TRF3 0006512-89.2014.4.03.6110 00065128920144036110
PENAL E PROCESSO PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. OPERAÇÃO "DARK SIDE". CHEFE
DOS INVESTIGADORES DO DENARC. TRÁFICO TRANSNACIONAL DE DROGAS. ARTIGO 33,
C.C. ART. 40, I, LEI N.º 11.343/2006. PECULATO. ART. 312, CP. CORRUPÇÃO
PASSIVA. ART. 317, PARÁGRAFO 1º, CP. PRELIMINARES AFASTADAS. ABSOLVIÇÃO DA
PRÁTICA DE PECULATO POR INSUFICIÊNCIA DE PROVAS. DOSIMETRIA. MANUTENÇÃO
DAS PENAS RELACIONADAS AOS DELITOS DE TRÁFICO DE DROGAS E CORRUPÇÃO
PASSIVA. PROPORCIONALIDADE DA PENA DE MULTA. CONCURSO MATERIAL DE
CRIMES. REFORMA PARCIAL DA SENTENÇA CONDENATÓRIA.
1- A controvérsia acerca da eventual suspeição do Exmo. Juízo da 1ª
Vara Federal de Sorocaba-SP já foi solucionada nos autos da Exceção de
Suspeição n.º 0004421-26.2014.403.6110. Ademais, não se demonstrou ter
o acusado sofrido qualquer prejuízo concreto em virtude de suposta conduta
parcial e/ou tendenciosa por parte do magistrado a quo, não se havendo
de falar em nulidade. É inevitável que, desde a fase pré-processual, ou
seja, durante o trâmite do inquérito policial, o juiz tome conhecimento
do resultado das investigações produzidas pela polícia e que tais
informações sejam mencionadas e levadas em conta sempre que o magistrado
for chamado a se manifestar e/ou proferir decisões, o que não significa
prejulgamento nem que o julgador, movido por sentimentos pessoais, esteja
priorizando o interesse de uma das partes ou descumprindo seu dever de atuar
com imparcialidade, mas sim revela o zelo do magistrado pelo compromisso de
proferir decisões justas e devidamente motivadas. Mesmo que não tenha sido
dada ao defensor do acusado a oportunidade de formular perguntas no bojo das
demais ações penais relacionadas à operação "dark side" (em que seu
cliente não figurou como réu), é certo que o patrono teve amplo acesso
às audiências e atos processuais produzidos no bojo dos presentes autos,
em que foram produzidas todas as provas que embasaram a condenação, de modo
que não se haveria de falar em prejuízo para a defesa. O que se verifica,
portanto, não é a suspeição do magistrado, mas sim o inconformismo da
parte com o teor do que foi decidido, até porque nenhuma das causas de
suspeição previstas no art. 254 do CPP foi identificada.
2- A controvérsia acerca da eventual incompetência do r. juízo a quo
para a apreciação de feitos relacionados à operação "dark side" já foi
solucionada tanto nos autos do Habeas Corpus nº. 0017143-26.2013.4.030000/SP
(ordem denegada em 26.11.2013, em votação unânime, pela E. 2ª
Turma desta Corte) quanto nos autos da Exceção de Incompetência n.º
0004213-76.2013.4.03.6110 (julgada improcedente pelo r. juízo a quo em
05.12.2013). Inclusive, a mesma questão foi submetida à análise do C. STJ
nos autos do Habeas Corpus n.º 286.241/SP (2014/0000220-8), em que o ora
apelante figurou como paciente. Ademais, considerando a evidente conexão
probatória dos fatos investigados na operação "dark side" com aqueles
apurados nos autos nº. 0006166-17.2009.4.03.6110 (art. 76, III, do CPP)
e tendo em vista os indícios de conexão intersubjetiva por concurso
(art. 76, I, do CPP), conclui-se que a distribuição ao Juízo Federal da
1ª Vara Federal de Sorocaba-SP, por conexão, dos autos da interceptação
telefônica n.º 0006053.58.2012.403.6110, a partir da qual se originaram
todos os feitos relacionados à operação "dark side", não violou os
princípios do juízo e do promotor natural.
3- A alegação de inépcia da denúncia somente pode ser acolhida se
demonstrada inequívoca deficiência da peça exordial que impeça a
compreensão da acusação, em flagrante prejuízo para a defesa, o que não
se verificou no caso dos autos.
4- Compete ao juiz decidir sobre a necessidade e conveniência da
produção das provas e diligências solicitadas, não havendo óbice a que
o julgador, de maneira fundamentada, indefira provas que repute nitidamente
impertinentes ou irrelevantes para a formação de sua convicção racional
sobre os fatos, mesmo que a parte não as tenha requerido com intuito
procrastinatório. Incumbia à defesa, ao longo da instrução criminal,
providenciar e trazer aos autos cópias que eventualmente entendesse
pertinentes (mediante o recolhimento das respectivas custas). Não foi
apresentada qualquer prova no sentido de que tenha sido negado, ao(s)
advogado(s) do réu, acesso a outros procedimentos, não se havendo de falar
em prejuízo para a defesa, até porque todas as provas que embasaram a
condenação foram produzidas no bojo dos presentes autos.
5- A decretação de interceptação telefônica mostrou-se adequada e
necessária para o êxito das apurações e foi precedida de várias
diligências e providências preliminares realizadas pela Polícia
Federal. Foi franqueado à defesa o pleno acesso a todos os 50.481 (cinquenta
mil, quatrocentos e oitenta e um) áudios de diálogos interceptados
entre setembro de 2012 e fevereiro de 2013, os quais constam dos arquivos
digitais acostados às fls. 183/184, de modo que não haveria razão para
se determinar a transcrição integral de todas as conversas interceptadas,
providência que, além de prolongar desnecessariamente o processo, poderia,
eventualmente, violar o direito à intimidade de terceiros que se relacionaram
com os denunciados.
