TRF3 0007409-31.2011.4.03.6108 00074093120114036108
CONSTITUCIONAL, ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL
PÚBLICA. REMESSA OFICIAL, TIDA POR INTERPOSTA. ART. 19 DA LEI N.º
7.347/1985. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. VERBA FEDERAL. FUNDO NACIONAL DE
DESENVOLVIMENTO DA EDUCAÇÃO (FNDE). PROGRAMA NACIONAL DE ALIMENTAÇÃO
ESCOLAR (PNAE). MERENDA ESCOLAR. MODALIDADE CONVITE. VALOR ESTIMADO SUPERIOR
A R$ 80.000,00. PREJUÍZO AO ERÁRIO IN RE IPSA. SUPERFATURAMENTO. AUSÊNCIA
DE PESQUISA DE PREÇOS. ALEGAÇÃO DE QUE OS ALIMENTOS ADQUIRIDOS NO PERÍODO
DE RECESSO ESCOLAR NÃO FORAM UTILIZADOS. INEXISTÊNCIA DE PROVA. PENAS DE
PERDA DA FUNÇÃO PÚBLICA, SUSPENSÃO DOS DIREITOS POLÍTICOS E PROIBIÇÃO
DE CONTRATAR COM O PODER PÚBLICO. INCOMPATIBILIDADE COM OS ATOS ÍMPROBOS
PRATICADOS.
1. A sentença de parcial procedência em ação civil pública deve ser
submetida à remessa oficial, conforme aplicação analógica do estabelecido
no art. 19 da Lei n.º 4.717/1965 (Lei da Ação Popular).
2. É possível a realização de licitação na modalidade convite tão
somente se o valor estimado da contratação não ultrapassar o montante de R$
80.000,00 (art. 23, II, da Lei n.º 8.666/1993).
3. No caso concreto, a União Federal, por meio do Fundo Nacional de
Desenvolvimento da Educação (FNDE), autarquia federal sob a supervisão
do Ministério da Educação, repassou ao município de Paulistânia/SP,
no ano de 2008, recursos para a aquisição da merenda escolar dos alunos da
rede pública, mediante o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE).
4. Nesse passo, o funcionário encarregado pela Seção de Materiais e
Compras da Prefeitura, ora apelado, requereu autorização para abertura de
licitação na modalidade convite, a fim de adquirir produtos alimentícios
para a merenda escolar, exercício 2008, o que foi deferido pelo então
Prefeito daquela localidade, ora apelante, na mesma época em que o então
responsável pela formalização e realização do processo licitatório em
debate ocupava o cargo de Secretário Municipal de Educação.
5. Lançado o Edital e após a apresentação das propostas pelas empresas,
ora apeladas, a Comissão Permanente de Licitações da Prefeitura declarou
os vencedores, o que foi homologado pelo então Prefeito, que adjudicou o
objeto da licitação, de modo que cada estabelecimento forneceria uma parte
dos produtos designados para a merenda escolar.
6. Muito embora o valor estimado, cotado em um primeiro momento perante
tão somente uma das empresas licitantes, tenha sido de R$ 66.163,30,
após a apresentação das propostas o montante global alcançou, conforme
declaração do próprio ex-Prefeito, a cifra de R$ 101.276,10, monta muito
superior à permitida para a adoção da modalidade convite de licitação.
7. Não bastasse isso, como bem destacado pelo r. Juízo de origem, embora
a única pesquisa de preço, de fato, tenha apontado o enfocado numerário,
igualmente certo é que esta compreendia itens não valorados, respectivamente
sob nº 09, 10, 11 e 27, fls. 172/173, (carne moída, carne de músculo, carne
de panela e pão), ulteriormente adquiridos pelas cifras de R$ 7.440,00, R$
315,00, R$ 3.575,00 e R$ 30.000,00, respectivamente.
8. Desse modo, resta certa a ilegalidade da modalidade escolhida
pelo município para a aquisição dos produtos em comento, bem como a
responsabilidade dos agentes públicos envolvidos no procedimento licitatório,
conforme acima relatado, não prosperando a alegação de que inexistiu ato
de improbidade no presente caso, uma vez que existe perfeito enquadramento
no art. 10, VIII, primeira parte, da Lei n.º 8.429/1992.
9. No caso em espécie, o ex-Prefeito agiu, no mínimo, com culpa grave,
porquanto, após a apresentação das propostas, tinha plena ciência dos
termos da escolha da modalidade convite de licitação.
10. No que concerne à alegação de inexistência de dano, é entendimento
assente no E. STJ que a lesividade causadora do prejuízo ao erário,
nos casos de irregularidade no procedimento de licitação, é in re ipsa,
haja vista que, em virtude da conduta dos administradores, o Poder Público
deixa de contratar a melhor proposta.
11. Igualmente, não prospera a alegação de impossibilidade de realização
de ampla pesquisa de mercado em município de pequena dimensão, como é o de
Paulistânia, porquanto a menos de 50 km de distância da aludida localidade
encontra-se a cidade de Bauru, centro urbano com empresas com capacidade
suficiente para apresentar preços competitivos.
12. Tendo sido feita uma única consulta e não precisamente uma pesquisa
de preços perante os estabelecimentos da região, bem como ante a tabela
acostada no Inquérito Civil Público em apenso, a qual demonstra ampla
disparidade entre os preços praticados no Município de Paulistânia e
aqueles adotados em outras localidades do entorno, resta suficientemente
demonstrado o superfaturamento, razão pela qual as empresas vencedoras do
certame, assim como os seus sócios, devem ser responsabilizados, nos termos
do art. 3º da Lei n.º 8.429/1992.
13. Com palavras outras, a deficiente consulta realizada pelo Município de
Paulistânia importou eleição incorreta do regime licitatório (modalidade
convite), o qual viabilizou a compra de produtos em absoluto descompasso
com a média de preços praticados na região, o que, por óbvio, revela
improbidade administrativa.
14. Não assiste razão ao Parquet federal quando assevera que os alimentos
adquiridos nos meses de julho e dezembro de 2008 (período de recesso escolar)
não foram utilizados na alimentação dos alunos, haja vista que inexiste
prova pericial nos autos acerca de tal alegação, imprescindível para o
deslinde da controvérsia.
15. Sendo incontroversa a configuração dos demais atos ímprobos praticados
pelos réus, cinge-se a questão em saber se as penas aplicadas levaram em
conta os critérios previstos no parágrafo único do art. 12 da Lei n.º
8.429/92, quais sejam, a extensão do dano causado e o proveito patrimonial
obtido pelo agente.
16. Diante da gravidade da conduta frente ao patrimônio moral do Estado e da
sociedade, quebrando-se a confiança e a lealdade que se espera dos agentes
públicos, revela-se adequada a estipulação da multa civil no montante
arbitrado (uma vez o valor do dano), bastante e suficiente a repercutir na
esfera patrimonial dos envolvidos a ponto de desestimulá-los a reincidir na
agressão aos princípios gerais da legalidade, impessoalidade e moralidade.
17. Não prospera, por outro lado, o pedido do Ministério Público Federal
para que sejam aplicadas as penas de perda da função pública, suspensão
dos direitos políticos e proibição de contratar com o Poder Público
ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou
indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja
sócio majoritário.
18. As aludidas penas não se mostram compatíveis com os atos ímprobos
praticados, especialmente considerando o valor do contrato, a não
comprovação de desvio de alimentos e a inexistência de notícia acerca
de reiteração de condutas ilegais ou desabonadoras pelos réus.
19. Nem se alegue que não houve fundamentação suficiente na sentença
para o afastamento das referidas penas, uma vez que se encontram descritos,
de forma precisa, os fatos motivadores, quais sejam, o retorno dos valores
em questão ao serviço público e a limitada gravidade do evento.
