TRF3 0006487-30.2006.4.03.6119 00064873020064036119
PENAL. PROCESSO PENAL. OPERAÇÃO OVERBOX. APELAÇÃO
CRIMINAL. DESCAMIMNHO. ARTS. 334, "CAPUT" DO CP. CORRUPÇÃO ATIVA E
PASSIVA. ARTS. 317 E 333 DO CP. PRELIMINARES REJEITADAS. MATERIALIDADE E
AUTORIA DELITIVA COMPROVADAS. DOSIMETRIA. DE OFÍCIO, PENA DE MULTA READEQUADA
AO SISTEMA TRIFÁSICO, MULTA PARA O DESCAMINHO AFASTADA. MAJORAÇÃO DO
VALOR DOS DIAS-MULTA. ART. 60 DO CP. EXECUÇÃO PROVISÓRIA DA PENA.
1. Preliminares rejeitadas.
2. A materialidade delitiva dos crimes descritos restou bem comprovada nos
autos. O conjunto probatório demonstra que houve a irregular internação
de mercadorias estrangeiras em território nacional, originárias da China
e transportadas pela mula LI QI HONG, no dia 07/09/2005.
3. Desnecessária, no caso, a apreensão dos bens para a comprovação
da materialidade do delito de descaminho, uma vez que o resultado da
operação policial, realizada por meio de interceptações telefônicas e
vigilâncias/monitoramentos dos acusados, somado à prova colhida em Juízo
a atestam.
4. O trabalho investigativo realizado na "Operação Overbox" também se dera
mediante ações controladas, expediente investigativo previsto no artigo 2º,
inciso II, da Lei nº.9.034/95, precedidas de autorização judicial.
5. No transcorrer de ações controladas, pela sua própria natureza de
espreita investigativa, é natural que o objeto do crime se perca, de forma
a inviabilizar que a prova da materialidade do crime, se daqueles que deixam
vestígio, se faça por meio de exame pericial, nos termos do artigo 158 do
Código de Processo Penal, de forma a incidir o disposto no artigo 167 do
citado código.
6. O crime de descaminho não é daqueles que deixam vestígios, sendo
desnecessário o exame de corpo de delito.
7. Inaplicável, ao caso, o princípio da insignificância, uma vez que todo o
esquema para a internação das mercadorias descaminhadas envolvia "despesas"
de alto custo, como o pagamento de propina para cada mala internada, "escolta",
passagem aérea e hospedagem dos "mulas", quantias estas desembolsadas pelos
comerciantes, já que o valor dos bens internados fraudulentamente superava
em muito o que haviam pago para fazer frentes àquelas "despesas".
8. Descabe a alegada atipicidade da conduta pela aplicação do princípio
da adequação social, uma vez que não há inércia ou condescendência
do Estado com relação ao crime de descaminho, cujo preceito proibitivo
tutela bens jurídicos de extrema relevância, tais como a proteção ao
erário público, diretamente atingido pela evasão de renda derivada das
operações clandestinas ou fraudulentas, a moralidade pública com punição
de importação e exportação de mercadoria proibida, bem assim a indústria
e a economia nacionais, fortalecendo as barreiras alfandegárias.
9. A materialidade do crime descrito no artigo 334 do Código Penal restou
demonstrada pelo conjunto probatório, assim como a autoria em face da prova
colhida no transcorrer da instrução criminal.
10. Comprovadas a materialidade e autoria delitiva dos crimes de corrupção
passiva e ativa previstos nos artigos 317 e 333 do Código Penal.
11 - Dosimetria. Redimensionamento das penas.
12 - A culpabilidade tida como elemento do crime não pode ser confundida com
a culpabilidade prevista no artigo 59 do Código Penal, que diz respeito
à reprovabilidade, à censurabilidade da conduta. Nesse diapasão, o
fundamento de que os réus possuíam conhecimento do caráter ilícito do
fato e condições de autodeterminação não se presta à exasperação da
pena-base.
13 - A culpabilidade, entendida para fins de dosimetria como reprovabilidade
concreta da ação delitiva, não foge ao ordinário, assim como o motivo
do crime.