6- Não se há de falar em cerceamento de defesa pelo indeferimento de
diligências nitidamente inoportunas e que em nada alterariam o desfecho do
caso. Agiu bem o r. juízo a quo ao indeferir a inquirição do Dr. Rodrigo
Fogaça da Cruz, a fim de evitar que fossem violadas prerrogativas
profissionais deste advogado, pois, conforme constou da r. sentença,
"Rodrigo Fogaça da Cruz nada poderia esclarecer sobre a estratégia a ser
adotada em relação a seus clientes, na medida em que incide no caso o artigo
207 do Código de Processo Penal (são proibidas de depor as pessoas que em
razão de sua profissão devam guardar segredo)" (fl. 2.038). É evidente
a impertinência de se diligenciar no sentido de apurar se os acusados
Raimundo Nonato Ferreira e Humberto Otávio Bozzola foram visitados por
seu próprio patrono entre os dias 16.02.2013 e 30.09.2013, uma vez que
é esperado e natural que o advogado se comunique com seus clientes, a fim
de elaborar e definir estratégias de defesa. Ademais, são irretocáveis
os argumentos do r. juízo sentenciante no sentido de que "a existência de
alguma solicitação de vantagem pecuniária deste em relação aos policiais
no ano de 2013 é indagação não comprovada que deve ser dirimida em vias
próprias, eis que não interfere na materialidade delitiva que está sendo
apurada nas diversas ações penais em curso perante a 1ª Vara de Sorocaba,
que envolvem um conjunto probatório muito amplo que sequer dependeria dos
depoimentos dos réus tidos pela defesa como delatores" (fls. 2.039/2.040).
7- Constou da denúncia que a organização criminosa supostamente integrada
pelo policial civil (chefe dos investigadores do DENARC) que aqui figura
como apelante, com o intuito de aplicar o denominado "golpe da puxada",
atraiu para o Brasil traficantes bolivianos e encetou negociações em
torno da aquisição de cerca de 700 (setecentos) quilos de cocaína, dos
quais: i) 106,7 quilos foram formalmente apreendidos e entregues ao DENARC
em 23.10.2012 (B.O. às fls. 82/84); e ii) cerca de 600 quilos teriam
sido apropriados, de forma sub-reptícia, pela organização criminosa,
depois de, supostamente, terem sido encontrados escondidos no município de
Suzano-SP. Assiste razão, em parte, à defesa, apenas quanto à alegação
de que não restou suficientemente comprovada a materialidade delitiva em
relação ao transporte e apropriação, pelos membros da organização
criminosa, dos cerca de 600 (seiscentos) quilos de cocaína supostamente
encontrados no município de Suzano-SP, pois o único elemento concreto
que levou o juízo sentenciante à conclusão de que aquela cocaína
(supostamente encontrada em Suzano-SP) existia e de que a quantidade exata
era de 600 (seiscentos) quilos foi o depoimento de Adriana da Silva Nunes,
elemento de prova que, embora seja convincente, não poderia, sozinho,
ter embasado uma condenação. De qualquer sorte, se por um lado não há
provas aptas a embasar juízo de certeza acerca de, em outubro de 2012, os
membros da organização (supostamente integrada pelo ora apelante) terem
transportado e guardado 600 (seiscentos) quilos de cocaína, por outro, é
inconteste que eles adquiriram, no contexto de aplicação do denominado
"golpe da puxada", ao menos os 106,7 quilos apreendidos no interior do
veículo Kombi/CLV-5466, na rua Araguaia, 742, bairro Pari, São Paulo-SP
(imagens às fls. 39/100 do IP). Em relação a esses 106,7 quilos, não
resta dúvida sobre a comprovação da materialidade delitiva, já que,
após a substância ter sido formalmente apreendida e entregue ao DENARC,
ela foi regulamente submetida à perícia químico-toxicológica, que atestou
tratar-se de cocaína (laudo juntado às fls. 88/99).
8- Atente-se que a denúncia imputou, dentre outras condutas, também
a de adquirir (fl. 295), pela qual responde aquele que acerta preço,
quantidade e qualidade da droga a ser trazida por terceiro. In casu, o
conjunto probatório demonstrou cabalmente que os 106,7 quilos de cocaína
apenas puderam ser formalmente apreendidos por Alexandre Cassimiro Lages
e Mariano Aparecido Pino (ambos subordinados ao ora apelante), isto é,
somente foram encontrados pelos policiais civis naquela data e local, porque,
antes, os mesmos 106,7 quilos (pelo menos) foram negociados e adquiridos pela
organização criminosa integrada por eles. Portanto, independentemente de a
cocaína ter sido entregue ao DENARC (B.O. às fls. 82/84), o fato é que,
na data da abordagem policial no bairro do Pari em São Paulo-SP, o delito
de tráfico de drogas, na modalidade aquisição, já havia se consumado,
justamente graças à atuação criminosa dos membros da organização, uma vez
que foram eles que estabeleceram contato e negociaram com os narcotraficantes,
isto é, foram os próprios policiais civis responsáveis pela apreensão
que, juntamente com os demais membros da organização, adquiriram a droga
proveniente da Bolívia.
9- A versão de que teria ocorrido uma "operação policial legítima" não
se sustenta, até porque o Estado jamais destinou, oficialmente, qualquer
verba operacional para uma suposta investigação/operação em curso no
Guarujá-SP naquela data. Além disso, é indiscutível que a apreensão
formal, em 23.10.2012, de 106,7 quilos de cocaína no bairro Pari (em São
Paulo-SP) teve relação direta com as negociações travadas no dia anterior
(no Guarujá-SP) entre os membros da organização criminosa (compradores)
e os traficantes Heber Carlos Barbieri Escalante e Milton Rodrigues da Costa
(fornecedores da droga).
