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Jurisprudência


TRF3 0008340-41.2014.4.03.6104 00083404120144036104

Ementa
PENAL E PROCESSUAL PENAL. APELAÇÕES CRIMINAIS. CONHECIMENTO PARCIAL DO RECURSO. FALTA DE INTERESSE RECURSAL. TRÁFICO E ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO TRANSNACIONAL DE DROGAS. OPERAÇÃO OVERSEA. TRATADO DE ASSISTÊNCIA MÚTUA EM MATÉRIA PENAL. COOPERAÇÃO JURÍDICA INTERNACIONAL. TECNOLOGIA BLACKBERRY. EMPRESA MULTINACIONAL SEDIADA NO CANADÁ E REPRESENTADA NO BRASIL. NULIDADE DA INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA/TELEMÁTICA. NULIDADE DAS PROVAS OBTIDAS POR MEIO DA INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA/TELEMÁTICA E ANÁLISE DE DADOS CADASTRAIS. NULIDADE DA SENTENÇA. INÉPCIA DA DENÚNCIA. MATÉRIA PRELIMINAR REJEITADA. DUPLA IMPUTAÇÃO DOS FATOS. BIS IN IDEM. PRELIMINAR ACOLHIDA. CONCESSÃO DA ORDEM DE HABEAS CORPUS. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL QUANTO AO CRIME DE ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO TRANSNACIONAL. CRIME DE TRÁFICO TRANSNACIONAL DE DROGAS. MATERIALIDADE, AUTORIA E DOLO COMPROVADOS. DOSIMETRIA. MAJORAÇÃO DA PENA-BASE. EXISTÊNCIA DE CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS NEGATIVAS. INDIVIDUALIZAÇÃO E PROPORCIONALIDADE. DISCRICIONARIEDADE VINCULADA. CAUSA DE AUMENTO DE PENA DA INTERNACIONALIDADE DO DELITO APLICADA NO PATAMAR DE 1/6 (UM SEXTO). INAPLICABILIDADE DA MINORANTE DO ART. 33, § 4º, DA LEI Nº 11.343/2006. 1. O pedido ministerial de incidência da causa de aumento de pena da internacionalidade delitiva não pode ser conhecido, por falta de interesse recursal, pois a sentença dispôs nesse sentido. 2. A cooperação internacional em matéria penal é objeto de tratados, bilaterais ou multilaterais, que visam a articular os Estados para trabalhar em conjunto contra problemas de interesse comum no campo criminal, conforme ensinamento doutrinário. É o caso do Tratado de Assistência Mútua em Matéria Penal celebrado entre o Governo da República Federativa do Brasil e o Governo do Canadá, denominados Estados Contratantes, promulgado no âmbito interno pelo Decreto nº 6.747/2009. 3. A ordem da autoridade judiciária brasileira para a empresa multinacional RIM - Research in Motion, sediada no Canadá e representada no Brasil, não se inclui propriamente no rol de providências abrangidas pelo Decreto nº 6.747/2009, cujo processamento se dá por meio de autoridades centrais. Isso porque, não se trata de providência a ser solicita ao Estado canadense, por cooperação jurídica internacional, mas, sim, diretamente à empresa RIM, que possui endereço no Brasil. 4. A representação da empresa RIM NETWORK OPERATIONS está localizada na cidade de São Paulo - SP, estando, deste modo, adstrita ao cumprimento do ordenamento jurídico brasileiro. Os números PIN interceptados estavam ativos e sendo utilizados em território nacional, por intermédio das operadoras de telefonia estabelecidas em solo pátrio. Além disso, a empresa privada RIM não ofereceu qualquer óbice ao cumprimento da medida judicial constritiva. Assim, não era o caso de solicitar o auxílio do Estado canadense no cumprimento da ordem judicial de interceptação das comunicações entre os acusados, a qual foi processada de forma escorreita pelo juízo a quo. Preliminar rejeitada. 5. A utilização de interceptação telefônica em casos semelhantes a este é recorrente e, de fato, necessária, pois o alto grau de cautela adotado por associações ligadas ao narcotráfico determina o acesso a métodos de investigação diferentes dos tradicionais, o que atende ao disposto no art. 2º, II, da Lei nº 9.296/1996. 