20. Apelações e remessa oficial, tida por interposta, desprovidas.
Ementa
CONSTITUCIONAL, ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL
PÚBLICA. REMESSA OFICIAL, TIDA POR INTERPOSTA. ART. 19 DA LEI N.º
7.347/1985. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. VERBA FEDERAL. FUNDO NACIONAL DE
DESENVOLVIMENTO DA EDUCAÇÃO (FNDE). PROGRAMA NACIONAL DE ALIMENTAÇÃO
ESCOLAR (PNAE). MERENDA ESCOLAR. MODALIDADE CONVITE. VALOR ESTIMADO SUPERIOR
A R$ 80.000,00. PREJUÍZO AO ERÁRIO IN RE IPSA. SUPERFATURAMENTO. AUSÊNCIA
DE PESQUISA DE PREÇOS. ALEGAÇÃO DE QUE OS ALIMENTOS ADQUIRIDOS NO PERÍODO
DE RECESSO ESCOLAR NÃO FORAM UTILIZADOS. INEXISTÊNCIA DE PROVA. PENAS DE
PERDA DA FUNÇÃO PÚBLICA, SUSPENSÃO DOS DIREITOS POLÍTICOS E PROIBIÇÃO
DE CONTRATAR COM O PODER PÚBLICO. INCOMPATIBILIDADE COM OS ATOS ÍMPROBOS
PRATICADOS.
1. A sentença de parcial procedência em ação civil pública deve ser
submetida à remessa oficial, conforme aplicação analógica do estabelecido
no art. 19 da Lei n.º 4.717/1965 (Lei da Ação Popular).
2. É possível a realização de licitação na modalidade convite tão
somente se o valor estimado da contratação não ultrapassar o montante de R$
80.000,00 (art. 23, II, da Lei n.º 8.666/1993).
3. No caso concreto, a União Federal, por meio do Fundo Nacional de
Desenvolvimento da Educação (FNDE), autarquia federal sob a supervisão
do Ministério da Educação, repassou ao município de Paulistânia/SP,
no ano de 2008, recursos para a aquisição da merenda escolar dos alunos da
rede pública, mediante o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE).
4. Nesse passo, o funcionário encarregado pela Seção de Materiais e
Compras da Prefeitura, ora apelado, requereu autorização para abertura de
licitação na modalidade convite, a fim de adquirir produtos alimentícios
para a merenda escolar, exercício 2008, o que foi deferido pelo então
Prefeito daquela localidade, ora apelante, na mesma época em que o então
responsável pela formalização e realização do processo licitatório em
debate ocupava o cargo de Secretário Municipal de Educação.
5. Lançado o Edital e após a apresentação das propostas pelas empresas,
ora apeladas, a Comissão Permanente de Licitações da Prefeitura declarou
os vencedores, o que foi homologado pelo então Prefeito, que adjudicou o
objeto da licitação, de modo que cada estabelecimento forneceria uma parte
dos produtos designados para a merenda escolar.
6. Muito embora o valor estimado, cotado em um primeiro momento perante
tão somente uma das empresas licitantes, tenha sido de R$ 66.163,30,
após a apresentação das propostas o montante global alcançou, conforme
declaração do próprio ex-Prefeito, a cifra de R$ 101.276,10, monta muito
superior à permitida para a adoção da modalidade convite de licitação.
7. Não bastasse isso, como bem destacado pelo r. Juízo de origem, embora
a única pesquisa de preço, de fato, tenha apontado o enfocado numerário,
igualmente certo é que esta compreendia itens não valorados, respectivamente
sob nº 09, 10, 11 e 27, fls. 172/173, (carne moída, carne de músculo, carne
de panela e pão), ulteriormente adquiridos pelas cifras de R$ 7.440,00, R$
315,00, R$ 3.575,00 e R$ 30.000,00, respectivamente.
8. Desse modo, resta certa a ilegalidade da modalidade escolhida
pelo município para a aquisição dos produtos em comento, bem como a
responsabilidade dos agentes públicos envolvidos no procedimento licitatório,
conforme acima relatado, não prosperando a alegação de que inexistiu ato
de improbidade no presente caso, uma vez que existe perfeito enquadramento
no art. 10, VIII, primeira parte, da Lei n.º 8.429/1992.
9. No caso em espécie, o ex-Prefeito agiu, no mínimo, com culpa grave,
porquanto, após a apresentação das propostas, tinha plena ciência dos
termos da escolha da modalidade convite de licitação.
10. No que concerne à alegação de inexistência de dano, é entendimento
assente no E. STJ que a lesividade causadora do prejuízo ao erário,
nos casos de irregularidade no procedimento de licitação, é in re ipsa,
haja vista que, em virtude da conduta dos administradores, o Poder Público
deixa de contratar a melhor proposta.
11. Igualmente, não prospera a alegação de impossibilidade de realização
de ampla pesquisa de mercado em município de pequena dimensão, como é o de
Paulistânia, porquanto a menos de 50 km de distância da aludida localidade
encontra-se a cidade de Bauru, centro urbano com empresas com capacidade
suficiente para apresentar preços competitivos.
