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Jurisprudência


TRF3 0006426-09.2005.4.03.6119 00064260920054036119

Ementa
PENAL. PROCESSO PENAL. OPERAÇÃO OVERBOX. APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME DE QUADRILHA. IDENTIDADE DE FATOS. LITISPENDÊNCIA. EXTINÇÃO DO PROCESSO QUANTO A IMPUTAÇÃO DO ART. 288, CAPUT, DO CP. PRESCRIÇÃO. ARTIGO 115, CP. REDUÇÃO DO PRAZO. REQUISITO DA IDADE (70 ANOS) CONFIGURADO. PEDIDO DEFERIDO. DESCAMIMNHO. ART. 334, "CAPUT" DO CP. FACILITAÇÃO DE DESCAMINHO. ART. 318, "CAPUT" DO CP. PRELIMINARES REJEITADAS. MATERIALIDADE E AUTORIA DELITIVA COMPROVADAS. DOSIMETRIA. CONTINUIDADE DELITIVA. DE OFÍCIO, PENA DE MULTA READEQUADA AO SISTEMA TRIFÁSICO. MAJORAÇÃO DO VALOR DOS DIAS-MULTA. ART. 60 DO CP. EXECUÇÃO PROVISÓRIA DA PENA. 1. A litispendência visa evitar que uma mesma pessoa seja julgada duas vezes pelo mesmo delito (non bis in idem), ou que haja duas ações ou recursos em curso com as mesmas causas de pedir, pedido e partes, ainda que sob nova tipificação penal. Configurado o delito de quadrilha em autos próprios (ação penal nº 0006474-65.2005.4.03.6119), incabível nova condenação pelo artigo 288 do CP a cada novo processo a que forem submetidos, sob pena de bis in idem. Extinção do processo sem apreciação do mérito em relação à imputação pelo crime de quadrilha aos denunciados CHUNG CHOUL LEE, VALTER JOSE DE SANTANA e MARIA DE LOURDES MOREIRA. Prejudicada a questão atinente e incidência da qualificadora de quadrilha armada. 2. O delito de quadrilha é crime plurisubjetivo (ou de concurso necessário), haja vista que para sua configuração exige expressamente a associação de pelo menos três pessoas. Mantida a absolvição de MANUEL DOS SANTOS SIMÃO e de CLÉBER SANTANA da prática do crime de quadrilha, com base no artigo 386, inciso III, do Código de Processo Penal. 3. Preenchido o requisito da idade mínima de 70 (setenta) anos na data da prolação da sentença, cabível o pleito de redução, pela metade, do prazo prescricional, previsto no artigo 115 do Código Penal. Extinta a punibilidade da acusada MARIA DE LOURDES MOREIRA quanto ao crime de facilitação de descaminho. 4. A menção ao nome ou a eventuais características físicas do acusado MANUEL DOS SANTOS SIMÃO e o fato de ele estar de plantão no Aeroporto Internacional de Guarulhos no dia das internações são suspeitos e constituiriam indícios de prova suficientes para o recebimento da denúncia, mas não bastam para uma condenação. Mantida a absolvição dos réus da imputação pela prática do delito previsto no artigo 318 do CP. 5. A materialidade delitiva dos crimes descritos restou bem comprovada nos autos. O conjunto probatório demonstra que houve a irregular internação de mercadorias estrangeiras em território nacional, originárias da China e transportadas por LIN YOUNG QIANG e PAN JIE JIAO, bem como houve a apreensão das mercadorias de outra passageira igualmente indicada por LEE, conforme Termo de Retenção de Bens nº 0480, TPS 2, datado de 10 de maio de 2005 em nome de SHU ZHEN SUN. 6. Desnecessária, no caso, a apreensão dos bens para a comprovação da materialidade do delito de descaminho, uma vez que o resultado da operação policial, realizada por meio de interceptações telefônicas e vigilâncias/monitoramentos dos acusados, somado à prova colhida em Juízo a atestam. 7. O trabalho investigativo realizado na "Operação Overbox" também se dera mediante ações controladas, expediente investigativo previsto no artigo 2º, inciso II, da Lei nº.9.034/95, precedidas de autorização judicial. 8. No transcorrer de ações controladas, pela sua própria natureza de espreita investigativa, é natural que o objeto do crime se perca, de forma a inviabilizar que a prova da materialidade do crime, se daqueles que deixam vestígio, se faça por meio de exame pericial, nos termos do artigo 158 do Código de Processo Penal, de forma a incidir o disposto no artigo 167 do citado código. 9. O crime de descaminho não é daqueles que deixam vestígios, sendo desnecessário o exame de corpo de delito. 10. Inaplicável, ao caso, o princípio da insignificância, uma vez que todo o esquema para a internação das mercadorias descaminhadas envolvia "despesas" de alto custo, como o pagamento de propina para cada mala internada, "escolta", passagem aérea e hospedagem dos "mulas", quantias estas desembolsadas pelos comerciantes, já que o valor dos bens internados fraudulentamente superava em muito o que haviam pago para fazer frentes àquelas "despesas". 