TRF3 0007782-27.2013.4.03.6000 00077822720134036000
DIREITO PENAL. APELAÇÕES CRIMINAIS. DESCAMINHO. CÓDIGO PENAL. ARTIGO
334. DENÚNCIA ANÔNIMA. ADMISSIBILIDADE. APREENSÃO. VALIDADE. MATERIALIDADE,
AUTORIA E DOLO. COMPROVAÇÃO. DOSIMETRIA. MANUTENÇÃO. RECURSOS
DESPROVIDOS. SENTENÇA MANTIDA.
1. Recursos de apelação, interpostos pelo Ministério Público Federal e
por Dalma Nerea Renfijo de Villman contra sentença de fls. 370/374, por
meio da qual restou condenada a segunda apelante pela prática do delito
tipificado no art. 334, caput, do Código Penal. Importação de carregamento
de roupas com ilusão dos tributos devidos pelo ingresso das mercadorias em
território nacional.
2. Denúncia anônima. A denúncia anônima não é, em si, nula ou
ilegal. Porém, tendo em vista seu próprio caráter anônimo, não pode tal
espécie de denúncia acarretar, por si e sem quaisquer outros elementos,
a instauração de procedimento formal de investigação, sob pena de
se abrir verdadeiro portal permissivo de lesões e ameaças a direitos da
personalidade, tornando-se meio de vinditas pessoais e meio de ataques gerais
à respeitabilidade e honra de terceiros (o que, em casos de denúncia de
autoria conhecida, é punível nos termos do ordenamento). Nessa linha se
consolidou a jurisprudência do E. STF a respeito do tema.
2.1 Apenas se confirmados indícios iniciais pela própria autoridade policial
(ou, excepcionalmente, se a denúncia, embora anônima, venha amparada em firme
acervo probatório) é que se instaura o procedimento formal de apuração,
o inquérito. Desse modo, conciliam-se a possibilidade de denúncia anônima
e o resguardo de quem é denunciado anonimamente, posto que, se de um lado
não há possibilidade de se saber quem efetivou a denúncia (o que impede
a responsabilização do denunciante leviano), de outro, a denúncia não
gerará, por si, maiores consequências, em especial a instauração de
investigação formal (com as consequências jurídicas e, em especial,
sociais, que disso advém), necessitando-se de outras provas para que um
procedimento formal seja instaurado. Estas são colhidas, em regra, por meio
de diligências preliminares, ou seja, atividades da polícia que equivalem,
materialmente, a apurações de rotina, informais e ainda não tomadas ao
influxo de um procedimento, realizadas para que se apure a verossimilhança da
informação anônima, e outros elementos que amparem a narrativa recebida de
desconhecido. Tem-se, pois, apenas um impulso inicial, um ato de instigação
para atividades de apuração preliminar que poderiam ser adotadas de ofício
pela autoridade policial diante de indícios frágeis de ocorrência típica.
2.3 Portanto, o que se veda no Direito brasileiro é que uma pessoa sofra
os constrangimentos decorrentes da instauração de um procedimento de
apuração formal com base, tão-somente, em denúncia cuja autoria é
desconhecida. Não se veda, porém, a denúncia anônima em si, nem tampouco
(por consequência lógica), que as autoridades que dela tomem conhecimento
possam adotar providências iniciais no sentido de averiguar a verossimilhança
de seu conteúdo. No caso dos autos, foi o que ocorreu.
3. Inexistiu violação/invasão de domicílio no caso dos autos. Imóvel
utilizado apenas como depósito, o que não se adequa ao conceito
constitucional de casa. Ainda que se caracterizasse em concreto uma
"casa", para fins de proteção constitucional específica (Constituição
da República, art. 5º, XI), a apreensão se deu no curso de flagrante
delito, exceção expressa à exigência de prévia autorização judicial
para ingresso em casa de qualquer pessoa. Outrossim, aqueles que exerciam
a posse direta sobre o imóvel não se opuseram à entrada dos policiais no
cômodo. Apreensão válida.
4. Autoria, materialidade e dolo comprovados. Provas documental e
testemunhal. Relatos da ré.
