TRF3 0006094-14.2015.4.03.6112 00060941420154036112
PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. TRÁFICO INTERNACIONAL DE
ARMAS. ART. 18 C.C. O ART. 19 DA LEI Nº 10.826/03. ERRO DE
PROIBIÇÃO INESCUSÁVEL. DOLO CONFIGURADO. DESCLASSIFICAÇÃO PARA
O CRIME DE CONTRABANDO. DESCABIMENTO. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA
ESPECIALIDADE. DOSIMETRIA. PENA-BASE REDUZIDA. REGIME SEMIABERTO MANTIDO. PERDA
DE BENS EM FAVOR DA UNIÃO. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.
1. A materialidade dos delitos não foi objeto de recurso e restou demonstrada
pelos seguintes documentos: Auto de Apresentação e Apreensão; Laudo Pericial
Merceológico; Auto de Infração e Termo de Apreensão e Guarda Fiscal,
os quais denotam a apreensão de grande quantidade de acessórios para arma
de fogo, consubstanciados em dispositivos ópticos de pontaria - lunetas
para acoplagem em armas de fogo - algumas de uso restrito, aptos para uso.
2. A autoria delitiva restou comprovada pelo conjunto probatório produzido
nos autos formado pelo Auto de Prisão em Flagrante; pelo depoimento das
testemunhas e pelo interrogatório judicial do recorrente, que confirmou
internalizar mercadorias lícitas provenientes do Paraguai como forma de
incremento da renda familiar.
3. Do erro de proibição. O conjunto probatório evidencia que o recorrente
tinha pleno conhecimento sobre a ilicitude de seus atos. Contudo, à míngua
de recurso da acusação, fica mantida a aplicação do erro de proibição
inescusável, nos termos da sentença.
4. No tocante à desclassificação do crime previsto no artigo 18 da Lei
nº 10.826/2003 para o crime de contrabando, previsto no artigo 334-A do
Código Penal, a conduta prevista no crime de tráfico internacional de
arma de fogo é crime especial em relação ao contrabando, razão pela
qual descabe a sua desclassificação, em observância à aplicação do
princípio da especialidade.
5. Da dosimetria da pena. Com base no artigo 59 do Código Penal, a
culpabilidade, entendida como intensidade do dolo (STF, RHC n. 116169,
j. 18.6.2013, rel. Min. Gilmar Mendes), desborda dos limites do tipo, tendo
em vista a quantidade de artefatos apreendidos (207 lunetas para armas
de longo alcance). No que se refere à personalidade, também operou com
acerto o magistrado sentenciante ao considerar a ganância do acusado como
atributo pessoal que deve ser sopesado negativamente na dosimetria. No mais,
não há nada a ponderar quanto às demais circunstâncias delitivas.
6. Contudo, ainda que não seja o caso de fixar a pena-base no mínimo legal,
tendo em vista inexistir demais circunstâncias judiciais desfavoráveis ao
réu, de se concluir razoável a aplicação da fração de 1/5 (um quinto),
ao invés de ¼ (um quarto) como constou na sentença, do que resulta a
pena-base estabelecida em 4 (quatro) anos, 9 (nove) meses e 18 (dezoito)
dias de reclusão.
7. Na segunda fase da dosimetria da pena, presente a atenuante de confissão
(art. 65, III, "d", CP). Mantida a redução da pena no fator de 1/6 (um sexto)
fixado na sentença, redimensionando a pena intermediária para 4 (quatro)
anos de reclusão. Não há circunstâncias agravantes a serem sopesadas.
8. Quanto à terceira fase da dosimetria, mantida a aplicação da causa
de aumento do artigo 19, da Lei nº 10.826/03, uma vez que de acordo
com o Laudo de Perícia Criminal Federal nº 268/2015, vários artefatos
apreendidos são de uso restrito, fazendo incidir, por conseguinte, a causa
de aumento. Mantida a elevação da pena em ½ (metade). Por fim, à míngua
de recurso ministerial, mantido o reconhecimento do erro de proibição
inescusável, reduzindo a pena do réu no patamar de 1/3 (um terço).
9. Pena definitiva do réu redimensionada para 4 (anos) de reclusão.
10. Com esteio nos mesmos parâmetros acima, em conformidade com o sistema
trifásico, a pena de multa definitiva fica redimensionada em 10 (dez)
dias-multa.
11. Quanto ao valor do dia-multa, o montante fixado na sentença (R$ 200,00)
fica reduzido para o valor unitário de 1/30 (um trigésimo) sobre o salário
mínimo vigente à época dos fatos, uma vez que o réu percebe cerca de R$
3.000,00 (três mil reais) mensais.
12. A existência de circunstâncias judiciais desfavoráveis reconhecidas pela
sentença para fins de majoração da reprimenda corporal veda a substituição
da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, nos moldes do artigo
44, inciso III, do Código penal e justifica o cumprimento da sanção corporal
em regime inicial semiaberto, na forma do artigo 33, §3º, daquele código.