6. O caso concreto reflete, de forma clássica, aquelas situações em que a medida excepcional da interceptação das comunicações telefônicas mostra-se imprescindível para a colheita da prova. As sucessivas prorrogações, a seu turno, foram concretamente fundamentadas e justificaram-se em razão da complexidade do caso e do número de investigados. O longo período pelo qual se estendeu a manutenção da quebra alinha-se à gravidade dos fatos e à magnitude da atuação do grupo investigado, o que tornou imprescindível a sua prorrogação por quase um ano. Precedentes. 7. A regularidade das interceptações telefônicas/telemáticas foi objeto do HC 0028984-47.2015.4.03.0000/SP, tendo sido denegada a ordem por esta Décima Primeira Turma, em 24.05.2016. Assim, não há que se falar em nulidade da interceptação das comunicações telefônicas/telemáticas por violação aos requisitos previstos na Lei nº 9.296/1996. 8. A realização de diligências para obter a maior quantidade possível de dados acerca dos alvos da investigação, o que inclui seus números telefônicos e endereços de e-mail, é absolutamente legítima e ínsita ao próprio desempenho do trabalho da polícia judiciária. Por essa razão, a autoridade policial tem legitimidade para obter diretamente dados cadastrais, remanescendo a reserva de jurisdição apenas para a realização da interceptação do conteúdo das conversas. 9. Foi expressamente determinado pelo magistrado a quo o fornecimento de senha aos polícias federais (identificados nas decisões judiciais), por específico prazo de validade, para que eles procedessem à consulta a cadastro de usuários, com o fim de dar prosseguimento às investigações, em virtude das quais se deu a quebra de sigilo telefônico/telemático, devidamente fundamentada (CF, art. 93, IX). A identificação dos policiais federais, por meio do nome completo e respectiva matrícula, e a especificação de prazo visam exatamente a garantir o sigilo dos dados obtidos pelas investigações. Desse modo, não há que se cogitar da ilegalidade ou inconstitucionalidade da ordem judicial, tampouco da nulidade das provas obtidas pela medida. Precedentes. Alegação rejeitada. 10. Em que pese o magistrado de primeiro grau não ter lançado claramente os motivos ensejadores da fração de aumento da pena em razão da transnacionalidade delitiva na terceira fase da dosimetria, é possível inferi-los da sentença, que se revela uníssona, precisa e coesa, afastando-se a alegação de nulidade. Preliminar rejeitada. 11. A denúncia descreveu adequadamente os fatos, qualificou os acusados e classificou o crime, permitindo o exercício da defesa quanto à imputação, de modo que preencheu os requisitos do art. 41 do Código de Processo Penal, não sendo inepta. O entendimento do Superior Tribunal de Justiça é no sentido de que eventual inépcia da denúncia só pode ser acolhida quando demonstrada inequívoca deficiência a impedir a compreensão da acusação, em flagrante prejuízo à defesa do acusado, o que não se verifica no caso em exame. Ademais, uma vez proferida sentença condenatória, resta superada a alegação de inépcia. Precedentes. Preliminar repelida. 12. O denominado "Evento nº 4" foi utilizado para fundamentar, do ponto de vista fático, a denúncia dos acusados pelo crime de organização criminosa. Posteriormente, foi também utilizado para fundamentar a denúncia de que trata o presente feito pela associação para o tráfico transnacional de drogas. Está claro que os acusados foram processados duas vezes pelo mesmo fato. 13. Ante a duplicidade de ações penais pelo mesmo fato, caracterizada está a violação ao princípio do ne bis in idem, o que impõe o trancamento da segunda ação penal, relativamente aos acusados, haja vista a inexistência de justa causa quanto ao delito de associação para o tráfico internacional de drogas. Precedente desta Décima Primeira Turma. Acolhida a preliminar e concedida a ordem de habeas corpus para o trancamento desta ação penal tão somente no que tange ao crime de associação para o tráfico internacional de entorpecentes, com fundamento no art. 654, § 2º, do Código de Processo Penal, ante a ocorrência de flagrante ilegalidade consistente no bis in idem. 14. A materialidade, a autoria e o dolo do delito de tráfico internacional de drogas foram comprovados por documentos, depoimentos de testemunhas e interrogatório de um dos réus, evidenciando que os acusados, de forma consciente e em comunhão de vontades, praticaram o crime. 