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Jurisprudência


TRF3 0006187-53.2015.4.03.6119 00061875320154036119

Ementa
PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. APELAÇÕES. UNIÃO. MUNICÍPIO DE GUARULHOS. DIREITO À SAÚDE. SOLIDARIEDADE DOS ENTES FEDERATIVOS. SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO. IMUNODEFICIÊNCIA COMUM VARIÁVEL. IMUNODEFICIÊNCIA PRIMÁRIA. DEFEITO GENÉTICO DO SISTEMA IMUNOLÓGICO. RISCO ALTO DE INFECÇÕES E CONSEQUENTE ÓBITO. MEDICAMENTO DA MARCA TEGELINE. REAÇÕES ALÉRGICAS GRAVES NA AUTORA. IMPOSSIBILIDADE DE MANUTENÇÃO DO TRATAMENTO COM ESSA MARCA. PEDIDO MÉDICO NO SENTIDO DA MUDANÇA. ILEGITIMIDADE DA UNIÃO. RESERVA DO POSSÍVEL. NECESSIDADE DE TRATAMENTO ISONÔMICO. FALTA DE INTERESSE. MEDICAMENTO DE NÃO RESPONSABILIDADE DO MUNICÍPIO. APELAÇÕES DESPROVIDAS. 1. Trata-se de recurso de apelação interposto pela UNIÃO FEDERAL em face de r. sentença de fls. 124/126 que, em autos de ação de obrigação de fazer com pedido de tutela antecipada, julgou procedente o pedido da autora Josefa Aurisnir de Oliveira Souza, nos termos do art. 269, inciso I, do revogado Código de Processo Civil de 1973, vigente à época da decisão, para determinar que os réus, União, Estado de São Paulo e Município de Guarulhos, tomem as providencias cabíveis para o fornecimento, no prazo de 05 dias e a partir daí mensalmente, por meio do SUS, da medicação imunoglobulina humana endovenosa 5,0g/100ml de marca diversa da TEGELINE (7 frascos por mês), confirmando a decisão que concedeu a antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional. Houve a condenação dos réus em honorários advocatícios, fixados sobre o valor da causa. 2. Preliminarmente, sob a alegação de ilegitimidade ad causam da União, sem razão, eis que a Constituição Federal de 1988 determina, em seu art. 196, que o direito fundamental à saúde é dever de todos os entes federativos, respondendo eles de forma solidária pela prestação de tal serviço público. Ou seja, a divisão de tarefas entre os entes federados na promoção, proteção e gestão do sistema de saúde visa tão somete otimizar o serviço, não podendo ser oposta como excludente de responsabilidade do ente, seja ele a União, o Estado ou o Município. 3. Em relação ao mérito, tendo-se em vista que a Carta de 1988, ao constitucionalizar o direito à saúde como direito fundamental, inovou a ordem jurídica nacional, na medida em que nas Constituições anteriores tal direito se restringia à salvaguarda específica de direitos dos trabalhadores, além de disposições sobre regras de competência que não tinham, todavia, o condão de garantir o acesso universal à saúde. 4. É de se notar que a Constituição, ao dispor do direito à saúde, não se limita a aspectos de natureza curativa, mas estabelece que as ações devem ser amplas no sentido de garantir um tratamento curativo, mas de determinar também que as políticas públicas devem ter como o escopo a profilaxia de doenças. 5. Observe-se que os direitos e valores munidos de fundamentalidade na ordem constitucional não tem completude a menos que se garantam as condições necessárias para sua efetivação. Continuando-se o raciocínio, a garantia do direito fundamental de acesso à saúde é, sim, uma garantia de toda a sociedade, gerando um dever por parte do poder público de implementar políticas públicas que visem ao bem-estar geral da população. 6. A guarda dos direitos fundamentais, especialmente no que concerne ao chamado mínimo existencial, pode ser argumento válido no sentido de justificar intervenção judicial quando não houver, por parte do poder público, o devido suprimento às necessidades básicas do indivíduo. Bem assim, ainda que, no campo da definição de políticas públicas, seja possível priorizar a tutela das necessidades coletivas, não se pode, com esse raciocínio, supor que há qualquer legitimidade em se negar em sua plenitude a condição de titularidade do direito pelo indivíduo. Prosseguindo-se o juízo, na medida em que o direito à saúde se consubstancia, também, como direito subjetivo do indivíduo, não me parecem legítimas as afirmações segundo as quais a tutela individual trataria uma inaceitável intervenção do Poder Judiciário sobre o Executivo e as políticas públicas que este leva a cabo. 