- Anúncio -
main-banner

Jurisprudência


TRF3 0007615-06.2010.4.03.6100 00076150620104036100

Ementa
DIREITO PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. ENRIQUECIMENTO ILÍCITO E VANTAGEM PATRIMONIAL INDEVIDA. ARTIGO 9º, LEI 8.429/1992. AUDITOR FISCAL. PARTICULARES. ARTIGO 3º, LEI 8.429/1992. QUEBRA DE SIGILO BANCÁRIO. ARTIGO 17, LEI 8.429/1992. INCOMPETÊNCIA E NULIDADE. REJEIÇÃO. SIGILO TELEFÔNICO. ORDEM JUDICIAL. REGULARIDADE DA PROVA EMPRESTADA. ACESSO AO CONTEÚDO. DEVIDO PROCESSO LEGAL GARANTIDO. CONDUTA COMPROVADA. PAGAMENTO INDEVIDO. RECEIO DE FISCALIZAÇÃO TRIBUTÁRIA. PRESCINDIBILIDADE DA PROVA DO RESULTADO MATERIAL FAVORÁVEL AO PARTICULAR. SANÇÕES APLICADAS CORRETAMENTE. DESPROVIMENTO DOS RECURSOS. 1. Não há prevenção do Juízo da 16ª Vara Federal de São Paulo, pois o pedido de quebra de sigilo bancário (procedimento 2008.61.00.018573-5) não constituiu ação acessória à presente ação civil pública, mas demanda requerida como finalidade exclusiva de permitir a instrução de procedimento administrativo disciplinar perante a Corregedoria da RFB, pois mesmo se o acesso a tais dados tivesse sido permitido por aquele Juízo (o que não ocorreu, mesmo nesta Corte), tais informações somente seriam tomadas na presente ação como prova emprestada, o que seria insuficiente para prevenir a competência, não se tratando de ação cautelar conexa à ação civil pública, para fins de aplicação da regra do artigo 106 do CPC e artigo 800 do CPC. 2. Mesmo se houvesse a alegada conexão, esta seria relativa ao critério territorial de competência, a ser alegada exclusivamente via exceção de incompetência, que não foi manejada em momento próprio, restando preclusa sua alegação posterior, com prorrogação da competência, não sendo possível, desta forma, alegar-se nulidade da sentença e do procedimento da ação civil pública. 3. A alegação de nulidade das interceptações telefônicas, efetuadas no âmbito criminal e utilizadas por empréstimo no procedimento administrativo disciplinar e na presente ação civil pública, por excesso de prazo e decisões prorrogando sua realização com base em fundamento inexistente, deve ser efetuada no âmbito criminal próprio, no contexto em que realizadas, não sendo possível em sede de ação cível, em que utilizadas as provas apenas por empréstimo, sendo que, se os apelantes entendem que os fundamentos para o deferimento/prorrogação da interceptação telefônica inexistem, devem efetuar a discussão na esfera criminal para que, caso reconhecida a ilegalidade, seja desconsiderada, por via de consequência, tal prova no que tomada por empréstimo. 4. As cópias das decisões que deferiram e prorrogaram a realização de escutas telefônicas foram devidamente juntadas aos autos, assim como a transcrição dos principais diálogos (bem como as mídias digitais contendo cópia dos principais áudios), que permitiram, sem descontextualização, verificar o efetivo conteúdo e sentido das conversas entre os réus, que motivaram o ajuizamento da ação civil pública, não havendo, desta forma, prejuízo à defesa, e ofensa aos princípios do contraditório e ampla defesa, pois, ainda no âmbito administrativo, os réus tiveram efetivo acesso ao material probatório, conforme consta do "termo de transferência de sigilo de escutas telefônicas", havendo comprovante de recebimento desse material pelo réu, juntado ao PAD e acessado pelo MPF por autorização judicial, comprovando inexistir a alegada falta de acesso ao conteúdo do material probatório. Por sua vez, não há ilegalidade na utilização desse material obtido em sede de investigação criminal, para instruir ação civil pública, desde que seja submetido ao contraditório e à ampla defesa, tal como efetivamente ocorrido, sendo que, no caso, outros investigados no inquérito policial em que efetuadas as interceptações telefônicas alegaram a nulidade desse procedimento, através do HC 2010.03.00.001356-3, tendo sido denegada a ordem por esta Corte. 