11. Descabe a alegada atipicidade da conduta pela aplicação do princípio da adequação social, uma vez que não há inércia ou condescendência do Estado com relação ao crime de descaminho, cujo preceito proibitivo tutela bens jurídicos de extrema relevância, tais como a proteção ao erário público, diretamente atingido pela evasão de renda derivada das operações clandestinas ou fraudulentas, a moralidade pública com punição de importação e exportação de mercadoria proibida, bem assim a indústria e a economia nacionais, fortalecendo as barreiras alfandegárias. 12. A materialidade do crime descrito no artigo 334 do Código Penal restou demonstrada pelo conjunto probatório, assim como a autoria em face da prova colhida no transcorrer da instrução criminal. 13. Preliminares suscitadas pelo réu VALTER JOSE DE SANTANA fundamentadamente rejeitadas. 14. Ainda que não possuísse atribuições funcionais de natureza fiscal ou alfandegária, visto que não se encontrava lotado no Aeroporto Internacional em Guarulhos/SP ao tempo dos fatos, tinha o APF VALTER, por óbvio, atribuição funcional e o dever legal que o cargo lhe exigia de adotar as medidas necessárias para impedir a consumação do contrabando ou descaminho, subsumindo-se a conduta do denunciado ao delito de facilitação de contrabando ou descaminho. 15. Dosimetria. Redimensionamento das penas. 16. A culpabilidade tida como elemento do crime não pode ser confundida com a culpabilidade prevista no artigo 59 do Código Penal, que diz respeito à reprovabilidade, à censurabilidade da conduta. Nesse diapasão, o fundamento de que os réus possuíam conhecimento do caráter ilícito do fato e condições de autodeterminação não se presta à exasperação da pena-base. 17. A culpabilidade, entendida para fins de dosimetria como reprovabilidade concreta da ação delitiva, não foge ao ordinário, assim como o motivo do crime. 18. No tocante a personalidade dos réus, que deve ser avaliada de acordo com as qualidades morais do agente, inexiste nos autos elementos para fundamentar um juízo negativo. 19. Quanto aos motivos do crime, consigno que a conduta dos réus ter por finalidade o lucro fácil não extrapola o ordinário em crimes dessa espécie, razão pela qual não se presta a exasperação da reprimenda base. 20. Não há como se aquilatar tenham as consequências do crime ultrapassado os resultados já inerentes ao tipo penal. Afastada a valoração negativa das consequências do crime no cálculo da fixação da pena base dos crimes de descaminho, facilitação de descaminho, corrupção passiva e corrupção ativa. 21. Considerados os elementos probantes colhidos nos autos, enseja dúvida se foi realmente VALTER JOSÉ DE SANTANA ou CHUNG CHOUL LEE quem promoveu, organizou a cooperação no delito ou mesmo dirigiu a atividade dos demais corréus. Diante da incerteza mencionada, não incide a agravante do artigo 62, inciso I, do Código Penal. 22. À apuração da pena de multa aplicam-se os mesmos parâmetros utilizados na fixação da pena privativa de liberdade. 23. O valor do dia-multa deve guardar observância ao disposto no artigo 60 do Código Penal, que estatui como norte a situação financeira dos réus. 24. Aplicação do entendimento firmado no Supremo Tribunal Federal, que no julgamento do HC 126.292-SP reinterpretou o princípio da presunção de inocência, reconhecendo que "A execução provisória de acórdão penal condenatório proferido em grau de apelação, ainda que sujeito a recurso especial ou extraordinário, não compromete o princípio constitucional da presunção de inocência afirmado pelo artigo 5º, inciso LVII da Constituição Federal", e em sessão de 05 de outubro de 2016 indeferiu liminares pleiteadas nas Ações Declaratórias de Constitucionalidade 43 e 44, entendendo que o art. 283 do Código de Processo Penal não veda o início do cumprimento da pena após esgotadas as instâncias ordinárias. 25. Parcialmente provido o recurso de apelação do Ministério Público Federal. 26. Parcialmente providas as apelações de VALTER JOSÉ DE SANTANA e MARIA DE LOURDES MOREIRA e CHUNG CHOUL LEE.
