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Jurisprudência


TRF3 0006512-89.2014.4.03.6110 00065128920144036110

Ementa
PENAL E PROCESSO PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. OPERAÇÃO "DARK SIDE". CHEFE DOS INVESTIGADORES DO DENARC. TRÁFICO TRANSNACIONAL DE DROGAS. ARTIGO 33, C.C. ART. 40, I, LEI N.º 11.343/2006. PECULATO. ART. 312, CP. CORRUPÇÃO PASSIVA. ART. 317, PARÁGRAFO 1º, CP. PRELIMINARES AFASTADAS. ABSOLVIÇÃO DA PRÁTICA DE PECULATO POR INSUFICIÊNCIA DE PROVAS. DOSIMETRIA. MANUTENÇÃO DAS PENAS RELACIONADAS AOS DELITOS DE TRÁFICO DE DROGAS E CORRUPÇÃO PASSIVA. PROPORCIONALIDADE DA PENA DE MULTA. CONCURSO MATERIAL DE CRIMES. REFORMA PARCIAL DA SENTENÇA CONDENATÓRIA. 1- A controvérsia acerca da eventual suspeição do Exmo. Juízo da 1ª Vara Federal de Sorocaba-SP já foi solucionada nos autos da Exceção de Suspeição n.º 0004421-26.2014.403.6110. Ademais, não se demonstrou ter o acusado sofrido qualquer prejuízo concreto em virtude de suposta conduta parcial e/ou tendenciosa por parte do magistrado a quo, não se havendo de falar em nulidade. É inevitável que, desde a fase pré-processual, ou seja, durante o trâmite do inquérito policial, o juiz tome conhecimento do resultado das investigações produzidas pela polícia e que tais informações sejam mencionadas e levadas em conta sempre que o magistrado for chamado a se manifestar e/ou proferir decisões, o que não significa prejulgamento nem que o julgador, movido por sentimentos pessoais, esteja priorizando o interesse de uma das partes ou descumprindo seu dever de atuar com imparcialidade, mas sim revela o zelo do magistrado pelo compromisso de proferir decisões justas e devidamente motivadas. Mesmo que não tenha sido dada ao defensor do acusado a oportunidade de formular perguntas no bojo das demais ações penais relacionadas à operação "dark side" (em que seu cliente não figurou como réu), é certo que o patrono teve amplo acesso às audiências e atos processuais produzidos no bojo dos presentes autos, em que foram produzidas todas as provas que embasaram a condenação, de modo que não se haveria de falar em prejuízo para a defesa. O que se verifica, portanto, não é a suspeição do magistrado, mas sim o inconformismo da parte com o teor do que foi decidido, até porque nenhuma das causas de suspeição previstas no art. 254 do CPP foi identificada. 2- A controvérsia acerca da eventual incompetência do r. juízo a quo para a apreciação de feitos relacionados à operação "dark side" já foi solucionada tanto nos autos do Habeas Corpus nº. 0017143-26.2013.4.030000/SP (ordem denegada em 26.11.2013, em votação unânime, pela E. 2ª Turma desta Corte) quanto nos autos da Exceção de Incompetência n.º 0004213-76.2013.4.03.6110 (julgada improcedente pelo r. juízo a quo em 05.12.2013). Inclusive, a mesma questão foi submetida à análise do C. STJ nos autos do Habeas Corpus n.º 286.241/SP (2014/0000220-8), em que o ora apelante figurou como paciente. Ademais, considerando a evidente conexão probatória dos fatos investigados na operação "dark side" com aqueles apurados nos autos nº. 0006166-17.2009.4.03.6110 (art. 76, III, do CPP) e tendo em vista os indícios de conexão intersubjetiva por concurso (art. 76, I, do CPP), conclui-se que a distribuição ao Juízo Federal da 1ª Vara Federal de Sorocaba-SP, por conexão, dos autos da interceptação telefônica n.º 0006053.58.2012.403.6110, a partir da qual se originaram todos os feitos relacionados à operação "dark side", não violou os princípios do juízo e do promotor natural. 3- A alegação de inépcia da denúncia somente pode ser acolhida se demonstrada inequívoca deficiência da peça exordial que impeça a compreensão da acusação, em flagrante prejuízo para a defesa, o que não se verificou no caso dos autos. 