5. O conteúdo das mídias digitais de constante dos autos, e o teor dos relatórios de inspeção telefônica, que motivaram o ajuizamento da presente ação, revelam conversas, via telefone, entre os réus que, considerado o contexto em que efetuadas, e acompanhada de mídia digital demonstrando a tônica das conversas, demonstram que (i) havia temor do réu ALBERTO DUALIB quanto às consequências de possível apropriação indébita de valores a título de imposto de renda e contribuições ao INSS do ano-calendário 2006, incidente sobre a folha de pagamento, inclusive a possibilidade de restrição de liberdade; (ii) houve "acerto com o pessoal do imposto de renda", sendo atribuído ao corréu MARCOS ROBERTO FERNANDES a função de repassar os recursos "aos fiscais", havendo, ainda, diálogos ligando o imposto de renda devido a tal pagamento; (iii) houve exigência ostensiva, por parte de MANOEL MANZANO, do pagamento desses recursos dentro do prazo combinado, em razão de atendimento a interesse de terceira pessoa, provável destinatária de maior parte desses recursos, nomeado como "menino" pelos interlocutores, causadora de grande temor reverencial a todos. Revelam ainda o incômodo de ALBERTO DUALIB e MARCOS FERNANDES com tal assédio, via telefone, recebido por MANOEL MANZANO, o que se mostrou decisivo para o imediato pagamento de metade do valor combinado tão logo recebidos recursos relativos a direitos televisivos pelo clube; (iv) o "acerto" corresponderia a R$ 150.000,00 (cento e cinquenta mil reais), mas que houve, até aquele momento, o pagamento apenas da metade desse montante (R$ 75.000,00); (v) utilização de parte de recursos pagos a MARCOS FERNANDES a título de rescisão de contrato de trabalho com o clube, para o pagamento desses valores; (vi) o agente público teria adquirido cabeças de gado, não declarando-os ao Fisco, com uso desses recursos ilegais. 6. As conversas revelam, de forma contundente, o pagamento por ALBERTO DUALIB e MARCOS FERNANDES de R$ 75.000,00 (setenta e cinco mil reais) a MANOEL MANZANO, sem que se possa cogitar, por ausência de mínima demonstração a respeito, de pagamento efetuado a título de luvas e benefícios devidos ao sobrinho deste decorrente de rescisão de contrato de trabalho com o clube esportivo. 7. O pagamento, efetuado a agente público por particular, sem qualquer demonstração quanto à existência de negócio jurídico legal a justificá-la, demonstra, suficientemente, a ocorrência de hipótese de improbidade administrativa prevista no artigo 9°, caput, da Lei 8.429/1992: "Art. 9° Constitui ato de improbidade administrativa importando enriquecimento ilícito auferir qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida em razão do exercício de cargo, mandato, função, emprego ou atividade nas entidades mencionadas no art. 1° desta lei [...]". 8. Conforme consta do ofício expedido pelo clube esportivo, Osmar Genovez Neto manteve vínculo empregatício com no período de 1998 a 2000, e em "termo de audiência", constou tratar-se de sobrinho de MANOEL MANZANO, tendo alegado que os pagamentos foram efetuados em razão de créditos a receber do clube, decorrente de rescisão contratual. Contudo, conforme depoimento à RFB da testemunha Emerson Piovezan, Vice-Presidente Financeiro do clube, "nenhum pagamento ocorria sem a devida documentação [...] o clube não tem caixa dois [...] todos os pagamentos tinham origem em um documento hábil para serem efetivados. Eventualmente, alguns pagamentos foram feitos sem um contrato, mas com documento hábil, tipo nota fiscal, contrato, recibo assinado, enfim com a identificação do recebedor". Logo, não havendo qualquer documento comprovando a que título os valores foram pagos a MANOEL MANZANO pelo clube, por ordem de ALBERTO DUALIB e participação de MARCOS FERNANDES, é evidente que a conclusão do relatório da DPF, do processo administrativo disciplinar e das razões da ação civil pública de que houve enriquecimento ilícito por parte do agente público, com concorrência dos particulares, deve prevalecer. 