TRF3 0008118-28.2014.4.03.6119 00081182820144036119
PENAL. PROCESSO PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. DELITO DE USO DE DOCUMENTO FALSO,
PREVISTO NO ART. 304 C.C. ART. 297 E ART. 71 DO CÓDIGO PENAL. VISTO FALSO
APRESENTADO QUANDO DA ENTRADA E TENTATIVA DE SAÍDA DO PAÍS. AUTORIA E
MATERIALIDADE DEMOSNTRADAS. AFASTADA A ALEGAÇÃO DE NULIDADE DA SENTENÇA
QUE CONTRARIOU PEDIDO DE ABSOLVIÇÃO FORMULADO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO
FEDERAL, À VISTA DO LIVRE CONVENCIMENTO MOTIVADO DO JUIZ. ERRO DE TIPO
AFASTADO. CONTINUIDADE DELITIVA MANTIDA. RECURSO IMPROVIDO.
1. Da nulidade da sentença que contrariou pedido de absolvição formulado
em memoriais pelo Ministério Público Federal. Não prospera referida
alegação. Não há inconstitucionalidade quando o magistrado reconhece a
responsabilidade do réu, diversamente do quanto requerido pelo Ministério
Público Federal. As alegações do parquet não vinculam o magistrado,
considerando que, à luz do princípio do livre convencimento motivado e do
disposto no art. 385 do Código de Processo Penal, conclui-se que o sistema
processual pátrio não adotou o modelo acusatório puro. Precedentes das
cortes superiores.
2. Autoria e materialidade bem caracterizadas nos autos, em especial pelo Auto
de Apresentação e Apreensão (fls. 10v) e pelo Laudo de Perícia Criminal
(fls. 17/24), documentos que atestaram que o passaporte apreendido em poder
do réu continha afixado visto consular brasileiro falso. Consta que o réu
fora preso em flagrante delito no aeroporto internacional de Guarulhos quando
tentava embarcar com destino à Joanesburgo/ África do Sul, portando em
sua bagagem a quantidade de 3.603 kg de cocaína. Ao longo da instrução
relativa à imputação por tráfico internacional de drogas, constatou-se
a falsidade do visto consular brasileiro aposto no passaporte do réu,
fato que deflagrou a persecutio criminis objeto destes autos.
3. Da alegação de erro de tipo. À vista das circunstâncias concretas do
caso, não prospera a alegação defensiva de que o acusado não soubesse
da falsidade do visto aposto em seu passaporte. O réu relatou em juízo que
havia tentado em 2008 obter visto para a Austrália, indo pessoalmente a um
escritório do Consulado daquele país, ocasião que dispendeu cerca de U$
400,00 em custas. No entanto, para conseguir o visto brasileiro, contou que
procurou um terceiro desconhecido, pagando-lhe cerca de U$ 1.415,00. Assim,
a experiência pretérita do acusado com os trâmites consulares requeridos
para a obtenção de visto legítimo, o elevado valor cobrado por um serviço
tido como de mera intermediação, a identificação precária do terceiro
responsável por fornecer o visto, além da significativa diferença entre
o valor das custas para obter o visto australiano e o visto brasileiro,
são fatos que descreditam o quanto alegado pelo réu sobre a falsidade do
documento ser-lhe ignorada. Não se olvida que as circunstâncias fáticas do
delito de uso de documento falso devem ser examinadas à luz da imputação
concomitante, nos autos 2766-89.2014.403.6119, pelo crime de tráfico
internacional de entorpecentes, que culminou em sua condenação em primeira
instância. Considerando haver provas substanciais de que o réu atuou como
"mula", referindo-se à pessoa cooptada por organização criminosa para
transportar entorpecente, é pouco crível que, nessa situação, ele não
suspeitasse da ilicitude do visto que lhe foi fornecido. Somente a título
de argumentação, ainda que não soubesse da ilicitude de sua conduta,
ao acionar terceiro desconhecido para obter o visto brasileiro, conhecendo
a autoridade competente para tanto, o réu assumiu o risco de praticá-la,
configurando assim o dolo eventual, a ensejar sua condenação nas penas
dos arts. 304 c.c. o art. 297 do Código Penal.
4. Improcede a alegação de absorção do delito de uso de documento
falso pelo delito de tráfico internacional. Além do fato de serem delitos
com objetividades jurídicas distintas, o uso de documento falso não é
fase necessária para a consumação do tipo de tráfico internacional de
entorpecentes, não sendo possível, assim, a consunção. São, portanto,
crimes autônomos, que devem ser reprimidos distintamente. Precedentes desta
Corte e nos tribunais superiores.
5. Dosimetria da pena. Não cabem as modificações pleiteadas pela defesa
na pena aplicada, restando ela mantida tal como fixada originariamente.
