TRF3 0007820-59.2015.4.03.6100 00078205920154036100
PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. PERSEGUIÇÃO POLÍTICA, PRISÃO E
TORTURA À ÉPOCA DO REGIME MILITAR. IMPRESCRITIBILIDADE DAS AÇÕES
DECORRENTES DE VIOLAÇÃO A DIREITOS FUNDAMENTAIS OCORRIDAS NA DITADURA
MILITAR. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. QUANTUM INDENIZATÓRIO. APELAÇÃO
PARCIALMENTE PROVIDA.
1. A questão posta nos autos diz respeito à indenização por danos morais,
pleiteada por Vilma Aparecida Barban, em face da União Federal, em razão
de ter sido perseguida, presa e torturada no período da Ditadura Militar
no Brasil.
2. O Magistrado a quo afastou a preliminar de falta de interesse de agir,
e extinguiu o feito, reconhecendo a ocorrência da prescrição. Somente a
parte autora recorreu, reiterando os fundamentos da inicial.
3. Inicialmente, verifica-se que é pacífica a orientação nos Tribunais
Superiores acerca da imprescritibilidade das pretensões indenizatórias
decorrentes de violações a direitos fundamentais ocorridas ao longo do regime
militar no Brasil. Assim, é de ser afastada a alegação de ocorrência de
prescrição.
4. Precedentes.
5. O cerne da discussão recai sobre o tema da responsabilidade civil do
Estado, de modo que se fazem pertinentes algumas considerações doutrinárias
e jurisprudenciais. São elementos da responsabilidade civil a ação ou
omissão do agente, a culpa, o nexo causal e o dano, do qual surge o dever
de indenizar.
6. No direito brasileiro, a responsabilidade civil do Estado é, em regra,
objetiva, isto é, prescinde da comprovação de culpa do agente, bastando-se
que se comprove o nexo causal entre a conduta do agente e o dano. Está
consagrada na norma do artigo 37, § 6º, da Constituição Federal. É
evidente, no caso dos autos, tratar-se de responsabilidade objetiva, tendo
em vista as condutas comissivas cometidas pelos agentes estatais.
7. Quanto à possibilidade de cumulação de indenização administrativa
com a indenização atualmente pleiteada, observa-se a Lei 10.559/02:
Art. 1o O Regime do Anistiado Político compreende os seguintes direitos:
II - reparação econômica, de caráter indenizatório, em prestação
única ou em prestação mensal, permanente e continuada, asseguradas a
readmissão ou a promoção na inatividade, nas condições estabelecidas no
caput e nos §§ 1o e 5o do art. 8o do Ato das Disposições Constitucionais
Transitórias; Da leitura do dispositivo, é evidente que o referido diploma
legal refere-se somente aos danos patrimoniais, não versando, portanto,
sobre indenização por danos morais.
8. Precedentes.
9. Acerca da demonstração dos fatos alegados na inicial, entende-se que
estes restaram devidamente comprovados pela decisão da Comissão de Anistia
(fls. 91/96), em resposta ao requerimento de anistia nº 2002.01.09160, a
qual reconhece a ocorrência de tortura e prisão indevida. Ainda, destaca-se
a certidão do Superior Tribunal Militar (fls. 47), que atesta que a autora
foi processada e condenada a 2 (dois) anos de reclusão com base no artigo
14 do Decreto-Lei 898/69. Os requisitos configuradores da responsabilidade
civil do Estado estão, portanto, plenamente preenchidos.
10. Sobre o dano moral, a doutrina o conceitua enquanto "dor, vexame,
sofrimento ou humilhação que, fugindo à normalidade, interfira intensamente
no comportamento psicológico do indivíduo, causando-lhe aflições,
angústia e desequilíbrio em seu bem-estar. Mero dissabor, aborrecimento,
mágoa, irritação ou sensibilidade exacerbada estão fora da órbita do dano
moral , porquanto, além de fazerem parte da normalidade do nosso dia a dia,
no trabalho, no trânsito, entre os amigos e até no ambiente familiar, tais
situações não são intensas e duradouras, a ponto de romper o equilíbrio
psicológico do indivíduo. (Cavalieri, Sérgio. Responsabilidade Civil. São
Paulo: Saraiva, 2002, p. 549)"
11. Ademais, sabe-se que, em alguns casos, o dever de indenizar dispensa a
prova objetiva do abalo moral, exigindo-se como prova apenas o fato ensejador
do dano. Menciona-se, mesmo assim, que no caso em comento o abalo moral é
inquestionável, visto que a autora teve sua dignidade humana violada por
um dos meios mais atrozes, qual seja, a tortura, prisão e perseguição
por motivações políticas.
12. Acerca da fixação da indenização por danos morais, é sabido que seu
arbitramento deve obedecer a critérios de razoabilidade e proporcionalidade,
observando ainda a condição social e viabilidade econômica do ofensor
e do ofendido, e a proporcionalidade à ofensa, conforme o grau de culpa e
gravidade do dano, sem, contudo, incorrer em enriquecimento ilícito.
13. Destarte, reputo adequada a condenação da União Federal ao pagamento de
R$ 100.000,00 (cem mil reais) em favor da autora, a título de indenização
por danos morais, incidindo correção monetária a partir desta decisão
(Súmula 362 do STJ), e juros de mora a partir da citação, por ser nesse
sentido a jurisprudência do C. STJ, havendo qualquer discussão em juízo
em torno do direito resguardado pela Lei 9.140/95.
14. Remessa oficial tido por interposta desprovida e apelação parcialmente
provida.
Ementa
PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. PERSEGUIÇÃO POLÍTICA, PRISÃO E
TORTURA À ÉPOCA DO REGIME MILITAR. IMPRESCRITIBILIDADE DAS AÇÕES
DECORRENTES DE VIOLAÇÃO A DIREITOS FUNDAMENTAIS OCORRIDAS NA DITADURA
MILITAR. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. QUANTUM INDENIZATÓRIO. APELAÇÃO
PARCIALMENTE PROVIDA.
1. A questão posta nos autos diz respeito à indenização por danos morais,
pleiteada por Vilma Aparecida Barban, em face da União Federal, em razão
de ter sido perseguida, presa e torturada no período da Ditadura Militar
no Brasil.
2. O Magistrado a quo afastou a preliminar de falta de interesse de agir,
e extinguiu o feito, reconhecendo a ocorrência da prescrição. Somente a
parte autora recorreu, reiterando os fundamentos da inicial.
3. Inicialmente, verifica-se que é pacífica a orientação nos Tribunais
Superiores acerca da imprescritibilidade das pretensões indenizatórias
decorrentes de violações a direitos fundamentais ocorridas ao longo do regime
militar no Brasil. Assim, é de ser afastada a alegação de ocorrência de
prescrição.
4. Precedentes.
5. O cerne da discussão recai sobre o tema da responsabilidade civil do
Estado, de modo que se fazem pertinentes algumas considerações doutrinárias
e jurisprudenciais. São elementos da responsabilidade civil a ação ou
omissão do agente, a culpa, o nexo causal e o dano, do qual surge o dever
de indenizar.
6. No direito brasileiro, a responsabilidade civil do Estado é, em regra,
objetiva, isto é, prescinde da comprovação de culpa do agente, bastando-se
que se comprove o nexo causal entre a conduta do agente e o dano. Está
consagrada na norma do artigo 37, § 6º, da Constituição Federal. É
evidente, no caso dos autos, tratar-se de responsabilidade objetiva, tendo
em vista as condutas comissivas cometidas pelos agentes estatais.
7. Quanto à possibilidade de cumulação de indenização administrativa
com a indenização atualmente pleiteada, observa-se a Lei 10.559/02:
Art. 1o O Regime do Anistiado Político compreende os seguintes direitos:
II - reparação econômica, de caráter indenizatório, em prestação
única ou em prestação mensal, permanente e continuada, asseguradas a
readmissão ou a promoção na inatividade, nas condições estabelecidas no
caput e nos §§ 1o e 5o do art. 8o do Ato das Disposições Constitucionais
Transitórias; Da leitura do dispositivo, é evidente que o referido diploma
legal refere-se somente aos danos patrimoniais, não versando, portanto,
sobre indenização por danos morais.