9. Apesar de alegarem que os valores referiam-se a créditos devidos a Osmar Genovez Neto, não houve qualquer comprovação documental da efetiva existência de tal obrigação, e de que esses valores foram posteriormente repassados ao ex-atleta do clube, que seria a mínima formalidade a ser cumprida por dirigentes de sociedade civil no pagamento de valores por parte da agremiação, considerando a existência de órgão social fiscalizador, bem como por se tratar de suposto pagamento, em 2006, de obrigação trabalhista de atleta desligado em 2000, portanto, manifestamente prescrita (artigo 11, I, CLT). 10. A atual gestão do clube, ao analisar a documentação ali arquivada, não constatou a existência de qualquer obrigação em tal sentido, conforme ofício expedido pelo clube: "Com relação à indagação sobre algum pagamento ou promessa de pagamento ao referido jogador nos anos de 2006 e 2007, não obtivemos qualquer informação a respeito, cujo assunto não é de conhecimento dos atuais colaboradores do Corinthians". 11. Não é possível acolher a alegação de que a referência a "menino" nas conversas seja relativa a Osmar Genovez Neto, dado o nítido temor reverencial expresso pelo agente público, assim como a incrível tolerância dos particulares ao assédio e cobrança dos valores por agente público, notadamente para pagamento de supostos créditos prescritos e sem qualquer prova documental da respectiva existência e do próprio pagamento a quem de direito, como imprescindível para regularização da situação e impedimento a realização de cobranças futuras. 12. Os réus não contestam que houve saída de recursos do clube destinados a MANOEL MANZANO, divergindo do MPF, RFB e DPF tão somente quanto ao fundamento desse pagamento, não havendo, contudo, qualquer prova ou início de prova de que os valores seriam devidos para fins de pagamentos de direitos trabalhistas de Osmar Genovez Neto. 13. Todos os fatos apurados nos procedimentos investigatórios convergiram no sentido do efetivo recebimento ilegal de valores pertencentes ao clube esportivo, pagos por ALBERTO DUALIB, por intermédio e com ciência de MARCOS FERNANDES, à MANOEL MANZANO, na qualidade e em função do cargo público ocupado por este de auditor fiscal da RFB. 14. Os diálogos fazem expressa referência ao "pessoal do imposto de renda", "aqueles fiscais", "pessoal da Receita Federal", para se referir a auditor fiscal MANOEL MANZANO, em contexto em que há expressa referência à "dinheiro do imposto", apropriação indébita de imposto de renda e contribuições ao INSS, temor de restrição à liberdade e pretensão de evitar multas milionárias, demonstrando a nítida vinculação dos pagamentos à qualidade de agente público do réu. 15. Sem a demonstração mínima de elementos para comprovar tratarem-se de valores pagos a título de rescisão de contrato de trabalho a ex-atleta do clube esportivo, não há como se afastar o que constatado e demonstrado através de interceptações telefônicas e amplo material probatório, quanto a existência de pagamentos que geraram o enriquecimento ilícito de servidor, em razão de seu cargo. 16. Corroborando o fundado temor gerado pela perspectiva de fiscalização e autuação, o depoimento de Edmundo Rondinelli Spolzino (auditor-fiscal), em inquérito perante a Corregedoria da RFB, atestou que, no período das escutas, em relação ao clube esportivo, "existia procedimento fiscal no âmbito da Delegacia de Fiscalização de SP", pouco importando à caracterização da improbidade administrativa que o servidor público, réu MANOEL REINALDO MANZANO MARTINS, tenha praticado ou não o ato de ofício, de modo a produzir resultado material, desde que o valor tenha sido tanto desembolsado como recebido a tal pretexto e título, suficiente para tornar indevida a vantagem, porquanto não relacionada ao exercício regular da função pública, gerando, pois, enriquecimento ilícito do agente público, com o concurso de particulares, agindo de forma mais do que consciente, dolosa. 