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Jurisprudência


TRF3 0007289-98.2014.4.03.6102 00072899820144036102

Ementa
PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. DIREITO À SAÚDE. SOLIDARIEDADE DOS ENTES FEDERATIVOS. SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO. CANCÊR DE COLÓN E RETO. QUIMIOTERAPIA PALIATIVA. HIPOSSUFICIÊNCIA. APELAÇÃO E REMESSA OFICIAL DESPROVIDAS. 1. Trata-se de reexame necessário e recurso de apelação no qual se discute a responsabilidade da União ao fornecimento à autora da ação, do medicamento "PANITUMUMABE 20 mg/ml frascos ampola de 20 ml - 12 frascos", utilizado para o tratamento de câncer de colón e reto. 2. Primeiramente, sobre as alegações preliminares de ausência do interesse de agir e ilegitimidade ad causam, sem razão, eis que, de um lado, há a comprovação da doença da autora e sua necessidade de tratamento médico (fl. 35/40), por outro, a Constituição Federal de 1988 determina, em seu art. 196, que o direito fundamental à saúde é dever de todos os entes federativos, respondendo eles de forma solidária pela prestação de tal serviço público. 3. Em relação ao mérito, tenha-se em vista que a Carta de 1988, ao constitucionalizar o direito à saúde como direito fundamental, inovou a ordem jurídica nacional, na medida em que nas Constituições anteriores tal direito se restringia à salvaguarda específica de direitos dos trabalhadores, além de disposições sobre regras de competência que não tinham, todavia, o condão de garantir o acesso universal à saúde. 4. É de se notar que a Constituição, ao dispor do direito à saúde, não se limita a aspectos de natureza curativa, mas estabelece que as ações devem ser amplas no sentido de garantir um tratamento curativo, mas de determinar também que as políticas públicas devem ter como o escopo a profilaxia de doenças. 5. Observe-se que os direitos e valores munidos de fundamentalidade na ordem constitucional não têm completude a menos que se garantam as condições necessárias para sua efetivação. Continuando o raciocínio, a garantia do direito fundamental de acesso à saúde é, sim, uma garantia de toda a sociedade, gerando um dever por parte do poder público de implementar políticas públicas que visem o bem-estar geral da população. 6. A guarda dos direitos fundamentais, especialmente no que concerne ao chamado mínimo existencial, pode ser argumento válido no sentido de justificar intervenção judicial quando não houver, por parte do poder público, o devido suprimento às necessidades básicas do indivíduo. Bem assim, ainda que, no campo da definição de políticas públicas, seja possível priorizar a tutela das necessidades coletivas, não se pode, com esse raciocínio, supor que há qualquer legitimidade em se negar em sua plenitude a condição de titularidade do direito pelo indivíduo. Prosseguindo nesse o juízo, na medida em que o direito à saúde se consubstancia, também, como direito subjetivo do indivíduo, não me parecem legítimas as afirmações segundo as quais a tutela individual trataria uma inaceitável intervenção do Poder Judiciário sobre o Executivo e as políticas públicas que este leva a cabo. 7. Sabendo-se que, como já afirmado, o direito à saúde, além do aspecto coletivo, constrói-se como direito fundamental subjetivo de cada indivíduo; verificando-se, outrossim, a ausência ou deficiência do poder público em promover as necessárias políticas que garantam ao indivíduo condições de saúde dignas, não é razoável supor se pudesse negar ao indivíduo a tutela jurisdicional, uma vez que é obrigação do Estado zelar pela saúde de todos, mas também pela saúde de cada um dos indivíduos do país. 8. Assim tem se posicionado majoritariamente a jurisprudência pátria, no sentido de que se protejam tanto aquelas hipóteses de iminente risco para a vida humana, quanto aquelas em que caiba restabelecer a noção de mínimo existencial, que estabelece o parâmetro intangível e nuclear da dignidade da pessoa humana, sem o que toda a base principiológica do texto constitucional estaria mortalmente comprometida. 