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Jurisprudência


TRF3 0006736-68.2012.4.03.6119 00067366820124036119

Ementa
PROCESSUAL CIVIL. PETIÇÃO INICIAL APTA. MERO ERRO MATERIAL. PRINCÍPIO DA INSTRUMENTALIDADE DAS FORMAS. SENTENÇA ANULADA. TEORIA DA CAUSA MADURA. ARTS. 515, §3º, DO CPC/1973 E 1.013, §3º, DO CPC/2015. APLICABILIDADE. CONSTITUCIONAL. ASSISTÊNCIA SOCIAL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL AO IDOSO E À PESSOA COM DEFICIÊNCIA. ART. 203, V, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. BENEFÍCIO DE VALOR MÍNIMO PAGO AO IDOSO. EXCLUSÃO. ART. 34, PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI Nº 10.741/03. APLICAÇÃO POR ANALOGIA. PRECEDENTES JURISPRUDENCIAIS DO STJ (REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA). STF. DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE DO § 3º DO ART. 20 DA LEI Nº 8.472/93, SEM PRONÚNCIA DE NULIDADE. IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO ISOLADA. ANÁLISE DA MISERABILIDADE EM CONJUNTO COM DEMAIS FATORES. SITUAÇÃO DE RISCO COMPROVADA. MORADIA COMPATÍVEL COM A SITUAÇÃO DE MISERABILIDADE. RENDA PER CAPITA FAMILIAR INSATISFATÓRIA. MÍNIMO EXISTENCIAL NÃO GARANTIDO. NÚCLEO FAMILIAR COMPOSTO POR IDOSA, DUAS CRIANÇAS E ADULTO INCAPAZ. HIPOSSUFICIÊNCIA ECONÔMICA DEMONSTRADA. DIB FIXADA NA DATA DA CITAÇÃO. CORREÇÃO MONETÁRIA. JUROS DE MORA. VERBA HONORÁRIA. APELAÇÃO DA PARTE AUTORA A QUE SE DÁ PROVIMENTO. SENTENÇA ANULADA. ANÁLISE DO MÉRITO. AÇÃO JULGADA PROCEDENTE. BENEFÍCIO CONCEDIDO. 1 - Inicialmente, assiste razão às alegações da parte autora quanto ao fato de constar da exordial pedido de aposentadoria por invalidez e auxílio-doença caracterizar mero erro material. De fato, durante toda a demanda se discute a concessão de benefício assistencial de prestação continuada (LOAS). Não foi por outra razão que se determinou a realização de estudo social, na decisão que indeferiu a tutela antecipada às fls. 34/36. Um dos requisitos para a concessão do benefício assistencial é justamente a hipossuficiência econômica da parte requerente, como se verá a seguir, motivo pelo qual não seria lógico determinar a realização de estudo socioeconômico, se os benefícios pleiteados fossem por incapacidade. 2 - Como ensina Fredie Didier Jr., "o processo não é um fim em si mesmo, mas uma técnica desenvolvida para a tutela do direito material. O processo é realidade formal - conjunto de formas preestabelecidas. Sucede que a forma só deve prevalecer se o fim para o qual ela foi desenvolvida não lograr ter sido atingido" (DIDIER JR, Fredie. Curso de Direito Processual: Teoria do Processo e Processo de Conhecimento. V. I, 9ª ed., Salvador: Juspodivm, 2008, p. 57 ). Desta feita, reconheço a aptidão da peça inaugural e, por conseguinte, anulo a r. sentença. 3 - É certo, ademais, que, em situações como a presente, na qual há plena condição de ser julgada a demanda e, por se tratar inclusive de demanda na qual já foi realizada toda a dilação probatória necessária (perícias médicas e estudo social), demonstra-se cabível a aplicação da teoria da causa madura, nos termos do artigo 515, §3º, do CPC/1973 (1013, §3º, I, do CPC/2015). O Novo Código de Processo Civil, ressalta-se, expressamente permite o julgamento do mérito em segunda instância quando a decisão de extinção recorrida estiver fundada nas hipóteses do artigo 485 do novel diploma, entre as quais, o indeferimento da inicial. É o caso dos autos. 4 - O art. 203, V, da Constituição Federal instituiu o benefício de amparo social, assegurando o pagamento de um salário mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família. 5 - A Lei nº 8.742/93 e seus decretos regulamentares estabeleceram os requisitos para a concessão do benefício, a saber: pessoa deficiente ou idoso com 65 anos ou mais e que comprove possuir renda familiar per capita inferior a ¼ do salário mínimo. 