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Jurisprudência


TRF3 0006214-54.2009.4.03.6181 00062145420094036181

Ementa
PROCESSO PENAL. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. DENÚNCIA NÃO RECEBIDA NA ORIGEM. QUESTÃO AFETA À POSSIBILIDADE DE QUEBRA DO SIGILO BANCÁRIO DO CONTRIBUINTE PELA AUTORIDADE FAZENDÁRIA SEM A NECESSIDADE DE DECISÃO JUDICIAL AUTORIZATIVA. POSSIBILIDADE DE COMPARTILHAMENTO DOS ELEMENTOS OBTIDOS PERANTE O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. RETRATAÇÃO À LUZ DE COMANDO EXARADO PELA VICE-PRESIDÊNCIA DESTA E. CORTE REGIONAL LEVADA A EFEITO. REPERCUSSÃO GERAL DA QUESTÃO CONSTITUCIONAL DECIDIDA PELO C. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL NO RE 601.314. PRESENÇA DE JUSTA CAUSA PARA A PERSECUÇÃO PENAL À LUZ DAS PROVAS CONSTANTES DOS AUTOS. PROVIMENTO DO RECURSO PARA RECEBER A DENÚNCIA OFERECIDA EM DESFAVOR DO ACUSADO. - Trata-se de feito que retornou da Vice-presidência desta E. Corte Regional a fim de que a 11ª Turma verificasse a pertinência de se proceder a um juízo positivo de retratação em razão do julgamento proferido pelo C. Supremo Tribunal Federal quando da apreciação do RE 601.314/SP, sendo que, acaso levado a efeito tal juízo de retratação, deliberasse acerca do recebimento da exordial acusatória ofertada pelo Parquet federal em face do acusado. - Antes mesmo de apreciar o assunto anteriormente delimitado à luz do que restou decidido pelo C. Supremo Tribunal Federal quando do julgamento da Repercussão Geral da Questão Constitucional no bojo do RE 601.314/SP, imperioso salientar que a questão afeta ao levantamento do sigilo inerente aos dados bancários decorre da proteção constitucional dispensada à privacidade, erigida à categoria de direito fundamental do cidadão (art. 5º, X, da Constituição Federal), previsão esta que objetiva proteger o cidadão da atuação indevida estatal (e até mesmo do particular, sob o pálio da aplicação horizontal dos direitos fundamentais) no âmbito de sua esfera pessoal. - O direito ora em comento não pode ser interpretado como absoluto, de modo a figurar como uma salvaguarda a práticas delitivas, podendo, assim, ceder diante do caso concreto quando aplicável aspectos atinentes à ponderação de interesses constitucionais em jogo no caso concreto. Desta forma, ainda que se proteja a privacidade inerente aos dados bancários do cidadão, justamente porque não há que se falar em direitos fundamentais absolutos, mostra-se plenamente possível o afastamento da proteção que recai sobre esse interesse individual a fim de que prevaleça no caso concreto outro interesse, também constitucionalmente valorizado, que, no mais das vezes, mostra-se titularizado por uma coletividade ou por toda a sociedade. - Lançando mão da mencionada ponderação de interesses entre direitos com assento constitucional, mostra-se possível o afastamento do sigilo bancário (protegido pelo direito fundamental à privacidade) nas hipóteses em que se vislumbra a ocorrência de prática atentatória aos interesses fazendários, vale dizer, atos que redundem em supressão e em omissão de tributos a prejudicar o implemento de políticas públicas e de planos governamentais (que alcançam e que são de interesse de toda a sociedade, culminando na atuação estatal materializada na atividade arrecadatória), cabendo destacar que ficou a cargo da Lei Complementar nº 105/2001 disciplinar as situações em que lícita a ocorrência do afastamento do direito fundamental ora em comento. - A Lei Complementar nº 105/2001, em seu art. 6º, disciplina a possibilidade de atuação da autoridade fazendária com o desiderato de obtenção de documentos bancários diretamente de instituições financeiras, sem a necessidade de ordem judicial nesse sentido, desde que cumpridos os ditames constantes do comando legal, para o fim de apuração da ocorrência de obrigação tributária não adimplida pelo sujeito passivo da relação jurídica tributária, permitindo, assim, a constituição do crédito tributário não declarado. - Outra questão que se põe guarda relação com a possibilidade de compartilhamento desses dados obtidos pela administração fazendária diretamente das instituições bancárias (o que caracterizaria quebra de sigilo bancário supedaneada na Lei Complementar indicada) com órgão de persecução penal a fim de que fosse possível a instauração de investigação (e de posterior ação penal) com o objetivo de aferir a eventual prática de infração penal perpetrada contra a ordem tributária (especialmente, das condutas típicas descritas na Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990). - O C. Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento do RE 601.314 (Rel. Min. EDSON FACHIN, Tribunal Pleno, julgado em 24/02/2016, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-198 DIVULG 15-09-2016 PUBLIC 16-09-2016), cuja observância se mostra obrigatória ante o reconhecimento da Repercussão Geral da Questão Constitucional, firmou posicionamento no sentido de que o art. 6º da Lei Complementar 105/01 não ofende o direito ao sigilo bancário, pois realiza a igualdade em relação aos cidadãos, por meio do princípio da capacidade contributiva, bem como estabelece requisitos objetivos e o translado do dever de sigilo da esfera bancária para a fiscal (uma das teses firmadas atinente ao Tema 225/STF). - Seria possível cogitar-se de que o precedente acima mencionado somente teria aplicação na senda tributária (ou seja, para fins de constituição da obrigação tributária), sem a possibilidade de compartilhamento das informações bancárias obtidas para fins processuais penais (atinente a eventual prática ofensiva à ordem tributária). Todavia, tal entendimento não merece prevalência na justa medida em que o próprio C. Supremo Tribunal Federal já teve a oportunidade de declarar válido o compartilhamento de informações financeiras, obtidas pela quebra diretamente promovida pela autoridade da administração tributária, com o órgão de persecução penal estatal para que tais provas sirvam de elementos a configurar crime contra a ordem tributária (RE 1041272 AgR, Rel. Min. ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, julgado em 22/09/2017, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-227 DIVULG 03-10-2017 PUBLIC 04-10-2017). - Assim, imperioso seja levado a efeito juízo de retratação positivo (com fundamento de validade na r. decisão exarada pela Vice-presidência desta E. Corte Regional) para reconhecer a licitude da prova obtida mediante a requisição de informações bancárias diretamente pelo Fisco às instituições financeiras, podendo, sem qualquer problema, haver o compartilhamento de tais elementos probatórios para fins de instauração de relação processual penal em que investigada a prática de infração à ordem tributária. - Para que a persecução penal possa ser instaurada e também para que possa ter continuidade no decorrer de um processo-crime, faz-se necessária a presença de justa causa para a ação penal consistente em elementos que evidenciem a materialidade delitiva, bem como indícios de quem seria o autor do ilícito penal. Trata-se de aspecto que visa evitar a instauração de relação processual que, por si só, já possui o condão de macular a dignidade da pessoa humana e, desta feita, para evitar tal ofensa, imperiosa a presença de um mínimo lastro probatório a possibilitar a legítima atuação estatal. - A jurisprudência atual do C. Supremo Tribunal Federal tem analisado a justa causa, dividindo-a em 03 (três) aspectos que necessariamente devem concorrer no caso concreto para que seja válida a existência de processo penal em trâmite contra determinado acusado: (a) tipicidade, (b) punibilidade e (c) viabilidade - nesse diapasão, a justa causa exigiria, para o recebimento da inicial acusatória, para a instauração de relação processual e para o processamento propriamente dito da ação penal, a adequação da conduta a um dado tipo penal, conduta esta que deve ser punível (vale dizer, não deve haver qualquer causa extintiva da punibilidade do agente) e deve haver um mínimo probatório a indicar quem seria o autor do fato típico. - Prevalece na fase do recebimento da denúncia o princípio in dubio pro societate de modo que o magistrado deve sopesar essa exigência de lastro mínimo probatório imposto pelo ordenamento jurídico pátrio a ponto de não inviabilizar o jus accusationis estatal a perquirir prova plena da ocorrência de infração penal (tanto sob o aspecto da materialidade como sob o aspecto da autoria). Não é por outro motivo que se pacificou o entendimento em nossos C. Tribunais Superiores, bem como nesta E. Corte Regional, no sentido de que o ato judicial que recebe a denúncia ou a queixa, por configurar decisão interlocutória (e não sentença), não demanda exaustiva fundamentação (até mesmo para que não haja a antecipação da fase de julgamento para antes sequer da instrução processual judicial), cabendo salientar que o ditame insculpido no art. 93, IX, da Constituição Federal, de exigir profunda exposição dos motivos pelos quais o juiz está tomando esta ou aquela decisão, somente teria incidência em sede da prolação de sentença penal (condenatória ou absolutória). - Analisando os elementos coligidos nesta relação processual, nota-se a presença dos requisitos necessários ao reconhecimento de justa causa para a persecução penal, haja vista a existência de materialidade delitiva e de indícios de autoria, bem como a subsunção dos fatos, em tese, ao tipo penal no qual o agente foi denunciado e a ausência de causa extintiva da punibilidade empregável à espécie. - Em juízo de retratação, reconhecida a licitude da prova obtida mediante a requisição de informações bancárias diretamente pelo Fisco às instituições financeiras (podendo, sem qualquer problema, haver o compartilhamento de tais elementos probatórios para fins de instauração de relação processual penal em que investigada a prática de infração à ordem tributária) e, consequentemente, dado provimento ao Recurso em Sentido Estrito manejado pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (para receber a denúncia ofertada em face de SEVERINO JOSE DA SILVA pela prática, em tese, do crime previsto no art. 1º, I, da Lei nº 8.137/1990, determinando o retorno dos autos à origem para regular prosseguimento).
Decisão
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Décima Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, em juízo de retratação, RECONHECER a licitude da prova obtida mediante a requisição de informações bancárias diretamente pelo Fisco às instituições financeiras e, consequentemente, DAR PROVIMENTO ao Recurso em Sentido Estrito manejado pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Data do Julgamento : 04/09/2018
Data da Publicação : 17/09/2018
Classe/Assunto : RSE - RECURSO EM SENTIDO ESTRITO - 7201
Órgão Julgador : DÉCIMA PRIMEIRA TURMA
Relator(a) : DESEMBARGADOR FEDERAL FAUSTO DE SANCTIS
Comarca : TRIBUNAL - TERCEIRA REGIÃO
Tipo : Acórdão
Referência legislativa : ***** CF-1988 CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 LEG-FED ANO-1988 ART-5 INC-10 ART-93 INC-9 LEG-FED LCP-105 ANO-2001 ART-6 LEG-FED LEI-8137 ANO-1990 ART-1 INC-1
Observações : STF RE 601.314/SP REPERCUSSÃO GERAL TEMA 225.
Fonte da publicação : e-DJF3 Judicial 1 DATA:17/09/2018 ..FONTE_REPUBLICACAO: