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Jurisprudência


TRF3 0007834-63.2008.4.03.6108 00078346320084036108

Ementa
PENAL. PROCESSO PENAL. ART. 273, §1º-B, INCISO I, DO CÓDIGO PENAL. PRELIMINARES. INEXISTÊNCIA DE NULIDADE PROCESSUAL POR OFENSA AO ART. 384 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. INEXISTÊNCIA DE NULIDADE NA SENTENÇA, POR NÃO INDICAR POR QUAIS DAS CONDUTAS TÍPICAS DO ART. 273, § 1º-B, DO CÓDIGO PENAL, O APELANTE FOI CONDENADO. INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 273 DO CÓDIGO PENAL. PEDIDO DE DESCLASSIFICAÇÃO DO DELITO PARA A FIGURA TÍPICA DO ART. 334 DO CÓDIGO PENAL. MATERIALIDADE. AUTORIA. DOSIMETRIA. CIRCUNSTÂNCIAS DO CRIME DESFAVORÁVEIS. EXECUÇÃO PROVISÓRIA DA PENA. APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA. 1) Por ocasião do recebimento da denúncia, o r. juízo a quo alterou a classificação jurídica dos fatos para o tipo penal do § 1º-B, inciso I do art. 273 do Código Penal, aduzindo que nenhum dos produtos apreendidos tem o potencial de causar dependência física ou psíquica, e que a denúncia descreve os elementos típicos do dispositivo mencionado, quais sejam, importar produtos sem registro, quando exigível, no órgão de vigilância sanitária competente. É cediço que o réu se defende dos fatos que lhe foram imputados e não da classificação jurídica indicada na peça acusatória. Contudo, a r. sentença não destoou da acusação, na medida em que proferiu condenação por fato descrito na denúncia. Nos termos da jurisprudência do Colendo Superior Tribunal de Justiça, à luz da correlação ou da congruência, o juiz está adstrito aos limites da acusação, sendo-lhe defeso afastar-se dos fatos descritos na denúncia, podendo, sem embargo, dar-lhes capitulação jurídica diversa, ainda que implique em penalidade mais severa, nos termos do art. 383 do CPP. Verifica-se, in casu, que não houve alteração dos fatos descritos na denúncia, tendo o magistrado apenas efetuado a correção da capitulação do crime. Anote-se que, em regra, o momento processual para que se proceda à adequação da capitulação jurídica do fato narrado na denúncia ao tipo penal previsto na lei, é a prolação da sentença, ante a aplicação da emendatio libelli, nos termos do artigo 383 do Código de Processo Penal. Todavia, em situações excepcionais, como a presente, é possível ao julgador imiscuir-se na capitulação do delito antes mesmo da sentença, especialmente quando implicarem no reconhecimento de tema de ordem pública, a fim de evitar que a inadequada subsunção típica macule o instituto da competência, permitindo-se, para tal consecução, inclusive, adentrar à fundamentação necessária ao correto enquadramento jurídico. Precedentes. Saliento que ao apelante foi assegurada a ampla defesa dos fatos imputados na denúncia. Frise-se que o réu se defende dos fatos, e não da capitulação jurídica. Não há nulidade a ser sanada, porquanto o acusado defendeu-se dos fatos criminosos que lhe foram imputados. De outro giro, nenhum ato será declarado nulo, reza o artigo 563 do Código de Processo Penal, se da nulidade não resultar prejuízo para a acusação ou para a defesa. Desta feita, correta a compreensão da conduta no crime previsto no art. 273, § 1º-B, inciso I, do Código Penal. 2) Conforme dito alhures, por ocasião do recebimento da denúncia, o r. juízo a quo consignou que a exordial acusatória descreve os elementos típicos do art. 273, § 1º-B, inciso I, do Código Penal, ou seja, importar produtos sem registro, quando exigível, no órgão de vigilância sanitária competente. Da mesma forma, a sentença foi bem fundamentada com a subsunção dos fatos ao disposto no dispositivo mencionado, não havendo qualquer nulidade a ser sanada. 