6 - Pessoa com deficiência é aquela incapacitada para a vida independente e para o trabalho, em decorrência de impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com uma ou mais barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas, na dicção do art. 20, §2º, com a redação dada pela Lei nº 13.146, de 06 de julho de 2015. 7 - A Lei Assistencial, ao fixar a renda per capita, estabeleceu uma presunção da condição de miserabilidade, não sendo vedado comprovar a insuficiência de recursos para prover a manutenção do deficiente ou idoso por outros meios de prova. Precedente jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça em sede de recurso representativo de controvérsia. 8 - No que diz respeito ao limite de ¼ do salário mínimo per capita como critério objetivo para comprovar a condição de miserabilidade, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento da Reclamação nº 4374/PE, reapreciou a decisão proferida em sede de controle concentrado de constitucionalidade (ADI nº 1.232-1/DF), declarando a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei nº 8.742/93. 9 - No que tange ao impedimento de longo prazo, a primeira perita indicada pelo Juízo a quo, com base em exame de fls. 46/50, diagnosticou o demandante como portadora de "epilepsia". Concluiu que, "sob a ótica psiquiátrica, não foi caracterizada situação de incapacidade laborativa pregressa ou atual. Não há incapacidade para atos da vida civil ou para vida independente". No entanto, diante da moléstia relatada e, considerando as alegações deduzidas pela requerente, determinou a realização de novo perícia por médico neurologista às fl. 133/134. A perita nomeada atestou que "apesar do tratamento, o quadro de epilepsia que o autor apresenta o impossibilita de realizar atividades laborativas devido à alta frequência de crises epilépticas, de 2 vezes por semana. O autor está em uso de medicação adequada e já fez uso de outros medicações, sem controle de crises". Afirma, também, que "não há como precisar a data de início da incapacidade podendo ser fixada na data desta perícia". 10 - Os males apresentados pelo autor, portanto, se enquadram no "impedimento de longo prazo, de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade de igualdade de condições com as demais pessoas" (§2º, art. 20 da Lei nº 8.742/93). 11 - Impende analisar o requisito atinente à hipossuficiência econômica e vulnerabilidade social. O estudo social realizado em 24 de janeiro de 2013 (fls. 111/119) informou ser o núcleo familiar composto pelo autor, seu irmão, uma cunhada, 2 (dois) sobrinhos (menores), e uma tia. Segundo relatado pela assistente social, o grupo reside em "casa alugada no valor de R$400,00. Construída em alvenaria, estilo sobrado, sendo que o proprietário reside na parta de cima da casa, enquanto que a família do requerente na parte de baixo (local semelhante a um porão)". Acresce que a residência "foi construída nos fundos do terreno, contendo piso em lajota, forro em laje, denotando ruim infra-estrutura". A renda familiar, conforme indicado no estudo social, é composta pela aposentadoria da tia do autor no valor de um salário, do montante de R$400,00 auferido pela cunhada do requerente na condição de "diarista" e pelos trabalhos informais de segurança e promotor de eventos de seu irmão, percebendo valor mensal de R$300,00, totalizando, à época, o valor de R$1.378,00. Em contrapartida, os gastos informados pela família somaram, em janeiro de 2013, o valor de R$729,00, incluindo aluguel, energia elétrica, gás, água, telefone. 12 - In casu, tem-se núcleo familiar composto por 6 (seis) pessoas, das quais um é portador de "epilepsia" e 2 (dois) menores (à época do estudo social), cuja renda total equivalia a aproximadamente 2 (dois) salários mínimos (considerado o valor nominal então vigente). Alie-se, como robustos elementos de convicção, o fato de que as repetidas convulsões do requerente muitas vezes lhe causam lesões, bem como o fato de sua "Tia materna Sra. Analice estar acometida de problemas de surdez (em tratamento, aguardando aparelho) e hipertensão arterial". 