14 - No tocante a personalidade dos réus, que deve ser avaliada de acordo com
as qualidades morais do agente, inexiste nos autos elementos para fundamentar
um juízo negativo.
15 - Quanto aos motivos do crime, consigno que a conduta dos réus ter
por finalidade o lucro fácil não extrapola o ordinário em crimes dessa
espécie, razão pela qual não se presta a exasperação da reprimenda base.
16 - Não há como se aquilatar tenham as consequências do crime ultrapassado
os resultados já inerentes ao tipo penal. Afastada a valoração negativa
das consequências do crime no cálculo da fixação da pena base dos crimes
de descaminho, facilitação de descaminho, corrupção passiva e corrupção
ativa.
17 - Considerados os elementos probantes colhidos nos autos, enseja dúvida
se foi realmente VALTER JOSÉ DE SANTANA ou CHUNG CHOUL LEE quem promoveu,
organizou a cooperação no delito ou mesmo dirigiu a atividade dos demais
corréus. Diante da incerteza mencionada, não incide a agravante do artigo
62, inciso I, do Código Penal.
18 - O preceito secundário do artigo 334, "caput", do CP não prevê a pena
de multa, razão pela qual deve ser afastada a incidência.
19 - À apuração da pena de multa aplicam-se os mesmos parâmetros utilizados
na fixação da pena privativa de liberdade.
20 - O valor do dia-multa deve guardar observância ao disposto no artigo
60 do Código Penal, que estatui como norte a situação financeira dos réus.
21 - Aplicação do entendimento firmado no Supremo Tribunal Federal, que
no julgamento do HC 126.292-SP reinterpretou o princípio da presunção de
inocência, reconhecendo que "A execução provisória de acórdão penal
condenatório proferido em grau de apelação, ainda que sujeito a recurso
especial ou extraordinário, não compromete o princípio constitucional
da presunção de inocência afirmado pelo artigo 5º, inciso LVII da
Constituição Federal", e em sessão de 05 de outubro de 2016 indeferiu
liminares pleiteadas nas Ações Declaratórias de Constitucionalidade 43
e 44, entendendo que o art. 283 do Código de Processo Penal não veda o
início do cumprimento da pena após esgotadas as instâncias ordinárias.
22 - Parcialmente provido o recurso de apelação do Ministério Público
Federal.
23 - Parcialmente providas as apelações de VALTER JOSÉ DE SANTANA e MARIA
DE LOURDES MOREIRA e CHUNG CHOUL LEE.
Ementa
PENAL. PROCESSO PENAL. OPERAÇÃO OVERBOX. APELAÇÃO
CRIMINAL. DESCAMIMNHO. ARTS. 334, "CAPUT" DO CP. CORRUPÇÃO ATIVA E
PASSIVA. ARTS. 317 E 333 DO CP. PRELIMINARES REJEITADAS. MATERIALIDADE E
AUTORIA DELITIVA COMPROVADAS. DOSIMETRIA. DE OFÍCIO, PENA DE MULTA READEQUADA
AO SISTEMA TRIFÁSICO, MULTA PARA O DESCAMINHO AFASTADA. MAJORAÇÃO DO
VALOR DOS DIAS-MULTA. ART. 60 DO CP. EXECUÇÃO PROVISÓRIA DA PENA.
1. Preliminares rejeitadas.
2. A materialidade delitiva dos crimes descritos restou bem comprovada nos
autos. O conjunto probatório demonstra que houve a irregular internação
de mercadorias estrangeiras em território nacional, originárias da China
e transportadas pela mula LI QI HONG, no dia 07/09/2005.
3. Desnecessária, no caso, a apreensão dos bens para a comprovação
da materialidade do delito de descaminho, uma vez que o resultado da
operação policial, realizada por meio de interceptações telefônicas e
vigilâncias/monitoramentos dos acusados, somado à prova colhida em Juízo
a atestam.
4. O trabalho investigativo realizado na "Operação Overbox" também se dera
mediante ações controladas, expediente investigativo previsto no artigo 2º,
inciso II, da Lei nº.9.034/95, precedidas de autorização judicial.
