TRF3 0006750-42.2018.4.03.9999 00067504220184039999
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSO CIVIL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. CRIANÇA. SÍNDROME
DE DOWN. ARTIGOS 5º XXXIII, 6º E 193 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. LEIS
12.470/2011 13.146/2015. AUSÊNCIA DE MISERABILIDADE. ARTIGO 229 DA
CONSTITUIÇÃO FEDERAL. BENEFÍCIO INDEVIDO. SUCUMBÊNCIA RECURSAL. APELAÇÃO
PROVIDA.
- Discute-se o preenchimento dos requisitos necessários à concessão do
benefício de prestação continuada previsto no artigo 20 da Lei n. 8.742/93,
regulamentado, atualmente, pelos Decretos n. 6.214/2007 e 7.617/2011.
- A LOAS deu eficácia ao inciso V do artigo 203 da Constituição Federal, ao
estabelecer, em seu artigo 20, as condições para a concessão do benefício
da assistência social, a saber: ser o postulante portador de deficiência
ou idoso e, em ambas as hipóteses, comprovar não possuir meios de prover
a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família.
- O Supremo Tribunal Federal recentemente reviu seu posicionamento ao
reconhecer que o requisito do artigo 20, §3º, da Lei n. 8.742/93 não pode
ser considerado taxativo (STF, RE n. 580963, Tribunal Pleno, rel. Min. Gilmar
Mendes, DJe n. 225, 14/11/2013).
- Até o advento da Lei n. 12.470/2011, que deu nova redação ao artigo 2º,
§ 2º, da LOAS, só se concebia a concessão do benefício assistencial
à pessoa com deficiência que não pudesse trabalhar. Somente com a
alteração legislativa infraconstitucional que se dispensou a referência
à impossibilidade de trabalhar.
- Segundo o artigo 7º, XXXIII, da Constituição Federal, os menores de
16 (dezesseis) anos não poderão trabalhar, de modo que não faz sentido
conceder-se um benefício a quem, nem que quisesse, poderia trabalhar à
luz do ordenamento jurídico. Interpretação lógico-sistemática.
- Serve a Seguridade Social a fornecer proteção social àqueles que não
podem trabalhar, por alguma contingência ou algum risco social, à vista
do disposto no artigo 193 do Texto Magno, que prevê o princípio do primado
do trabalho.
- O legislador, pelas Leis nº 12.470/2011 e 13.146/2015, dispensou a
exigência da incapacidade para o trabalho e para a vida independente. O foco,
doravante, para fins de identificação da pessoa com deficiência, passa
a ser a existência de impedimentos de longo prazo, apenas e tão somente.
- A autora é nascida em 26/9/2015, enquadrando-se no conceito de
criança. Quanto ao aspecto subjetivo do benefício, pode enquadrá-la na
regra do artigo 20, § 2º, da LOAS, por ser portadora de síndrome de Down,
conquanto, dada a tenra idade, o impacto da doença na economia familiar
seja mínimo.
- Quanto à hipossuficiência econômica, segundo o estudo social, a autora
vive com os pais e um irmão nascido em 2000. Consta, ainda, do relatório
social, que a renda per capita familiar é de R$ 571,23, bastante superior
ao limite legal.
- Ora, por um lado, os termos do STF, RE n. 580963 (vide supra), o critério
da apuração da pobreza não é taxativo. Por outro, afigura-se indevida a
concessão do benefício nestas circunstâncias, em que flagrante a ausência
de penúria, mesmo que a condição da parte autora exija despesas adicionais,
se compara a uma criança não Down.
- Mais importante, é que as circunstâncias de fato não evidenciam
hipossuficiência, já que a qualidade de vida do núcleo familiar é
de classe média, não de pobreza. Casa guarnecida com vários móveis e
eletrodomésticos, dentre eles três televisores, aparelho de DVD, micro-ondas,
notebook, videogame Xbox 350, dentre outros. Possui a autora plano de saúde
e a família tem acesso à internet.
