TRF3 0008053-16.2013.4.03.6136 00080531620134036136
PENAL. CRIME DE FALSIDADE IDEOLÓGICA. ART. 299, CAPUT, DO
CÓDIGO PENAL. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA NA MODALIDADE
RETROATIVA. OCORRÊNCIA. CRIME DE DESENVOLVIMENTO CLANDESTINO DE ATIVIDADE
DE TELECOMUNICAÇÕES. ART. 183 DA LEI Nº 9.472/1997. PRINCÍPIO DA
INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. MATERIALIDADE E AUTORIA DELITIVAS
COMPROVADAS. MANUTENÇÃO DA CONDENAÇÃO. DOSIMETRIA. PENA DE
MULTA. PROPORCIONALIDADE.
1. O fato imputado ao acusado, relativo ao crime de falsidade ideológica,
remonta a março de 2009, cabendo salientar que a denúncia foi recebida em
07 de novembro de 2013 e baixada em secretaria em 11 de novembro de 2013
ao passo que a sentença foi publicada em 26 de agosto de 2014. O acusado
em tela foi apenado, em 1º grau de jurisdição, a 01 ano e 02 meses de
reclusão, bem como ao pagamento de 140 dias-multa, pela perpetração do
crime previsto no art. 299, caput, do Código Penal.
2. Como o fato imputado foi executado antes do advento da Lei nº 12.234, de
05 de maio de 2010, o regime jurídico aplicável em sede de prescrição
da pretensão punitiva abarca o instituto da prescrição retroativa,
então prevista no § 2º do art. 110 do Código Penal, segundo o qual esta
poderia ter por termo inicial data anterior à do recebimento da denúncia
ou da queixa. Importante ser dito que tal disposição somente teria
incidência quando tivesse sobrevindo trânsito em julgado da sentença
penal condenatória para a acusação ou depois de improvido o seu recurso
(nos termos da redação original do § 1º do art. 110 do Código Penal).
3. Lançando a pena arbitrada na sentença na tabela disposta no art. 109 do
Código Penal, nota-se que a prescrição ocorreria ante o transcurso de mais
de 04 anos entre os marcos interruptivos, situação ocorrente neste feito
em decorrência da fluência de lapso superior ao mencionado tendo como base
o período compreendido entre a data do fato e o momento de recebimento da
inicial acusatória, razão pela qual de rigor o assentamento da ocorrência
da prescrição da pretensão punitiva na modalidade retroativa.
4. O princípio da insignificância (ou da bagatela) demanda ser interpretado
à luz dos postulados da mínima intervenção do Direito Penal e da ultima
ratio. Isso porque o Direito Penal não pode ser a primeira opção prevista
no ordenamento jurídico como forma de debelar uma situação concreta
(daí porque sua necessidade de intervenção mínima e no contexto da
última fronteira para restabelecer a paz social). A insignificância surge
como forma de afastar a aplicação do Direito Penal a fatos de somenos
importância (e que, portanto, podem ser debelados com supedâneo nos
demais ramos da Ciência Jurídica - fragmentariedade do Direito Penal),
afastando a tipicidade da conduta sob o aspecto material ao reconhecer que
ela possui um reduzido grau de reprovabilidade e que houve pequena ofensa
ao bem jurídico tutelado, remanescendo apenas a tipicidade formal, ou seja,
a adequação do fato à lei penal incriminadora.
5. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem exigido, para a
aplicação do referido postulado, o preenchimento concomitante dos seguintes
requisitos: 1) mínima ofensividade da conduta do agente; 2) ausência de
periculosidade social da ação; 3) reduzido grau de reprovabilidade do
comportamento; e 4) relativa inexpressividade da lesão jurídica.
6. Especificamente no que tange ao crime de desenvolvimento clandestino de
atividade de telecomunicação (art. 183 da Lei nº 9.472/1997), mostra-se
impertinente o pleito de incidência do postulado da bagatela tendo em vista
que o delito mencionado visa tutelar a segurança e a higidez do sistema de
telecomunicação presente no país, a permitir, inclusive, o controle e a
fiscalização estatal sobre tal atividade econômica, caracterizando-se por
ser infração penal formal e de perigo abstrato, ou seja, consumando-se
independentemente da ocorrência de dano. Desta feita, diante de mácula
a bem jurídico de suma importância, impossível cogitar-se de mínima
periculosidade social da ação e de reduzido grau de reprovabilidade do
comportamento.
7. A mera instalação ou a mera utilização de aparelhagem em desacordo
com as exigências legais, bem como a existência de atividade clandestina
de telecomunicações, já tem o condão de causar sérias interferências
prejudiciais em serviços de telecomunicações regularmente instalados
(como, por exemplo, polícia, ambulância, bombeiro, navegação aérea,
embarcação, bem como receptores domésticos adjacentes à emissora) em
razão do aparecimento de frequências espúrias, razão pela qual, além de
presumida a ofensividade da conduta pela edição da lei, inquestionável
a alta periculosidade social da ação, também sob tal viés, daquele que
age ao arrepio das normas de regência.