5. No transcorrer de ações controladas, pela sua própria natureza de
espreita investigativa, é natural que o objeto do crime se perca, de forma
a inviabilizar que a prova da materialidade do crime, se daqueles que deixam
vestígio, se faça por meio de exame pericial, nos termos do artigo 158 do
Código de Processo Penal, de forma a incidir o disposto no artigo 167 do
citado código.
6. O crime de descaminho não é daqueles que deixam vestígios, sendo
desnecessário o exame de corpo de delito.
7. Inaplicável, ao caso, o princípio da insignificância, uma vez que todo o
esquema para a internação das mercadorias descaminhadas envolvia "despesas"
de alto custo, como o pagamento de propina para cada mala internada, "escolta",
passagem aérea e hospedagem dos "mulas", quantias estas desembolsadas pelos
comerciantes, já que o valor dos bens internados fraudulentamente superava
em muito o que haviam pago para fazer frentes àquelas "despesas".
8. Descabe a alegada atipicidade da conduta pela aplicação do princípio
da adequação social, uma vez que não há inércia ou condescendência
do Estado com relação ao crime de descaminho, cujo preceito proibitivo
tutela bens jurídicos de extrema relevância, tais como a proteção ao
erário público, diretamente atingido pela evasão de renda derivada das
operações clandestinas ou fraudulentas, a moralidade pública com punição
de importação e exportação de mercadoria proibida, bem assim a indústria
e a economia nacionais, fortalecendo as barreiras alfandegárias.
9. A materialidade do crime descrito no artigo 334 do Código Penal restou
demonstrada pelo conjunto probatório, assim como a autoria em face da prova
colhida no transcorrer da instrução criminal.
10. Comprovadas a materialidade e autoria delitiva dos crimes de corrupção
passiva e ativa previstos nos artigos 317 e 333 do Código Penal.
11 - Dosimetria. Redimensionamento das penas.
12 - A culpabilidade tida como elemento do crime não pode ser confundida com
a culpabilidade prevista no artigo 59 do Código Penal, que diz respeito
à reprovabilidade, à censurabilidade da conduta. Nesse diapasão, o
fundamento de que os réus possuíam conhecimento do caráter ilícito do
fato e condições de autodeterminação não se presta à exasperação da
pena-base.
13 - A culpabilidade, entendida para fins de dosimetria como reprovabilidade
concreta da ação delitiva, não foge ao ordinário, assim como o motivo
do crime.
14 - No tocante a personalidade dos réus, que deve ser avaliada de acordo com
as qualidades morais do agente, inexiste nos autos elementos para fundamentar
um juízo negativo.
15 - Quanto aos motivos do crime, consigno que a conduta dos réus ter
por finalidade o lucro fácil não extrapola o ordinário em crimes dessa
espécie, razão pela qual não se presta a exasperação da reprimenda base.
16 - Não há como se aquilatar tenham as consequências do crime ultrapassado
os resultados já inerentes ao tipo penal. Afastada a valoração negativa
das consequências do crime no cálculo da fixação da pena base dos crimes
de descaminho, facilitação de descaminho, corrupção passiva e corrupção
ativa.
17 - Considerados os elementos probantes colhidos nos autos, enseja dúvida
se foi realmente VALTER JOSÉ DE SANTANA ou CHUNG CHOUL LEE quem promoveu,
organizou a cooperação no delito ou mesmo dirigiu a atividade dos demais
corréus. Diante da incerteza mencionada, não incide a agravante do artigo
62, inciso I, do Código Penal.
18 - O preceito secundário do artigo 334, "caput", do CP não prevê a pena
de multa, razão pela qual deve ser afastada a incidência.
19 - À apuração da pena de multa aplicam-se os mesmos parâmetros utilizados
na fixação da pena privativa de liberdade.
20 - O valor do dia-multa deve guardar observância ao disposto no artigo
60 do Código Penal, que estatui como norte a situação financeira dos réus.
