TRF3 0007624-45.2008.4.03.6000 00076244520084036000
PROCESSO PENAL E PENAL. PRELIMINAR DE NÃO CONHECIMENTO DO RECURSO DE
APELAÇÃO AVIADO PELO PARQUET FEDERAL. REFUTAMENTO. CONSIDERAÇÕES
INTRODUTÓRIAS - CERTAME PROMOVIDO PELA PREFEITURA MUNICIPAL DE CAMPO
GRANDE/MS RETRATADO NOS AUTOS - PROCEDIMENTO LICITATÓRIO Nº 28.999/2004-59,
QUE CULMINOU NA REALIZAÇÃO DO CONVITE Nº 485/2004. IMPUTAÇÃO DO CRIME
PREVISTO NO ART. 90 DA LEI Nº 8.666/1993 AO ACUSADO NELSON - MATERIALIDADE
E AUTORIA DELITIVAS DEVIDAMENTE COMPROVADAS. IMPUTAÇÃO DO CRIME PREVISTO
NO ART. 96, I E V, DA LEI Nº 8.666/1993 AO ACUSADO NELSON - MATERIALIDADE
DELITIVA NÃO DEMONSTRADA. IMPUTAÇÃO DO CRIME PREVISTO NO ART. 299 DO CÓDIGO
PENAL (POR DUAS VEZES) AO ACUSADO ALCIDES - MATERIALIDADE E AUTORIA DELITIVAS
COMPROVADAS EM RELAÇÃO A APENAS UMA DAS ACUSAÇÕES. DOSIMETRIA PENAL.
- Pugnou um dos acusados, em sede de contrarrazões, pelo não conhecimento do
apelo aviado pelo órgão acusatório em razão deste inovar em sede recursal
em nítida supressão de instância. Todavia, impossível o acolhimento da
preliminar na justa medida em que as razões recursais não inovam no que
tange às imputações contidas desde a exordial desta relação processual
penal, bem como porque os termos versados no recurso estão consentâneos
e lógicos no desiderato de manifestar insurgência em face dos argumentos
expendidos pelo magistrado sentenciante para a finalidade de absolver os
acusados, de modo que impossível a aplicação analógica dos entendimentos
plasmados nas Súms. 282/STF e 182/STJ.
- Colhe-se deste feito a realização do Procedimento Licitatório nº
28.999/2004-59 pela Prefeitura Municipal de Campo Grande/MS, que culminou na
realização do Convite nº 485/2004, com o intuito de ser adquirido pelo poder
público calçados (na modalidade de Equipamento de Proteção Individual -
EPI) para agentes atuantes no Centro de Controle de Zoonoses da localidade.
- O tema da licitação para a contratação com o Poder Público foi
objeto de especial atenção pelo Poder Constituinte Originário de 1988,
tendo havido a previsão, no art. 37, XXI, do Texto Constitucional, de que,
ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços,
compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação
pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes,
com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as
condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá
as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à
garantia do cumprimento das obrigações. Assim, depreende-se que a intenção
do Legislador de 1988 estava em assegurar a melhor contratação por parte
da Administração Pública (visando o interesse público primário que deve
sempre estar presente em tal contexto) por meio da mais ampla igualdade de
condições aos concorrentes e dos concorrentes que se habilitarem a vindicar
posição em procedimento licitatório.
- Objetivando o Poder Público a melhor escolha possível daquilo que
necessita adquirir para gerir a coisa pública (seja obra, seja serviço,
seja compra, seja alienação), deve-se permitir a maior competição
possível entre aqueles que possuem interesse na celebração de contrato
com a administração pública, momento em que tem cabimento trazer à
baila os ditames insculpidos na Lei nº 8.666/1993 (principal diploma
normativo que trata do tema de licitações sob o fundamento de validade
do preceito constitucional anteriormente transcrito). E, nesse diapasão,
cumpre mencionar que o art. 3º da Lei nº 8.666/1993, em sua redação
original, previa que a licitação se destinava a garantir a observância
do princípio constitucional da isonomia e a selecionar a proposta mais
vantajosa para a administração pública, sendo processada e julgada em
estrita conformidade com os princípios da legalidade, da impessoalidade,
da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da
vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que
lhes são correlatos. Portanto, o fomento da igualdade, o objetivo de haver
competitividade e o respeito aos princípios mencionados anteriormente devem
pautar a conduta de todos os intervenientes nos procedimentos licitatórios
(servidores públicos e particulares) a fim de que o certame se mostre
hígido e prevaleça, ao cabo, o interesse público maior e principal que
permeia todo o sistema, qual seja, o bem comum.