10- O conjunto probatório demonstrou a autoria delitiva de ANDRÉ ANTÔNIO
ROCHA DE SOUZA. Além do depoimento prestado por Raimundo Nonato Ferreira
("Pereira" - mídia à fl. 1.527), também os depoimentos de Marcelo Athiê
("Italiano" - mídia à fl. 1.527), João Batista Almeida ("Jhonny" - mídia
à fl. 1.527) e Humberto Otávio Bozzola ("Sertanejo" - mídia à fl. 1.527),
todos indivíduos que, embora não fossem policiais, atuavam, supostamente,
a serviço da organização criminosa, nos levam a crer que o ora apelante,
apelidado de "ANDRÉ Boca", na condição de chefe dos investigadores do
DENARC, não apenas teve plena ciência da negociação que ocorreu no
Guarujá-SP em outubro de 2012, como efetivamente coordenou a atuação
de Alexandre Cassimiro Lages (policial civil subordinado a ele e que foi
um dos responsáveis diretos pela aquisição dos aludidos 106,7 quilos de
cocaína). Os quatro depoentes foram coesos ao afirmar que ANDRÉ ANTÔNIO
ROCHA DE SOUZA não só soube de tudo o que se passou no Guarujá em outubro de
2012 como coordenou as ações delitivas perpetradas pela organização. Tais
depoimentos merecem credibilidade na medida em que são corroborados por
diálogos interceptados (áudios n.º 28356704, n.º 28438573 e n.º 28466738
- mídia à fl. 183) e considerando que Mariano Aparecido Pino admitiu que,
na noite em que foi lavrado o flagrante, ANDRÉ ANTÔNIO ROCHA DE SOUZA
estava presente na delegacia, fato que revela mais um indício de que o ora
apelante acompanhou de perto a conduta de seus subordinados naquela ocasião.
11- Embora ANDRÉ ANTÔNIO ROCHA DE SOUZA (mídia à fl. 1.564) tenha
afirmado que, em outubro de 2012, havia uma investigação legítima em
curso no Guarujá-SP, a qual, segundo o ora apelante, "não deu certo" e da
qual seus superiores tinham pleno conhecimento, chama atenção e inspira
desconfiança o fato de a delegada titular do DENARC (Sandra Márcia Buzati)
não ter confirmado essa versão e sequer ter se recordado da existência
de qualquer investigação realizada no Guarujá-SP naquela época. Apesar
de Alexandre Cassimiro Lages e ANDRÉ ANTÔNIO ROCHA DE SOUZA terem negado
qualquer ligação entre a prisão em flagrante de José Anacleto (realizada
no bairro do Pari, em São Paulo) e uma suposta investigação que estaria
ocorrendo no Guarujá-SP, as provas acostadas aos autos demonstraram, de
forma cabal, que os aludidos 106,7 quilos de cocaína formalmente apreendidos
por Alexandre Cassimiro Lages e Mariano Aparecido Pino em 23.10.2012 haviam
sido, na verdade, adquiridos dos traficantes Milton Rodrigues da Costa e
Heber Carlos Barbieri Escalante após negociação (travada no Guarujá-SP)
conduzida pelo próprio Alexandre Cassimiro Lages (fazendo-se passar por
"Vagner") e por Marcelo Athiê (fazendo-se passar por "Italiano"). Portanto,
não é verossímil que o ora apelante nada soubesse acerca dos fatos ocorridos
entre os dias 21.10.2012 (quando Milton Rodrigues da Costa desembarcou em
São Paulo) e 24.10.2012 (dia em que os policiais do DENARC se dirigiram ao
Guarujá-SP e liberaram Milton Rodrigues da Costa, Heber Carlos Barbieri
Escalante e Adriana da Silva Nunes). Embora os telefones utilizados por
ANDRÉ ANTÔNIO ROCHA DE SOUZA não tenham sido diretamente interceptados
(conforme esclareceu o policial federal Wellington Dias Moreira - mídia
à fl. 1.194), foi possível identificar sua ciência e efetiva adesão à
empreitada criminosa, tanto graças às menções à sua pessoa por parte
de outros membros da organização quanto em virtude de conversas travadas
entre ele (ANDRÉ ANTÔNIO ROCHA DE SOUZA) e Alexandre Cassimiro Lages (cujo
telefone foi interceptado). Alexandre Cassimiro Lages costumava reportar
seus passos ao chefe ANDRÉ ANTÔNIO ROCHA DE SOUZA e, especialmente no
dia em que o traficante Milton Rodrigues da Costa chegou ao Guarujá-SP
(21.10.2012), vale dizer, no dia em que Alexandre Cassimiro Lages e Marcelo
Athiê iniciaram a negociação relacionada à aquisição dos aludidos
106,7 quilos de cocaína, ANDRÉ ANTÔNIO ROCHA DE SOUZA foi expressamente
informado por Alexandre Cassimiro Lages de que este se deslocaria à "baixada"
por causa da chegada "de uma pessoa aí, né, um alvo" (palavras do próprio
Alexandre Cassimiro Lages no diálogo n.º 28438573 - mídia à fl. 183).
12- Essa convicção é reforçada por outros diálogos interceptados,
os quais, embora não se refiram diretamente ao episódio do Guarujá-SP
(ocorrido em outubro de 2012), foram travados de maneira absolutamente
espontânea, isto é, quando os interlocutores sequer desconfiavam estar sendo
monitorados pela Polícia Federal e demonstram que ANDRÉ ANTÔNIO ROCHA
DE SOUZA tinha pleno conhecimento de todo o esquema criminoso engendrado
pela organização (áudios n.º 28484091, n.º 29248487, n.º 29519972,
n.º 29520499, n.º 29520006, n.º 29465744, n.º 29421937, n.º 29455071,
n.º 29462898, n.º 29478453, n.º 29487296, n.º 29487499, n.º 29465626
e n.º 29485350 - mídia à fl. 184).
13- É de rigor a absolvição do réu em relação ao delito de peculato. Nem
os diálogos interceptados nem qualquer outro elemento de prova revelaram
se os policiais efetivamente encontraram cocaína em Suzano-SP, ou qual
teria sido a quantidade encontrada. Embora seja crível que os 106,7 quilos
formalmente apreendidos e entregues ao DENARC fossem parte de um todo que
totalizava 700 (setecentos) quilos e apesar de ser plausível a versão
no sentido de que os policiais civis teriam localizado e se apropriado, de
forma sub-reptícia, do restante da droga (cerca de 600 quilos) - já que
restou evidenciado que era este o modus operandi usualmente empregado pela
organização criminosa - o fato é que, in casu, não é possível afirmar
se, nesse contexto de "golpe da puxada", teria havido prévia aquisição
de quantidade além daquela que, comprovadamente, foi objeto do delito de
tráfico transnacional de drogas (106,7 quilos de cocaína), de modo que,
ante a ausência de provas suficientemente robustas a esse respeito, deve
prevalecer a regra de julgamento in dubio pro reo.
