TRF3 0006296-55.2014.4.03.6102 00062965520144036102
PROCESSUAL CIVIL. TRATAMENTO MÉDICO EXCEPCIONAL. LEGITIMIDADE PASSIVA
DA UNIÃO, ESTADO E MUNICÍPIO. ART. 196 E SEGUINTES DA CONSTITUIÇÃO
FEDERAL. REMESSA OFICIAL E APELAÇÕES NÃO PROVIDAS.
- Na espécie, aplicável a disposição sobre o reexame necessário. A
matéria objeto da presente ação não está sumulada nesta Corte, não se
aplicando o quanto disposto no § 3º do art. 475 do CPC de 1973, devendo,
pois, ser tido por ocorrido o reexame necessário.
- As preliminares de ilegitimidade passiva de partes confundem-se com o mérito
e em conjunto com este serão apreciadas, outrossim, a alegação da falta
de interesse de agir dos apelados, à vista da ausência de postulação
administrativa, terá o mesmo tratamento. Também, afasto a argumentação
recursal de que as determinações emanadas pelo Poder Judiciário a fim
de que seja fornecido o tratamento denotam na indevida interferência
nas atribuições típicas do Executivo. Realmente, conforme se infere
das circunstâncias e questões trazidas na exordial, patente a lesão ou
ameaça do direito das partes apeladas, e para esses casos muito bem se
amolda a previsão contida no artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição da
República em vigor, o qual reza: "a lei não excluirá da apreciação do
Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito".
- A saúde é direito constitucionalmente assegurado, encontrando-se
disciplinado nos arts. 196 e seguintes da Constituição Federal, in verbis:
"Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante
políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e
de outros agravos e ao acesso universal igualitário às ações e serviços
para sua promoção, proteção e recuperação. Art. 197. São de relevância
pública as ações e serviços de saúde, cabendo ao Poder Público dispor,
nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle,
devendo sua execução ser feita diretamente ou através de terceiros e,
também, por pessoa física ou jurídica de direito privado. Art. 198. As
ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e
hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as
seguintes diretrizes: I - descentralização, com direção única em cada
esfera de governo; II - atendimento integral, com prioridade para as atividades
preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais; III - participação da
comunidade. Parágrafo Único. O Sistema Único de Saúde será financiado, nos
termos do art. 195, com recurso do orçamento da seguridade social da União,
dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, além de outras fontes."
- Compete ao Estado a garantia da saúde mediante a execução de política de
prevenção e assistência à saúde, com a disponibilização dos serviços
públicos de atendimento à população, tendo a Constituição Federal
delegado ao Poder Público, competência para editar leis, objetivando a
regulamentação, fiscalização e controle dos serviços e ações da saúde.
- Negar aos autores o tratamento médico pretendido implica desrespeito às
normas constitucionais, que garantem o direito à saúde e à vida. Nesse
sentido são os julgados do Supremo Tribunal Federal, Superior Tribunal de
Justiça e desta Corte Regional.
- Quanto à argumentação de ilegitimidade passiva, entendo ser a
União Federal, via SUS, parte legítima nesta contenda - em face de sua
obrigação constitucional de resguardar e promover a saúde à população -,
solidariamente com os Estados-Membros, Distrito Federal e os Municípios,
transferindo a gestão da saúde aos três níveis de governo, por meio
de seus órgãos, respectivamente, o Ministério da Saúde, as Secretarias
Estaduais de Saúde e as Secretarias Municipais de Saúde, todos constituindo
o Sistema Único de Saúde (SUS), malgrado cada esfera política compartilhe
atribuições diversas. Cabe observar, a expressa disposição constitucional
sobre o dever de participação da União no financiamento do Sistema Único de
Saúde, nos termos do art. 198, parágrafo único, da Constituição Federal.
- O Sistema Único de Saúde pressupõe a integralidade da assistência,
de forma individual ou coletiva, para atender cada caso em todos os níveis
de complexidade, razão pela qual, comprovada a necessidade do medicamento
para a garantia da vida da paciente, deverá ser ele fornecido. Assim,
exsurge inafastável a conclusão segundo a qual cabe ao Poder Público,
obrigatoriamente, zelar pela saúde de todos, disponibilizando, àqueles que
precisarem de prestações atinentes à saúde pública, os meios necessários
à sua obtenção.
- Sob a óptica de princípios constitucionais - da dignidade humana, do
direito à saúde, da assistência social e da solidariedade - infere-se que a
lesão grave e de difícil reparação se mostra, na verdade, na expectativa
e qualidade de vida do próprio núcleo familiar, razão pela qual se impõe
o fornecimento do tratamento laboratorial/medicamentoso. Precedentes.
- O tratamento medicamentoso gratuito deve atingir a todas as necessidades dos
que dele buscam, significando não somente devidos os remédios e tratamentos
padronizados pelo Ministério da Saúde, como todos aqueles também porventura
sejam necessários às particularidades de cada um. A padronização significa
que os tratamentos padronizados serão os habitualmente fornecidos, o que
não impede que o SUS forneça outro tipo de tratamento indispensável.
- As alegações de ilegitimidade passiva, restrição orçamentária,
elevado custo, competência executiva para dispor sobre política de saúde,
falta de inclusão do tratamento nos protocolos e diretrizes terapêuticas
entre outras, não podem ser acolhidas diante da farta jurisprudência e
comprovada configuração do direito das partes autoras à tutela judicial
específica que se requereu, com o fornecimento de tratamento essencial à
garantia da saúde presente e futura.
- No art. 226, § 7º, da Constituição Federal resta cristalizado ao casal
o direito ao livre planejamento familiar, fundado nos princípios da dignidade
da pessoa humana e da paternidade responsável, competindo ao Estado propiciar
recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada
qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas;
garantia essa pormenorizada pela Lei n° 9.263/1996, reguladora do referenciado
dispositivo constitucional, face ao consagrado direito contido na Carta Magna.
- A fls. 19/28 foi acostada a avaliação/acompanhamento clínico com a
informação dos riscos e vantagens do tratamento médico pleiteado, sendo
relevante pontuar a afirmação contida no relatório médico a fl. 22:
"A RESERVA FOLICULAR DA MULHER DIMINUI PROGRESSIVAMENTE À MEDIDA QUE SUA
IDADE AUMENTA E ESSA DIMINUIÇÃO PASSA A SER MAIS ACENTUADA APÓS OS 35
ANOS DE IDADE. DESSA FORMA, PARA OBTERMOS O MELHOR RESULTADO POSSÍVEL
PARA O TRATAMENTO DA SRA. TALITA DOS REIS CASTRO FERREIRA SERIA IMPORTANTE
REALIZARMOS ANTES DOS 35 ANOS DE IDADE."
- Não há como se afastar o poder/dever do Estado à promoção do atendimento
da autora pelo SUS, preferencialmente, junto ao Hospital das Clínicas
da Universidade de São Paulo em Ribeirão Preto/SP, à realização dos
tratamentos de Diagnóstico Pré-Implantacional e Fertilização In Vitro.
- À vista do tempo já transcorrido, das complicações as quais podem,
pela mora, emergir do tratamento, outrossim, levado em conta o efeito tão
somente devolutivo de eventuais recursos excepcionais, procedo ao deferimento
da antecipação dos efeitos da tutela requerida na exordial dos autos e
não apreciada pelo Juízo de Primeiro Grau.
- Mantida a condenação da Fazenda do Estado e do Município de Ribeirão
Preto/SP ao pagamento de honorários advocatícios conforme o fixado na
r. sentença a quo, pois fixados com a devida parcimônia e nos termos do
art. 20, § 4º, do Código de Processo Civil de 1973.
- Remessa oficial, tida por ocorrida, e apelações não providas.
Ementa
PROCESSUAL CIVIL. TRATAMENTO MÉDICO EXCEPCIONAL. LEGITIMIDADE PASSIVA
DA UNIÃO, ESTADO E MUNICÍPIO. ART. 196 E SEGUINTES DA CONSTITUIÇÃO
FEDERAL. REMESSA OFICIAL E APELAÇÕES NÃO PROVIDAS.