5. Dosimetria. Pena inalterada.
5.1 A consideração a processos criminais em curso ou a inquéritos para
a valoração negativa de circunstâncias judiciais (ou para agravamento
da pena em geral) fere o princípio da presunção de não-culpabilidade
(Constituição Federal, art. 5º, inciso LVII), sendo, pois, inviável
juridicamente. Nesse sentido se firmou a jurisprudência do C. STJ,
cristalizada no enunciado n º 444 da Súmula daquela Corte Superior.
6. Deferido pleito ministerial de execução da pena, nos termos da nova
interpretação dada ao princípio da presunção de inocência pelo Supremo
Tribunal Federal (no julgamento do HC 126.292/SP). Conforme já deliberado
por esta C. Décima Primeira Turma por ocasião da apreciação de questão
de ordem suscitada nos autos da ação penal nº 0005715-36.2010.4.03.6181
(em complementação a embargos de declaração contidos nos mesmos autos),
de maneira a conciliar (i) a nova interpretação dada pelo E. STF quanto
à abrangência do princípio da presunção de não-culpabilidade e suas
decorrências, e (ii) o teor do art. 283 do Código de Processo Penal (que veda
o cumprimento de pena privativa de liberdade cominada ao réu até que tenha
transitado em julgado decisão condenatória) - cuja inconstitucionalidade
não foi declarada pela Corte Suprema -, é possível executar penas
outras que não as privativas de liberdade após condenação do réu (ou
manutenção de condenação) por órgão de segundo grau de jurisdição,
ainda que interposto recurso especial ou extraordinário.
7. Recursos desprovidos. Sentença integralmente mantida.
Ementa
DIREITO PENAL. APELAÇÕES CRIMINAIS. DESCAMINHO. CÓDIGO PENAL. ARTIGO
334. DENÚNCIA ANÔNIMA. ADMISSIBILIDADE. APREENSÃO. VALIDADE. MATERIALIDADE,
AUTORIA E DOLO. COMPROVAÇÃO. DOSIMETRIA. MANUTENÇÃO. RECURSOS
DESPROVIDOS. SENTENÇA MANTIDA.
1. Recursos de apelação, interpostos pelo Ministério Público Federal e
por Dalma Nerea Renfijo de Villman contra sentença de fls. 370/374, por
meio da qual restou condenada a segunda apelante pela prática do delito
tipificado no art. 334, caput, do Código Penal. Importação de carregamento
de roupas com ilusão dos tributos devidos pelo ingresso das mercadorias em
território nacional.
2. Denúncia anônima. A denúncia anônima não é, em si, nula ou
ilegal. Porém, tendo em vista seu próprio caráter anônimo, não pode tal
espécie de denúncia acarretar, por si e sem quaisquer outros elementos,
a instauração de procedimento formal de investigação, sob pena de
se abrir verdadeiro portal permissivo de lesões e ameaças a direitos da
personalidade, tornando-se meio de vinditas pessoais e meio de ataques gerais
à respeitabilidade e honra de terceiros (o que, em casos de denúncia de
autoria conhecida, é punível nos termos do ordenamento). Nessa linha se
consolidou a jurisprudência do E. STF a respeito do tema.
2.1 Apenas se confirmados indícios iniciais pela própria autoridade policial
(ou, excepcionalmente, se a denúncia, embora anônima, venha amparada em firme
acervo probatório) é que se instaura o procedimento formal de apuração,
o inquérito. Desse modo, conciliam-se a possibilidade de denúncia anônima
e o resguardo de quem é denunciado anonimamente, posto que, se de um lado
não há possibilidade de se saber quem efetivou a denúncia (o que impede
a responsabilização do denunciante leviano), de outro, a denúncia não
gerará, por si, maiores consequências, em especial a instauração de
investigação formal (com as consequências jurídicas e, em especial,
sociais, que disso advém), necessitando-se de outras provas para que um
procedimento formal seja instaurado. Estas são colhidas, em regra, por meio
de diligências preliminares, ou seja, atividades da polícia que equivalem,
materialmente, a apurações de rotina, informais e ainda não tomadas ao
influxo de um procedimento, realizadas para que se apure a verossimilhança da
informação anônima, e outros elementos que amparem a narrativa recebida de
desconhecido. Tem-se, pois, apenas um impulso inicial, um ato de instigação
para atividades de apuração preliminar que poderiam ser adotadas de ofício
pela autoridade policial diante de indícios frágeis de ocorrência típica.