14- A manutenção da condenação do ora apelante pela prática de corrupção
passiva é medida que se impõe. São irrefutáveis as provas de que Alexandre
Casimiro Lages e Mariano Aparecido Pino (policiais do DENARC subordinados a
ANDRÉ ANTÔNIO ROCHA DE SOUZA) solicitaram dinheiro para que Milton Rodrigues
da Costa, Adriana da Silva Nunes e Heber Carlos Barbieri Escalante não fossem
presos, bem como ficou demonstrado que Milton Rodrigues da Costa efetuou o
pagamento de dois milhões de reais aos policiais (equivalentes a um milhão
de dólares na época). Em tendo restado comprovado que ANDRÉ ANTÔNIO ROCHA
DE SOUZA sabia sobre a chegada do traficante Milton Rodrigues da Costa ao
Guarujá-SP no dia 21.10.2012 e acompanhou de perto (inclusive pessoalmente)
a apreensão no bairro do Pari (em São Paulo) realizada por seus subordinados
(Alexandre Cassimiro Lages e Mariano Aparecido) no dia 23.10.2012, não
poderia ser outra a conclusão senão a de que o ora apelante anuiu à conduta
de solicitar propina ao traficante Milton Rodrigues da Costa, até porque,
nesse contexto, não havia como ANDRÉ ANTÔNIO ROCHA DE SOUZA desconhecer
o fato de que aquele traficante foi mantido em poder dos policiais desde a
noite de 23.10.2012 até a manhã seguinte (cf. diálogos n.º 28453771,
n.º 28455233, n.º 28455191, n.º 28455201 e n.º 28455293 - mídia à
fl. 183). Inclusive, em diálogo travado em 25.10.2012 (n.º 28466738),
dia seguinte àquele em que Adriana da Silva Nunes, Heber Carlos Barbieri
Escalante e Milton Rodrigues da Costa teriam sido liberados (no Guarujá-SP)
pelos policiais, Raimundo Nonato Fereira ("Pereira"), se referindo ao "Dólar"
(Alexandre Cassimiro Lages), diz para Marcelo Athiê: "(...) o Dólar surtou,
mano (...) tem que dar dinheiro pro chefe, pro apoio lá, meu (...)".
15- Quanto à dosimetria da pena relacionada ao tráfico transnacional de
drogas, agiu bem o r. juízo ao fixar a pena-base acima do mínimo legal,
determinação que está de acordo com o princípio da individualização da
pena e atende aos critérios que costumam ser adotados pela jurisprudência
desta E. Corte, considerando a natureza da droga e a quantidade envolvida
(inteligência do art. 42 da Lei n.º 11.343/2006). Quanto à alegação
de que o r. juízo a quo "considerou na primeira fase o mesmo vetor
(função pública) que serviu de agravante na segunda fase" (fl. 2.330),
esclareço que, de fato, a "violação de dever inerente a cargo" constitui
circunstância agravante prevista no art. 61, II, "g", do CP, a qual deve ser
valorada na segunda fase da dosimetria de pena, de modo que seria descabida,
na primeira fase, a majoração da pena-base simplesmente por se tratar o
réu de um policial civil. Ocorre que, in casu, o que fundamentou o aumento
da pena-base em mais 15 (quinze) meses não foi, simplesmente, o fato de o
réu pertencer aos quadros da polícia civil (circunstância que, por si só,
não poderia ensejar o incremento da pena na primeira fase da dosimetria),
mas sim a maior reprovabilidade da conduta de ANDRÉ ANTONIO ROCHA DE SOUZA
que, além de ocupar cargo de policial civil na época dos fatos, ostentava,
também, a posição de chefe dos investigadores do DENARC, o que tornou
ainda mais elevada a reprovabilidade de sua conduta. Portanto, agiu bem o
r. juízo sentenciante ao acrescer mais quinze meses à pena-base, na medida
em que, conforme constou da r. sentença, "representa uma reprovabilidade
maior a conduta daquele que exerce a função de chefe dos demais policiais
no serviço público, eis que deveria zelar e controlar a conduta dos seus
subordinados e não aderir à conduta criminosa" (fl. 2.127). Na segunda fase,
identificada a presença da circunstância agravante prevista no art. 61,
II, "g", do Código Penal, por ter havido "violação de dever inerente ao
cargo" (fl. 2.129), já que o réu era policial civil lotado no DENARC,
cuja atribuição funcional era, justamente, a de combater o tráfico
de entorpecentes, deve ser mantida a majoração da pena em 20 (vinte)
meses. Na terceira fase, deve incidir a causa de aumento prevista no art. 40,
I, da Lei n.º 11.343/2006.
16- Quanto à dosimetria da pena relacionada à corrupção passiva, o
quantum deve ser mantido tal como foi fixado na r. sentença.
17- A aplicação da pena de multa deve ter como base os postulados
constitucionais tanto da proporcionalidade (decorrente da incidência das
regras de devido processual legal sob o aspecto substantivo - art. 5º,
LIV) quanto da individualização da pena (art. 5º, XLVI), ambos premissas
basilares do Direito Penal.
18- Apelação do réu à qual se dá parcial provimento, a fim de absolvê-lo
da prática do delito de peculato, mantendo as penas relacionadas aos delitos
de tráfico transnacional de drogas e corrupção passiva tal como foram
fixadas na r. sentença.
Ementa
PENAL E PROCESSO PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. OPERAÇÃO "DARK SIDE". CHEFE
DOS INVESTIGADORES DO DENARC. TRÁFICO TRANSNACIONAL DE DROGAS. ARTIGO 33,
C.C. ART. 40, I, LEI N.º 11.343/2006. PECULATO. ART. 312, CP. CORRUPÇÃO
PASSIVA. ART. 317, PARÁGRAFO 1º, CP. PRELIMINARES AFASTADAS. ABSOLVIÇÃO DA
PRÁTICA DE PECULATO POR INSUFICIÊNCIA DE PROVAS. DOSIMETRIA. MANUTENÇÃO
DAS PENAS RELACIONADAS AOS DELITOS DE TRÁFICO DE DROGAS E CORRUPÇÃO
PASSIVA. PROPORCIONALIDADE DA PENA DE MULTA. CONCURSO MATERIAL DE
CRIMES. REFORMA PARCIAL DA SENTENÇA CONDENATÓRIA.