- É justamente nesse panorama delineado anteriormente que deve ser entendida
a tipificação do delito instituído no art. 90 da Lei nº 8.666/1993,
que visa tutelar a regularidade dos procedimentos licitatórios nos termos
tecidos de respeito aos postulados inerentes a tal matéria, almejando
afastar qualquer irregularidade no procedimento licitatório (sob o manto
que reza a proteção do interesse público primário no sentido de que as
contratações levadas a efeito pelo Poder Público devem ser as melhores
possíveis para a sociedade), ainda que não haja efetivo prejuízo ao
erário (interesse público secundário tutelado por outros dispositivos
incriminadores que possuem, como elemento subjetivo do tipo, a necessidade
de comprovação do dolo específico de lesar os cofres públicos).
- Analisando os elementos constantes dos autos, conclui-se pela presença
de provas aptas a referendar a materialidade do crime previsto no art. 90
da Lei nº 8.666/1993, bem como a autoria em desfavor do acusado NELSON,
na justa medida em que ele frustrou e fraudou o caráter competitivo de
procedimento licitatório materializado no Convite nº 485/2004, mediante
a apresentação de propostas oriundas de empresas que eram geridas por sua
pessoa, com o intuito de obter, para si ou para outrem, vantagem decorrente
da adjudicação do objeto do certame.
- Não se verifica dos autos comprovação efetiva e cabal de que tenha
ocorrido no certame licitatório objeto deste feito o superfaturamento
aventado pelo Ministério Público Federal, donde de rigor a manutenção
da absolvição do acusado NELSON da imputação da prática da infração
penal capitulada no art. 96, I e V, da Lei nº 8.666/1993. A constatação de
eventual prática de superfaturamento perpassa por outros aspectos do que a
mera apuração da diferença entre as importâncias contidas em nota fiscal
emitida pelo fornecedor/produtor das mercadorias e o importe cobrado do poder
público, tendo em vista a necessidade de se perquirir o custo tributário da
pessoa jurídica, bem como o custo da operação comercial em si. Em outras
palavras, a diferença aduzida não serve, como elemento único e em si,
a indicar a elevação arbitrária de preços ou a oneração injustificada
da proposta ou da execução do contrato, tendo em vista que se espera
que o fornecedor público tenha alguma margem de lucro (até mesmo para
a continuidade da sua atividade empresarial) sem se descurar que também
precisa fazer frente aos importes necessários à própria manutenção
do negócio (entendidos estes importes como, por exemplo, o pagamento das
diversas exações tributárias incidentes no caso concreto, o valor atinente
ao pessoal, a importância relativa ao custo de estabelecimento etc.).
- A argumentação tecida pelo órgão acusatório confunde os conceitos
de receita com o de lucro na justa medida em que imputa a subtração do
valor pago ao fornecedor daquele cobrado dos cofres públicos chegando-se à
conclusão de que o resultado de tal conta aritmética refletir-se-ia em lucro
apropriado pelo empresário em prejuízo do interesse público primário - na
realidade, a subtração em tela tem o condão de demonstrar algo equivalente
à receita obtida na operação de compra e venda de mercadorias, donde
se faz necessário o débito de despesas (como, por exemplo, tributação,
salário, água, luz, telefone, aluguel etc.) para, aí sim, chegar-se ao
lucro efetivamente apropriado.
- Imputa-se ao acusado ALCIDES dois crimes elencados no art. 299 do Código
Penal: (a) o primeiro deles consiste na desclassificação de amostra
apresentada para fins de parecer técnico no bojo do Procedimento Licitatório
nº 28.999/2004-59 (Convite nº 485/2004) cuja falsidade encontrar-se-ia
plasmada no documento colacionado à fl. 77 dos autos; (b) o segundo deles
referir-se-ia aos atestos de recebimento das mercadorias (botinas e sapatos
do tipo EPI) constantes às fls. 82v e 83v.
