgRg no REsp 1508984, Relator Ministro Herman Benjamin).
9. A parte autora atravessou, na esfera administrativa, pedido de pagamento
do benefício pleiteado, o que tem o condão de suspender a fluência do prazo
prescricional, nos termos do disposto no artigo 4º do Decreto nº 20.910/32.
10. Dada a suspensão da prescrição verificada na espécie (de quase
um ano - interregno para conclusão da análise do pedido administrativo)
e considerada a data do ajuizamento da ação, não restou configurada a
prescrição, quer do fundo de direito, quer das parcelas de trato sucessivo.
11. O artigo 217 da Lei nº 8.112/90, em sua redação original - vigente
ao tempo do óbito do instituidor e, ipso facto, legislação aplicável
à espécie - dispõe sobre os requisitos para a concessão do benefício
de pensão por morte de servidor público: comprovação de união estável
(para a companheira) e da qualidade de enteado até 21 anos.
12. Os documentos carreados aos autos demonstram a união estável mantida
entre a autora Eliana e o instituidor da pensão. O fato de não constar
como companheira expressamente "designada" no assento funcional do servidor
falecido não lhe retira o direito à percepção do benefício, desde que
comprovada a situação fática que a credencia ao recebimento da pensão,
o que se encontra atendido na espécie. Precedente do C. STJ (REsp 236980,
Relator Ministro Edson Vidigal).
13. Os autores Rodrigo e Roney comprovam a qualidade de filhos da demandante
Eliana e, por consequência, demonstram a condição de enteados do servidor
falecido, que manifestou expressamente tal desejo, conforme as documentos
acostados ao feito. Não se há de exigir, igualmente, a prévia designação
expressa de tais menores no registro funcional do servidor, já que comprovado
o relacionamento que os unia ao instituidor da pensão.
14. Há de ser refutada a alegação de que a qualidade de "enteado" deflui
estritamente do vínculo estabelecido entre o filho de casamento anterior
com relação ao cônjuge atual de sua mãe, de modo que, não preenchida
rigorosamente a hipótese jurídica prescrita, não se teria a figura do
enteado e, portanto, indevido o benefício perseguido.
15. Essa visão não mais se sustenta depois do advento da Constituição
de 88, que irrompe no ordenamento jurídico trazendo todo um novo plexo de
direitos no âmbito do Direito de Família, legitimando formas familiares
antes não reconhecidas pela sociedade, embora amplamente praticadas.
16. A Constituição cidadã pretendeu inaugurar na seara da família
relações mais igualitárias e humanizadas, negando-se a virar as costas
à realidade que imprimia profundas mudanças na velha sociedade, mas antes
acolhendo-as e normatizando os efeitos jurídicos daí decorrentes. Tanto assim
que, exempli gratia, vedou o tratamento discriminatório e sexista que impunha
a prevalência da vontade do homem sobre a da mulher na sociedade conjugal
(artigo 226, § 5), bem assim afastou o odioso comportamento segregador
em relação aos filhos havidos das diferentes relações mantidas por
seus genitores com terceiros, que tinha por consequência, muitas vezes,
a marginalização de parte da prole e o estabelecimento de uma gradação
indevida de direitos em variegadas proporções e matizes entre os diferentes
descendentes, conforme o filho fosse mais ou menos "legítimo" (concebido no
berço do casamento ou produto de relação "concubinária" ou aleatória e
errante fora do matrimônio), como se simplesmente filhos todos não fossem
perante os seus genitores e aos olhos de Deus (artigo 227, § 6º).
17. Aos autores foram concedidos os benefícios da Justiça Gratuita, de
modo que não se justifica a condenação da União ao pagamento de custas
processuais, já que não as deve a título próprio, sequer em forma de
reembolso à parte adversa, uma vez que esta não as despendeu.
18. Apelação a que se nega provimento. Remessa oficial parcialmente provida.Decisão
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide
a Egrégia Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região,
por unanimidade, negar provimento à apelação e dar parcial provimento
à remessa oficial, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte
integrante do presente julgado.
Data do Julgamento
:
19/07/2016
Data da Publicação
:
27/07/2016
Classe/Assunto
:
ApReeNec - APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA - 1267071
Órgão Julgador
:
PRIMEIRA TURMA
Relator(a)
:
DESEMBARGADOR FEDERAL WILSON ZAUHY
Comarca
:
TRIBUNAL - TERCEIRA REGIÃO
Tipo
:
Acórdão
Referência
legislativa
:
LEG-FED DEC-20910 ANO-1932 ART-4
***** RJU-90 REGIME JURÍDICO DOS SERVIDORES PÚBLICOS CIVIS DA UNIÃO
LEG-FED LEI-8112 ANO-1990 ART-217
***** CC-16 CÓDIGO CIVIL DE 1916
LEG-FED LEI-3071 ANO-1916 ART-5 INC-1 ART-169 INC-1
***** CF-1988 CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988
LEG-FED ANO-1988 ART-226 PAR-5 ART-227 PAR-6
Fonte da publicação
:
e-DJF3 Judicial 1 DATA:27/07/2016
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