15. Majoração da pena-base considerando a natureza e quantidade do entorpecente apreendido, circunstância preponderante nos termos do art. 42 da Lei nº 11.343/2006, bem como a elevada culpabilidade dos acusados. 16. Quanto ao cálculo da pena, não se trata de simples operação aritmética, levando-se em conta as penas mínima e máxima cominadas ao delito ora examinado, mas do exercício de discricionariedade vinculada, sopesando-se cada vetor previsto na legislação pátria. Precedentes das Cortes Superiores. 17. Incide a causa de aumento de pena prevista no inciso I do art. 40 da Lei nº 11.343/2006, pois está bem demonstrado nos autos que se tratava de tráfico transnacional de drogas. O aumento da pena na fração de 1/6 (um sexto) é razoável e condizente com a orientação firmada nesta Turma. 18. Inaplicável a causa de diminuição de pena prevista no § 4º do art. 33 da Lei nº 11.343/2006, uma vez que não foram preenchidos os requisitos legais. 19. Apelação do MPF conhecida em parte e, nesta, parcialmente provida. Preliminar de dupla imputação dos fatos acolhida e concedida ordem de habeas corpus para o trancamento da ação penal apenas quanto ao crime de associação para o tráfico internacional de drogas (art. 35 da Lei nº 11.343/2006), com fundamento no art. 654, § 2º, do Código de Processo Penal, demais alegações preliminares rejeitadas e, no mérito, apelação da defesa parcialmente provida.
Decisão
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Décima Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, NÃO CONHECER de parte da apelação do Ministério Público Federal e, na parte conhecida, DAR-LHE PARCIAL PROVIMENTO para majorar as penas-bases impostas aos réus; ACOLHER a preliminar de dupla imputação dos fatos e CONCEDER ordem de habeas corpus para o trancamento da ação penal tão somente no que tange ao crime de associação para o tráfico internacional de drogas, com fundamento no art. 654, § 2º, do Código de Processo Penal, ante a ocorrência de flagrante ilegalidade consistente no bis in idem, REJEITAR as demais alegações preliminares e, no mérito, DAR PARCIAL PROVIMENTO à apelação da defesa para reduzir o patamar de aplicação da majorante do art. 40, I, da Lei nº 11.343/2006 para 1/6 (um sexto), fixando as penas, definitivamente, em 10 (anos), 2 (dois) meses e 15 (quinze) dias de reclusão, em regime inicial fechado, e 1.020 (mil e vinte) dias-multa, no valor unitário de 1/2 (metade) do salário mínimo vigente ao tempo dos fatos, para cada réu, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Data do Julgamento : 12/03/2019
Data da Publicação : 18/03/2019
Classe/Assunto : Ap. - APELAÇÃO CRIMINAL - 65993
Órgão Julgador : DÉCIMA PRIMEIRA TURMA
Relator(a) : DESEMBARGADOR FEDERAL NINO TOLDO
Comarca : TRIBUNAL - TERCEIRA REGIÃO
Tipo : Acórdão
Referência legislativa : ***** LDR-06 LEI DE DROGAS LEG-FED LEI-11343 ANO-2006 ART-33 PAR-4 ART-40 INC-1 ART-42 ART-35 LEG-FED DEC-6747 ANO-2009 LEG-FED LEI-9296 ANO-1996 ART-2 INC-2 ***** CF-1988 CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 LEG-FED ANO-1988 ART-93 INC-9 ***** CPP-41 CÓDIGO DE PROCESSO PENAL LEG-FED DEL-3689 ANO-1941 ART-41 ART-654 PAR-2
Fonte da publicação : e-DJF3 Judicial 1 DATA:18/03/2019 ..FONTE_REPUBLICACAO:
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