- No caso, o dever de sustento dos filhos não pode ser substituído pela
intervenção Estatal, pois o próprio artigo 203, V, da Constituição
Federal estabelece que o benefício é devido quando o sustento não puder
ser provido pela família.
- A técnica de proteção social prioritária no caso é a família, em
cumprimento ao disposto no artigo 229 da Constituição Federal, in verbis:
"Art. 229 - Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores,
e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice,
carência ou enfermidade."
- Cumpre salientar que o benefício de prestação continuada foi previsto, na
impossibilidade de atender a um público maior, para socorrer os desamparados
(artigo 6º, caput, da CF), ou seja, àquelas pessoas que sequer teriam
possibilidade de equacionar um orçamento doméstico, pelo fato de não
terem renda ou de ser essa insignificante.
- A propósito, decidiu este e. TRF 3.ª Região: "O benefício de
prestação continuada não tem por fim a complementação da renda familiar ou
proporcionar maior conforto ao beneficiário, mas sim, destina-se ao idoso ou
deficiente em estado de penúria" (AC 876500. 9.ª Turma. Rel. Des. Fed. Marisa
Santos. DJU, 04.09.2003).
- Invertida a sucumbência, condena-se a parte autora a pagar custas
processuais e honorários de advogado, arbitrados em 12% (doze por cento)
sobre o valor atualizado da causa, já majorados em razão da fase recursal,
conforme critérios do artigo 85, §§ 1º, 2º, 3º, I, e 4º, III, do Novo
CPC. Porém, fica suspensa a exigibilidade, na forma do artigo 98, § 3º,
do referido código, por ser beneficiária da justiça gratuita.
- Apelação provida.
Ementa
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSO CIVIL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. CRIANÇA. SÍNDROME
DE DOWN. ARTIGOS 5º XXXIII, 6º E 193 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. LEIS
12.470/2011 13.146/2015. AUSÊNCIA DE MISERABILIDADE. ARTIGO 229 DA
CONSTITUIÇÃO FEDERAL. BENEFÍCIO INDEVIDO. SUCUMBÊNCIA RECURSAL. APELAÇÃO
PROVIDA.
- Discute-se o preenchimento dos requisitos necessários à concessão do
benefício de prestação continuada previsto no artigo 20 da Lei n. 8.742/93,
regulamentado, atualmente, pelos Decretos n. 6.214/2007 e 7.617/2011.
- A LOAS deu eficácia ao inciso V do artigo 203 da Constituição Federal, ao
estabelecer, em seu artigo 20, as condições para a concessão do benefício
da assistência social, a saber: ser o postulante portador de deficiência
ou idoso e, em ambas as hipóteses, comprovar não possuir meios de prover
a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família.
- O Supremo Tribunal Federal recentemente reviu seu posicionamento ao
reconhecer que o requisito do artigo 20, §3º, da Lei n. 8.742/93 não pode
ser considerado taxativo (STF, RE n. 580963, Tribunal Pleno, rel. Min. Gilmar
Mendes, DJe n. 225, 14/11/2013).
- Até o advento da Lei n. 12.470/2011, que deu nova redação ao artigo 2º,
§ 2º, da LOAS, só se concebia a concessão do benefício assistencial
à pessoa com deficiência que não pudesse trabalhar. Somente com a
alteração legislativa infraconstitucional que se dispensou a referência
à impossibilidade de trabalhar.
- Segundo o artigo 7º, XXXIII, da Constituição Federal, os menores de
16 (dezesseis) anos não poderão trabalhar, de modo que não faz sentido
conceder-se um benefício a quem, nem que quisesse, poderia trabalhar à
luz do ordenamento jurídico. Interpretação lógico-sistemática.
- Serve a Seguridade Social a fornecer proteção social àqueles que não
podem trabalhar, por alguma contingência ou algum risco social, à vista
do disposto no artigo 193 do Texto Magno, que prevê o princípio do primado
do trabalho.