1- A controvérsia acerca da eventual suspeição do Exmo. Juízo da 1ª
Vara Federal de Sorocaba-SP já foi solucionada nos autos da Exceção de
Suspeição n.º 0004421-26.2014.403.6110. Ademais, não se demonstrou ter
o acusado sofrido qualquer prejuízo concreto em virtude de suposta conduta
parcial e/ou tendenciosa por parte do magistrado a quo, não se havendo
de falar em nulidade. É inevitável que, desde a fase pré-processual, ou
seja, durante o trâmite do inquérito policial, o juiz tome conhecimento
do resultado das investigações produzidas pela polícia e que tais
informações sejam mencionadas e levadas em conta sempre que o magistrado
for chamado a se manifestar e/ou proferir decisões, o que não significa
prejulgamento nem que o julgador, movido por sentimentos pessoais, esteja
priorizando o interesse de uma das partes ou descumprindo seu dever de atuar
com imparcialidade, mas sim revela o zelo do magistrado pelo compromisso de
proferir decisões justas e devidamente motivadas. Mesmo que não tenha sido
dada ao defensor do acusado a oportunidade de formular perguntas no bojo das
demais ações penais relacionadas à operação "dark side" (em que seu
cliente não figurou como réu), é certo que o patrono teve amplo acesso
às audiências e atos processuais produzidos no bojo dos presentes autos,
em que foram produzidas todas as provas que embasaram a condenação, de modo
que não se haveria de falar em prejuízo para a defesa. O que se verifica,
portanto, não é a suspeição do magistrado, mas sim o inconformismo da
parte com o teor do que foi decidido, até porque nenhuma das causas de
suspeição previstas no art. 254 do CPP foi identificada.
2- A controvérsia acerca da eventual incompetência do r. juízo a quo
para a apreciação de feitos relacionados à operação "dark side" já foi
solucionada tanto nos autos do Habeas Corpus nº. 0017143-26.2013.4.030000/SP
(ordem denegada em 26.11.2013, em votação unânime, pela E. 2ª
Turma desta Corte) quanto nos autos da Exceção de Incompetência n.º
0004213-76.2013.4.03.6110 (julgada improcedente pelo r. juízo a quo em
05.12.2013). Inclusive, a mesma questão foi submetida à análise do C. STJ
nos autos do Habeas Corpus n.º 286.241/SP (2014/0000220-8), em que o ora
apelante figurou como paciente. Ademais, considerando a evidente conexão
probatória dos fatos investigados na operação "dark side" com aqueles
apurados nos autos nº. 0006166-17.2009.4.03.6110 (art. 76, III, do CPP)
e tendo em vista os indícios de conexão intersubjetiva por concurso
(art. 76, I, do CPP), conclui-se que a distribuição ao Juízo Federal da
1ª Vara Federal de Sorocaba-SP, por conexão, dos autos da interceptação
telefônica n.º 0006053.58.2012.403.6110, a partir da qual se originaram
todos os feitos relacionados à operação "dark side", não violou os
princípios do juízo e do promotor natural.
3- A alegação de inépcia da denúncia somente pode ser acolhida se
demonstrada inequívoca deficiência da peça exordial que impeça a
compreensão da acusação, em flagrante prejuízo para a defesa, o que não
se verificou no caso dos autos.
4- Compete ao juiz decidir sobre a necessidade e conveniência da
produção das provas e diligências solicitadas, não havendo óbice a que
o julgador, de maneira fundamentada, indefira provas que repute nitidamente
impertinentes ou irrelevantes para a formação de sua convicção racional
sobre os fatos, mesmo que a parte não as tenha requerido com intuito
procrastinatório. Incumbia à defesa, ao longo da instrução criminal,
providenciar e trazer aos autos cópias que eventualmente entendesse
pertinentes (mediante o recolhimento das respectivas custas). Não foi
apresentada qualquer prova no sentido de que tenha sido negado, ao(s)
advogado(s) do réu, acesso a outros procedimentos, não se havendo de falar
em prejuízo para a defesa, até porque todas as provas que embasaram a
condenação foram produzidas no bojo dos presentes autos.
5- A decretação de interceptação telefônica mostrou-se adequada e
necessária para o êxito das apurações e foi precedida de várias
diligências e providências preliminares realizadas pela Polícia
Federal. Foi franqueado à defesa o pleno acesso a todos os 50.481 (cinquenta
mil, quatrocentos e oitenta e um) áudios de diálogos interceptados
entre setembro de 2012 e fevereiro de 2013, os quais constam dos arquivos
digitais acostados às fls. 183/184, de modo que não haveria razão para
se determinar a transcrição integral de todas as conversas interceptadas,
providência que, além de prolongar desnecessariamente o processo, poderia,
eventualmente, violar o direito à intimidade de terceiros que se relacionaram
com os denunciados.
6- Não se há de falar em cerceamento de defesa pelo indeferimento de
diligências nitidamente inoportunas e que em nada alterariam o desfecho do
caso. Agiu bem o r. juízo a quo ao indeferir a inquirição do Dr. Rodrigo
Fogaça da Cruz, a fim de evitar que fossem violadas prerrogativas
profissionais deste advogado, pois, conforme constou da r. sentença,
"Rodrigo Fogaça da Cruz nada poderia esclarecer sobre a estratégia a ser
adotada em relação a seus clientes, na medida em que incide no caso o artigo
207 do Código de Processo Penal (são proibidas de depor as pessoas que em
razão de sua profissão devam guardar segredo)" (fl. 2.038). É evidente
a impertinência de se diligenciar no sentido de apurar se os acusados
Raimundo Nonato Ferreira e Humberto Otávio Bozzola foram visitados por
seu próprio patrono entre os dias 16.02.2013 e 30.09.2013, uma vez que
é esperado e natural que o advogado se comunique com seus clientes, a fim
de elaborar e definir estratégias de defesa. Ademais, são irretocáveis
os argumentos do r. juízo sentenciante no sentido de que "a existência de
alguma solicitação de vantagem pecuniária deste em relação aos policiais
no ano de 2013 é indagação não comprovada que deve ser dirimida em vias
próprias, eis que não interfere na materialidade delitiva que está sendo
apurada nas diversas ações penais em curso perante a 1ª Vara de Sorocaba,
que envolvem um conjunto probatório muito amplo que sequer dependeria dos
depoimentos dos réus tidos pela defesa como delatores" (fls. 2.039/2.040).