13. Do pleito de revogação do perdimento do veículo apreendido nos autos. A
apreensão de bens no processo penal é medida que preserva os bens tidos como
produto ou instrumento do crime, retirando-os da esfera de disponibilidade
do suposto agente até que seja ultimada a pretensão acusatória.
14. In casu, o apelante não logrou êxito em comprovar que o veículo
apreendido nos autos, no valor de R$ 100.000,00 (cem mil reais) teria sido
adquirido de forma lícita. Na pasta extratos e holerites são vistos 8 (oito)
arquivos contendo extratos bancários do denunciado, com descrição de aportes
e remessas financeiras entre R$ 60.000,00 (sessenta mil reais) e R$ 100.000,00
(cem mil reais), evidenciando grande desproporção entre os rendimentos
auferidos pelo réu, que é educador e químico, percebendo por volta de R$
3.000,00 (três mil reais) mensais e sua movimentação financeira.
16. Pena de perdimento do automóvel apreendido nos autos mantida, com
fundamento no artigo 91, inciso II, alínea "b", do Código Penal.
17. Pedido da Associação Protetora dos Animais Silvestres de Assis,
requerendo a cessão, a título de permissão de uso, do veículo Toyota
Hilux, deferido.
18. Da inabilitação para dirigir veículos. Em razão da prática de crime
doloso mediante a utilização de veículo automotor, é cabível a aplicação
do efeito da condenação previsto no artigo 92, inciso III, do Código penal,
consistente na inabilitação para dirigir veículo, a fim de desestimular
a reiteração delitiva, ao privar o agente de importante instrumento para
o transporte ilícito de mercadorias. Pena acessória mantida.
19. Apelação da defesa a que se dá parcial provimento.
Ementa
PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. TRÁFICO INTERNACIONAL DE
ARMAS. ART. 18 C.C. O ART. 19 DA LEI Nº 10.826/03. ERRO DE
PROIBIÇÃO INESCUSÁVEL. DOLO CONFIGURADO. DESCLASSIFICAÇÃO PARA
O CRIME DE CONTRABANDO. DESCABIMENTO. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA
ESPECIALIDADE. DOSIMETRIA. PENA-BASE REDUZIDA. REGIME SEMIABERTO MANTIDO. PERDA
DE BENS EM FAVOR DA UNIÃO. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.
1. A materialidade dos delitos não foi objeto de recurso e restou demonstrada
pelos seguintes documentos: Auto de Apresentação e Apreensão; Laudo Pericial
Merceológico; Auto de Infração e Termo de Apreensão e Guarda Fiscal,
os quais denotam a apreensão de grande quantidade de acessórios para arma
de fogo, consubstanciados em dispositivos ópticos de pontaria - lunetas
para acoplagem em armas de fogo - algumas de uso restrito, aptos para uso.
2. A autoria delitiva restou comprovada pelo conjunto probatório produzido
nos autos formado pelo Auto de Prisão em Flagrante; pelo depoimento das
testemunhas e pelo interrogatório judicial do recorrente, que confirmou
internalizar mercadorias lícitas provenientes do Paraguai como forma de
incremento da renda familiar.
3. Do erro de proibição. O conjunto probatório evidencia que o recorrente
tinha pleno conhecimento sobre a ilicitude de seus atos. Contudo, à míngua
de recurso da acusação, fica mantida a aplicação do erro de proibição
inescusável, nos termos da sentença.
4. No tocante à desclassificação do crime previsto no artigo 18 da Lei
nº 10.826/2003 para o crime de contrabando, previsto no artigo 334-A do
Código Penal, a conduta prevista no crime de tráfico internacional de
arma de fogo é crime especial em relação ao contrabando, razão pela
qual descabe a sua desclassificação, em observância à aplicação do
princípio da especialidade.
5. Da dosimetria da pena. Com base no artigo 59 do Código Penal, a
culpabilidade, entendida como intensidade do dolo (STF, RHC n. 116169,
j. 18.6.2013, rel. Min. Gilmar Mendes), desborda dos limites do tipo, tendo
em vista a quantidade de artefatos apreendidos (207 lunetas para armas
de longo alcance). No que se refere à personalidade, também operou com
acerto o magistrado sentenciante ao considerar a ganância do acusado como
atributo pessoal que deve ser sopesado negativamente na dosimetria. No mais,
não há nada a ponderar quanto às demais circunstâncias delitivas.
6. Contudo, ainda que não seja o caso de fixar a pena-base no mínimo legal,
tendo em vista inexistir demais circunstâncias judiciais desfavoráveis ao
réu, de se concluir razoável a aplicação da fração de 1/5 (um quinto),
ao invés de ¼ (um quarto) como constou na sentença, do que resulta a
pena-base estabelecida em 4 (quatro) anos, 9 (nove) meses e 18 (dezoito)
dias de reclusão.
