TRF3 0008596-39.2017.4.03.6181 00085963920174036181
PENAL. PROCESSUAL. APELAÇÕES CRIMINAIS. ACUSAÇÃO DE MAUS-TRATOS CONTRA
SETE DOS PASSERIFORMES APREENDIDOS EM PODER DO RÉU. CRIME DO ARTIGO 32 DA LEI
9.605/98. ABSOLVIÇÃO MANTIDA POR INSUFICIÊNCIA DE PROVAS DA MATERIALIDADE E
AUTORIA DELITIVAS, BEM COMO DE SEU ELEMENTO SUBJETIVO ESPECÍFICO. PRINCÍPIO
JURÍDICO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA. ARTIGO 386, VII, DO CÓDIGO DE
PROCESSO PENAL. APREENSÃO DE VINTE E SEIS PÁSSAROS SILVESTRES IRREGULARMENTE
MANTIDOS EM CATIVEIRO DOMICILIAR PELO ACUSADO. USO INDEVIDO DE DUAS ANILHAS
DO IBAMA PELO RÉU, SABIDAMENTE, ADULTERADAS. DELITOS IMPUTADOS NA DENÚNCIA
DEVIDAMENTE TIPIFICADOS NO ARTIGO 29, § 1º, III, DA LEI 9.605/98, E NO
ARTIGO 296, § 1º, III, DO CÓDIGO PENAL, EM CONCURSO MATERIAL. PRINCÍPIO
DA CONSUNÇÃO NÃO APLICÁVEL NO CASO CONCRETO. AUSÊNCIA DE CONFLITO
APARENTE DE NORMAS. MATERIALIDADE E AUTORIA SUFICIENTEMENTE COMPROVADAS,
À MÍNGUA DE ERRO SOBRE OS ELEMENTOS DO TIPO OU TAMPOUCO SOBRE A ILICITUDE
DO FATO (SEJA INEVITÁVEL, SEJA EVITÁVEL). DOLO CONFIGURADO. DOSIMETRIA E
SUBSTITUIÇÃO DA SOMA DAS PENAS CORPORAIS APLICADAS AO RÉU, PRESERVANDO-SE
O REGIME INICIAL ABERTO, POR DUAS RESTRITIVAS DE DIREITOS. REDUÇÃO
PROPORCIONAL DAS PENAS-BASE DO ACUSADO, COMO NECESSÁRIO E SUFICIENTE
À PREVENÇÃO E REPRESSÃO DO DELITO DO ARTIGO 29, § 1º, III, DA LEI
9.605/98, MANTIDAS, TODAVIA, ACIMA DO MÍNIMO LEGAL, NA FORMA DO ARTIGO
59, CAPUT, DO CÓDIGO PENAL, E DO ARTIGO 6º DA LEI 9.605/98, VALORANDO
NEGATIVAMENTE APENAS A EXPRESSIVA QUANTIDADE DE PASSERIFORMES APREENDIDOS
(EXASPERAÇÃO CORRESPONDENTE A SOMENTE UM SEXTO). REDUÇÃO, EM UM TERÇO,
DAS NOVAS PENAS-BASE DO ACUSADO NO TOCANTE AO DELITO AMBIENTAL EM COMENTO,
AINDA QUE EX OFFICIO, EM RAZÃO DA PRESENÇA DAS ATENUANTES PREVISTAS NO
ARTIGO 65, III, "D", DO CÓDIGO PENAL, E NO ARTIGO 14, IV, DA LEI 9.605/98,
ALCANÇANDO O MÍNIMO PATAMAR LEGAL, NOS LIMITES DA SÚMULA 231 DO STJ. CAUSA
ESPECIAL DE AUMENTO DE PENA DO ARTIGO 29, § 4º, I, DA LEI 9.605/98, NÃO
INCIDENTE NA HIPÓTESE. ESPÉCIE DA FAUNA SILVESTRE MERAMENTE MENCIONADA NO
APÊNDICE II DA CITES, PORTANTO, SEM NECESSARIAMENTE SE ENCONTRAR ATUALMENTE
EM PERIGO DE EXTINÇÃO (SEJA EM ÂMBITO INTERNACIONAL, NACIONAL OU ESTADUAL),
EMBORA, EVENTUALMENTE, POSSA CHEGAR A ESSA SITUAÇÃO NO FUTURO. APELOS DA
ACUSAÇÃO E DA DEFESA PARCIALMENTE PROVIDOS.
1. Em suas razões recursais (fls. 124/128), o Ministério Público Federal
pleiteia a reforma parcial da r. sentença, para condenar FLAVIO DE SOUZA,
também, pelos crimes previstos no artigo 32 da Lei 9.605/98 e no artigo 296,
§ 1º, III, do Código Penal, aplicando-lhe, ademais, a causa especial de
aumento de pena descrita no artigo 29, § 4º, I, da Lei 9.605/98.