21 - Aplicação do entendimento firmado no Supremo Tribunal Federal, que
no julgamento do HC 126.292-SP reinterpretou o princípio da presunção de
inocência, reconhecendo que "A execução provisória de acórdão penal
condenatório proferido em grau de apelação, ainda que sujeito a recurso
especial ou extraordinário, não compromete o princípio constitucional
da presunção de inocência afirmado pelo artigo 5º, inciso LVII da
Constituição Federal", e em sessão de 05 de outubro de 2016 indeferiu
liminares pleiteadas nas Ações Declaratórias de Constitucionalidade 43
e 44, entendendo que o art. 283 do Código de Processo Penal não veda o
início do cumprimento da pena após esgotadas as instâncias ordinárias.
22 - Parcialmente provido o recurso de apelação do Ministério Público
Federal.
23 - Parcialmente providas as apelações de VALTER JOSÉ DE SANTANA e MARIA
DE LOURDES MOREIRA e CHUNG CHOUL LEE.Decisão
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas,
decide a Egrégia Décima Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª
Região, por unanimidade, rejeitar as preliminares arguidas pelos apelantes;
dar parcial provimento ao recurso do MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, a fim
de elevar o valor de cada dia-multa de VALTER JOSÉ DE SANTANA e MARIA DE
LOURDES MOREIRA para 2 (dois) salários mínimos; dar parcial provimento
ao recurso de VALTER JOSÉ DE SANTANA para, mantendo a condenação pela
prática do crime do artigo 317, § 1º CP, redimensionar a pena fixada em
1º grau para 3 (três) anos, 6 (seis) meses e 20 (vinte) dias de reclusão,
a ser cumprida em regime aberto, e 17 (dezessete) dias multa e, nos termos
do art. 44 do Código Penal, substituir a pena privativa de liberdade por
duas penas restritivas de direitos, consubstanciadas em uma de prestação de
serviços à comunidade e uma de prestação pecuniária no valor de 2 (dois)
salários mínimos, a ser destinada à União Federal, conforme entendimento
adotado por esta Turma; dar parcial provimento ao recurso de MARIA DE LOURDES
MOREIRA para, mantendo a condenação pela prática do crime do artigo 317,
§ 1º do CP, redimensionar a pena fixada em 1º grau para 3 (três) anos, 6
(seis) meses e 20 (vinte) dias de reclusão, a ser cumprida em regime aberto,
e 17 (dezessete) dias multa e, nos termos do art. 44 do Código Penal,
substituir a pena privativa de liberdade por duas penas restritivas de
direitos, consubstanciadas em uma de prestação de serviços à comunidade
e uma de prestação pecuniária no valor de 2 (dois) salários mínimos,
a ser destinada à União Federal, conforme entendimento adotado por esta
Turma; dar parcial provimento ao recurso de CHUNG CHOUL LEE para, mantendo
a condenação pela prática dos crimes dos artigos 333, parágrafo único e
334 do Código Penal, redimensionar a pena fixada em 1º grau para 4 (quatro)
anos, 10 (dez) meses e 20 (vinte) dias de reclusão, a ser cumprida em regime
inicial semiaberto, e 17 (dezessete) dias multa; exauridos os recursos nesta
Corte, expeça-se Carta de Sentença, bem como comunique-se ao Juízo de
Origem para o início da execução das penas impostas aos réus, nos termos
do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Data do Julgamento
:
31/01/2017
Data da Publicação
:
09/02/2017
Classe/Assunto
:
ACR - APELAÇÃO CRIMINAL - 49348
Órgão Julgador
:
DÉCIMA PRIMEIRA TURMA
Relator(a)
:
DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI
Comarca
:
TRIBUNAL - TERCEIRA REGIÃO
Tipo
:
Acórdão
Observações
:
ADCS 43 E 44;
STF HC 126.292/SP.
Referência
legislativa
:
***** CP-40 CÓDIGO PENAL DE 1940
LEG-FED DEL-2848 ANO-1940 ART-334 ART-333 ART-59 ART-60 ART-317 PAR-1
ART-44
LEG-FED LEI-9034 ANO-1995 ART-2 INC-2
***** CPP-41 CÓDIGO DE PROCESSO PENAL
LEG-FED DEL-3689 ANO-1941 ART-158 ART-167 ART-283
***** CF-1988 CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988
LEG-FED ANO-1988 ART-5 INC-57
Fonte da publicação
:
e-DJF3 Judicial 1 DATA:09/02/2017
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