4- Compete ao juiz decidir sobre a necessidade e conveniência da produção das provas e diligências solicitadas, não havendo óbice a que o julgador, de maneira fundamentada, indefira provas que repute nitidamente impertinentes ou irrelevantes para a formação de sua convicção racional sobre os fatos, mesmo que a parte não as tenha requerido com intuito procrastinatório. Incumbia à defesa, ao longo da instrução criminal, providenciar e trazer aos autos cópias que eventualmente entendesse pertinentes (mediante o recolhimento das respectivas custas). Não foi apresentada qualquer prova no sentido de que tenha sido negado, ao(s) advogado(s) do réu, acesso a outros procedimentos, não se havendo de falar em prejuízo para a defesa, até porque todas as provas que embasaram a condenação foram produzidas no bojo dos presentes autos. 5- A decretação de interceptação telefônica mostrou-se adequada e necessária para o êxito das apurações e foi precedida de várias diligências e providências preliminares realizadas pela Polícia Federal. Foi franqueado à defesa o pleno acesso a todos os 50.481 (cinquenta mil, quatrocentos e oitenta e um) áudios de diálogos interceptados entre setembro de 2012 e fevereiro de 2013, os quais constam dos arquivos digitais acostados às fls. 183/184, de modo que não haveria razão para se determinar a transcrição integral de todas as conversas interceptadas, providência que, além de prolongar desnecessariamente o processo, poderia, eventualmente, violar o direito à intimidade de terceiros que se relacionaram com os denunciados. 6- Não se há de falar em cerceamento de defesa pelo indeferimento de diligências nitidamente inoportunas e que em nada alterariam o desfecho do caso. Agiu bem o r. juízo a quo ao indeferir a inquirição do Dr. Rodrigo Fogaça da Cruz, a fim de evitar que fossem violadas prerrogativas profissionais deste advogado, pois, conforme constou da r. sentença, "Rodrigo Fogaça da Cruz nada poderia esclarecer sobre a estratégia a ser adotada em relação a seus clientes, na medida em que incide no caso o artigo 207 do Código de Processo Penal (são proibidas de depor as pessoas que em razão de sua profissão devam guardar segredo)" (fl. 2.038). É evidente a impertinência de se diligenciar no sentido de apurar se os acusados Raimundo Nonato Ferreira e Humberto Otávio Bozzola foram visitados por seu próprio patrono entre os dias 16.02.2013 e 30.09.2013, uma vez que é esperado e natural que o advogado se comunique com seus clientes, a fim de elaborar e definir estratégias de defesa. Ademais, são irretocáveis os argumentos do r. juízo sentenciante no sentido de que "a existência de alguma solicitação de vantagem pecuniária deste em relação aos policiais no ano de 2013 é indagação não comprovada que deve ser dirimida em vias próprias, eis que não interfere na materialidade delitiva que está sendo apurada nas diversas ações penais em curso perante a 1ª Vara de Sorocaba, que envolvem um conjunto probatório muito amplo que sequer dependeria dos depoimentos dos réus tidos pela defesa como delatores" (fls. 2.039/2.040). 7- Constou da denúncia que a organização criminosa supostamente integrada pelo policial civil (chefe dos investigadores do DENARC) que aqui figura como apelante, com o intuito de aplicar o denominado "golpe da puxada", atraiu para o Brasil traficantes bolivianos e encetou negociações em torno da aquisição de cerca de 700 (setecentos) quilos de cocaína, dos quais: i) 106,7 quilos foram formalmente apreendidos e entregues ao DENARC em 23.10.2012 (B.O. às fls. 82/84); e ii) cerca de 600 quilos teriam sido apropriados, de forma sub-reptícia, pela organização criminosa, depois de, supostamente, terem sido encontrados escondidos no município de Suzano-SP. Assiste razão, em parte, à defesa, apenas quanto à alegação de que não