9. In casu, a autora, Sra. Elenice Tozzi Rezende, é portadora de câncer colorretal (Neoplasia Maligna do Cólon Metastática), tendo sido diagnosticada em 2011, ocasião em que fora submetida a tratamento mediante quimioterapia. Incluído no tratamento proposto pela equipe médica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto/SP, estava à submissão a quimioterapia adjuvante com XELOX, seguido de hepatectomia parcial, concluindo-se o tratamento em fevereiro de 2012. Consta dos autos que, em junho de 2012, a doença voltou a se manifestar, inclusive, progredindo para o fígado e pulmão, oportunidade em que foi prescrito XELIRI com CETUXIMABE. A autora, ora apelada, contudo, sofreu grave reação a este último medicamento, forçando a suspensão de seu uso. Em consequência, foi submetida ao tratamento com quimioterapia paliativa a base de FOLIRI associado com PANITUMUTAME. 10. De acordo com o laudo pericial de fls. 35/38, realizado sob determinação da 7ª Vara Federal de Ribeirão Preto, Segunda Subseção Judiciária atestou que "(...) a autora é portadora de status pós cirurgia para ressecção de neoplasia de cólon; status pós hepatectomia parcial para retirada de metástase em outubro de 201; de status pós segmentectomia pulmonar para retirada de metástase em junho de 2012; de status pós colectomia segmentar com retirada de adenocarcinona tubular moderadamente diferenciado realizada em fevereiro de 2013; e de metástase de neoplasia maligna de cólon para fígado, pulmão e linfonodos como diagnósticos relevantes", afirmando que os documentos anexados a ação comprovam o diagnóstico e que, nos termos do item 4 do laudo pericial, "o uso do medicamento Panitumumabe, indicado para a autora, está justificado neste caso" (fl. 38). Ademais, na resposta ao quesito do item 8 - Há opção terapêutica disponível em algum programa do SUS? - a conclusão foi que "devido à ocorrência de reação grave ao Cetuximabe, o mesmo precisou ser suspenso e atualmente a autora está em quimioterapia paliativa com Folfiri (5-fu ou 5-Fluoracil (um fólico) e Irinotecano, sendo indicado a utilização de Panitumumabe" (fl. 40). 11. Não cabe a Administração decidir qual o melhor - ou menos oneroso - tratamento médico deve ser aplicado ao paciente, ao contrário, esta decisão é discricionária do médico responsável pela análise do quadro médico do paciente, somente ele, por ter formação técnica específica e contato direito com o submetido ao tratamento para saber o que melhor convém a este, corrobora essa ideia o fato de que o remédio disponibilizado pelo SUS, ao qual o Panitumumabe substituiu no tratamento da ora apelada, ter gerado reações adversas graves à paciente, demonstrando, por si só, a impossibilidade da continuidade de um tratamento a base dele. 12. Uma leitura constitucional do caso demonstra que o postulado da dignidade da pessoa humana não permite, em nenhuma hipótese, o estabelecimento rígido do fornecimento de determinado medicamento/tratamento, sem chances de modificação, ainda que gere efeitos mais danosos ao paciente, somente para que assim se onere menos o Estado. Todos, sem exceção, devem ter acesso a tratamento médico digno e eficaz, mormente quando não se possuam recursos para custeá-lo. Nesse universo se insere inclusive medicamentos que não constam da lista do SUS e não podem ser substituídos com a mesma eficácia pelo poder público. 13. Apelação e remessa oficial desprovida.
Decisão
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, negar provimento ao reexame necessário e ao recurso de apelação da União, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Data do Julgamento : 18/08/2016
Data da Publicação : 26/08/2016
Classe/Assunto : ApReeNec - APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA - 2130545
Órgão Julgador : TERCEIRA TURMA
Relator(a) : DESEMBARGADOR FEDERAL ANTONIO CEDENHO
Comarca : TRIBUNAL - TERCEIRA REGIÃO
Tipo : Acórdão
Indexação : VIDE EMENTA.
Fonte da publicação : e-DJF3 Judicial 1 DATA:26/08/2016 ..FONTE_REPUBLICACAO:
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