- No primeiro dos contextos anteriormente retratados, o Ministério Público
Federal assevera que ALCIDES perpetrou falsidade ideológica tendo como
premissa a incongruência entre se aprovar as amostras apresentadas pela
empresa APOLÔNIA NASSAR-ME e não se aprovar aquelas ofertadas pela NCJ -
COMÉRCIO E INDÚSTRIA LTDA. tendo em vista que, baseando-se exclusivamente
nas propostas apresentadas, os produtos ofertados à Prefeitura Municipal de
Campo Grande/MS seriam exatamente os mesmos. Todavia, adentrando ao arcabouço
fático-probatório constante dessa relação processual, não se verifica
que o órgão acusatório tenha conseguido se desincumbir do ônus processual
de demonstrar as suas alegações (sob o pálio do art. 156 do Código Penal)
tendo em vista que o cotejo das propostas não permitem, extreme de dúvidas,
aduzir que as mercadorias ofertadas eram, de fato, idênticas (a despeito de
fornecidas todas pela mesma pessoa jurídica). Não se depreende dos autos
qualquer apreensão das amostras apresentadas pelos então "licitantes" com
o escopo de aferir, por meio de prova técnica pericial, se os exemplares
eram (ou não) idênticos, não bastando para a exaração de édito penal
condenatório alegação como a tecida pelo Parquet federal (de que, por
serem do mesmo fabricante, as mercadorias apresentadas eram inexoravelmente
as mesmas) - se se levar à perpetuidade a ilação acusatória, chegar-se-ia
ao absurdo conclusivo no sentido de que todos os veículos produzidos por uma
certa montadora automotiva seriam iguais pelo singelo fato de ostentar o mesmo
emblema identificativo, o que não se sustenta na prática nem por hipótese.
- No que tange ao segundo contexto mencionado (falsidade ideológica referente
aos atestos de recebimento das botinas/sapatos), a análise dos autos permite
a exaração de édito penal condenatório em desfavor de ALCIDES na justa
medida em que demonstrada tanto a materialidade como a autoria delitivas. Isso
porque todo o imbróglio em análise teve início em investigação oriunda
do Fórum Estadual dos Trabalhadores em Saúde do Mato Grosso do Sul por meio
da qual houve denúncia no sentido de que os agentes de saúde não tinham
recebido os respectivos calçados EPI a despeito de atestado o recebimento dos
produtos por servidores públicos, o que possibilitou chegar-se à conclusão
de que, ainda que tenha havido o atesto de recebimento dos materiais em
28 de julho de 2004 no qual imbricado o acusado ALCIDES, as botinas e os
sapatos somente foram entregues em instante ulterior - cuja data não restou
incontroversamente definida nos autos, porém após 03 de setembro de 2004.
- Como consequência do reconhecimento da prática de crime tanto pelo acusado
NELSON como pelo acusado ALCIDES, de rigor a fixação de suas reprimendas
com base no art. 68 do Código Penal.
- Dado parcial provimento ao recurso de Apelação interposto pelo MINISTÉRIO
PÚBLICO FEDERAL (para condenar o acusado NELSON NASSAR RIOS pela prática do
crime estampado no art. 90 da Lei nº 8.666/1993 e para condenar o acusado
ALCIDES DIVINO FERREIRA pela perpetração do crime estampado no art. 299
do Código Penal uma única vez).