- Na espécie, aplicável a disposição sobre o reexame necessário. A
matéria objeto da presente ação não está sumulada nesta Corte, não se
aplicando o quanto disposto no § 3º do art. 475 do CPC de 1973, devendo,
pois, ser tido por ocorrido o reexame necessário.
- As preliminares de ilegitimidade passiva de partes confundem-se com o mérito
e em conjunto com este serão apreciadas, outrossim, a alegação da falta
de interesse de agir dos apelados, à vista da ausência de postulação
administrativa, terá o mesmo tratamento. Também, afasto a argumentação
recursal de que as determinações emanadas pelo Poder Judiciário a fim
de que seja fornecido o tratamento denotam na indevida interferência
nas atribuições típicas do Executivo. Realmente, conforme se infere
das circunstâncias e questões trazidas na exordial, patente a lesão ou
ameaça do direito das partes apeladas, e para esses casos muito bem se
amolda a previsão contida no artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição da
República em vigor, o qual reza: "a lei não excluirá da apreciação do
Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito".
- A saúde é direito constitucionalmente assegurado, encontrando-se
disciplinado nos arts. 196 e seguintes da Constituição Federal, in verbis:
"Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante
políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e
de outros agravos e ao acesso universal igualitário às ações e serviços
para sua promoção, proteção e recuperação. Art. 197. São de relevância
pública as ações e serviços de saúde, cabendo ao Poder Público dispor,
nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle,
devendo sua execução ser feita diretamente ou através de terceiros e,
também, por pessoa física ou jurídica de direito privado. Art. 198. As
ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e
hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as
seguintes diretrizes: I - descentralização, com direção única em cada
esfera de governo; II - atendimento integral, com prioridade para as atividades
preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais; III - participação da
comunidade. Parágrafo Único. O Sistema Único de Saúde será financiado, nos
termos do art. 195, com recurso do orçamento da seguridade social da União,
dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, além de outras fontes."
- Compete ao Estado a garantia da saúde mediante a execução de política de
prevenção e assistência à saúde, com a disponibilização dos serviços
públicos de atendimento à população, tendo a Constituição Federal
delegado ao Poder Público, competência para editar leis, objetivando a
regulamentação, fiscalização e controle dos serviços e ações da saúde.
- Negar aos autores o tratamento médico pretendido implica desrespeito às
normas constitucionais, que garantem o direito à saúde e à vida. Nesse
sentido são os julgados do Supremo Tribunal Federal, Superior Tribunal de
Justiça e desta Corte Regional.
- Quanto à argumentação de ilegitimidade passiva, entendo ser a
União Federal, via SUS, parte legítima nesta contenda - em face de sua
obrigação constitucional de resguardar e promover a saúde à população -,
solidariamente com os Estados-Membros, Distrito Federal e os Municípios,
transferindo a gestão da saúde aos três níveis de governo, por meio
de seus órgãos, respectivamente, o Ministério da Saúde, as Secretarias
Estaduais de Saúde e as Secretarias Municipais de Saúde, todos constituindo
o Sistema Único de Saúde (SUS), malgrado cada esfera política compartilhe
atribuições diversas. Cabe observar, a expressa disposição constitucional
sobre o dever de participação da União no financiamento do Sistema Único de
Saúde, nos termos do art. 198, parágrafo único, da Constituição Federal.
- O Sistema Único de Saúde pressupõe a integralidade da assistência,
de forma individual ou coletiva, para atender cada caso em todos os níveis
de complexidade, razão pela qual, comprovada a necessidade do medicamento
para a garantia da vida da paciente, deverá ser ele fornecido. Assim,
exsurge inafastável a conclusão segundo a qual cabe ao Poder Público,
obrigatoriamente, zelar pela saúde de todos, disponibilizando, àqueles que
precisarem de prestações atinentes à saúde pública, os meios necessários
à sua obtenção.
- Sob a óptica de princípios constitucionais - da dignidade humana, do
direito à saúde, da assistência social e da solidariedade - infere-se que a
lesão grave e de difícil reparação se mostra, na verdade, na expectativa
e qualidade de vida do próprio núcleo familiar, razão pela qual se impõe
o fornecimento do tratamento laboratorial/medicamentoso. Precedentes.