7- Constou da denúncia que a organização criminosa supostamente integrada
pelo policial civil (chefe dos investigadores do DENARC) que aqui figura
como apelante, com o intuito de aplicar o denominado "golpe da puxada",
atraiu para o Brasil traficantes bolivianos e encetou negociações em
torno da aquisição de cerca de 700 (setecentos) quilos de cocaína, dos
quais: i) 106,7 quilos foram formalmente apreendidos e entregues ao DENARC
em 23.10.2012 (B.O. às fls. 82/84); e ii) cerca de 600 quilos teriam
sido apropriados, de forma sub-reptícia, pela organização criminosa,
depois de, supostamente, terem sido encontrados escondidos no município de
Suzano-SP. Assiste razão, em parte, à defesa, apenas quanto à alegação
de que não restou suficientemente comprovada a materialidade delitiva em
relação ao transporte e apropriação, pelos membros da organização
criminosa, dos cerca de 600 (seiscentos) quilos de cocaína supostamente
encontrados no município de Suzano-SP, pois o único elemento concreto
que levou o juízo sentenciante à conclusão de que aquela cocaína
(supostamente encontrada em Suzano-SP) existia e de que a quantidade exata
era de 600 (seiscentos) quilos foi o depoimento de Adriana da Silva Nunes,
elemento de prova que, embora seja convincente, não poderia, sozinho,
ter embasado uma condenação. De qualquer sorte, se por um lado não há
provas aptas a embasar juízo de certeza acerca de, em outubro de 2012, os
membros da organização (supostamente integrada pelo ora apelante) terem
transportado e guardado 600 (seiscentos) quilos de cocaína, por outro, é
inconteste que eles adquiriram, no contexto de aplicação do denominado
"golpe da puxada", ao menos os 106,7 quilos apreendidos no interior do
veículo Kombi/CLV-5466, na rua Araguaia, 742, bairro Pari, São Paulo-SP
(imagens às fls. 39/100 do IP). Em relação a esses 106,7 quilos, não
resta dúvida sobre a comprovação da materialidade delitiva, já que,
após a substância ter sido formalmente apreendida e entregue ao DENARC,
ela foi regulamente submetida à perícia químico-toxicológica, que atestou
tratar-se de cocaína (laudo juntado às fls. 88/99).
8- Atente-se que a denúncia imputou, dentre outras condutas, também
a de adquirir (fl. 295), pela qual responde aquele que acerta preço,
quantidade e qualidade da droga a ser trazida por terceiro. In casu, o
conjunto probatório demonstrou cabalmente que os 106,7 quilos de cocaína
apenas puderam ser formalmente apreendidos por Alexandre Cassimiro Lages
e Mariano Aparecido Pino (ambos subordinados ao ora apelante), isto é,
somente foram encontrados pelos policiais civis naquela data e local, porque,
antes, os mesmos 106,7 quilos (pelo menos) foram negociados e adquiridos pela
organização criminosa integrada por eles. Portanto, independentemente de a
cocaína ter sido entregue ao DENARC (B.O. às fls. 82/84), o fato é que,
na data da abordagem policial no bairro do Pari em São Paulo-SP, o delito
de tráfico de drogas, na modalidade aquisição, já havia se consumado,
justamente graças à atuação criminosa dos membros da organização, uma vez
que foram eles que estabeleceram contato e negociaram com os narcotraficantes,
isto é, foram os próprios policiais civis responsáveis pela apreensão
que, juntamente com os demais membros da organização, adquiriram a droga
proveniente da Bolívia.
9- A versão de que teria ocorrido uma "operação policial legítima" não
se sustenta, até porque o Estado jamais destinou, oficialmente, qualquer
verba operacional para uma suposta investigação/operação em curso no
Guarujá-SP naquela data. Além disso, é indiscutível que a apreensão
formal, em 23.10.2012, de 106,7 quilos de cocaína no bairro Pari (em São
Paulo-SP) teve relação direta com as negociações travadas no dia anterior
(no Guarujá-SP) entre os membros da organização criminosa (compradores)
e os traficantes Heber Carlos Barbieri Escalante e Milton Rodrigues da Costa
(fornecedores da droga).
10- O conjunto probatório demonstrou a autoria delitiva de ANDRÉ ANTÔNIO
ROCHA DE SOUZA. Além do depoimento prestado por Raimundo Nonato Ferreira
("Pereira" - mídia à fl. 1.527), também os depoimentos de Marcelo Athiê
("Italiano" - mídia à fl. 1.527), João Batista Almeida ("Jhonny" - mídia
à fl. 1.527) e Humberto Otávio Bozzola ("Sertanejo" - mídia à fl. 1.527),
todos indivíduos que, embora não fossem policiais, atuavam, supostamente,
a serviço da organização criminosa, nos levam a crer que o ora apelante,
apelidado de "ANDRÉ Boca", na condição de chefe dos investigadores do
DENARC, não apenas teve plena ciência da negociação que ocorreu no
Guarujá-SP em outubro de 2012, como efetivamente coordenou a atuação
de Alexandre Cassimiro Lages (policial civil subordinado a ele e que foi
um dos responsáveis diretos pela aquisição dos aludidos 106,7 quilos de
cocaína). Os quatro depoentes foram coesos ao afirmar que ANDRÉ ANTÔNIO
ROCHA DE SOUZA não só soube de tudo o que se passou no Guarujá em outubro de
2012 como coordenou as ações delitivas perpetradas pela organização. Tais
depoimentos merecem credibilidade na medida em que são corroborados por
diálogos interceptados (áudios n.º 28356704, n.º 28438573 e n.º 28466738
- mídia à fl. 183) e considerando que Mariano Aparecido Pino admitiu que,
na noite em que foi lavrado o flagrante, ANDRÉ ANTÔNIO ROCHA DE SOUZA
estava presente na delegacia, fato que revela mais um indício de que o ora
apelante acompanhou de perto a conduta de seus subordinados naquela ocasião.