Ementa
PROCESSO PENAL E PENAL. PRELIMINAR DE NÃO CONHECIMENTO DO RECURSO DE
APELAÇÃO AVIADO PELO PARQUET FEDERAL. REFUTAMENTO. CONSIDERAÇÕES
INTRODUTÓRIAS - CERTAME PROMOVIDO PELA PREFEITURA MUNICIPAL DE CAMPO
GRANDE/MS RETRATADO NOS AUTOS - PROCEDIMENTO LICITATÓRIO Nº 28.999/2004-59,
QUE CULMINOU NA REALIZAÇÃO DO CONVITE Nº 485/2004. IMPUTAÇÃO DO CRIME
PREVISTO NO ART. 90 DA LEI Nº 8.666/1993 AO ACUSADO NELSON - MATERIALIDADE
E AUTORIA DELITIVAS DEVIDAMENTE COMPROVADAS. IMPUTAÇÃO DO CRIME PREVISTO
NO ART. 96, I E V, DA LEI Nº 8.666/1993 AO ACUSADO NELSON - MATERIALIDADE
DELITIVA NÃO DEMONSTRADA. IMPUTAÇÃO DO CRIME PREVISTO NO ART. 299 DO CÓDIGO
PENAL (POR DUAS VEZES) AO ACUSADO ALCIDES - MATERIALIDADE E AUTORIA DELITIVAS
COMPROVADAS EM RELAÇÃO A APENAS UMA DAS ACUSAÇÕES. DOSIMETRIA PENAL.
- Pugnou um dos acusados, em sede de contrarrazões, pelo não conhecimento do
apelo aviado pelo órgão acusatório em razão deste inovar em sede recursal
em nítida supressão de instância. Todavia, impossível o acolhimento da
preliminar na justa medida em que as razões recursais não inovam no que
tange às imputações contidas desde a exordial desta relação processual
penal, bem como porque os termos versados no recurso estão consentâneos
e lógicos no desiderato de manifestar insurgência em face dos argumentos
expendidos pelo magistrado sentenciante para a finalidade de absolver os
acusados, de modo que impossível a aplicação analógica dos entendimentos
plasmados nas Súms. 282/STF e 182/STJ.
- Colhe-se deste feito a realização do Procedimento Licitatório nº
28.999/2004-59 pela Prefeitura Municipal de Campo Grande/MS, que culminou na
realização do Convite nº 485/2004, com o intuito de ser adquirido pelo poder
público calçados (na modalidade de Equipamento de Proteção Individual -
EPI) para agentes atuantes no Centro de Controle de Zoonoses da localidade.
- O tema da licitação para a contratação com o Poder Público foi
objeto de especial atenção pelo Poder Constituinte Originário de 1988,
tendo havido a previsão, no art. 37, XXI, do Texto Constitucional, de que,
ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços,
compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação
pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes,
com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as
condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá
as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à
garantia do cumprimento das obrigações. Assim, depreende-se que a intenção
do Legislador de 1988 estava em assegurar a melhor contratação por parte
da Administração Pública (visando o interesse público primário que deve
sempre estar presente em tal contexto) por meio da mais ampla igualdade de
condições aos concorrentes e dos concorrentes que se habilitarem a vindicar
posição em procedimento licitatório.
- Objetivando o Poder Público a melhor escolha possível daquilo que
necessita adquirir para gerir a coisa pública (seja obra, seja serviço,
seja compra, seja alienação), deve-se permitir a maior competição
possível entre aqueles que possuem interesse na celebração de contrato
com a administração pública, momento em que tem cabimento trazer à
baila os ditames insculpidos na Lei nº 8.666/1993 (principal diploma
normativo que trata do tema de licitações sob o fundamento de validade
do preceito constitucional anteriormente transcrito). E, nesse diapasão,
cumpre mencionar que o art. 3º da Lei nº 8.666/1993, em sua redação
original, previa que a licitação se destinava a garantir a observância
do princípio constitucional da isonomia e a selecionar a proposta mais
vantajosa para a administração pública, sendo processada e julgada em
estrita conformidade com os princípios da legalidade, da impessoalidade,
da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da
vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que
lhes são correlatos. Portanto, o fomento da igualdade, o objetivo de haver
competitividade e o respeito aos princípios mencionados anteriormente devem
pautar a conduta de todos os intervenientes nos procedimentos licitatórios
(servidores públicos e particulares) a fim de que o certame se mostre
hígido e prevaleça, ao cabo, o interesse público maior e principal que
permeia todo o sistema, qual seja, o bem comum.