3) A classificação da conduta no art. 273, § 1º-B, I, do CP, mostra-se adequada à situação vertente. Contudo, quanto ao preceito sancionador do dispositivo, que estabelece a pena mínima de 10 (dez) anos de reclusão, faz-se necessária a explanação a seguir. A função jurisdicional é limitada (sobretudo pelo principio constitucional da separação de poderes), sendo a análise da proporcionalidade da pena um ato que cabe, fundamentalmente, ao legislador. No entanto, em casos que se enquadram no tipo penal do art. 273, § 1º-B, do Código Penal, em que a desproporcionalidade é não apenas evidente, como gritante, é dever do Juiz proceder com a adequada valoração da conduta do réu, levando em conta se esta realmente corresponde àquela que a norma estabeleça um dever de evitar. Assim, a conduta pode chegar a adquirir relevância para o tipo senão após considerações normativas mais complexas, sendo decisivo a sua incompatibilidade pela norma. Os crimes contra a saúde pública acarretam punições mais rigorosas por sua própria natureza, uma vez que possuem, em regra, um grande potencial lesivo à comunidade. Ademais, geralmente também são caracterizados pela alta probabilidade de que as vítimas sejam ludibriadas - fato que não ocorre nos delitos envolvendo entorpecentes (abrangidos pela Lei n. 11.343, de 23.08.2006), pois nestes, normalmente as vítimas estão cientes acerca da ilicitude da substância e das chances consideráveis de ter sido adulterada. Portanto, se por um lado, justifica-se a previsão de penas mais severas para condutas mais censuráveis, como as do caput e as dos §§ 1º e 1º-A do art. 273 do Código Penal, que implicam necessariamente em dano potencial às vítimas diretas, de outro, não se pode tolher a individualização da pena às circunstâncias do caso concreto quando estas forem relativas ao § 1º-B do mesmo dispositivo. Afinal, é evidente que, fazendo-se uma comparação, ainda que breve, tratam-se de atos muito distintos - e que implicam riscos quase incomparáveis entre si - os de: a) introduzir no País medicamentos que não têm registro na ANVISA, sobretudo em pequena quantidade (mesmo que não seja para uso pessoal, pois é esperado que o comprador de uma cartela de "Pramil" saiba que se trata de um fármaco similar ao Viagra), e ainda, que não têm relação com doenças graves e/ou apresentam grande risco de morte; e b) falsificar, adulterar ou vender remédios e produtos relacionados sabidamente alterados (casos em que, em regra, o adquirente desconhece tal fato e, ao consumir o que comprou, não alcança o efeito desejado e/ou prejudica sua própria saúde). Consultando-se os autos do Projeto de Lei nº 4.207/1998 (disponíveis no site do Congresso Nacional), que deu origem à Lei n. 9.677, de 02.07.1998 - a qual incluiu o art. 273, § 1º-B, no Código Penal, verifica-se que todas as justificações que nele constam fazem referência quase que exclusiva às condutas de falsificar, adulterar ou vender remédios e produtos relacionados sabidamente alterados. As manifestações dos parlamentares durante o trâmite do referido Projeto de Lei decorre do elevado número de casos de adulteração de medicamentos, sobretudo anticoncepcionais ineficazes; em praticamente nenhum momento falou-se de forma específica sobre a conduta de introduzir no País remédios sem registro na ANVISA. Mesmo que, no caso dos autos, as quantidades e variedades dos produtos apreendidos não sejam pequenas, e ainda que eles impliquem riscos para os usuários, não restou demonstrado que são substâncias adulteradas. Ademais, é evidente que os destinatários sabiam do que os mesmos se tratavam (anabolizantes, emagrecedores e fármacos para disfunção erétil), o que se assemelha ao que ocorre nos crimes envolvendo a Lei de Drogas, tal como apontado anteriormente com mais detalhes. Ou seja, atos como