- O legislador, pelas Leis nº 12.470/2011 e 13.146/2015, dispensou a
exigência da incapacidade para o trabalho e para a vida independente. O foco,
doravante, para fins de identificação da pessoa com deficiência, passa
a ser a existência de impedimentos de longo prazo, apenas e tão somente.
- A autora é nascida em 26/9/2015, enquadrando-se no conceito de
criança. Quanto ao aspecto subjetivo do benefício, pode enquadrá-la na
regra do artigo 20, § 2º, da LOAS, por ser portadora de síndrome de Down,
conquanto, dada a tenra idade, o impacto da doença na economia familiar
seja mínimo.
- Quanto à hipossuficiência econômica, segundo o estudo social, a autora
vive com os pais e um irmão nascido em 2000. Consta, ainda, do relatório
social, que a renda per capita familiar é de R$ 571,23, bastante superior
ao limite legal.
- Ora, por um lado, os termos do STF, RE n. 580963 (vide supra), o critério
da apuração da pobreza não é taxativo. Por outro, afigura-se indevida a
concessão do benefício nestas circunstâncias, em que flagrante a ausência
de penúria, mesmo que a condição da parte autora exija despesas adicionais,
se compara a uma criança não Down.
- Mais importante, é que as circunstâncias de fato não evidenciam
hipossuficiência, já que a qualidade de vida do núcleo familiar é
de classe média, não de pobreza. Casa guarnecida com vários móveis e
eletrodomésticos, dentre eles três televisores, aparelho de DVD, micro-ondas,
notebook, videogame Xbox 350, dentre outros. Possui a autora plano de saúde
e a família tem acesso à internet.
- No caso, o dever de sustento dos filhos não pode ser substituído pela
intervenção Estatal, pois o próprio artigo 203, V, da Constituição
Federal estabelece que o benefício é devido quando o sustento não puder
ser provido pela família.
- A técnica de proteção social prioritária no caso é a família, em
cumprimento ao disposto no artigo 229 da Constituição Federal, in verbis:
"Art. 229 - Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores,
e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice,
carência ou enfermidade."
- Cumpre salientar que o benefício de prestação continuada foi previsto, na
impossibilidade de atender a um público maior, para socorrer os desamparados
(artigo 6º, caput, da CF), ou seja, àquelas pessoas que sequer teriam
possibilidade de equacionar um orçamento doméstico, pelo fato de não
terem renda ou de ser essa insignificante.
- A propósito, decidiu este e. TRF 3.ª Região: "O benefício de
prestação continuada não tem por fim a complementação da renda familiar ou
proporcionar maior conforto ao beneficiário, mas sim, destina-se ao idoso ou
deficiente em estado de penúria" (AC 876500. 9.ª Turma. Rel. Des. Fed. Marisa
Santos. DJU, 04.09.2003).
- Invertida a sucumbência, condena-se a parte autora a pagar custas
processuais e honorários de advogado, arbitrados em 12% (doze por cento)
sobre o valor atualizado da causa, já majorados em razão da fase recursal,
conforme critérios do artigo 85, §§ 1º, 2º, 3º, I, e 4º, III, do Novo
CPC. Porém, fica suspensa a exigibilidade, na forma do artigo 98, § 3º,
do referido código, por ser beneficiária da justiça gratuita.
- Apelação provida.Decisão
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas,
decide a Egrégia Nona Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região,
por unanimidade, conhecer da apelação e lhe dar provimento, nos termos do
relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Data do Julgamento
:
20/06/2018
Data da Publicação
:
04/07/2018
Classe/Assunto
:
Ap - APELAÇÃO CÍVEL - 2296090
Órgão Julgador
:
NONA TURMA
Relator(a)
:
JUIZ CONVOCADO RODRIGO ZACHARIAS
Comarca
:
TRIBUNAL - TERCEIRA REGIÃO
Tipo
:
Acórdão
Indexação
:
VIDE EMENTA.
Fonte da publicação
:
e-DJF3 Judicial 1 DATA:04/07/2018
..FONTE_REPUBLICACAO:
Mostrar discussão