11- Embora ANDRÉ ANTÔNIO ROCHA DE SOUZA (mídia à fl. 1.564) tenha
afirmado que, em outubro de 2012, havia uma investigação legítima em
curso no Guarujá-SP, a qual, segundo o ora apelante, "não deu certo" e da
qual seus superiores tinham pleno conhecimento, chama atenção e inspira
desconfiança o fato de a delegada titular do DENARC (Sandra Márcia Buzati)
não ter confirmado essa versão e sequer ter se recordado da existência
de qualquer investigação realizada no Guarujá-SP naquela época. Apesar
de Alexandre Cassimiro Lages e ANDRÉ ANTÔNIO ROCHA DE SOUZA terem negado
qualquer ligação entre a prisão em flagrante de José Anacleto (realizada
no bairro do Pari, em São Paulo) e uma suposta investigação que estaria
ocorrendo no Guarujá-SP, as provas acostadas aos autos demonstraram, de
forma cabal, que os aludidos 106,7 quilos de cocaína formalmente apreendidos
por Alexandre Cassimiro Lages e Mariano Aparecido Pino em 23.10.2012 haviam
sido, na verdade, adquiridos dos traficantes Milton Rodrigues da Costa e
Heber Carlos Barbieri Escalante após negociação (travada no Guarujá-SP)
conduzida pelo próprio Alexandre Cassimiro Lages (fazendo-se passar por
"Vagner") e por Marcelo Athiê (fazendo-se passar por "Italiano"). Portanto,
não é verossímil que o ora apelante nada soubesse acerca dos fatos ocorridos
entre os dias 21.10.2012 (quando Milton Rodrigues da Costa desembarcou em
São Paulo) e 24.10.2012 (dia em que os policiais do DENARC se dirigiram ao
Guarujá-SP e liberaram Milton Rodrigues da Costa, Heber Carlos Barbieri
Escalante e Adriana da Silva Nunes). Embora os telefones utilizados por
ANDRÉ ANTÔNIO ROCHA DE SOUZA não tenham sido diretamente interceptados
(conforme esclareceu o policial federal Wellington Dias Moreira - mídia
à fl. 1.194), foi possível identificar sua ciência e efetiva adesão à
empreitada criminosa, tanto graças às menções à sua pessoa por parte
de outros membros da organização quanto em virtude de conversas travadas
entre ele (ANDRÉ ANTÔNIO ROCHA DE SOUZA) e Alexandre Cassimiro Lages (cujo
telefone foi interceptado). Alexandre Cassimiro Lages costumava reportar
seus passos ao chefe ANDRÉ ANTÔNIO ROCHA DE SOUZA e, especialmente no
dia em que o traficante Milton Rodrigues da Costa chegou ao Guarujá-SP
(21.10.2012), vale dizer, no dia em que Alexandre Cassimiro Lages e Marcelo
Athiê iniciaram a negociação relacionada à aquisição dos aludidos
106,7 quilos de cocaína, ANDRÉ ANTÔNIO ROCHA DE SOUZA foi expressamente
informado por Alexandre Cassimiro Lages de que este se deslocaria à "baixada"
por causa da chegada "de uma pessoa aí, né, um alvo" (palavras do próprio
Alexandre Cassimiro Lages no diálogo n.º 28438573 - mídia à fl. 183).
12- Essa convicção é reforçada por outros diálogos interceptados,
os quais, embora não se refiram diretamente ao episódio do Guarujá-SP
(ocorrido em outubro de 2012), foram travados de maneira absolutamente
espontânea, isto é, quando os interlocutores sequer desconfiavam estar sendo
monitorados pela Polícia Federal e demonstram que ANDRÉ ANTÔNIO ROCHA
DE SOUZA tinha pleno conhecimento de todo o esquema criminoso engendrado
pela organização (áudios n.º 28484091, n.º 29248487, n.º 29519972,
n.º 29520499, n.º 29520006, n.º 29465744, n.º 29421937, n.º 29455071,
n.º 29462898, n.º 29478453, n.º 29487296, n.º 29487499, n.º 29465626
e n.º 29485350 - mídia à fl. 184).
13- É de rigor a absolvição do réu em relação ao delito de peculato. Nem
os diálogos interceptados nem qualquer outro elemento de prova revelaram
se os policiais efetivamente encontraram cocaína em Suzano-SP, ou qual
teria sido a quantidade encontrada. Embora seja crível que os 106,7 quilos
formalmente apreendidos e entregues ao DENARC fossem parte de um todo que
totalizava 700 (setecentos) quilos e apesar de ser plausível a versão
no sentido de que os policiais civis teriam localizado e se apropriado, de
forma sub-reptícia, do restante da droga (cerca de 600 quilos) - já que
restou evidenciado que era este o modus operandi usualmente empregado pela
organização criminosa - o fato é que, in casu, não é possível afirmar
se, nesse contexto de "golpe da puxada", teria havido prévia aquisição
de quantidade além daquela que, comprovadamente, foi objeto do delito de
tráfico transnacional de drogas (106,7 quilos de cocaína), de modo que,
ante a ausência de provas suficientemente robustas a esse respeito, deve
prevalecer a regra de julgamento in dubio pro reo.