o perpetrado pelo réu foram equiparados a outros de natureza muito mais grave, gerando uma notável distorção que, como já explicado, pode ser atenuada pela devida valoração e adequação que cabe ao julgador realizar em relação ao caso concreto. Portanto, no tocante ao art. 273, § 1º-B, do Código Penal, tem-se que só é justificável a aplicação da pena prevista quando a conduta delitiva possa gerar grandes danos à saúde pública - o que, ressalto, não significa necessariamente o reconhecimento da inconstitucionalidade da Lei n. 9.677, de 02.07.1998 (que incluiu o referido dispositivo no estatuto repressivo). Sendo assim, em casos como o dos autos, é razoável a utilização da pena prevista para o tráfico de drogas (art. 33 da Lei n. 11.343/2006), numa analogia em favor do réu. Nesse sentido: TRF-4 - Apelação nº 2006.70.02.005860-7 - Rel. Desª. Fed. Claudia Cristofani - j. 17/03/2009; e TRF-4 - Apelação nº 2006.70.10.000949-2 - Rel. Des. Fed. Luiz Fernando Penteado - j. 15/12/2010. Contudo, de qualquer maneira, o C. STJ, em sede de Arguição de Inconstitucionalidade (AI no HC 239.363/PR), declarou inconstitucional o preceito secundário do art. 273, § 1º-B, do Código Penal, por ofensa aos princípios da proporcionalidade e razoabilidade. Declarada a inconstitucionalidade do preceito sancionador da norma penal em comento, a Corte Superior posicionou-se no sentido de que é possível aplicar ao delito tipificado no art. 273, § 1º-B, do Código Penal, a pena prevista no art. 33 da Lei nº 11.343/2006, pela semelhança entre as condutas. Conquanto o Órgão Especial desta C. Corte tenha se pronunciado pela constitucionalidade do preceito sancionador do delito previsto no art. 273 do Código Penal, nos autos de Arguição de Inconstitucionalidade nº 000793-60.2009.4.03.6124 (e-DJF3 23/08/2013), curvo-me a ao novel entendimento da Corte Superior. A pena aplicada deve ser justa, manter razoabilidade e proporcionalidade com o delito cometido, o que não se vislumbra do preceito secundário inserto no art. 273, § 1º-B, do Código Penal. Nesse aspecto, nos dizeres de Ricardo Augusto Schmitt, in Sentença Penal Condenatória Teoria e Prática, 11ª edição, pág. 123: É com base no princípio da proporcionalidade que se pode afirmar que um sistema penal somente estará justificado quando a sanção penal estiver sopesada de forma equilibrada, para que não se torne excessiva, nem insuficiente, a carga coativa aos direitos fundamentais quando cotejada com a lesão decorrente da infração penal praticada. Assim, deve-se utilizar a pena do art. 33 da Lei nº 11.343/2006, a fim de sanar a desproporcionalidade apontada, mas destacando que apenas o preceito secundário desse dispositivo será considerado, uma vez que a eventual aplicação de outros institutos da Lei mencionada, como suas causas especiais de aumento e diminuição de pena, implicaria verdadeira inovação legislativa por parte deste juízo - o que é vedado. Nesse sentido, a própria decisão do STJ colacionada acima, que determinou a aplicação do preceito secundário contido no artigo 33 da Lei n. 11.343/2006 aos casos em que o acusado é condenado pelo crime previsto no artigo 273, §1º-B, do Estatuto Repressivo, sem abranger, por exemplo, o inciso I do art. 40 e o art. 42, além do seguinte julgado desta C. Corte, que trata da inaplicabilidade do § 4º do art. 33, todos da Lei de Drogas: TRF-3 - Apelação nº 2009.61.16.001726-2 - Rel. Desª. Fed. Nelton dos Santos - j. 27/07/2010. 