TRF3 0006666-60.2002.4.03.6100 00066666020024036100
APELAÇÃO CÍVEL E REEXAME NECESSÁRIO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ADI
1931. INCONSTITUCIONALIDADE DO ARTIGO 35-E DA LEI Nº 9656 RECONHECIDA PELO
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. PRESENÇA DO INTERESSE DE AGIR. VIOLAÇÃO À NORMA
CONSTITUCIONAL DE PROTEÇÃO ÀS PESSOAS IDOSAS. CONDUTA IRREGULAR DA AGÊNCIA
NACIONAL DE SAÚDE. VIOLAÇÃO AOS DIREITOS DO CONSUMIDOR. REAJUSTES ILEGAIS
EFETUADOS PELAS OPERADORAS DE PLANO DE SAÚDE. RECONHECIMENTO DA NULIDADE
DOS REAJUSTES. AFASTADA A CONDENAÇÃO AO RESSARCIMENTO EM DOBRO. DANO MORAL
COLETIVO CONFIGURADO.
1 -A Lei da Ação Civil Pública e a Lei da Ação Popular integram o
microssistema processual coletivo. Portanto, apesar de a Lei nº 7347/85
não ter expressa previsão acerca da remessa oficial, aplica-se nos casos de
parcial procedência da ação, por analogia, o artigo 19, da Lei nº 4.717/65
(Lei da Ação Popular), uma vez que referida norma deve ser aplicada em todo o
microssistema naquilo que for útil aos interesses da sociedade. Nesse sentido
é o entendimento sedimentado do E. Superior Tribunal de Justiça. Assim,
a r. sentença deve ser submetida ao reexame necessário.
2 - Trata-se de remessa oficial, tida por interposta, e de recurso de
apelação interposto pelo Ministério Público Federal (fls. 1063/1079)
contra a r. sentença de fls. 1024/1031, com as modificações da decisão
de fls. 1057/1058, proferida pelo r. Juízo a quo, no bojo de Ação Civil
Pública ajuizada pelo Ministério Público Federal, o qual extinguiu o
feito sem julgamento de mérito.
3 - A Ação Civil Pública foi proposta com o objetivo de tutelar os
interesses dos consumidores idosos, visando obstar reajustes e repactuamento de
contratos de seguro de saúde para pessoas com 60 anos ou mais e a anulação
dos reajustes já efetuados com base no artigo 35-E da Lei nº 9656/98. O
Ministério Público Federal pleiteou ainda a Nulidade da Súmula nº 03/2001
da ANS, bem como a devolução em dobro dos valores ilicitamente cobrados
pelas operadoras Rés com base na repactuação autorizada pela Agência
Nacional de Saúde e a condenação ao pagamento de indenização por danos
morais coletivos.
4 - O objeto da presente Ação Civil Pública difere do objeto da Ação
Direta de Inconstitucionalidade 1931/DF. Essa ação civil pública visa a
condenação por danos morais e materiais diante da cobrança inconstitucional
de reajustes de mensalidades os planos de saúde para pessoas com 60 anos
ou mais, buscando reparar os danos causados pela aplicação concreta de
normas ilegais e inconstitucionais. Por sua vez, a ADI é um instrumento de
controle abstrato de constitucionalidade que visa garantir a segurança e
a coerência da ordem jurídica.
5 - O E. Supremo Tribunal Federal no julgamento da ADI 1931, reconheceu a
inconstitucionalidade do artigo 35-E da Lei nº 9656, afirmando que referido
artigo violou a garantia de segurança jurídica, interferindo no direito
adquirido e ato jurídico perfeito.
6 - Diante disso, de rigor o exame do mérito da demanda quanto aos pedidos
de anulação dos reajustes já efetuados com fulcro no artigo 35-E, da Lei
nº 9656, diante do reconhecimento da nulidade da Súmula da ANS, bem como
de devolução dos valores cobrados e de condenação ao pagamento de danos
morais coletivos, restando prejudicado o pedido de não realização de novos
reajustes e repactuamento conforme o artigo 35-E, da Lei nº 9.656, diante
do reconhecimento da inconstitucionalidade do referido artigo. Aplicação
da teoria da causa madura.