2.3 Portanto, o que se veda no Direito brasileiro é que uma pessoa sofra
os constrangimentos decorrentes da instauração de um procedimento de
apuração formal com base, tão-somente, em denúncia cuja autoria é
desconhecida. Não se veda, porém, a denúncia anônima em si, nem tampouco
(por consequência lógica), que as autoridades que dela tomem conhecimento
possam adotar providências iniciais no sentido de averiguar a verossimilhança
de seu conteúdo. No caso dos autos, foi o que ocorreu.
3. Inexistiu violação/invasão de domicílio no caso dos autos. Imóvel
utilizado apenas como depósito, o que não se adequa ao conceito
constitucional de casa. Ainda que se caracterizasse em concreto uma
"casa", para fins de proteção constitucional específica (Constituição
da República, art. 5º, XI), a apreensão se deu no curso de flagrante
delito, exceção expressa à exigência de prévia autorização judicial
para ingresso em casa de qualquer pessoa. Outrossim, aqueles que exerciam
a posse direta sobre o imóvel não se opuseram à entrada dos policiais no
cômodo. Apreensão válida.
4. Autoria, materialidade e dolo comprovados. Provas documental e
testemunhal. Relatos da ré.
5. Dosimetria. Pena inalterada.
5.1 A consideração a processos criminais em curso ou a inquéritos para
a valoração negativa de circunstâncias judiciais (ou para agravamento
da pena em geral) fere o princípio da presunção de não-culpabilidade
(Constituição Federal, art. 5º, inciso LVII), sendo, pois, inviável
juridicamente. Nesse sentido se firmou a jurisprudência do C. STJ,
cristalizada no enunciado n º 444 da Súmula daquela Corte Superior.
6. Deferido pleito ministerial de execução da pena, nos termos da nova
interpretação dada ao princípio da presunção de inocência pelo Supremo
Tribunal Federal (no julgamento do HC 126.292/SP). Conforme já deliberado
por esta C. Décima Primeira Turma por ocasião da apreciação de questão
de ordem suscitada nos autos da ação penal nº 0005715-36.2010.4.03.6181
(em complementação a embargos de declaração contidos nos mesmos autos),
de maneira a conciliar (i) a nova interpretação dada pelo E. STF quanto
à abrangência do princípio da presunção de não-culpabilidade e suas
decorrências, e (ii) o teor do art. 283 do Código de Processo Penal (que veda
o cumprimento de pena privativa de liberdade cominada ao réu até que tenha
transitado em julgado decisão condenatória) - cuja inconstitucionalidade
não foi declarada pela Corte Suprema -, é possível executar penas
outras que não as privativas de liberdade após condenação do réu (ou
manutenção de condenação) por órgão de segundo grau de jurisdição,
ainda que interposto recurso especial ou extraordinário.
7. Recursos desprovidos. Sentença integralmente mantida.Decisão
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a
Egrégia Décima Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região,
por unanimidade, conhecer dos recursos e, no mérito, negar-lhes provimento;
deferir pedido ministerial, para determinar a expedição de Carta de
Sentença, bem como a comunicação do Juízo de Origem, para início da
execução da pena imposta neste feito, nos termos do relatório e voto que
ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Data do Julgamento
:
23/08/2016
Data da Publicação
:
01/09/2016
Classe/Assunto
:
Ap. - APELAÇÃO CRIMINAL - 67025
Órgão Julgador
:
DÉCIMA PRIMEIRA TURMA
Relator(a)
:
DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI
Comarca
:
TRIBUNAL - TERCEIRA REGIÃO
Tipo
:
Acórdão
Referência
legislativa
:
***** CP-40 CÓDIGO PENAL DE 1940
LEG-FED DEL-2848 ANO-1940 ART-334
***** CF-1988 CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988
LEG-FED ANO-1988 ART-5 INC-11 INC-57
***** STJ SÚMULA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
LEG-FED SUM-444
***** CPP-41 CÓDIGO DE PROCESSO PENAL
LEG-FED DEL-3689 ANO-1941 ART-283
Fonte da publicação
:
e-DJF3 Judicial 1 DATA:01/09/2016
..FONTE_REPUBLICACAO:
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