12. Tendo sido feita uma única consulta e não precisamente uma pesquisa
de preços perante os estabelecimentos da região, bem como ante a tabela
acostada no Inquérito Civil Público em apenso, a qual demonstra ampla
disparidade entre os preços praticados no Município de Paulistânia e
aqueles adotados em outras localidades do entorno, resta suficientemente
demonstrado o superfaturamento, razão pela qual as empresas vencedoras do
certame, assim como os seus sócios, devem ser responsabilizados, nos termos
do art. 3º da Lei n.º 8.429/1992.
13. Com palavras outras, a deficiente consulta realizada pelo Município de
Paulistânia importou eleição incorreta do regime licitatório (modalidade
convite), o qual viabilizou a compra de produtos em absoluto descompasso
com a média de preços praticados na região, o que, por óbvio, revela
improbidade administrativa.
14. Não assiste razão ao Parquet federal quando assevera que os alimentos
adquiridos nos meses de julho e dezembro de 2008 (período de recesso escolar)
não foram utilizados na alimentação dos alunos, haja vista que inexiste
prova pericial nos autos acerca de tal alegação, imprescindível para o
deslinde da controvérsia.
15. Sendo incontroversa a configuração dos demais atos ímprobos praticados
pelos réus, cinge-se a questão em saber se as penas aplicadas levaram em
conta os critérios previstos no parágrafo único do art. 12 da Lei n.º
8.429/92, quais sejam, a extensão do dano causado e o proveito patrimonial
obtido pelo agente.
16. Diante da gravidade da conduta frente ao patrimônio moral do Estado e da
sociedade, quebrando-se a confiança e a lealdade que se espera dos agentes
públicos, revela-se adequada a estipulação da multa civil no montante
arbitrado (uma vez o valor do dano), bastante e suficiente a repercutir na
esfera patrimonial dos envolvidos a ponto de desestimulá-los a reincidir na
agressão aos princípios gerais da legalidade, impessoalidade e moralidade.
17. Não prospera, por outro lado, o pedido do Ministério Público Federal
para que sejam aplicadas as penas de perda da função pública, suspensão
dos direitos políticos e proibição de contratar com o Poder Público
ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou
indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja
sócio majoritário.
18. As aludidas penas não se mostram compatíveis com os atos ímprobos
praticados, especialmente considerando o valor do contrato, a não
comprovação de desvio de alimentos e a inexistência de notícia acerca
de reiteração de condutas ilegais ou desabonadoras pelos réus.
19. Nem se alegue que não houve fundamentação suficiente na sentença
para o afastamento das referidas penas, uma vez que se encontram descritos,
de forma precisa, os fatos motivadores, quais sejam, o retorno dos valores
em questão ao serviço público e a limitada gravidade do evento.
20. Apelações e remessa oficial, tida por interposta, desprovidas.Decisão
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas,
decide a Egrégia Sexta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região,
por unanimidade, negar provimento às apelações e à remessa oficial,
tida por interposta, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte
integrante do presente julgado.
Data do Julgamento
:
01/02/2018
Data da Publicação
:
09/02/2018
Classe/Assunto
:
Ap - APELAÇÃO CÍVEL - 1969402
Órgão Julgador
:
SEXTA TURMA
Relator(a)
:
JUIZ CONVOCADO PAULO SARNO
Comarca
:
TRIBUNAL - TERCEIRA REGIÃO
Tipo
:
Acórdão
Indexação
:
VIDE EMENTA.
Referência
legislativa
:
***** LACP-85 LEI DE AÇÃO CIVIL PÚBLICA
LEG-FED LEI-7347 ANO-1985 ART-19
***** LAP-65 LEI DE AÇÃO POPULAR
LEG-FED LEI-4717 ANO-1965 ART-19
***** LC-93 LEI DE LICITAÇÕES
LEG-FED LEI-8666 ANO-1993 ART-23 INC-2
***** LIA-92 LEI DA IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA
LEG-FED LEI-8429 ANO-1992 ART-3 ART-10 INC-8 ART-12 PAR-ÚNICO
Fonte da publicação
:
e-DJF3 Judicial 1 DATA:09/02/2018
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