7 - Conforme consta nos autos, as empresas operadoras dos planos de saúde,
autorizadas pela ANS, com fulcro no artigo 35-E, da Lei nº 9.656, efetuaram
a repactuação de clausulas de reajustes nos contratos firmados há dez anos
ou mais, com segurados de 60 (sessenta) anos ou mais, cujos contratos não
previam clausula de reajuste por faixa etária, estavam com insuficiência
de informações ou com informações obscuras.
8 - Com a conivência da ANS às práticas abusivas das operadoras de plano
de saúde através da súmula então combatida, a referida agência promoveu
o desrespeito ao princípio da boa-fé, o desequilíbrio contratual e a
prevalência da desinformação.
9 - As condutas adotadas pelos réus violaram frontalmente o artigo 230 da
Constituição Federal e o artigo 46, da Lei nº 8.078/90 (Código de Defesa
do Consumidor).
10 - Cumpre salientar, bem assim, que o reconhecimento da inconstitucionalidade
da norma utilizada para fundamentar a ação dos planos de assistência à
saúde evidencia a ilegalidade dos reajustes efetuados. Destaque-se, ainda,
que no julgamento da ADI o Eminente Ministro Relator, Marco Aurélio, afirmou
ser impróprio inserir nas relações contratuais avençadas em regime legal
específico novas disposições, sequer previstas pelas partes quando da
manifestação de vontade
11 - Para se determinar a repetição do indébito em dobro deve estar
comprovada a má-fé, o abuso ou a leviandade, como determinam os artigos
940 do Código de Processo Civil e 42, parágrafo único, do Código de
Defesa do Consumidor, o que não ocorreu na espécie.
12 - Quanto ao pedido de condenação ao pagamento de indenização de dano
moral coletivo de rigor o seu acolhimento diante das irregularidades praticadas
pela ANS e pelas operadoras de plano de saúde, as quais acarretaram danos a
sociedade como um todo, refletidos no reajuste abusivo das mensalidades pagas
por consumidores com 60 anos ou mais e com dez anos ou mais de plano. Referidos
fatos afetaram gravemente a credibilidade da Administração Pública.
13 - Patente a responsabilidade dos réus diante do desprezo das normas
Constitucionais e do Código de Defesa de Consumidor, principalmente quanto
à proteção aos idosos, sendo claro que a conduta da ANS, flagrantemente
contraria a Constituição Federal, colaborou com a inclusão de reajustes
abusivos nos contratos de plano de saúde. Aplicação do artigo 6º, do
Código de Defesa do Consumidor.
14 - Sentença reformada para reconhecer a nulidade dos reajustes efetuados,
com fulcro no artigo 35-E da Lei nº 9656, pelas operadoras de planos de
saúde e condenar os réus ao pagamento de indenização por Dano Moral
Coletivo no valor de R$10.000,00 (dez mil reais) para cada réu, encaminhado
o valor ao fundo de recomposição dos interesses supraindividuais lesados,
conforme artigo 13 da Lei nº 7347/85.
15 - Remessa necessária e apelação parcialmente providas.
Ementa
APELAÇÃO CÍVEL E REEXAME NECESSÁRIO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ADI
1931. INCONSTITUCIONALIDADE DO ARTIGO 35-E DA LEI Nº 9656 RECONHECIDA PELO
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. PRESENÇA DO INTERESSE DE AGIR. VIOLAÇÃO À NORMA
CONSTITUCIONAL DE PROTEÇÃO ÀS PESSOAS IDOSAS. CONDUTA IRREGULAR DA AGÊNCIA
NACIONAL DE SAÚDE. VIOLAÇÃO AOS DIREITOS DO CONSUMIDOR. REAJUSTES ILEGAIS
EFETUADOS PELAS OPERADORAS DE PLANO DE SAÚDE. RECONHECIMENTO DA NULIDADE
DOS REAJUSTES. AFASTADA A CONDENAÇÃO AO RESSARCIMENTO EM DOBRO. DANO MORAL
COLETIVO CONFIGURADO.