13 - Por todo o exposto, em minuciosa análise do conjunto fático probatório, verifico que o núcleo familiar enquadra-se na concepção legal de hipossuficiência econômica, fazendo, portanto, o autor, jus ao benefício pleiteado. 14 - Acerca do termo inicial do benefício, firmou-se consenso na jurisprudência que este se dá na data do requerimento administrativo, se houver, ou na data da citação, na sua inexistência. É bem verdade que, em hipóteses excepcionais, o termo inicial do benefício pode ser fixado com base na data do laudo, nos casos, por exemplo, em que a data do início da miserabilidade ou incapacidade é fixada no momento da realização da perícia, até porque, entender o contrário, seria conceder o benefício ao arrepio da lei, isto é, antes da presença dos requisitos autorizadores para a concessão, o que configuraria inclusive enriquecimento ilícito do postulante. 15 - Embora, no caso dos autos, o perito judicial deixou de fixar a data de início da incapacidade (DII), verifico que o requerente está acometido de "epilepsia", sofrendo convulsões desde os 2 (dois) anos de idade. Assim, em razão da inexistência de requerimento administrativo, fixo a DIB na data da citação. 16 - Condeno o INSS no pagamento de honorários advocatícios, os quais fixo no percentual de 10% (dez por cento) sobre o valor das parcelas vencidas até a data da prolação da sentença, consoante o verbete da Súmula 111 do STJ, eis que as condenações pecuniárias da autarquia previdenciária são suportadas por toda a sociedade, razão pela qual a referida verba deve, por imposição legal, ser fixada moderadamente, o que resta perfeitamente atendido com este percentual. 17 - Os juros de mora, entretanto, devem ser fixados de acordo com o Manual de Orientação de Procedimentos para os cálculos na Justiça Federal, por refletir as determinações legais e a jurisprudência dominante. 18 - Já a correção monetária dos valores em atraso também deverá ser calculada de acordo com o Manual de Cálculos e Procedimentos da Justiça Federa, naquilo em que não conflitar com o disposto na Lei nº 11.960/09, aplicável às condenações impostas à Fazenda Pública a partir de 29 de junho de 2009. 19 - Saliento que, não obstante tratar-se de benefício assistencial, deve ser observado o tópico do Manual atinente aos benefícios previdenciários, a teor do disposto no parágrafo único do art. 37 da Lei nº 8.742/93. 20 - Apelação da parte autora a que se dá provimento. Sentença anulada. Análise do mérito. Ação julgada procedente. Benefício concedido.
Decisão
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Sétima Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar provimento ao apelo do autor para anular a r. sentença de 1º grau de jurisdição, e nos termos dos arts. 515, §3º, do CPC/1973 e 1.013, §3º, do CPC/2015, adentrar no mérito da demanda e julgar procedente o pedido deduzido na inicial para condenar o INSS na concessão e pagamento dos atrasados de benefício assistencial de prestação continuada, desde a data da citação, com a incidência de juros de mora fixados conforme os critérios estabelecidos pelo Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, e de correção monetária, calculada segundo o mesmo Manual, naquilo em que não conflitar com o disposto na Lei nº 11.960/09, bem como no pagamento de honorários advocatícios na ordem de 10% (dez por cento) sobre o valor das parcelas vencidas até a data da publicação desta decisão (Súmula 111 do STJ), nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Data do Julgamento : 05/07/2017
Data da Publicação : 18/07/2017
Classe/Assunto : AC - APELAÇÃO CÍVEL - 2030337
Órgão Julgador : SÉTIMA TURMA
Relator(a) : DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO
Comarca : TRIBUNAL - TERCEIRA REGIÃO
Tipo : Acórdão
Indexação : VIDE EMENTA.
Fonte da publicação : e-DJF3 Judicial 1 DATA:18/07/2017 ..FONTE_REPUBLICACAO:
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