- O tratamento medicamentoso gratuito deve atingir a todas as necessidades dos
que dele buscam, significando não somente devidos os remédios e tratamentos
padronizados pelo Ministério da Saúde, como todos aqueles também porventura
sejam necessários às particularidades de cada um. A padronização significa
que os tratamentos padronizados serão os habitualmente fornecidos, o que
não impede que o SUS forneça outro tipo de tratamento indispensável.
- As alegações de ilegitimidade passiva, restrição orçamentária,
elevado custo, competência executiva para dispor sobre política de saúde,
falta de inclusão do tratamento nos protocolos e diretrizes terapêuticas
entre outras, não podem ser acolhidas diante da farta jurisprudência e
comprovada configuração do direito das partes autoras à tutela judicial
específica que se requereu, com o fornecimento de tratamento essencial à
garantia da saúde presente e futura.
- No art. 226, § 7º, da Constituição Federal resta cristalizado ao casal
o direito ao livre planejamento familiar, fundado nos princípios da dignidade
da pessoa humana e da paternidade responsável, competindo ao Estado propiciar
recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada
qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas;
garantia essa pormenorizada pela Lei n° 9.263/1996, reguladora do referenciado
dispositivo constitucional, face ao consagrado direito contido na Carta Magna.
- A fls. 19/28 foi acostada a avaliação/acompanhamento clínico com a
informação dos riscos e vantagens do tratamento médico pleiteado, sendo
relevante pontuar a afirmação contida no relatório médico a fl. 22:
"A RESERVA FOLICULAR DA MULHER DIMINUI PROGRESSIVAMENTE À MEDIDA QUE SUA
IDADE AUMENTA E ESSA DIMINUIÇÃO PASSA A SER MAIS ACENTUADA APÓS OS 35
ANOS DE IDADE. DESSA FORMA, PARA OBTERMOS O MELHOR RESULTADO POSSÍVEL
PARA O TRATAMENTO DA SRA. TALITA DOS REIS CASTRO FERREIRA SERIA IMPORTANTE
REALIZARMOS ANTES DOS 35 ANOS DE IDADE."
- Não há como se afastar o poder/dever do Estado à promoção do atendimento
da autora pelo SUS, preferencialmente, junto ao Hospital das Clínicas
da Universidade de São Paulo em Ribeirão Preto/SP, à realização dos
tratamentos de Diagnóstico Pré-Implantacional e Fertilização In Vitro.
- À vista do tempo já transcorrido, das complicações as quais podem,
pela mora, emergir do tratamento, outrossim, levado em conta o efeito tão
somente devolutivo de eventuais recursos excepcionais, procedo ao deferimento
da antecipação dos efeitos da tutela requerida na exordial dos autos e
não apreciada pelo Juízo de Primeiro Grau.
- Mantida a condenação da Fazenda do Estado e do Município de Ribeirão
Preto/SP ao pagamento de honorários advocatícios conforme o fixado na
r. sentença a quo, pois fixados com a devida parcimônia e nos termos do
art. 20, § 4º, do Código de Processo Civil de 1973.
- Remessa oficial, tida por ocorrida, e apelações não providas.Decisão
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas,
decide a Egrégia Quarta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região,
por unanimidade, negar provimento à remessa oficial, tida por ocorrida,
e às apelações interpostas, nos termos do relatório e voto que ficam
fazendo parte integrante do presente julgado.
Data do Julgamento
:
16/08/2017
Data da Publicação
:
29/08/2017
Classe/Assunto
:
Ap - APELAÇÃO CÍVEL - 2155896
Órgão Julgador
:
QUARTA TURMA
Relator(a)
:
DESEMBARGADORA FEDERAL MÔNICA NOBRE
Comarca
:
TRIBUNAL - TERCEIRA REGIÃO
Tipo
:
Acórdão
Indexação
:
VIDE EMENTA.
Fonte da publicação
:
e-DJF3 Judicial 1 DATA:29/08/2017
..FONTE_REPUBLICACAO:
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