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Jurisprudência


TRF3 0007631-68.2012.4.03.6106 00076316820124036106

Ementa
PENAL. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. LEI Nº 8.137/1990. NULIDADE DO PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO E DA AÇÃO PENAL NÃO VERIFICADA. TIPIFICAÇÃO PENAL MANTIDA. INÉPCIA DA DENÚNCIA. NÃO OCORRÊNCIA. CERCEAMENTO DE DEFESA. NÃO OCORRÊNCIA. DOLO COMPROVADO. DOSIMETRIA DA PENA. MAJORAÇÃO DA PENA BASE EM FACE DAS CONSEQUÊNCIAS NEGATIVAS DO CRIME. RECONHECIMENTO DA CONTINUIDADE DELITIVA. 1. A consumação do crime previsto no artigo 1º, incisos I a IV, da Lei n.º 8.137/1990, exige supressão ou redução do tributo, de modo que haja efetiva ofensa ao bem jurídico tutelado, com prejuízo patrimonial ao erário, bem como o lançamento definitivo do crédito tributário, nos termos da Súmula Vinculante n.º 24. 2. A alegação de que a responsabilidade tributária não competia à empresa dos réus não se sustenta nos autos. Restou demonstrado pelo interrogatório dos réus e pela prova testemunhal e documental que a empresa autuada era a responsável pelo recolhimento dos tributos. Ademais, não houve negativa de vigência à Lei n.º 9.615, de 24 de março de 1998 (Lei Pelé), pois, conforme se verifica da simples leitura, os artigos 59 a 81 desta legislação orientavam e regulavam o funcionamento do Bingo e não traziam qualquer norma acerca da responsabilidade tributária. Destaque-se que tais dispositivos não estavam em vigor à época dos fatos (julho de 2001 a dezembro de 2004), pois já haviam sido expressamente revogados pelo artigo 2º da Lei n.º 9.981, de 14 de julho de 2000. Assim, não há que se falar, em nulidade do procedimento administrativo e da ação penal. 3. No que tange ao pleito de desclassificação, apesar da semelhança com a redação do artigo 1º, o artigo 2º da Lei n.º 8.137/1990 diferencia-se na medida em que se trata de crime formal, não dependendo sua consumação do resultado, qual seja a efetiva supressão ou redução do tributo. No caso concreto, tendo havido a constituição regular do crédito tributário sonegado em razão da omissão, se está diante de crime de natureza material, tendo em vista que efetivamente houve lesão ao erário, atestada pelo Fisco mediante o lançamento do crédito tributário, de modo que tal conduta necessariamente subsome-se ao artigo 1º, incisos I e II, da Lei n.º 8.137/1990. 4. A denúncia ofertada nesta relação processual permite inferir, cabal e corretamente, quais imputações são atribuídas a cada um dos corréus, além de possibilitar a efetiva compreensão da questão de fundo (com todas as peculiaridades que este feito contém) e observa exatamente o disposto no art. 41 do CPP. 5. Não há que se falar em cerceamento de defesa, pois a obtenção dos documentos pretendidos pela defesa não se mostra imprescindível ao deslinde do feito. 6. A materialidade restou comprovada nos autos. Em se tratando de crime de sonegação fiscal, a materialidade do crime acaba sendo comprovada por meio da constituição definitiva do crédito tributário e da cópia do Procedimento Administrativo Fiscal, os quais gozam de presunção de legitimidade e veracidade, porquanto se cuidam de atos administrativos. 7. Ao que se depreende do conjunto probatório, a autoria delitiva igualmente restou comprovada, tendo sido demonstrado por meio de prova documental e prova oral, à época da ocorrência dos fatos, que os réus exerciam a administração da empresa autuada e, portanto, detinham a responsabilidade de informar ao Fisco o correto valor das receitas efetivamente auferidas pela pessoa jurídica em face da administração do Bingo. 8. Nos crimes contra a ordem tributária, basta o dolo genérico, consubstanciado na supressão voluntária de tributos federais mediante a omissão de informação ao Fisco, não havendo que se comprovar que houve intenção em sua conduta. 9. Em que pese os acusados alegarem em seus interrogatórios que a obrigação no recolhimento dos tributos competia à entidade autorizada e não à empresa deles, verifica-se pela farta documentação carreada aos autos que os acusados tinham conhecimento dessa responsabilidade. Além disso, trata-se de empresários experientes no ramo, e não de principiantes, de modo que compete ao senso comum o dever de recolher tributos, não havendo que se falar em erro de tipo. 10. Dosimetria da pena. Tendo em vista o valor do tributo efetivamente suprimido, a pena-base de um dos corréus deve ser fixada em 02 (dois) anos e 04 (quatro) meses de reclusão. Reconhecida a atenuante genérica prevista no artigo 65, inciso I, do Código Penal (agente maior de setenta anos), de incidência obrigatória. Ausentes causas de aumento ou diminuição na terceira fase, considerando que a incidência da continuidade delitiva não integra o sistema trifásico da pena, devendo a eventual majoração pela sua ocorrência dar-se após o encerramento da última fase da dosimetria, notadamente porque só há que se falar em sua aplicação após conhecidos todos os delitos sancionados pelo julgador. 11. Cuidando-se de delitos fiscais, tem-se reconhecida a continuidade se entre um fato e outro decorreu o tempo mínimo previsto em lei, não havendo como se exigir o intervalo mínimo de trinta dias entre uma conduta e outra em hipóteses como a dos autos, em que a informação ao Fisco e referido recolhimento ocorre anualmente. Acerca do quantum de aumento, deve ser observado precedente jurisprudencial da Segunda Turma deste Tribunal, com o aumento de (um terço). 