TRF3 0007052-50.2016.4.03.6181 00070525020164036181
PENAL. PROCESSUAL PENAL. DENÚNCIA. OMISSÃO DE DECLARAÇÃO EM DOCUMENTO
PÚBLICO. SUJEIÇÃO DO BRASIL ÀS DECISÕES DA CORTE INTERAMERICANA DE
DIREITOS HUMANOS. CASO GOMES LUND. PRESCRIÇÃO. NÃO APLICAÇÃO DA LEI
DE ANISTIA. INVALIDADE PERANTE A CONVENÇÃO AMERICANA E OS PRINCÍPIOS
DO DIREITO INTERNACIONAL. CONTROLE DE CONVENCIONALIDADE. CONTROLE DE
CONSTITUCIONALIDADE. DISTINÇÃO. ENTENDIMENTO DO STF SOBRE A LEI DE
ANISTIA. ADPF 153. COMPATIBILIDADE COM A DECISÃO INTERNACIONAL.
1. Segundo a denúncia, o laudo de Exame de Corpo de Delito do IML assinado
pelo denunciado, bem como o atestado de óbito, apresentam inconsistências,
dado que omitem declaração que naqueles deveriam constar "para o fim de
alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante, consistente na prática
do homicídio da vítima, com marcas de possível tortura e em momento em
que já estava subjugada, sob a custódia dos órgãos de segurança". Aduz,
em síntese, que a decisão da ADPF n. 153 estabeleceu a compatibilidade
da Lei n. 6.683/79 com a Constituição da República, mas não esgotou o
controle de validade dessa lei, porquanto cabe à Corte Interamericana se
pronunciar acerca do controle de convencionalidade, da validade jurídica
da norma, relativa à proteção dos direitos humanos.
2. Discutir a validade da Lei n. 6.683, de 28.08.79, conhecida como Lei
da Anistia, não é tarefa profícua, considerando que o Supremo Tribunal
Federal já proclamou não somente essa validade, mas também sua abrangência
bilateral: STF, ADPF n. 153, Rel. Min. Eros Grau, j. 29.04.10.
3. Os princípios que regem a cidadania e a dignidade da pessoa humana (CR,
art. 1º, II e III), a harmonia entre os Poderes, ou melhor, a legalidade
(CR, art. 2º), o objetivo da República Federativa do Brasil no sentido
de construir uma sociedade livre, justa e solidária (CR, art. 3º, I),
a prevalência dos direitos humanos (CR, art. 4º, II), a igualdade entre
homens e mulheres (ou talvez o princípio da legalidade) (CR, art. 5º,
II), o devido processo legal (CR, art. 5º, LIV), conforme se percebe,
são referidos na medida em que seu caráter principiológico e geral
faculta, com efeito, que sob eles sejam incluídos diversos argumentos -
não destituídos de algum significado político - reveladores de um certo
inconformismo em relação ao reconhecimento, pelo Supremo Tribunal Federal
que, em uma palavra, a lei é válida e aplicável igualmente aos integrantes
dos organismos do Estado e aos que agiam contra este.
4. Os fatos objetos da denúncia ocorreram em julho de 1973, ocasião da
morte de Helber e da omissão por parte do denunciado na elaboração do
Laudo de Exame Necroscópico, consistente na omissão de declarações que
naquele deveriam constar. Entretanto, a pretensão punitiva foi extinta em
razão da anistia prevista no art. 1º da Lei n. 6.683/79.
5. Em última análise, pretende o Ministério Público Federal que seja
"cumprida" a decisão proferida pela Corte Interamericana de Direitos
Humanos em 24 de novembro de 2010, sob o fundamento de que esta, de certo
modo, prevalece sobre a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal na
ADPF n. 153, afastando a declaração de sua validade e abrangência. Não
consta, porém, que a decisão proferida pela Corte Interamericana de
Direitos Humanos tenha obliterado a decisão proferida pelo Supremo Tribunal
Federal. Nestes autos, aquela é meramente citada sem que se identifiquem
efetivamente seus efeitos para a economia deste processo, isto é, em que
medida seus efeitos criam, extinguem ou modificam direitos de caráter
processual ou de direito material no que respeita ao regular andamento da
ação penal. Em princípio, o juiz goza de independência no âmbito de
sua função jurisdicional, cumprindo-lhe aplicar a lei ao caso concreto
mediante o exercício de seu entendimento, segundo o Direito. Essa atividade
somente é obstruída em decorrência de decisão que tenha a propriedade
de substituir ou, de qualquer modo, reformar sua decisão. Os compromissos
internacionais assumidos pelo Brasil não afetam esse pressuposto, que de
resto é facilmente compreensível. Nem é preciso maiores digressões,
pois o fenômeno é, na sua natureza, idêntico ao que ocorre no âmbito
das obrigações assumidas pelo Brasil no âmbito interno. Daí que não há
razão, de caráter processual, para não guardar a tradicional reverência
ao julgamento proferido pelo Supremo Tribunal Federal.