restou suficientemente comprovada a materialidade delitiva em relação ao transporte e apropriação, pelos membros da organização criminosa, dos cerca de 600 (seiscentos) quilos de cocaína supostamente encontrados no município de Suzano-SP, pois o único elemento concreto que levou o juízo sentenciante à conclusão de que aquela cocaína (supostamente encontrada em Suzano-SP) existia e de que a quantidade exata era de 600 (seiscentos) quilos foi o depoimento de Adriana da Silva Nunes, elemento de prova que, embora seja convincente, não poderia, sozinho, ter embasado uma condenação. De qualquer sorte, se por um lado não há provas aptas a embasar juízo de certeza acerca de, em outubro de 2012, os membros da organização (supostamente integrada pelo ora apelante) terem transportado e guardado 600 (seiscentos) quilos de cocaína, por outro, é inconteste que eles adquiriram, no contexto de aplicação do denominado "golpe da puxada", ao menos os 106,7 quilos apreendidos no interior do veículo Kombi/CLV-5466, na rua Araguaia, 742, bairro Pari, São Paulo-SP (imagens às fls. 39/100 do IP). Em relação a esses 106,7 quilos, não resta dúvida sobre a comprovação da materialidade delitiva, já que, após a substância ter sido formalmente apreendida e entregue ao DENARC, ela foi regulamente submetida à perícia químico-toxicológica, que atestou tratar-se de cocaína (laudo juntado às fls. 88/99). 8- Atente-se que a denúncia imputou, dentre outras condutas, também a de adquirir (fl. 295), pela qual responde aquele que acerta preço, quantidade e qualidade da droga a ser trazida por terceiro. In casu, o conjunto probatório demonstrou cabalmente que os 106,7 quilos de cocaína apenas puderam ser formalmente apreendidos por Alexandre Cassimiro Lages e Mariano Aparecido Pino (ambos subordinados ao ora apelante), isto é, somente foram encontrados pelos policiais civis naquela data e local, porque, antes, os mesmos 106,7 quilos (pelo menos) foram negociados e adquiridos pela organização criminosa integrada por eles. Portanto, independentemente de a cocaína ter sido entregue ao DENARC (B.O. às fls. 82/84), o fato é que, na data da abordagem policial no bairro do Pari em São Paulo-SP, o delito de tráfico de drogas, na modalidade aquisição, já havia se consumado, justamente graças à atuação criminosa dos membros da organização, uma vez que foram eles que estabeleceram contato e negociaram com os narcotraficantes, isto é, foram os próprios policiais civis responsáveis pela apreensão que, juntamente com os demais membros da organização, adquiriram a droga proveniente da Bolívia. 9- A versão de que teria ocorrido uma "operação policial legítima" não se sustenta, até porque o Estado jamais destinou, oficialmente, qualquer verba operacional para uma suposta investigação/operação em curso no Guarujá-SP naquela data. Além disso, é indiscutível que a apreensão formal, em 23.10.2012, de 106,7 quilos de cocaína no bairro Pari (em São Paulo-SP) teve relação direta com as negociações travadas no dia anterior (no Guarujá-SP) entre os membros da organização criminosa (compradores) e os traficantes Heber Carlos Barbieri Escalante e Milton Rodrigues da Costa (fornecedores da droga). 10- O conjunto probatório demonstrou a autoria delitiva de ANDRÉ ANTÔNIO ROCHA DE SOUZA. Além do depoimento prestado por Raimundo Nonato Ferreira ("Pereira" - mídia à fl. 1.527), também os depoimentos de Marcelo Athiê ("Italiano" - mídia à fl. 1.527), João Batista Almeida ("Jhonny" - mídia à fl. 1.527) e Humberto Otávio Bozzola ("Sertanejo" - mídia à fl. 1.527), todos indivíduos que, embora não fossem policiais, atuavam, supostamente, a serviço da organização criminosa, nos levam a crer que o ora apelante, apelidado de "ANDRÉ Boca", na condição de chefe dos investigadores do DENARC, não apenas