- É justamente nesse panorama delineado anteriormente que deve ser entendida
a tipificação do delito instituído no art. 90 da Lei nº 8.666/1993,
que visa tutelar a regularidade dos procedimentos licitatórios nos termos
tecidos de respeito aos postulados inerentes a tal matéria, almejando
afastar qualquer irregularidade no procedimento licitatório (sob o manto
que reza a proteção do interesse público primário no sentido de que as
contratações levadas a efeito pelo Poder Público devem ser as melhores
possíveis para a sociedade), ainda que não haja efetivo prejuízo ao
erário (interesse público secundário tutelado por outros dispositivos
incriminadores que possuem, como elemento subjetivo do tipo, a necessidade
de comprovação do dolo específico de lesar os cofres públicos).
- Analisando os elementos constantes dos autos, conclui-se pela presença
de provas aptas a referendar a materialidade do crime previsto no art. 90
da Lei nº 8.666/1993, bem como a autoria em desfavor do acusado NELSON,
na justa medida em que ele frustrou e fraudou o caráter competitivo de
procedimento licitatório materializado no Convite nº 485/2004, mediante
a apresentação de propostas oriundas de empresas que eram geridas por sua
pessoa, com o intuito de obter, para si ou para outrem, vantagem decorrente
da adjudicação do objeto do certame.
- Não se verifica dos autos comprovação efetiva e cabal de que tenha
ocorrido no certame licitatório objeto deste feito o superfaturamento
aventado pelo Ministério Público Federal, donde de rigor a manutenção
da absolvição do acusado NELSON da imputação da prática da infração
penal capitulada no art. 96, I e V, da Lei nº 8.666/1993. A constatação de
eventual prática de superfaturamento perpassa por outros aspectos do que a
mera apuração da diferença entre as importâncias contidas em nota fiscal
emitida pelo fornecedor/produtor das mercadorias e o importe cobrado do poder
público, tendo em vista a necessidade de se perquirir o custo tributário da
pessoa jurídica, bem como o custo da operação comercial em si. Em outras
palavras, a diferença aduzida não serve, como elemento único e em si,
a indicar a elevação arbitrária de preços ou a oneração injustificada
da proposta ou da execução do contrato, tendo em vista que se espera
que o fornecedor público tenha alguma margem de lucro (até mesmo para
a continuidade da sua atividade empresarial) sem se descurar que também
precisa fazer frente aos importes necessários à própria manutenção
do negócio (entendidos estes importes como, por exemplo, o pagamento das
diversas exações tributárias incidentes no caso concreto, o valor atinente
ao pessoal, a importância relativa ao custo de estabelecimento etc.).
- A argumentação tecida pelo órgão acusatório confunde os conceitos
de receita com o de lucro na justa medida em que imputa a subtração do
valor pago ao fornecedor daquele cobrado dos cofres públicos chegando-se à
conclusão de que o resultado de tal conta aritmética refletir-se-ia em lucro
apropriado pelo empresário em prejuízo do interesse público primário - na
realidade, a subtração em tela tem o condão de demonstrar algo equivalente
à receita obtida na operação de compra e venda de mercadorias, donde
se faz necessário o débito de despesas (como, por exemplo, tributação,
salário, água, luz, telefone, aluguel etc.) para, aí sim, chegar-se ao
lucro efetivamente apropriado.
- Imputa-se ao acusado ALCIDES dois crimes elencados no art. 299 do Código
Penal: (a) o primeiro deles consiste na desclassificação de amostra
apresentada para fins de parecer técnico no bojo do Procedimento Licitatório
nº 28.999/2004-59 (Convite nº 485/2004) cuja falsidade encontrar-se-ia
plasmada no documento colacionado à fl. 77 dos autos; (b) o segundo deles
referir-se-ia aos atestos de recebimento das mercadorias (botinas e sapatos
do tipo EPI) constantes às fls. 82v e 83v.