12. Mantido o valor unitário em 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo. Regime inicial de cumprimento da pena aberto. Presentes os requisitos dos incisos I e II do art. 44 do Código Penal e sendo a medida suficiente, a pena privativa de liberdade aplicada foi substituída pelo juízo a quo por duas penas restritivas de direitos (art. 44, § 2º, do Código Penal), consistentes em prestação pecuniária no valor de 50 (cinquenta) salários mínimos, nos termos do artigo 45, § 1º, do Código Penal, a ser doado em espécie a uma entidade assistencial, e limitação de fim de semana, conforme artigo 48, do Código Penal, na forma do artigo 55 daquele diploma legal, cujas entidades serão designadas pelo Juízo da Execução Penal. 13. Mantido o valor da prestação pecuniária, pois observado o artigo 45, § 1º, do Código Penal, o qual preconiza que a prestação pecuniária consiste no pagamento em dinheiro à vítima, a seus dependentes ou a entidade pública ou privada com destinação social, de importância fixada pelo juiz, não inferior a 01 (um) salário mínimo nem superior a 360 (trezentos e sessenta) salários mínimos. Assim, considerando-se o alto valor sonegado, bem como a pena privativa de liberdade a ser substituída, verifica-se que o quantum fixado é razoável e revela-se proporcional à reprimenda do delito, nada havendo a alterar. 14. Dosimetria da pena quanto ao outro corréu. Majoração da pena base, tendo em vista as consequências negativas geradas pelo crime ante o elevado montante sonegado. Ausência de agravantes ou atenuantes, bem como de causas de aumento ou diminuição de pena. Reconhecimento da continuidade delitiva. A pena de multa deve ser fixada proporcionalmente à pena privativa de liberdade. Mantido o valor unitário em 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo, tendo em vista a situação econômica do réu e à míngua de recurso da acusação nesse sentido. O regime inicial de cumprimento da pena deve permanecer o aberto, com substituição da pena privativa de liberdade por duas restritivas de direitos, consistentes em prestação pecuniária, a ser doado em espécie a uma entidade assistencial, e prestação de serviços a entidade pública de assistência a idosos. 15. Afastada, de ofício, a fixação do valor mínimo para reparação dos danos, arbitrado com fundamento no art. 387, IV, do Código de Processo Penal, sendo imprescindível à garantia da ampla defesa a existência de pedido expresso do órgão acusatório, o que não se verifica na hipótese. 16. Apelações dos réus não providas. Apelação da acusação provida em parte.
Decisão
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Décima Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, REJEITAR AS PRELIMINARES aventadas pela defesa, NEGAR PROVIMENTO às apelações interpostas pelos réus, DAR PARCIAL PROVIMENTO à apelação interposta pela acusação para majorar a pena base de ambos os réus e aplicar o aumento decorrente da continuidade delitiva, de modo que a pena privativa de liberdade quanto a NEY NEVES DA COSTA, pela prática do crime previsto no artigo 1º, inciso I, da Lei n.º 8.137/1990, combinado com o artigo 71 do Código Penal, torna-se definitiva em 02 (dois) anos e 08 (oito) meses de reclusão, em regime aberto, e ao pagamento de 13 (treze) dias-multa, fixados cada qual em 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente na ocasião dos fatos, e quanto a IGOR PEREIRA BORGES, pela prática do crime previsto no artigo 1º, inciso I, da Lei n.º 8.137/1990, combinado com o artigo 71 do Código Penal, a pena privativa de liberdade torna-se definitiva em 03 (três) anos, 01 (mês) mês e 10 (dez) dias de reclusão, em regime aberto, nos termos do voto do Des. Fed. Relator; prosseguindo, a Turma, por maioria, decide fixar a pena de multa do réu IGOR PEREIRA BORGES em 14 (quatorze) dias-multa, a fim de que seja observada a proporcionalidade com a pena corporal e afastar, de ofício, a fixação do valor mínimo para reparação dos danos, arbitrado com fundamento no art. 387, IV, do Código de Processo Penal, nos termos do voto divergente do Juiz Fed. Conv. Alessandro Diaféria, com quem votou o Des. Fed. José Lunardelli, vencido o Des. Fed. Relator que fixava a pena de multa do réu IGOR em 64 dias-multa e mantinha, no mais, a sentença, tudo nos termos do relatório e votos que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Data do Julgamento : 27/11/2018
Data da Publicação : 07/02/2019
Classe/Assunto : Ap. - APELAÇÃO CRIMINAL - 62713
Órgão Julgador : DÉCIMA PRIMEIRA TURMA
Relator(a) : DESEMBARGADOR FEDERAL FAUSTO DE SANCTIS
Comarca : TRIBUNAL - TERCEIRA REGIÃO
Tipo : Acórdão
Relator para acórdão : JUIZ CONVOCADO ALESSANDRO DIAFERIA
Referência legislativa : LEG-FED LEI-8137 ANO-1990 ART-1 INC-1 INC-2 INC-3 INC-4 ART-2 ***** STFV SÚMULA VINCULANTE DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL LEG-FED SUV-24 LEG-FED LEI-9615 ANO-1998 ART-59 ART-81 LEG-FED LEI-9981 ANO-2000 ART-2 ***** CPP-41 CÓDIGO DE PROCESSO PENAL LEG-FED DEL-3689 ANO-1941 ART-41 ART-387 INC-4 ***** CP-40 CÓDIGO PENAL DE 1940 LEG-FED DEL-2848 ANO-1940 ART-65 INC-1 ART-44 INC-1 INC-2 PAR-2 ART-45 PAR-1 ART-48 ART-55
Fonte da publicação : e-DJF3 Judicial 1 DATA:07/02/2019 ..FONTE_REPUBLICACAO:
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