17. Assim, verificada a existência de pagamentos injustificados por particular a agente público, e constatado que os valores foram dados em troca da promessa, que seja, de omissão ou violação no exercício de deveres funcionais do cargo público, é dos réus o ônus probatório de descaracterizar tais fatos. 18. Firmada a promessa de impedir ou interferir na fiscalização, ainda que a cargo de outro servidor público, evidente o benefício a ser auferido indevidamente. O fato do agente público, corréu, não ter participado da fiscalização ou de não ter, dentre suas funções, a de participar de fiscalização tributária, não elide a configuração do pagamento e da percepção de vantagem indevida, geradora de enriquecimento ilícito. 19. As conversas telefônicas demonstram que durante o período das investigações, o réu MANOEL MANZANO esteve no Estado de Tocantins efetuando a compra e venda de gado, e de acordo com a declaração de IRPF 2008 (ano-calendário 2007), o réu teria adquirido 69 cabeças de gado em junho/2007, através de permuta com um automóvel, sendo que Contudo, na DITR 2008, o réu/descendente declarou possuir 350, 110 e 105 cabeças de gado em propriedades no Estado de Tocantins (f. 288/310). Outrossim, consta de documento da Secretaria do Estado de Tocantins que, nas vacinações efetuados no período, contabilizou-se número muito superior de bovinos em relação àqueles declarados na DIRF, demonstrando a existência de propriedade não declarada pelo réu (semoventes), provavelmente adquirida com os valores pagos pelos particulares, fatos sequer impugnados nos recursos. 20. A alegação de que as testemunhas não corroboraram a prática da improbidade administrativa não é relevante nem decisiva ou capaz de elidir, por si, a comprovação da materialidade da conduta. A forma clandestina e sigilosa, que caracteriza a realização de tais tratativas e acertos, objetiva, claramente, não deixar testemunha ou vestígio material do ilícito, circunscrevendo a ciência, participação e dinâmica dos fatos aos próprios agentes e interlocutores diretamente envolvidos, daí a relevância de prova, licitamente produzida, relativa à interceptação telefônica, suficiente, à luz do acervo probatório remanescente, para evidenciar e comprovar, em Juízo, a narrativa acusatória para a condenação dos réus. 21. Embora o recorrente alegue a desproporcionalidade/contradição das sanções impostas, por ter sido a suspensão de direitos políticos aplicada em patamar mínimo (oito anos) e a multa civil acima do mínimo (duas vezes o valor do acréscimo patrimonial obtido), não se verifica sua ocorrência, pois entendeu o Juízo, no caso, que as consequências patrimoniais advindas e o benefício patrimonial obtido pelo agente com a prática do ato ímprobo foram mais relevantes, se sobressaíram, em relação ao caráter de reprovabilidade ético-político da conduta, daí não se evidenciar desproporcionalidade ou falta de razoabilidade na fixação efetuada pelo Juízo de primeiro grau. 22. Apelações desprovidas.
Decisão
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, negar provimento às apelações, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Data do Julgamento : 18/02/2016
Data da Publicação : 25/02/2016
Classe/Assunto : AC - APELAÇÃO CÍVEL - 2096128
Órgão Julgador : TERCEIRA TURMA
Relator(a) : DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS MUTA
Comarca : TRIBUNAL - TERCEIRA REGIÃO
Tipo : Acórdão
Indexação : VIDE EMENTA.
Fonte da publicação : e-DJF3 Judicial 1 DATA:25/02/2016 ..FONTE_REPUBLICACAO:
Mostrar discussão