- No primeiro dos contextos anteriormente retratados, o Ministério Público
Federal assevera que ALCIDES perpetrou falsidade ideológica tendo como
premissa a incongruência entre se aprovar as amostras apresentadas pela
empresa APOLÔNIA NASSAR-ME e não se aprovar aquelas ofertadas pela NCJ -
COMÉRCIO E INDÚSTRIA LTDA. tendo em vista que, baseando-se exclusivamente
nas propostas apresentadas, os produtos ofertados à Prefeitura Municipal de
Campo Grande/MS seriam exatamente os mesmos. Todavia, adentrando ao arcabouço
fático-probatório constante dessa relação processual, não se verifica
que o órgão acusatório tenha conseguido se desincumbir do ônus processual
de demonstrar as suas alegações (sob o pálio do art. 156 do Código Penal)
tendo em vista que o cotejo das propostas não permitem, extreme de dúvidas,
aduzir que as mercadorias ofertadas eram, de fato, idênticas (a despeito de
fornecidas todas pela mesma pessoa jurídica). Não se depreende dos autos
qualquer apreensão das amostras apresentadas pelos então "licitantes" com
o escopo de aferir, por meio de prova técnica pericial, se os exemplares
eram (ou não) idênticos, não bastando para a exaração de édito penal
condenatório alegação como a tecida pelo Parquet federal (de que, por
serem do mesmo fabricante, as mercadorias apresentadas eram inexoravelmente
as mesmas) - se se levar à perpetuidade a ilação acusatória, chegar-se-ia
ao absurdo conclusivo no sentido de que todos os veículos produzidos por uma
certa montadora automotiva seriam iguais pelo singelo fato de ostentar o mesmo
emblema identificativo, o que não se sustenta na prática nem por hipótese.
- No que tange ao segundo contexto mencionado (falsidade ideológica referente
aos atestos de recebimento das botinas/sapatos), a análise dos autos permite
a exaração de édito penal condenatório em desfavor de ALCIDES na justa
medida em que demonstrada tanto a materialidade como a autoria delitivas. Isso
porque todo o imbróglio em análise teve início em investigação oriunda
do Fórum Estadual dos Trabalhadores em Saúde do Mato Grosso do Sul por meio
da qual houve denúncia no sentido de que os agentes de saúde não tinham
recebido os respectivos calçados EPI a despeito de atestado o recebimento dos
produtos por servidores públicos, o que possibilitou chegar-se à conclusão
de que, ainda que tenha havido o atesto de recebimento dos materiais em
28 de julho de 2004 no qual imbricado o acusado ALCIDES, as botinas e os
sapatos somente foram entregues em instante ulterior - cuja data não restou
incontroversamente definida nos autos, porém após 03 de setembro de 2004.
- Como consequência do reconhecimento da prática de crime tanto pelo acusado
NELSON como pelo acusado ALCIDES, de rigor a fixação de suas reprimendas
com base no art. 68 do Código Penal.
- Dado parcial provimento ao recurso de Apelação interposto pelo MINISTÉRIO
PÚBLICO FEDERAL (para condenar o acusado NELSON NASSAR RIOS pela prática do
crime estampado no art. 90 da Lei nº 8.666/1993 e para condenar o acusado
ALCIDES DIVINO FERREIRA pela perpetração do crime estampado no art. 299
do Código Penal uma única vez).Decisão
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a
Egrégia Décima Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região,
por unanimidade, DAR PARCIAL PROVIMENTO ao recurso de Apelação interposto
pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, nos termos do relatório e voto que ficam
fazendo parte integrante do presente julgado.
Data do Julgamento
:
19/02/2019
Data da Publicação
:
28/02/2019
Classe/Assunto
:
Ap. - APELAÇÃO CRIMINAL - 71942
Órgão Julgador
:
DÉCIMA PRIMEIRA TURMA
Relator(a)
:
DESEMBARGADOR FEDERAL FAUSTO DE SANCTIS
Comarca
:
TRIBUNAL - TERCEIRA REGIÃO
Tipo
:
Acórdão
Referência
legislativa
:
***** STF SÚMULA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
LEG-FED SUM-282
***** STJ SÚMULA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
LEG-FED SUM-182
***** CF-1988 CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988
LEG-FED ANO-1988 ART-37 INC-21
***** LC-93 LEI DE LICITAÇÕES
LEG-FED LEI-8666 ANO-1993 ART-3 ART-90 ART-96 INC-1 INC-5
***** CP-40 CÓDIGO PENAL DE 1940
LEG-FED DEL-2848 ANO-1940 ART-156 ART-299
Fonte da publicação
:
e-DJF3 Judicial 1 DATA:28/02/2019
..FONTE_REPUBLICACAO:
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