teve plena ciência da negociação que ocorreu no Guarujá-SP em outubro de 2012, como efetivamente coordenou a atuação de Alexandre Cassimiro Lages (policial civil subordinado a ele e que foi um dos responsáveis diretos pela aquisição dos aludidos 106,7 quilos de cocaína). Os quatro depoentes foram coesos ao afirmar que ANDRÉ ANTÔNIO ROCHA DE SOUZA não só soube de tudo o que se passou no Guarujá em outubro de 2012 como coordenou as ações delitivas perpetradas pela organização. Tais depoimentos merecem credibilidade na medida em que são corroborados por diálogos interceptados (áudios n.º 28356704, n.º 28438573 e n.º 28466738 - mídia à fl. 183) e considerando que Mariano Aparecido Pino admitiu que, na noite em que foi lavrado o flagrante, ANDRÉ ANTÔNIO ROCHA DE SOUZA estava presente na delegacia, fato que revela mais um indício de que o ora apelante acompanhou de perto a conduta de seus subordinados naquela ocasião. 11- Embora ANDRÉ ANTÔNIO ROCHA DE SOUZA (mídia à fl. 1.564) tenha afirmado que, em outubro de 2012, havia uma investigação legítima em curso no Guarujá-SP, a qual, segundo o ora apelante, "não deu certo" e da qual seus superiores tinham pleno conhecimento, chama atenção e inspira desconfiança o fato de a delegada titular do DENARC (Sandra Márcia Buzati) não ter confirmado essa versão e sequer ter se recordado da existência de qualquer investigação realizada no Guarujá-SP naquela época. Apesar de Alexandre Cassimiro Lages e ANDRÉ ANTÔNIO ROCHA DE SOUZA terem negado qualquer ligação entre a prisão em flagrante de José Anacleto (realizada no bairro do Pari, em São Paulo) e uma suposta investigação que estaria ocorrendo no Guarujá-SP, as provas acostadas aos autos demonstraram, de forma cabal, que os aludidos 106,7 quilos de cocaína formalmente apreendidos por Alexandre Cassimiro Lages e Mariano Aparecido Pino em 23.10.2012 haviam sido, na verdade, adquiridos dos traficantes Milton Rodrigues da Costa e Heber Carlos Barbieri Escalante após negociação (travada no Guarujá-SP) conduzida pelo próprio Alexandre Cassimiro Lages (fazendo-se passar por "Vagner") e por Marcelo Athiê (fazendo-se passar por "Italiano"). Portanto, não é verossímil que o ora apelante nada soubesse acerca dos fatos ocorridos entre os dias 21.10.2012 (quando Milton Rodrigues da Costa desembarcou em São Paulo) e 24.10.2012 (dia em que os policiais do DENARC se dirigiram ao Guarujá-SP e liberaram Milton Rodrigues da Costa, Heber Carlos Barbieri Escalante e Adriana da Silva Nunes). Embora os telefones utilizados por ANDRÉ ANTÔNIO ROCHA DE SOUZA não tenham sido diretamente interceptados (conforme esclareceu o policial federal Wellington Dias Moreira - mídia à fl. 1.194), foi possível identificar sua ciência e efetiva adesão à empreitada criminosa, tanto graças às menções à sua pessoa por parte de outros membros da organização quanto em virtude de conversas travadas entre ele (ANDRÉ ANTÔNIO ROCHA DE SOUZA) e Alexandre Cassimiro Lages (cujo telefone foi interceptado). Alexandre Cassimiro Lages costumava reportar seus passos ao chefe ANDRÉ ANTÔNIO ROCHA DE SOUZA e, especialmente no dia em que o traficante Milton Rodrigues da Costa chegou ao Guarujá-SP (21.10.2012), vale dizer, no dia em que Alexandre Cassimiro Lages e Marcelo Athiê iniciaram a negociação relacionada à aquisição dos aludidos 106,7 quilos de cocaína, ANDRÉ ANTÔNIO ROCHA DE SOUZA foi expressamente informado por Alexandre Cassimiro Lages de que este se deslocaria à "baixada" por causa da chegada "de uma pessoa aí, né, um alvo" (palavras do próprio Alexandre Cassimiro Lages no diálogo n.º 28438573 - mídia à fl. 183). 