6. Para além de uma eventual propriedade jurídica da decisão proferida
pela Corte Interamericana de Direitos Humanos quanto ao efetivo andamento
desta ação penal, a ordem de problemas propostos pelo Ministério Público
Federal evoca a consideração dessa mesma decisão - ou de outras de caráter
análogo - da perspectiva hermenêutica, singelamente, não desconsiderando
os tratados, em si mesmos, e sua aplicabilidade pelo juiz, não mais para
simples "cumprimento", mas sim por entender ser correta em seu conteúdo. A
dificuldade aí surgida, porém, deve ser apreciada com alguma cautela. Pois
nada indica que o entendimento segundo o qual os pactos posteriores tenham,
nos limites de sua compreensão tradicional no País, a propriedade de
gerar efeitos retroativos, ressalvadas as exceções conhecidas, dentre as
quais a própria anistia: prescrever efeitos jurídicos para fatos ocorridos
anteriormente à sua vigência é medida que, usualmente, não se admite.
7. Recurso em sentido estrito não provido.
Ementa
PENAL. PROCESSUAL PENAL. DENÚNCIA. OMISSÃO DE DECLARAÇÃO EM DOCUMENTO
PÚBLICO. SUJEIÇÃO DO BRASIL ÀS DECISÕES DA CORTE INTERAMERICANA DE
DIREITOS HUMANOS. CASO GOMES LUND. PRESCRIÇÃO. NÃO APLICAÇÃO DA LEI
DE ANISTIA. INVALIDADE PERANTE A CONVENÇÃO AMERICANA E OS PRINCÍPIOS
DO DIREITO INTERNACIONAL. CONTROLE DE CONVENCIONALIDADE. CONTROLE DE
CONSTITUCIONALIDADE. DISTINÇÃO. ENTENDIMENTO DO STF SOBRE A LEI DE
ANISTIA. ADPF 153. COMPATIBILIDADE COM A DECISÃO INTERNACIONAL.
1. Segundo a denúncia, o laudo de Exame de Corpo de Delito do IML assinado
pelo denunciado, bem como o atestado de óbito, apresentam inconsistências,
dado que omitem declaração que naqueles deveriam constar "para o fim de
alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante, consistente na prática
do homicídio da vítima, com marcas de possível tortura e em momento em
que já estava subjugada, sob a custódia dos órgãos de segurança". Aduz,
em síntese, que a decisão da ADPF n. 153 estabeleceu a compatibilidade
da Lei n. 6.683/79 com a Constituição da República, mas não esgotou o
controle de validade dessa lei, porquanto cabe à Corte Interamericana se
pronunciar acerca do controle de convencionalidade, da validade jurídica
da norma, relativa à proteção dos direitos humanos.
2. Discutir a validade da Lei n. 6.683, de 28.08.79, conhecida como Lei
da Anistia, não é tarefa profícua, considerando que o Supremo Tribunal
Federal já proclamou não somente essa validade, mas também sua abrangência
bilateral: STF, ADPF n. 153, Rel. Min. Eros Grau, j. 29.04.10.
3. Os princípios que regem a cidadania e a dignidade da pessoa humana (CR,
art. 1º, II e III), a harmonia entre os Poderes, ou melhor, a legalidade
(CR, art. 2º), o objetivo da República Federativa do Brasil no sentido
de construir uma sociedade livre, justa e solidária (CR, art. 3º, I),
a prevalência dos direitos humanos (CR, art. 4º, II), a igualdade entre
homens e mulheres (ou talvez o princípio da legalidade) (CR, art. 5º,
II), o devido processo legal (CR, art. 5º, LIV), conforme se percebe,
são referidos na medida em que seu caráter principiológico e geral
faculta, com efeito, que sob eles sejam incluídos diversos argumentos -
não destituídos de algum significado político - reveladores de um certo
inconformismo em relação ao reconhecimento, pelo Supremo Tribunal Federal
que, em uma palavra, a lei é válida e aplicável igualmente aos integrantes
dos organismos do Estado e aos que agiam contra este.