1 -A Lei da Ação Civil Pública e a Lei da Ação Popular integram o
microssistema processual coletivo. Portanto, apesar de a Lei nº 7347/85
não ter expressa previsão acerca da remessa oficial, aplica-se nos casos de
parcial procedência da ação, por analogia, o artigo 19, da Lei nº 4.717/65
(Lei da Ação Popular), uma vez que referida norma deve ser aplicada em todo o
microssistema naquilo que for útil aos interesses da sociedade. Nesse sentido
é o entendimento sedimentado do E. Superior Tribunal de Justiça. Assim,
a r. sentença deve ser submetida ao reexame necessário.
2 - Trata-se de remessa oficial, tida por interposta, e de recurso de
apelação interposto pelo Ministério Público Federal (fls. 1063/1079)
contra a r. sentença de fls. 1024/1031, com as modificações da decisão
de fls. 1057/1058, proferida pelo r. Juízo a quo, no bojo de Ação Civil
Pública ajuizada pelo Ministério Público Federal, o qual extinguiu o
feito sem julgamento de mérito.
3 - A Ação Civil Pública foi proposta com o objetivo de tutelar os
interesses dos consumidores idosos, visando obstar reajustes e repactuamento de
contratos de seguro de saúde para pessoas com 60 anos ou mais e a anulação
dos reajustes já efetuados com base no artigo 35-E da Lei nº 9656/98. O
Ministério Público Federal pleiteou ainda a Nulidade da Súmula nº 03/2001
da ANS, bem como a devolução em dobro dos valores ilicitamente cobrados
pelas operadoras Rés com base na repactuação autorizada pela Agência
Nacional de Saúde e a condenação ao pagamento de indenização por danos
morais coletivos.
4 - O objeto da presente Ação Civil Pública difere do objeto da Ação
Direta de Inconstitucionalidade 1931/DF. Essa ação civil pública visa a
condenação por danos morais e materiais diante da cobrança inconstitucional
de reajustes de mensalidades os planos de saúde para pessoas com 60 anos
ou mais, buscando reparar os danos causados pela aplicação concreta de
normas ilegais e inconstitucionais. Por sua vez, a ADI é um instrumento de
controle abstrato de constitucionalidade que visa garantir a segurança e
a coerência da ordem jurídica.
5 - O E. Supremo Tribunal Federal no julgamento da ADI 1931, reconheceu a
inconstitucionalidade do artigo 35-E da Lei nº 9656, afirmando que referido
artigo violou a garantia de segurança jurídica, interferindo no direito
adquirido e ato jurídico perfeito.
6 - Diante disso, de rigor o exame do mérito da demanda quanto aos pedidos
de anulação dos reajustes já efetuados com fulcro no artigo 35-E, da Lei
nº 9656, diante do reconhecimento da nulidade da Súmula da ANS, bem como
de devolução dos valores cobrados e de condenação ao pagamento de danos
morais coletivos, restando prejudicado o pedido de não realização de novos
reajustes e repactuamento conforme o artigo 35-E, da Lei nº 9.656, diante
do reconhecimento da inconstitucionalidade do referido artigo. Aplicação
da teoria da causa madura.
7 - Conforme consta nos autos, as empresas operadoras dos planos de saúde,
autorizadas pela ANS, com fulcro no artigo 35-E, da Lei nº 9.656, efetuaram
a repactuação de clausulas de reajustes nos contratos firmados há dez anos
ou mais, com segurados de 60 (sessenta) anos ou mais, cujos contratos não
previam clausula de reajuste por faixa etária, estavam com insuficiência
de informações ou com informações obscuras.
8 - Com a conivência da ANS às práticas abusivas das operadoras de plano
de saúde através da súmula então combatida, a referida agência promoveu
o desrespeito ao princípio da boa-fé, o desequilíbrio contratual e a
prevalência da desinformação.
9 - As condutas adotadas pelos réus violaram frontalmente o artigo 230 da
Constituição Federal e o artigo 46, da Lei nº 8.078/90 (Código de Defesa
do Consumidor).