8. Precedentes.
9. Acerca da demonstração dos fatos alegados na inicial, entende-se que
estes restaram devidamente comprovados pela decisão da Comissão de Anistia
(fls. 91/96), em resposta ao requerimento de anistia nº 2002.01.09160, a
qual reconhece a ocorrência de tortura e prisão indevida. Ainda, destaca-se
a certidão do Superior Tribunal Militar (fls. 47), que atesta que a autora
foi processada e condenada a 2 (dois) anos de reclusão com base no artigo
14 do Decreto-Lei 898/69. Os requisitos configuradores da responsabilidade
civil do Estado estão, portanto, plenamente preenchidos.
10. Sobre o dano moral, a doutrina o conceitua enquanto "dor, vexame,
sofrimento ou humilhação que, fugindo à normalidade, interfira intensamente
no comportamento psicológico do indivíduo, causando-lhe aflições,
angústia e desequilíbrio em seu bem-estar. Mero dissabor, aborrecimento,
mágoa, irritação ou sensibilidade exacerbada estão fora da órbita do dano
moral , porquanto, além de fazerem parte da normalidade do nosso dia a dia,
no trabalho, no trânsito, entre os amigos e até no ambiente familiar, tais
situações não são intensas e duradouras, a ponto de romper o equilíbrio
psicológico do indivíduo. (Cavalieri, Sérgio. Responsabilidade Civil. São
Paulo: Saraiva, 2002, p. 549)"
11. Ademais, sabe-se que, em alguns casos, o dever de indenizar dispensa a
prova objetiva do abalo moral, exigindo-se como prova apenas o fato ensejador
do dano. Menciona-se, mesmo assim, que no caso em comento o abalo moral é
inquestionável, visto que a autora teve sua dignidade humana violada por
um dos meios mais atrozes, qual seja, a tortura, prisão e perseguição
por motivações políticas.
12. Acerca da fixação da indenização por danos morais, é sabido que seu
arbitramento deve obedecer a critérios de razoabilidade e proporcionalidade,
observando ainda a condição social e viabilidade econômica do ofensor
e do ofendido, e a proporcionalidade à ofensa, conforme o grau de culpa e
gravidade do dano, sem, contudo, incorrer em enriquecimento ilícito.
13. Destarte, reputo adequada a condenação da União Federal ao pagamento de
R$ 100.000,00 (cem mil reais) em favor da autora, a título de indenização
por danos morais, incidindo correção monetária a partir desta decisão
(Súmula 362 do STJ), e juros de mora a partir da citação, por ser nesse
sentido a jurisprudência do C. STJ, havendo qualquer discussão em juízo
em torno do direito resguardado pela Lei 9.140/95.
14. Remessa oficial tido por interposta desprovida e apelação parcialmente
provida.Decisão
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide
a Egrégia Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região,
por unanimidade, negar provimento à remessa oficial, tida por interposta,
e dar parcial provimento à apelação, sendo que o relator lhe deu parcial
provimento, em maior extensão.
Data do Julgamento
:
25/08/2016
Data da Publicação
:
02/09/2016
Classe/Assunto
:
Ap - APELAÇÃO CÍVEL - 2152037
Órgão Julgador
:
TERCEIRA TURMA
Relator(a)
:
DESEMBARGADOR FEDERAL ANTONIO CEDENHO
Comarca
:
TRIBUNAL - TERCEIRA REGIÃO
Tipo
:
Acórdão
Referência
legislativa
:
LEG-FED DEC-20910 ANO-1932 ART-1
LEG-FED LEI-10559 ANO-2002
LEG-EST LEI-10726 ANO-2001
SÃO PAULO
***** CPC-15 CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015
LEG-FED LEI-13105 ANO-2015 ART-1022 ART-1025
Indexação
:
VIDE EMENTA.
Fonte da publicação
:
e-DJF3 Judicial 1 DATA:02/09/2016
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