Decisão
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Décima Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, de ofício, julgar extinto o processo sem apreciação do mérito em relação à imputação pelo crime de quadrilha aos denunciados CHUNG, VALTER e MARIA DE LOURDES haja vista a identidade de imputações nos autos da ação penal nº 0006474-65.2005.4.03.6119, restando prejudicada a questão atinente a incidência da qualificadora de quadrilha armada; dar parcial provimento à apelação de CHUNG CHOUL LEE para, mantendo a condenação pela prática dos delitos do artigo 334, caput, por duas vezes, e art. 334, caput, c.c. o art. 14, II, ambos do CP, uma vez, em continuidade delitiva, redimensionar as penas fixadas em 1º grau para 1 (um) ano, 7 (sete) meses e 6 (seis) dias de reclusão, em regime aberto. Substituída a pena privativa de liberdade por duas penas restritivas de direitos, consubstanciadas em uma de prestação de serviços à comunidade e uma de prestação pecuniária no valor de 5 (cinco) salários mínimos; rejeitar as preliminares arguidas pelo réu VALTER JOSE DE SANTANA; dar parcial provimento à apelação de VALTER JOSE DE SANTANA para, mantendo a condenação pela prática dos delitos do artigo 318, caput, por duas vezes, e art. 318, caput, c.c. o art. 14, II, ambos do CP, uma vez, em continuidade delitiva, redimensionar as penas fixadas em 1º grau para 4 (quatro) anos, 9 (nove) meses e 18 (dezoito) dias de reclusão, em regime inicial semiaberto, e 15 (quinze) dias multa; dar parcial provimento ao recurso do MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL para elevar o valor de cada dia-multa de VALTER JOSE DE SANTANA para 03 (três) salários mínimos; dar parcial provimento à apelação de MARIA DE LOURDES MOREIRA para declarar extinta a pretensão punitiva quanto ao crime de facilitação de descaminho, nos termos do voto do Relator; prosseguindo, a Turma, por maioria, decidiu, de ofício, manter a absolvição de MANUEL DOS SANTOS SIMÃO e de CLÉBER SANTANA da prática do crime de quadrilha, com base no artigo 386, inciso III, do Código de Processo Penal, nos termos do voto do Relator, com quem votou a Des. Fed. Cecilia Mello, vencido o Des. Fed. Nino Toldo, que mantinha a absolvição desses réus quanto à imputação de prática do crime de quadrilha ou bando (CP, art. 288), nos termos da sentença, ou seja, por insuficiência de provas (CPP, art. 386, VII); comunique-se ao Juízo de Origem para o início da execução das penas impostas aos réus, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Data do Julgamento : 28/03/2017
Data da Publicação : 06/04/2017
Classe/Assunto : ACR - APELAÇÃO CRIMINAL - 51993
Órgão Julgador : DÉCIMA PRIMEIRA TURMA
Relator(a) : DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI
Comarca : TRIBUNAL - TERCEIRA REGIÃO
Tipo : Acórdão
Observações : ADCS 43 E 44.
Referência legislativa : ***** CP-40 CÓDIGO PENAL DE 1940 LEG-FED DEL-2848 ANO-1940 ART-288 ART-115 ART-334 ART-318 ART-60 ART-59 ART-62 INC-1 ART-14 INC-2 ***** CPP-41 CÓDIGO DE PROCESSO PENAL LEG-FED DEL-3689 ANO-1941 ART-158 ART-167 ART-283 ART-386 INC-3 INC-7 LEG-FED LEI-9034 ANO-1995 ART-2 INC-2 ***** CF-1988 CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 LEG-FED ANO-1988 ART-5 INC-57
Fonte da publicação : e-DJF3 Judicial 1 DATA:06/04/2017 ..FONTE_REPUBLICACAO:
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