12- Essa convicção é reforçada por outros diálogos interceptados, os quais, embora não se refiram diretamente ao episódio do Guarujá-SP (ocorrido em outubro de 2012), foram travados de maneira absolutamente espontânea, isto é, quando os interlocutores sequer desconfiavam estar sendo monitorados pela Polícia Federal e demonstram que ANDRÉ ANTÔNIO ROCHA DE SOUZA tinha pleno conhecimento de todo o esquema criminoso engendrado pela organização (áudios n.º 28484091, n.º 29248487, n.º 29519972, n.º 29520499, n.º 29520006, n.º 29465744, n.º 29421937, n.º 29455071, n.º 29462898, n.º 29478453, n.º 29487296, n.º 29487499, n.º 29465626 e n.º 29485350 - mídia à fl. 184). 13- É de rigor a absolvição do réu em relação ao delito de peculato. Nem os diálogos interceptados nem qualquer outro elemento de prova revelaram se os policiais efetivamente encontraram cocaína em Suzano-SP, ou qual teria sido a quantidade encontrada. Embora seja crível que os 106,7 quilos formalmente apreendidos e entregues ao DENARC fossem parte de um todo que totalizava 700 (setecentos) quilos e apesar de ser plausível a versão no sentido de que os policiais civis teriam localizado e se apropriado, de forma sub-reptícia, do restante da droga (cerca de 600 quilos) - já que restou evidenciado que era este o modus operandi usualmente empregado pela organização criminosa - o fato é que, in casu, não é possível afirmar se, nesse contexto de "golpe da puxada", teria havido prévia aquisição de quantidade além daquela que, comprovadamente, foi objeto do delito de tráfico transnacional de drogas (106,7 quilos de cocaína), de modo que, ante a ausência de provas suficientemente robustas a esse respeito, deve prevalecer a regra de julgamento in dubio pro reo. 14- A manutenção da condenação do ora apelante pela prática de corrupção passiva é medida que se impõe. São irrefutáveis as provas de que Alexandre Casimiro Lages e Mariano Aparecido Pino (policiais do DENARC subordinados a ANDRÉ ANTÔNIO ROCHA DE SOUZA) solicitaram dinheiro para que Milton Rodrigues da Costa, Adriana da Silva Nunes e Heber Carlos Barbieri Escalante não fossem presos, bem como ficou demonstrado que Milton Rodrigues da Costa efetuou o pagamento de dois milhões de reais aos policiais (equivalentes a um milhão de dólares na época). Em tendo restado comprovado que ANDRÉ ANTÔNIO ROCHA DE SOUZA sabia sobre a chegada do traficante Milton Rodrigues da Costa ao Guarujá-SP no dia 21.10.2012 e acompanhou de perto (inclusive pessoalmente) a apreensão no bairro do Pari (em São Paulo) realizada por seus subordinados (Alexandre Cassimiro Lages e Mariano Aparecido) no dia 23.10.2012, não poderia ser outra a conclusão senão a de que o ora apelante anuiu à conduta de solicitar propina ao traficante Milton Rodrigues da Costa, até porque, nesse contexto, não havia como ANDRÉ ANTÔNIO ROCHA DE SOUZA desconhecer o fato de que aquele traficante foi mantido em poder dos policiais desde a noite de 23.10.2012 até a manhã seguinte (cf. diálogos n.º 28453771, n.º 28455233, n.º 28455191, n.º 28455201 e n.º 28455293 - mídia à fl. 183). Inclusive, em diálogo travado em 25.10.2012 (n.º 28466738), dia seguinte àquele em que Adriana da Silva Nunes, Heber Carlos Barbieri Escalante e Milton Rodrigues da Costa teriam sido liberados (no Guarujá-SP) pelos policiais, Raimundo Nonato Fereira ("Pereira"), se referindo ao "Dólar" (Alexandre Cassimiro Lages), diz para Marcelo Athiê: "(...) o Dólar surtou, mano (...) tem que dar dinheiro pro chefe, pro apoio lá, meu (...)". 15- Quanto à dosimetria da pena relacionada ao tráfico transnacional de drogas, agiu bem o r. juízo ao fixar a pena-base acima do mínimo legal, determinação que está de acordo com o princípio da individualização da pena e atende aos critérios que costumam ser adotados pela jurisprudência desta E. Corte, considerando a natureza da droga e a quantidade envolvida (inteligência do art. 42 da Lei n.