7. Na segunda fase da dosimetria da pena, presente a atenuante de confissão
(art. 65, III, "d", CP). Mantida a redução da pena no fator de 1/6 (um sexto)
fixado na sentença, redimensionando a pena intermediária para 4 (quatro)
anos de reclusão. Não há circunstâncias agravantes a serem sopesadas.
8. Quanto à terceira fase da dosimetria, mantida a aplicação da causa
de aumento do artigo 19, da Lei nº 10.826/03, uma vez que de acordo
com o Laudo de Perícia Criminal Federal nº 268/2015, vários artefatos
apreendidos são de uso restrito, fazendo incidir, por conseguinte, a causa
de aumento. Mantida a elevação da pena em ½ (metade). Por fim, à míngua
de recurso ministerial, mantido o reconhecimento do erro de proibição
inescusável, reduzindo a pena do réu no patamar de 1/3 (um terço).
9. Pena definitiva do réu redimensionada para 4 (anos) de reclusão.
10. Com esteio nos mesmos parâmetros acima, em conformidade com o sistema
trifásico, a pena de multa definitiva fica redimensionada em 10 (dez)
dias-multa.
11. Quanto ao valor do dia-multa, o montante fixado na sentença (R$ 200,00)
fica reduzido para o valor unitário de 1/30 (um trigésimo) sobre o salário
mínimo vigente à época dos fatos, uma vez que o réu percebe cerca de R$
3.000,00 (três mil reais) mensais.
12. A existência de circunstâncias judiciais desfavoráveis reconhecidas pela
sentença para fins de majoração da reprimenda corporal veda a substituição
da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, nos moldes do artigo
44, inciso III, do Código penal e justifica o cumprimento da sanção corporal
em regime inicial semiaberto, na forma do artigo 33, §3º, daquele código.
13. Do pleito de revogação do perdimento do veículo apreendido nos autos. A
apreensão de bens no processo penal é medida que preserva os bens tidos como
produto ou instrumento do crime, retirando-os da esfera de disponibilidade
do suposto agente até que seja ultimada a pretensão acusatória.
14. In casu, o apelante não logrou êxito em comprovar que o veículo
apreendido nos autos, no valor de R$ 100.000,00 (cem mil reais) teria sido
adquirido de forma lícita. Na pasta extratos e holerites são vistos 8 (oito)
arquivos contendo extratos bancários do denunciado, com descrição de aportes
e remessas financeiras entre R$ 60.000,00 (sessenta mil reais) e R$ 100.000,00
(cem mil reais), evidenciando grande desproporção entre os rendimentos
auferidos pelo réu, que é educador e químico, percebendo por volta de R$
3.000,00 (três mil reais) mensais e sua movimentação financeira.
16. Pena de perdimento do automóvel apreendido nos autos mantida, com
fundamento no artigo 91, inciso II, alínea "b", do Código Penal.
17. Pedido da Associação Protetora dos Animais Silvestres de Assis,
requerendo a cessão, a título de permissão de uso, do veículo Toyota
Hilux, deferido.
18. Da inabilitação para dirigir veículos. Em razão da prática de crime
doloso mediante a utilização de veículo automotor, é cabível a aplicação
do efeito da condenação previsto no artigo 92, inciso III, do Código penal,
consistente na inabilitação para dirigir veículo, a fim de desestimular
a reiteração delitiva, ao privar o agente de importante instrumento para
o transporte ilícito de mercadorias. Pena acessória mantida.
19. Apelação da defesa a que se dá parcial provimento.Decisão
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide
a Egrégia Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por
unanimidade, dar parcial provimento ao apelo da defesa, a fim de reformar
a pena fixada na sentença para 4 (anos) de reclusão e pagamento de 10
(dez) dias-multa, no valor unitário de 1/30 (um trigésimo) do salário
mínimo fixado à época dos fatos, mantida, quanto ao mais, a r. sentença
recorrida e deferir a cessão de uso do bem apreendido nos autos em favor
da Associação Protetora dos Animais Silvestres de Assis, nos termos do
relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Data do Julgamento
:
21/01/2019
Data da Publicação
:
29/01/2019
Classe/Assunto
:
Ap. - APELAÇÃO CRIMINAL - 66551
Órgão Julgador
:
QUINTA TURMA
Relator(a)
:
JUIZ CONVOCADO SILVIO GEMAQUE
Comarca
:
TRIBUNAL - TERCEIRA REGIÃO
Tipo
:
Acórdão
Referência
legislativa
:
***** ED-2003 ESTATUTO DO DESARMAMENTO
LEG-FED LEI-10826 ANO-2003 ART-18 ART-19
***** CP-40 CÓDIGO PENAL DE 1940
LEG-FED DEL-2848 ANO-1940 ART-334A ART-59 ART-65 INC-3 LET-D ART-44 INC-3
ART-33 PAR-3 ART-91 INC-2 LET-B ART-92 INC-3
Fonte da publicação
:
e-DJF3 Judicial 1 DATA:29/01/2019
..FONTE_REPUBLICACAO:
Mostrar discussão