10 - Cumpre salientar, bem assim, que o reconhecimento da inconstitucionalidade
da norma utilizada para fundamentar a ação dos planos de assistência à
saúde evidencia a ilegalidade dos reajustes efetuados. Destaque-se, ainda,
que no julgamento da ADI o Eminente Ministro Relator, Marco Aurélio, afirmou
ser impróprio inserir nas relações contratuais avençadas em regime legal
específico novas disposições, sequer previstas pelas partes quando da
manifestação de vontade
11 - Para se determinar a repetição do indébito em dobro deve estar
comprovada a má-fé, o abuso ou a leviandade, como determinam os artigos
940 do Código de Processo Civil e 42, parágrafo único, do Código de
Defesa do Consumidor, o que não ocorreu na espécie.
12 - Quanto ao pedido de condenação ao pagamento de indenização de dano
moral coletivo de rigor o seu acolhimento diante das irregularidades praticadas
pela ANS e pelas operadoras de plano de saúde, as quais acarretaram danos a
sociedade como um todo, refletidos no reajuste abusivo das mensalidades pagas
por consumidores com 60 anos ou mais e com dez anos ou mais de plano. Referidos
fatos afetaram gravemente a credibilidade da Administração Pública.
13 - Patente a responsabilidade dos réus diante do desprezo das normas
Constitucionais e do Código de Defesa de Consumidor, principalmente quanto
à proteção aos idosos, sendo claro que a conduta da ANS, flagrantemente
contraria a Constituição Federal, colaborou com a inclusão de reajustes
abusivos nos contratos de plano de saúde. Aplicação do artigo 6º, do
Código de Defesa do Consumidor.
14 - Sentença reformada para reconhecer a nulidade dos reajustes efetuados,
com fulcro no artigo 35-E da Lei nº 9656, pelas operadoras de planos de
saúde e condenar os réus ao pagamento de indenização por Dano Moral
Coletivo no valor de R$10.000,00 (dez mil reais) para cada réu, encaminhado
o valor ao fundo de recomposição dos interesses supraindividuais lesados,
conforme artigo 13 da Lei nº 7347/85.
15 - Remessa necessária e apelação parcialmente providas.Decisão
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas,
decide a Egrégia Quarta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região,
por unanimidade, dar parcial provimento à remessa necessária e ao recurso
de apelação, para conhecer de parte da ação civil pública e na parte
conhecida reconhecer a nulidade dos reajustes efetuados, com fulcro no artigo
35-E da Lei nº 9656, pelas operadoras de planos de saúde e condenar os réus
ao pagamento de indenização por Dano Moral Coletivo no valor de R$10.000,00
(dez mil reais) para cada réu, a ser revertido ao fundo de recomposição
dos interesses supraindividuais lesados, a teor do que dispõe o artigo 13
da Lei nº 7347/85, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte
integrante do presente julgado.
Data do Julgamento
:
21/02/2019
Data da Publicação
:
14/03/2019
Classe/Assunto
:
Ap - APELAÇÃO CÍVEL - 1505244
Órgão Julgador
:
QUARTA TURMA
Relator(a)
:
DESEMBARGADOR FEDERAL MARCELO SARAIVA
Comarca
:
TRIBUNAL - TERCEIRA REGIÃO
Tipo
:
Acórdão
Indexação
:
VIDE EMENTA.
Referência
legislativa
:
***** LAP-65 LEI DE AÇÃO POPULAR
LEG-FED LEI-4717 ANO-1965 ART-19
LEG-FED LEI-9656 ANO-1998 ART-35E
LEG-FED ENUA-3 ANO-2001
ANS - AGÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE
***** CF-1988 CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988
LEG-FED ANO-1988 ART-230
***** CDC-90 CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR
LEG-FED LEI-8078 ANO-1990 ART-42 PAR-ÚNICO ART-46 ART-6
***** CPC-15 CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015
LEG-FED LEI-13105 ANO-2015 ART-940
***** LACP-85 LEI DE AÇÃO CIVIL PÚBLICA
LEG-FED LEI-7347 ANO-1985 ART-13
Fonte da publicação
:
e-DJF3 Judicial 1 DATA:14/03/2019
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