7. Sabendo-se que, como já afirmado, o direito à saúde, além aspecto coletivo, constrói-se como direito fundamental subjetivo de cada indivíduo; verificando-se, outrossim, a ausência ou deficiência do poder público em promover as necessárias políticas que garantam ao indivíduo condições de saúde dignas, não é razoável supor se pudesse negar ao indivíduo a tutela jurisdicional, uma vez que é obrigação do Estado zelar pela saúde de todos, mas também pela de cada um dos indivíduos do país. 8. Assim tem se posicionado majoritariamente a jurisprudência pátria, no sentido de que se protejam tanto aquelas hipóteses de iminente risco para a vida humana, quanto aquelas em que caiba restabelecer a noção de mínimo existencial, que estabelece o parâmetro intangível e nuclear da dignidade da pessoa humana, sem o que toda a base principiológica do texto constitucional estaria mortalmente comprometida. 9. In casu, a autora Josefa Aurisnir de Oliveira Souza foi diagnosticada com quadro de imunodeficiência comum variável, imunodeficiência primária, que cursa com infecções de repetição por defeito genético do sistema imunológico, fazendo uso, desde 2003, do medicamento Imunoglobulina Humana endovenosa, fornecido pela rede pública de saúde através do Hospital São Paulo, entidade ligada à Universidade Federal de São Paulo-UNIFESP. Ocorre que, a partir de 2015, o Poder Público passou a conceder o mesmo medicamento, mas com alteração da marca anteriormente fornecida pela TEGELINE. No entanto, ao fazer uso pela primeira vez da medicação TEGELINE, a autora sofreu grave reação alérgica (anafilaxia), motivo pelo qual seu médico (fls....) solicitou o uso da Imunoglobulina Humana endovenosa pertencente às marcas dispensadas anteriormente e que não lhe provocavam quaisquer efeitos colaterais ou reações alérgicas. O pedido foi negado, uma vez que o medicamento constante da lista do SUS é a Imunoglobulina Humana pertencente à marca TEGELINE, o que fez agravar o quadro clínico da autora, eis que impossibilitada de fazer uso do medicamento da supramencionada marca. 10. Na r sentença de fls. 124/126, o juiz a quo julgou procedente o pedido da autora Josefa Aurisnir de Oliveira Souza, nos termos do art. 269, inciso I, do revogado Código de Processo Civil de 1973, vigente à época da decisão, para determinar que os réus, União, Estado de São Paulo e Município de Guarulhos, tomem as providencias cabíveis para o fornecimento, no prazo de 05 dias e a partir daí mensalmente, por meio do SUS, da medicação imunoglobulina humana endovenosa 5,0g/100ml de marca diversa da TEGELINE (7 frascos por mês), confirmando a decisão que concedeu a antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional. Houve a condenação dos réus em honorários advocatícios, fixados sobre o valor da causa. 11. Uma leitura constitucional do caso demonstra que o postulado da dignidade da pessoa humana não permite, em nenhuma hipótese, o estabelecimento rígido do fornecimento de determinado medicamento/tratamento, sem chances de modificação, ainda que gere efeitos mais danosos ao paciente, somente para que assim se onere menos o Estado. Todos, sem exceção, devem ter acesso a tratamento médico digno e eficaz, mormente quando não se possuam recursos para custeá-lo. Nesse universo se insere inclusive medicamentos que não constam da lista do SUS e não podem ser substituídos com a mesma eficácia pelo poder público. 12. Apelações a que se nega provimento.
Decisão
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, negar provimento aos recursos de apelação da União e do Município de Guarulhos, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Data do Julgamento : 15/02/2017
Data da Publicação : 24/02/2017
Classe/Assunto : AC - APELAÇÃO CÍVEL - 2186898
Órgão Julgador : TERCEIRA TURMA
Relator(a) : DESEMBARGADOR FEDERAL ANTONIO CEDENHO
Comarca : TRIBUNAL - TERCEIRA REGIÃO
Tipo : Acórdão
Referência legislativa : ***** CPC-73 CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 1973 LEG-FED LEI-5869 ANO-1973 ART-269 INC-1 ***** CF-1988 CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 LEG-FED ANO-1988 ART-196
Fonte da publicação : e-DJF3 Judicial 1 DATA:24/02/2017 ..FONTE_REPUBLICACAO:
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