4) Diante da comprovada caracterização do delito previsto no art. 273, § 1º-B, inciso I, do Código Penal, não assiste razão à defesa no tocante ao pedido de desclassificação da conduta para o crime de descaminho ou contrabando (art. 334 ou 334-A do CP). É certo que a conduta prevista no art. 273, § 1º-B, inciso I, do Código Penal, na modalidade importar, assemelha-se à trazida pelo crime de contrabando (importar ou exportar mercadoria proibida). Contudo, o tipo penal inscrito no primeiro dispositivo mencionado objetiva tutelar a saúde pública, de modo que não é possível a incidência do art. 334-A do Código Penal, que traz previsão genérica, em detrimento da caracterização do tipo penal específico do art. 273, § 1º-B, inciso I, do CP. Precedentes. Ademais, configurada a origem paraguaia dos produtos apreendidos e a proibição expressa pela ANVISA de utilização desses medicamentos em território nacional. Portanto, não há que se falar em desclassificação da conduta. A prática de importar substâncias proibidas por norma da ANVISA caracteriza o crime do art. 273, § 1º-B, I, do Código Penal. 5) Materialidade e autoria comprovadas. 6) As circunstâncias do crime são desfavoráveis ao réu, uma vez que a quantidade e variedade de produtos apreendidos é vultosa. Assim, mostra-se cabível a fixação da pena-base acima do mínimo legal. 7) Acerca da possibilidade de execução provisória da pena, deve prevalecer o entendimento adotado pelo C. Supremo Tribunal Federal que, ao reinterpretar o princípio da presunção de inocência (art. 5º, LVII, da CF) e o disposto no art. 283 do CPP, nos autos do Habeas Corpus nº. 126.292/SP e das Ações Declaratórias de Constitucionalidade nº. 43 e nº. 44, pronunciou-se no sentido de que não há óbice ao início do cumprimento da pena antes do trânsito em julgado, desde que esgotados os recursos cabíveis perante as instâncias ordinárias. Assim, exauridos os recursos cabíveis perante esta Corte, mesmo que ainda pendente o julgamento de recursos interpostos perante as Cortes Superiores (Recurso Extraordinário e Recurso Especial), deve ser expedida Carta de Sentença, bem como comunicação ao juízo de origem, a fim de que se inicie, provisoriamente, a execução da pena imposta por meio de acórdão condenatório exarado em sede de Apelação. Em havendo o trânsito em julgado, hipótese em que a execução será definitiva, ou no caso de já ter sido expedida guia provisória de execução, tornam-se desnecessárias tais providências. 8) Apelação parcialmente provida.
Decisão
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Décima Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, DAR PARCIAL PROVIMENTO à Apelação da defesa, para CONDENAR o réu MÁRCIO PINHEIRO DE LIMA pela prática do crime do art. 273, § 1º-B, inciso I, do Código Penal, aplicando-lhe a pena do art. 33 da Lei nº 11.343/2006 e fixando o quantum em 6 (seis) anos de reclusão, em regime inicial SEMIABERTO, e 600 (seiscentos) dias-multa, no valor unitário mínimo, e por maioria, decidiu determinar a expedição de carta de sentença, bem como comunicação ao Juízo de origem, a fim de que se inicie, provisoriamente, a execução da pena imposta por meio de acórdão condenatório exarado em sede apelação, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Data do Julgamento : 06/02/2018
Data da Publicação : 19/02/2018
Classe/Assunto : Ap. - APELAÇÃO CRIMINAL - 68455
Órgão Julgador : DÉCIMA PRIMEIRA TURMA
Relator(a) : DESEMBARGADOR FEDERAL FAUSTO DE SANCTIS
Comarca : TRIBUNAL - TERCEIRA REGIÃO
Tipo : Acórdão
Referência legislativa : ***** CP-40 CÓDIGO PENAL DE 1940 LEG-FED DEL-2848 ANO-1940 ART-273 PAR-1B INC-1 ART-334 ART-334A ***** CPP-41 CÓDIGO DE PROCESSO PENAL LEG-FED DEL-3689 ANO-1941 ART-384 ART-383 ART-563 ***** LDR-06 LEI DE DROGAS LEG-FED LEI-11343 ANO-2006 ART-33 PAR-4 ART-40 INC-1 ART-42 LEG-FED LEI-9677 ANO-1998 ***** CF-1988 CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 LEG-FED ANO-1988 ART-5 INC-57
Fonte da publicação : e-DJF3 Judicial 1 DATA:19/02/2018 ..FONTE_REPUBLICACAO:
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