4. Os fatos objetos da denúncia ocorreram em julho de 1973, ocasião da
morte de Helber e da omissão por parte do denunciado na elaboração do
Laudo de Exame Necroscópico, consistente na omissão de declarações que
naquele deveriam constar. Entretanto, a pretensão punitiva foi extinta em
razão da anistia prevista no art. 1º da Lei n. 6.683/79.
5. Em última análise, pretende o Ministério Público Federal que seja
"cumprida" a decisão proferida pela Corte Interamericana de Direitos
Humanos em 24 de novembro de 2010, sob o fundamento de que esta, de certo
modo, prevalece sobre a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal na
ADPF n. 153, afastando a declaração de sua validade e abrangência. Não
consta, porém, que a decisão proferida pela Corte Interamericana de
Direitos Humanos tenha obliterado a decisão proferida pelo Supremo Tribunal
Federal. Nestes autos, aquela é meramente citada sem que se identifiquem
efetivamente seus efeitos para a economia deste processo, isto é, em que
medida seus efeitos criam, extinguem ou modificam direitos de caráter
processual ou de direito material no que respeita ao regular andamento da
ação penal. Em princípio, o juiz goza de independência no âmbito de
sua função jurisdicional, cumprindo-lhe aplicar a lei ao caso concreto
mediante o exercício de seu entendimento, segundo o Direito. Essa atividade
somente é obstruída em decorrência de decisão que tenha a propriedade
de substituir ou, de qualquer modo, reformar sua decisão. Os compromissos
internacionais assumidos pelo Brasil não afetam esse pressuposto, que de
resto é facilmente compreensível. Nem é preciso maiores digressões,
pois o fenômeno é, na sua natureza, idêntico ao que ocorre no âmbito
das obrigações assumidas pelo Brasil no âmbito interno. Daí que não há
razão, de caráter processual, para não guardar a tradicional reverência
ao julgamento proferido pelo Supremo Tribunal Federal.
6. Para além de uma eventual propriedade jurídica da decisão proferida
pela Corte Interamericana de Direitos Humanos quanto ao efetivo andamento
desta ação penal, a ordem de problemas propostos pelo Ministério Público
Federal evoca a consideração dessa mesma decisão - ou de outras de caráter
análogo - da perspectiva hermenêutica, singelamente, não desconsiderando
os tratados, em si mesmos, e sua aplicabilidade pelo juiz, não mais para
simples "cumprimento", mas sim por entender ser correta em seu conteúdo. A
dificuldade aí surgida, porém, deve ser apreciada com alguma cautela. Pois
nada indica que o entendimento segundo o qual os pactos posteriores tenham,
nos limites de sua compreensão tradicional no País, a propriedade de
gerar efeitos retroativos, ressalvadas as exceções conhecidas, dentre as
quais a própria anistia: prescrever efeitos jurídicos para fatos ocorridos
anteriormente à sua vigência é medida que, usualmente, não se admite.
7. Recurso em sentido estrito não provido.Decisão
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas,
decide a Egrégia Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região,
por maioria, negar provimento ao recurso em sentido estrito, nos termos do
relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Data do Julgamento
:
05/12/2016
Data da Publicação
:
13/12/2016
Classe/Assunto
:
RSE - RECURSO EM SENTIDO ESTRITO - 7864
Órgão Julgador
:
QUINTA TURMA
Relator(a)
:
DESEMBARGADOR FEDERAL ANDRÉ NEKATSCHALOW
Comarca
:
TRIBUNAL - TERCEIRA REGIÃO
Tipo
:
Acórdão
Observações
:
ADPF 153
Referência
legislativa
:
LEG-FED LEI-6683 ANO-1979 ART-1
***** CF-1988 CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988
LEG-FED ANO-1988 ART-1 INC-2 INC-3 ART-2 ART-3 INC-1 ART-4 INC-2 ART-5
INC-2 INC-54
Fonte da publicação
:
e-DJF3 Judicial 1 DATA:13/12/2016
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