8. Precedentes das Cortes Superiores e deste Tribunal.
9. A prova dos autos aponta pela comprovação tanto da materialidade como
da autoria delitivas.
10. O desenvolvimento clandestino de atividades de telecomunicação é
delito de natureza formal, sendo prescindível resultado naturalístico
para a sua consumação, razão pela qual não se mostra necessário que a
conduta do agente cause efetivo prejuízo a outrem (embora, nessa hipótese,
a lei estabeleça que a pena deva ser aumentada). Além disso, trata-se de
crime de perigo abstrato, cuja lesividade é presumida, ou seja, para a sua
caracterização, basta a comprovação de que o agente desenvolveu atividade
de telecomunicação sem a devida autorização do órgão competente,
já que a lei traz uma presunção juris et de jure de que tal conduta gera
perigo, isto é, compromete, por si só, a segurança, a regularidade e a
operabilidade do sistema de telecomunicações do país.
11. Justamente porque se está diante de um crime formal e de perigo abstrato
(portanto, que não exige resultado naturalístico), despicienda a realização
de prova pericial a fim de se aferir se havia ou não transmissão de sinal
ou que frequência estava sendo utilizada.
12. Readequação, de ofício, da pena de multa, de forma a fixá-la mediante
a adoção dos mesmos parâmetros da pena corporal.
13. Apelação a que se dá parcial provimento. Correção, de ofício,
da quantidade de dias-multa fixada pela prática do crime do art. 183 da
Lei nº 9.472/1997.
Ementa
PENAL. CRIME DE FALSIDADE IDEOLÓGICA. ART. 299, CAPUT, DO
CÓDIGO PENAL. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA NA MODALIDADE
RETROATIVA. OCORRÊNCIA. CRIME DE DESENVOLVIMENTO CLANDESTINO DE ATIVIDADE
DE TELECOMUNICAÇÕES. ART. 183 DA LEI Nº 9.472/1997. PRINCÍPIO DA
INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. MATERIALIDADE E AUTORIA DELITIVAS
COMPROVADAS. MANUTENÇÃO DA CONDENAÇÃO. DOSIMETRIA. PENA DE
MULTA. PROPORCIONALIDADE.
1. O fato imputado ao acusado, relativo ao crime de falsidade ideológica,
remonta a março de 2009, cabendo salientar que a denúncia foi recebida em
07 de novembro de 2013 e baixada em secretaria em 11 de novembro de 2013
ao passo que a sentença foi publicada em 26 de agosto de 2014. O acusado
em tela foi apenado, em 1º grau de jurisdição, a 01 ano e 02 meses de
reclusão, bem como ao pagamento de 140 dias-multa, pela perpetração do
crime previsto no art. 299, caput, do Código Penal.
2. Como o fato imputado foi executado antes do advento da Lei nº 12.234, de
05 de maio de 2010, o regime jurídico aplicável em sede de prescrição
da pretensão punitiva abarca o instituto da prescrição retroativa,
então prevista no § 2º do art. 110 do Código Penal, segundo o qual esta
poderia ter por termo inicial data anterior à do recebimento da denúncia
ou da queixa. Importante ser dito que tal disposição somente teria
incidência quando tivesse sobrevindo trânsito em julgado da sentença
penal condenatória para a acusação ou depois de improvido o seu recurso
(nos termos da redação original do § 1º do art. 110 do Código Penal).
3. Lançando a pena arbitrada na sentença na tabela disposta no art. 109 do
Código Penal, nota-se que a prescrição ocorreria ante o transcurso de mais
de 04 anos entre os marcos interruptivos, situação ocorrente neste feito
em decorrência da fluência de lapso superior ao mencionado tendo como base
o período compreendido entre a data do fato e o momento de recebimento da
inicial acusatória, razão pela qual de rigor o assentamento da ocorrência
da prescrição da pretensão punitiva na modalidade retroativa.
4. O princípio da insignificância (ou da bagatela) demanda ser interpretado
à luz dos postulados da mínima intervenção do Direito Penal e da ultima
ratio. Isso porque o Direito Penal não pode ser a primeira opção prevista
no ordenamento jurídico como forma de debelar uma situação concreta
(daí porque sua necessidade de intervenção mínima e no contexto da
última fronteira para restabelecer a paz social). A insignificância surge
como forma de afastar a aplicação do Direito Penal a fatos de somenos
importância (e que, portanto, podem ser debelados com supedâneo nos
demais ramos da Ciência Jurídica - fragmentariedade do Direito Penal),
afastando a tipicidade da conduta sob o aspecto material ao reconhecer que
ela possui um reduzido grau de reprovabilidade e que houve pequena ofensa
ao bem jurídico tutelado, remanescendo apenas a tipicidade formal, ou seja,
a adequação do fato à lei penal incriminadora.
5. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem exigido, para a
aplicação do referido postulado, o preenchimento concomitante dos seguintes
requisitos: 1) mínima ofensividade da conduta do agente; 2) ausência de
periculosidade social da ação; 3) reduzido grau de reprovabilidade do
comportamento; e 4) relativa inexpressividade da lesão jurídica.
6. Especificamente no que tange ao crime de desenvolvimento clandestino de
atividade de telecomunicação (art. 183 da Lei nº 9.472/1997), mostra-se
impertinente o pleito de incidência do postulado da bagatela tendo em vista
que o delito mencionado visa tutelar a segurança e a higidez do sistema de
telecomunicação presente no país, a permitir, inclusive, o controle e a
fiscalização estatal sobre tal atividade econômica, caracterizando-se por
ser infração penal formal e de perigo abstrato, ou seja, consumando-se
independentemente da ocorrência de dano. Desta feita, diante de mácula
a bem jurídico de suma importância, impossível cogitar-se de mínima
periculosidade social da ação e de reduzido grau de reprovabilidade do
comportamento.
7. A mera instalação ou a mera utilização de aparelhagem em desacordo
com as exigências legais, bem como a existência de atividade clandestina
de telecomunicações, já tem o condão de causar sérias interferências
prejudiciais em serviços de telecomunicações regularmente instalados
(como, por exemplo, polícia, ambulância, bombeiro, navegação aérea,
embarcação, bem como receptores domésticos adjacentes à emissora) em
razão do aparecimento de frequências espúrias, razão pela qual, além de
presumida a ofensividade da conduta pela edição da lei, inquestionável
a alta periculosidade social da ação, também sob tal viés, daquele que
age ao arrepio das normas de regência.
8. Precedentes das Cortes Superiores e deste Tribunal.
9. A prova dos autos aponta pela comprovação tanto da materialidade como
da autoria delitivas.
10. O desenvolvimento clandestino de atividades de telecomunicação é
delito de natureza formal, sendo prescindível resultado naturalístico
para a sua consumação, razão pela qual não se mostra necessário que a
conduta do agente cause efetivo prejuízo a outrem (embora, nessa hipótese,
a lei estabeleça que a pena deva ser aumentada). Além disso, trata-se de
crime de perigo abstrato, cuja lesividade é presumida, ou seja, para a sua
caracterização, basta a comprovação de que o agente desenvolveu atividade
de telecomunicação sem a devida autorização do órgão competente,
já que a lei traz uma presunção juris et de jure de que tal conduta gera
perigo, isto é, compromete, por si só, a segurança, a regularidade e a
operabilidade do sistema de telecomunicações do país.
11. Justamente porque se está diante de um crime formal e de perigo abstrato
(portanto, que não exige resultado naturalístico), despicienda a realização
de prova pericial a fim de se aferir se havia ou não transmissão de sinal
ou que frequência estava sendo utilizada.
12. Readequação, de ofício, da pena de multa, de forma a fixá-la mediante
a adoção dos mesmos parâmetros da pena corporal.
13. Apelação a que se dá parcial provimento. Correção, de ofício,
da quantidade de dias-multa fixada pela prática do crime do art. 183 da
Lei nº 9.472/1997.Decisão
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a
Egrégia Décima Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região,
por unanimidade, DAR PARCIAL PROVIMENTO ao recurso de apelação interposto
por GENIS DE OLIVEIRA para reconhecer a prescrição da pretensão punitiva,
na modalidade retroativa, no tocante ao delito de falsidade ideológica,
bem como para corrigir, de ofício, a quantidade de dias-multa fixada pela
prática do crime do art. 183 da Lei nº 9.472/1997. Prosseguindo, a Turma
decide, por maioria, fixar a pena de multa em 11 (onze) dias-multa, nos termos
do relatório e votos que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Data do Julgamento
:
19/06/2018
Data da Publicação
:
23/07/2018
Classe/Assunto
:
Ap. - APELAÇÃO CRIMINAL - 60403
Órgão Julgador
:
DÉCIMA PRIMEIRA TURMA
Relator(a)
:
DESEMBARGADOR FEDERAL FAUSTO DE SANCTIS
Comarca
:
TRIBUNAL - TERCEIRA REGIÃO
Tipo
:
Acórdão
Indexação
:
VIDE EMENTA.
Referência
legislativa
:
***** CP-40 CÓDIGO PENAL DE 1940
LEG-FED DEL-2848 ANO-1940 ART-299 ART-110 PAR-2 PAR-1 ART-109
LEG-FED LEI-9472 ANO-1997 ART-183
LEG-FED LEI-12234 ANO-2010
Relator para
acórdão
:
DESEMBARGADOR FEDERAL NINO TOLDO
Fonte da publicação
:
e-DJF3 Judicial 1 DATA:23/07/2018
..FONTE_REPUBLICACAO:
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