6. Da pena base. Cumpre reiterar que o caso concreto subsume-se às penas
cominadas no art. 304 c.c. o art. 297 do Código Penal, determinando que o
mínimo da reprimenda de reclusão seja fixado em 2 anos. Ocorre que o juízo
sentenciante estabeleceu a pena-base em 1 (um) ano de reclusão e 10 (dez)
dias-multa, que mantenho, tendo em vista inexistir impugnação ministerial
e a vedação da reformatio in pejus.
7. Na segunda fase da dosimetria, inexistem agravantes ou atenuantes a serem
consideradas.
8. Na terceira fase, aplicou-se na razão de 1/6 a causa de aumento prevista no
art. 71 do Código Penal, relativa à continuidade delitiva. Não prospera o
pleito defensivo pelo seu afastamento, sob a consideração de que a segunda
vez em que o réu apresentou o visto falso às autoridades brasileiras
(quando de sua tentativa de sair do território nacional em 22.04.2014) seria
exaurimento da primeira infração, aperfeiçoada quando entrara no país
mediante a apresentação do mesmo visto falso (na data de 13.03.2014). Os
fatos descreveram infrações autônomas, consumadas cada qual em momentos
distintos, e que foram consideradas em continuidade delitiva em benefício
do réu, posto que verificadas as condições para a incidência de tal
instituto, conforme previsto no art. 71 do Código Penal.
9. Inexistiram insurgências quanto à fixação da pena de multa fixada,
e tampouco quanto à decisão pelo não cabimento da suspensão da pena
privativa de liberdade ou sua substituição por restritiva de direitos,
pelo que restam mantidas, por seus fundamentos.
10. Recurso improvido. Mantenho a condenação do réu como incurso nas penas
previstas no art. 304 c.c. art. 297 e 71 do Código Penal, à pena de 1 (um)
ano e 2 (dois) meses de reclusão, e ao pagamento de 11 (onze) dias-multa,
estabelecido o valor unitário em 1/30 (um trigésimo) do salário-mínimo
vigente.
Ementa
PENAL. PROCESSO PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. DELITO DE USO DE DOCUMENTO FALSO,
PREVISTO NO ART. 304 C.C. ART. 297 E ART. 71 DO CÓDIGO PENAL. VISTO FALSO
APRESENTADO QUANDO DA ENTRADA E TENTATIVA DE SAÍDA DO PAÍS. AUTORIA E
MATERIALIDADE DEMOSNTRADAS. AFASTADA A ALEGAÇÃO DE NULIDADE DA SENTENÇA
QUE CONTRARIOU PEDIDO DE ABSOLVIÇÃO FORMULADO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO
FEDERAL, À VISTA DO LIVRE CONVENCIMENTO MOTIVADO DO JUIZ. ERRO DE TIPO
AFASTADO. CONTINUIDADE DELITIVA MANTIDA. RECURSO IMPROVIDO.
1. Da nulidade da sentença que contrariou pedido de absolvição formulado
em memoriais pelo Ministério Público Federal. Não prospera referida
alegação. Não há inconstitucionalidade quando o magistrado reconhece a
responsabilidade do réu, diversamente do quanto requerido pelo Ministério
Público Federal. As alegações do parquet não vinculam o magistrado,
considerando que, à luz do princípio do livre convencimento motivado e do
disposto no art. 385 do Código de Processo Penal, conclui-se que o sistema
processual pátrio não adotou o modelo acusatório puro. Precedentes das
cortes superiores.
2. Autoria e materialidade bem caracterizadas nos autos, em especial pelo Auto
de Apresentação e Apreensão (fls. 10v) e pelo Laudo de Perícia Criminal
(fls. 17/24), documentos que atestaram que o passaporte apreendido em poder
do réu continha afixado visto consular brasileiro falso. Consta que o réu
fora preso em flagrante delito no aeroporto internacional de Guarulhos quando
tentava embarcar com destino à Joanesburgo/ África do Sul, portando em
sua bagagem a quantidade de 3.603 kg de cocaína. Ao longo da instrução
relativa à imputação por tráfico internacional de drogas, constatou-se
a falsidade do visto consular brasileiro aposto no passaporte do réu,
fato que deflagrou a persecutio criminis objeto destes autos.