14- A manutenção da condenação do ora apelante pela prática de corrupção
passiva é medida que se impõe. São irrefutáveis as provas de que Alexandre
Casimiro Lages e Mariano Aparecido Pino (policiais do DENARC subordinados a
ANDRÉ ANTÔNIO ROCHA DE SOUZA) solicitaram dinheiro para que Milton Rodrigues
da Costa, Adriana da Silva Nunes e Heber Carlos Barbieri Escalante não fossem
presos, bem como ficou demonstrado que Milton Rodrigues da Costa efetuou o
pagamento de dois milhões de reais aos policiais (equivalentes a um milhão
de dólares na época). Em tendo restado comprovado que ANDRÉ ANTÔNIO ROCHA
DE SOUZA sabia sobre a chegada do traficante Milton Rodrigues da Costa ao
Guarujá-SP no dia 21.10.2012 e acompanhou de perto (inclusive pessoalmente)
a apreensão no bairro do Pari (em São Paulo) realizada por seus subordinados
(Alexandre Cassimiro Lages e Mariano Aparecido) no dia 23.10.2012, não
poderia ser outra a conclusão senão a de que o ora apelante anuiu à conduta
de solicitar propina ao traficante Milton Rodrigues da Costa, até porque,
nesse contexto, não havia como ANDRÉ ANTÔNIO ROCHA DE SOUZA desconhecer
o fato de que aquele traficante foi mantido em poder dos policiais desde a
noite de 23.10.2012 até a manhã seguinte (cf. diálogos n.º 28453771,
n.º 28455233, n.º 28455191, n.º 28455201 e n.º 28455293 - mídia à
fl. 183). Inclusive, em diálogo travado em 25.10.2012 (n.º 28466738),
dia seguinte àquele em que Adriana da Silva Nunes, Heber Carlos Barbieri
Escalante e Milton Rodrigues da Costa teriam sido liberados (no Guarujá-SP)
pelos policiais, Raimundo Nonato Fereira ("Pereira"), se referindo ao "Dólar"
(Alexandre Cassimiro Lages), diz para Marcelo Athiê: "(...) o Dólar surtou,
mano (...) tem que dar dinheiro pro chefe, pro apoio lá, meu (...)".
15- Quanto à dosimetria da pena relacionada ao tráfico transnacional de
drogas, agiu bem o r. juízo ao fixar a pena-base acima do mínimo legal,
determinação que está de acordo com o princípio da individualização da
pena e atende aos critérios que costumam ser adotados pela jurisprudência
desta E. Corte, considerando a natureza da droga e a quantidade envolvida
(inteligência do art. 42 da Lei n.º 11.343/2006). Quanto à alegação
de que o r. juízo a quo "considerou na primeira fase o mesmo vetor
(função pública) que serviu de agravante na segunda fase" (fl. 2.330),
esclareço que, de fato, a "violação de dever inerente a cargo" constitui
circunstância agravante prevista no art. 61, II, "g", do CP, a qual deve ser
valorada na segunda fase da dosimetria de pena, de modo que seria descabida,
na primeira fase, a majoração da pena-base simplesmente por se tratar o
réu de um policial civil. Ocorre que, in casu, o que fundamentou o aumento
da pena-base em mais 15 (quinze) meses não foi, simplesmente, o fato de o
réu pertencer aos quadros da polícia civil (circunstância que, por si só,
não poderia ensejar o incremento da pena na primeira fase da dosimetria),
mas sim a maior reprovabilidade da conduta de ANDRÉ ANTONIO ROCHA DE SOUZA
que, além de ocupar cargo de policial civil na época dos fatos, ostentava,
também, a posição de chefe dos investigadores do DENARC, o que tornou
ainda mais elevada a reprovabilidade de sua conduta. Portanto, agiu bem o
r. juízo sentenciante ao acrescer mais quinze meses à pena-base, na medida
em que, conforme constou da r. sentença, "representa uma reprovabilidade
maior a conduta daquele que exerce a função de chefe dos demais policiais
no serviço público, eis que deveria zelar e controlar a conduta dos seus
subordinados e não aderir à conduta criminosa" (fl. 2.127). Na segunda fase,
identificada a presença da circunstância agravante prevista no art. 61,
II, "g", do Código Penal, por ter havido "violação de dever inerente ao
cargo" (fl. 2.129), já que o réu era policial civil lotado no DENARC,
cuja atribuição funcional era, justamente, a de combater o tráfico
de entorpecentes, deve ser mantida a majoração da pena em 20 (vinte)
meses. Na terceira fase, deve incidir a causa de aumento prevista no art. 40,
I, da Lei n.º 11.343/2006.
16- Quanto à dosimetria da pena relacionada à corrupção passiva, o
quantum deve ser mantido tal como foi fixado na r. sentença.
17- A aplicação da pena de multa deve ter como base os postulados
constitucionais tanto da proporcionalidade (decorrente da incidência das
regras de devido processual legal sob o aspecto substantivo - art. 5º,
LIV) quanto da individualização da pena (art. 5º, XLVI), ambos premissas
basilares do Direito Penal.
18- Apelação do réu à qual se dá parcial provimento, a fim de absolvê-lo
da prática do delito de peculato, mantendo as penas relacionadas aos delitos
de tráfico transnacional de drogas e corrupção passiva tal como foram
fixadas na r. sentença.Decisão
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas,
decide a Egrégia Décima Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª
Região, por unanimidade, REJEITAR as preliminares e DAR PARCIAL PROVIMENTO à
Apelação da Defesa para absolver o réu da prática do delito de peculato,
bem como para manter as condenações referentes aos delitos de tráfico
transnacional de drogas e corrupção passiva, em concurso material, e, por
maioria, manter as penas referentes aos crimes de tráfico transnacional de
drogas e corrupção passiva, tais como fixadas na sentença, nos termos do
relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Data do Julgamento
:
24/07/2018
Data da Publicação
:
03/08/2018
Classe/Assunto
:
Ap. - APELAÇÃO CRIMINAL - 63442
Órgão Julgador
:
DÉCIMA PRIMEIRA TURMA
Relator(a)
:
DESEMBARGADOR FEDERAL FAUSTO DE SANCTIS
Comarca
:
TRIBUNAL - TERCEIRA REGIÃO
Tipo
:
Acórdão
Referência
legislativa
:
***** LDR-06 LEI DE DROGAS
LEG-FED LEI-11343 ANO-2006 ART-40 INC-1 ART-33
***** CP-40 CÓDIGO PENAL DE 1940
LEG-FED DEL-2848 ANO-1940 ART-312 ART-317 PAR-1 ART-61 INC-2 LET-G ART-5
INC-54 INC-46
***** CPP-41 CÓDIGO DE PROCESSO PENAL
LEG-FED DEL-3689 ANO-1941 ART-254 ART-76 INC-3 INC-1
Fonte da publicação
:
e-DJF3 Judicial 1 DATA:03/08/2018
..FONTE_REPUBLICACAO:
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