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Jurisprudência


TRF3 0006968-38.2016.4.03.6120 00069683820164036120

Ementa
PENAL. PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. ESTELIONATO MAJORADO. ART. 171, CAPUT E § 3º, DO CÓDIGO PENAL. MATERIALIDADE E AUTORIA DEMONSTRADAS. DOLO COMPROVADO. TEORIA DA COCULPABILIDADE DO ESTADO. NÃO DEMONSTRADA A INEXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA. CONTINUIDADE DELITIVA. INAPLICABILIDADE. CRIME PERMANENTE. NÃO DEMONSTRADA A IMPOSSIBILIDADE DE CUMPRIMENTO DE PENA RESTRITIVA DE DIREITO DE PRESTAÇÃO PECUNIÁRIA. REPARAÇÃO CIVIL DO DANO. ART. 387, IV, CPP AFASTADA. AUSENCIA DE PEDIDO DA ACUSAÇÃO. OFENSA AO CONTRADITORIO E AMPLA DEFESA. SUSPENSÃO CONDICIONAL DA PENA. AUSENCIA DE REQUISITOS. APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA. 1. A materialidade do delito de estelionato é ponto incontroverso nestes autos e restou comprovada pela documentação juntada aos autos, bem como pelos depoimentos da ré e testemunhas em juízo. 2. Contata-se que durante o recebimento do benefício assistencial oriundo do Programa Bolsa Família, a apelante vivia maritalmente há 20 anos com seu companheiro, cuja renda como pintor era aproximadamente R$2.000,00, além de receber valores de outras fontes de renda, verificando-se, que possuía renda superior ao teto estabelecido em lei para o recebimento do benefício. 3. É certo que nas inúmeras entrevistas e formulários de recadastramento, a apelante foi constantemente informada da necessidade de informar eventuais fontes de renda alternativas, fosse qual fosse a sua origem, quando fazia seu recadastramento no Programa Bolsa Família. 4. A circunstância de não saber qual o valor máximo permitido para continuar recebendo o Bolsa Família também não impedia a apelante de informar as assistentes sociais acerca da existência de outras fontes de renda, para que ao menos fosse verificado se tais rendas atingiam ou não o limite para recebimento do benefício assistencial. Aliás, em seu próprio depoimento ela afirma que recebeu Bolsa Família e que deliberadamente excluiu seu companheiro da composição familiar, ficando claro que possuía o conhecimento mínimo que a habilitava a informar tal fato. 5. Fica clara a intenção de se locupletar indevidamente mediante o recebimento indevido do benefício do Bolsa Família, restando comprovado o dolo da acusada, que permaneceu recebendo os benefícios assistencial por vários anos sem notificar as autoridades competentes. 6. Não prospera a tese da defesa da inexigibilidade de conduta diversa em face da coculpabilidade do Estado em não fornecer os direitos fundamentais mínimos a uma vida digna. A teoria da coculpabilidade atribui ao Estado parte da responsabilidade pelos delitos praticados por determinados agentes, que praticam crimes por não terem outras oportunidades, em razão de problemas e desigualdades sociais. Segundo essa teoria, não haveria exclusão da culpabilidade do agente, mas tais circunstâncias poderiam ser ponderadas pelo magistrado na dosimetria da pena, com base no artigo 66, do Código Penal. 7. Não há qualquer elemento fático que demonstre a excepcionalidade da situação da ré, ou tampouco que a apelante passava por dificuldades sociais ou financeiras causadas por relevante omissão Estatal. Assim, as alegações de que a acusada se encontrava em situação de penúria não afastam sua responsabilidade penal, eis que não restou comprovada a existência de qualquer perigo imediato que justificasse o cometimento do delito, conforme exigido pelo artigo 156 do Código de Processo Penal. 8. Pena-base fixada acima do minimo legal. Ausentes agravantes ou atenuantes. Aplicada a causa de aumento do §3º do art. 171 do CP. 9. Inaplicável a majorante de continuidade delitiva pleiteada pelo Ministério Público Federal. Isso porque o estelionato majorado cometido contra entidade de direito público pelo próprio beneficiário da vantagem ilícita configura crime permanente. 10. Pena definitiva de 2 (dois) anos de reclusão, em regime inicial aberto, e 13 (treze) dias-multa, no valor unitário mínimo legal, pela prática do delito previsto no artigo 171, caput e § 3º, do Código Penal, substituída a pena privativa de liberdade por duas penas restritivas de direitos, consistente em prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas, pelo prazo da pena corporal substituída, e prestação pecuniária no valor de 01 (um) salário mínimo, a serem especificadas pelo Juízo das Execuções Penais. 11. Não prospera a alegação de impossibilidade de cumprimento da pena de prestação pecuniária. A este respeito, a ré não trouxe aos autos qualquer elemento comprobatório de uma condição financeira precária. Resta suficiente, o valor de 1 (um) salário mínimo como prestação pecuniária, para a prevenção e reprovação do crime praticado, atentando-se para a extensão dos danos decorrentes do ilícito e para a situação econômica da condenada, observado o disposto no art. 45, §1º do Código Penal. As demais questões quanto ao cumprimento das penas alternativas deverão ser suscitadas ao juízo da execução penal. 12. Mesmo a pena da acusada tenha restado estabelecida em 2 (dois) anos de reclusão, é recomendada a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos, como de fato ocorreu na sentença. Assim, torna inaplicável a suspensão condicional da pena, por se mostrar devida a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos, nos termos do artigo 77, inciso III, do Código Penal. 13. Inaplicável ao caso a fixação da quantia a titulo de reparação civil dos danos, nos termos do art. 387 , inc. IV do Código de Processo Penal, eis que não houve pedido expresso do Ministério Público Federal na denúncia, bem como não foi oportunizado a apelante o direito de manifestar-se acerca do tema, violando, assim, os princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa. 14. Recurso da defesa parcialmente provido.
Decisão
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento ao recurso da defesa para afastar a continuidade delitiva, bem como a reparação civil dos danos prevista no art. 387, IV do CPP, fixando-se a pena definitiva em 2 (dois) anos de reclusão em regime inicial aberto, e pagamento de 13 (treze) dias-multa, no valor unitário de 1/30 do salario mínimo vigente à época dos fatos, substituída a pena privativa de liberdade por duas restritivas de direito consistentes em prestação pecuniária no valor de 1 (um) salário mínimo e prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas pelo prazo da pena substituída, a serem cumpridas na forma do art. 46 do Código Penal e nas condições fixadas pelo Juízo das Execuções Penais. Mantida, no mais, a sentença recorrida, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Data do Julgamento : 20/08/2018
Data da Publicação : 29/08/2018
Classe/Assunto : Ap. - APELAÇÃO CRIMINAL - 73283
Órgão Julgador : QUINTA TURMA
Relator(a) : DESEMBARGADOR FEDERAL PAULO FONTES
Comarca : TRIBUNAL - TERCEIRA REGIÃO
Tipo : Acórdão
Referência legislativa : ***** CP-40 CÓDIGO PENAL DE 1940 LEG-FED DEL-2848 ANO-1940 ART-171 PAR-3 ART-66 ART-45 PAR-1 ART-77 INC-3 ART-46 ***** CPP-41 CÓDIGO DE PROCESSO PENAL LEG-FED DEL-3689 ANO-1941 ART-387 INC-4 ART-156
Fonte da publicação : e-DJF3 Judicial 1 DATA:29/08/2018 ..FONTE_REPUBLICACAO:
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