3. Da alegação de erro de tipo. À vista das circunstâncias concretas do
caso, não prospera a alegação defensiva de que o acusado não soubesse
da falsidade do visto aposto em seu passaporte. O réu relatou em juízo que
havia tentado em 2008 obter visto para a Austrália, indo pessoalmente a um
escritório do Consulado daquele país, ocasião que dispendeu cerca de U$
400,00 em custas. No entanto, para conseguir o visto brasileiro, contou que
procurou um terceiro desconhecido, pagando-lhe cerca de U$ 1.415,00. Assim,
a experiência pretérita do acusado com os trâmites consulares requeridos
para a obtenção de visto legítimo, o elevado valor cobrado por um serviço
tido como de mera intermediação, a identificação precária do terceiro
responsável por fornecer o visto, além da significativa diferença entre
o valor das custas para obter o visto australiano e o visto brasileiro,
são fatos que descreditam o quanto alegado pelo réu sobre a falsidade do
documento ser-lhe ignorada. Não se olvida que as circunstâncias fáticas do
delito de uso de documento falso devem ser examinadas à luz da imputação
concomitante, nos autos 2766-89.2014.403.6119, pelo crime de tráfico
internacional de entorpecentes, que culminou em sua condenação em primeira
instância. Considerando haver provas substanciais de que o réu atuou como
"mula", referindo-se à pessoa cooptada por organização criminosa para
transportar entorpecente, é pouco crível que, nessa situação, ele não
suspeitasse da ilicitude do visto que lhe foi fornecido. Somente a título
de argumentação, ainda que não soubesse da ilicitude de sua conduta,
ao acionar terceiro desconhecido para obter o visto brasileiro, conhecendo
a autoridade competente para tanto, o réu assumiu o risco de praticá-la,
configurando assim o dolo eventual, a ensejar sua condenação nas penas
dos arts. 304 c.c. o art. 297 do Código Penal.
4. Improcede a alegação de absorção do delito de uso de documento
falso pelo delito de tráfico internacional. Além do fato de serem delitos
com objetividades jurídicas distintas, o uso de documento falso não é
fase necessária para a consumação do tipo de tráfico internacional de
entorpecentes, não sendo possível, assim, a consunção. São, portanto,
crimes autônomos, que devem ser reprimidos distintamente. Precedentes desta
Corte e nos tribunais superiores.
5. Dosimetria da pena. Não cabem as modificações pleiteadas pela defesa
na pena aplicada, restando ela mantida tal como fixada originariamente.
6. Da pena base. Cumpre reiterar que o caso concreto subsume-se às penas
cominadas no art. 304 c.c. o art. 297 do Código Penal, determinando que o
mínimo da reprimenda de reclusão seja fixado em 2 anos. Ocorre que o juízo
sentenciante estabeleceu a pena-base em 1 (um) ano de reclusão e 10 (dez)
dias-multa, que mantenho, tendo em vista inexistir impugnação ministerial
e a vedação da reformatio in pejus.
7. Na segunda fase da dosimetria, inexistem agravantes ou atenuantes a serem
consideradas.
8. Na terceira fase, aplicou-se na razão de 1/6 a causa de aumento prevista no
art. 71 do Código Penal, relativa à continuidade delitiva. Não prospera o
pleito defensivo pelo seu afastamento, sob a consideração de que a segunda
vez em que o réu apresentou o visto falso às autoridades brasileiras
(quando de sua tentativa de sair do território nacional em 22.04.2014) seria
exaurimento da primeira infração, aperfeiçoada quando entrara no país
mediante a apresentação do mesmo visto falso (na data de 13.03.2014). Os
fatos descreveram infrações autônomas, consumadas cada qual em momentos
distintos, e que foram consideradas em continuidade delitiva em benefício
do réu, posto que verificadas as condições para a incidência de tal
instituto, conforme previsto no art. 71 do Código Penal.
9. Inexistiram insurgências quanto à fixação da pena de multa fixada,
e tampouco quanto à decisão pelo não cabimento da suspensão da pena
privativa de liberdade ou sua substituição por restritiva de direitos,
pelo que restam mantidas, por seus fundamentos.
10. Recurso improvido. Mantenho a condenação do réu como incurso nas penas
previstas no art. 304 c.c. art. 297 e 71 do Código Penal, à pena de 1 (um)
ano e 2 (dois) meses de reclusão, e ao pagamento de 11 (onze) dias-multa,
estabelecido o valor unitário em 1/30 (um trigésimo) do salário-mínimo
vigente.Decisão
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide
a Egrégia Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por
unanimidade, negar provimento ao recurso da defesa, mantendo a condenação
nas penas aplicadas originariamente, nos termos do relatório e voto que
ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Data do Julgamento
:
12/06/2017
Data da Publicação
:
21/06/2017
Classe/Assunto
:
Ap. - APELAÇÃO CRIMINAL - 68896
Órgão Julgador
:
QUINTA TURMA
Relator(a)
:
DESEMBARGADOR FEDERAL PAULO FONTES
Comarca
:
TRIBUNAL - TERCEIRA REGIÃO
Tipo
:
Acórdão
Observações
:
OBJETO DO CRIME: PORTE DE 3.603KG DE COCAÍNA.
Referência
legislativa
:
***** CP-40 CÓDIGO PENAL DE 1940
LEG-FED DEL-2848 ANO-1940 ART-304 ART-297 ART-71
***** CPP-41 CÓDIGO DE PROCESSO PENAL
LEG-FED DEL-3689 ANO-1941 ART-385
Fonte da publicação
:
e-DJF3 Judicial 1 DATA:21/06/2017
..FONTE_REPUBLICACAO:
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