º 11.343/2006). Quanto à alegação de que o r. juízo a quo "considerou na primeira fase o mesmo vetor (função pública) que serviu de agravante na segunda fase" (fl. 2.330), esclareço que, de fato, a "violação de dever inerente a cargo" constitui circunstância agravante prevista no art. 61, II, "g", do CP, a qual deve ser valorada na segunda fase da dosimetria de pena, de modo que seria descabida, na primeira fase, a majoração da pena-base simplesmente por se tratar o réu de um policial civil. Ocorre que, in casu, o que fundamentou o aumento da pena-base em mais 15 (quinze) meses não foi, simplesmente, o fato de o réu pertencer aos quadros da polícia civil (circunstância que, por si só, não poderia ensejar o incremento da pena na primeira fase da dosimetria), mas sim a maior reprovabilidade da conduta de ANDRÉ ANTONIO ROCHA DE SOUZA que, além de ocupar cargo de policial civil na época dos fatos, ostentava, também, a posição de chefe dos investigadores do DENARC, o que tornou ainda mais elevada a reprovabilidade de sua conduta. Portanto, agiu bem o r. juízo sentenciante ao acrescer mais quinze meses à pena-base, na medida em que, conforme constou da r. sentença, "representa uma reprovabilidade maior a conduta daquele que exerce a função de chefe dos demais policiais no serviço público, eis que deveria zelar e controlar a conduta dos seus subordinados e não aderir à conduta criminosa" (fl. 2.127). Na segunda fase, identificada a presença da circunstância agravante prevista no art. 61, II, "g", do Código Penal, por ter havido "violação de dever inerente ao cargo" (fl. 2.129), já que o réu era policial civil lotado no DENARC, cuja atribuição funcional era, justamente, a de combater o tráfico de entorpecentes, deve ser mantida a majoração da pena em 20 (vinte) meses. Na terceira fase, deve incidir a causa de aumento prevista no art. 40, I, da Lei n.º 11.343/2006. 16- Quanto à dosimetria da pena relacionada à corrupção passiva, o quantum deve ser mantido tal como foi fixado na r. sentença. 17- A aplicação da pena de multa deve ter como base os postulados constitucionais tanto da proporcionalidade (decorrente da incidência das regras de devido processual legal sob o aspecto substantivo - art. 5º, LIV) quanto da individualização da pena (art. 5º, XLVI), ambos premissas basilares do Direito Penal. 18- Apelação do réu à qual se dá parcial provimento, a fim de absolvê-lo da prática do delito de peculato, mantendo as penas relacionadas aos delitos de tráfico transnacional de drogas e corrupção passiva tal como foram fixadas na r. sentença.
Decisão
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Décima Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, REJEITAR as preliminares e DAR PARCIAL PROVIMENTO à Apelação da Defesa para absolver o réu da prática do delito de peculato, bem como para manter as condenações referentes aos delitos de tráfico transnacional de drogas e corrupção passiva, em concurso material, e, por maioria, manter as penas referentes aos crimes de tráfico transnacional de drogas e corrupção passiva, tais como fixadas na sentença, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Data do Julgamento : 24/07/2018
Data da Publicação : 03/08/2018
Classe/Assunto : Ap. - APELAÇÃO CRIMINAL - 63442
Órgão Julgador : DÉCIMA PRIMEIRA TURMA
Relator(a) : DESEMBARGADOR FEDERAL FAUSTO DE SANCTIS
Comarca : TRIBUNAL - TERCEIRA REGIÃO
Tipo : Acórdão
Referência legislativa : ***** LDR-06 LEI DE DROGAS LEG-FED LEI-11343 ANO-2006 ART-40 INC-1 ART-33 ***** CP-40 CÓDIGO PENAL DE 1940 LEG-FED DEL-2848 ANO-1940 ART-312 ART-317 PAR-1 ART-61 INC-2 LET-G ART-5 INC-54 INC-46 ***** CPP-41 CÓDIGO DE PROCESSO PENAL LEG-FED DEL-3689 ANO-1941 ART-254 ART-76 INC-3 INC-1
Fonte da publicação : e-DJF3 Judicial 1 DATA:03/08/2018 ..FONTE_REPUBLICACAO:
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