2. Já a defesa de FLAVIO DE SOUZA, em suas razões recursais (fls. 151/155),
pleiteia a reforma parcial da r. sentença, para que seja o réu absolvido
do delito previsto no artigo 29, § 1º, III, da Lei 9.605/98, por suposto
erro inevitável sobre a ilicitude do fato (artigo 21 do Código Penal),
na medida em que à época dos fatos desconhecia, em tese, a necessidade de
autorização do IBAMA para manter em cativeiro domiciliar as aves silvestres
objeto de apreensão, por ele encontradas em um terreno baldio próximo à
sua residência, e, subsidiariamente, para que lhe seja fixada pena-base no
mínimo patamar legal ou o mais próximo possível ao mínimo, à luz do
princípio da proporcionalidade, aplicando-lhe, na sequência, a causa de
diminuição de pena prevista no artigo 21, parágrafo único, do Código
Penal, em razão de alegado erro evitável sobre a ilicitude do fato.
3. Diversamente do pugnado pela acusação no tocante à imputação
delitiva descrita no artigo 32 da Lei 9.605/98, não ficou suficientemente
demonstrado nos autos que o acusado tenha, de fato, realizado qualquer dos
núcleos do tipo incriminador de maus-tratos, razão pela qual mantenho a
sentença absolutória nesse ponto, em observância ao princípio jurídico
da presunção de inocência (in dubio pro reo), com fundamento no artigo
386, VII, do Código de Processo Penal, considerando as observações
inconclusivas do Parecer Técnico do CRAS-PET relativamente à presença de
maus-tratos em pássaros da fauna silvestre (fls. 47/48), o qual veio a ser
encaminhado à Delegacia de Polícia Federal tão somente em 05/06/2017,
vale dizer, após mais de seis meses da data da apreensão dos referidos
passeriformes (04/11/2016 - fl. 51). Tampouco restou caracterizada no caso
concreto a necessária presença do elemento subjetivo específico do delito
em comento consistente na vontade de maltratar o animal, agindo com crueldade,
por qualquer motivo, inclusive puro sadismo.
4. A despeito da posição adotada pela magistrada sentenciante às
fls. 118v-119 da r. sentença e em consonância com o apelo ministerial neste
ponto, não há de se falar em conflito aparente de normas entre os tipos
penais descritos no artigo 296, § 1º, III, do Código Penal (uso indevido
de anilhas do IBAMA falsificadas por adulteração) e no artigo 29, § 1º,
III, da Lei 9.605/98 (guarda irregular de pássaros silvestres, sem a devida
permissão, licença ou autorização da autoridade competente), a resultar
em equivocada absorção do primeiro (suposto delito-meio) pelo segundo
(pretenso delito-fim), sendo de rigor o seu afastamento. Cumpre observar que
os tipos penais em epígrafe tutelam bens jurídicos distintos (o primeiro,
a fé pública; o segundo, o meio ambiente ecologicamente equilibrado,
destacadamente, a fauna silvestre), além de decorrerem de condutas diversas
e autônomas, razão pela qual não se vislumbra, na presente hipótese,
a incidência do princípio da consunção.
5. Ademais, ao contrário do sustentado pela defesa e em sintonia com o
pugnado pela acusação neste ponto, os elementos de cognição demonstram
que o criador amador FLAVIO DE SOUZA, de forma livre e consciente,
mantinha, irregularmente, em cativeiro domiciliar, 26 (vinte e seis)
pássaros silvestres, consistentes em 01 (um) sabiá-de-coleira (Turdus
albicolis), 03 (três) coleirinha (Sporophila caerulescens), 02 (dois) cardeal
(Paroaria coronata), 08 (oito) canário-da-terra (Sicalis flaveola ssp.),
06 (seis) picharro (Saltator similis), 02 (dois) sabiá-laranjeira (Turdus
rufiventris), 01 (um) brejal (Sporophila albogularis), 01 (um) garibaldi
(Chrysomus ruficapillus), 01 (um) corrupião (Icterus jamacaii) e 01 (um)
sabiá-ferreiro (Turdus subalaris), sem estarem devidamente anilhados
(vinte e quatro deles desprovidos de quaisquer anilhas identificadoras,
e dois deles portando anilhas do IBAMA adulteradas), todos em desacordo com
eventual licença, permissão ou autorização obtida de órgão ambiental
competente, nos termos da Instrução Normativa IBAMA n. 10/2011, os quais
vieram a ser apreendidos por policiais militares ambientais, em 04/11/2016,
na própria residência do acusado, no Município de São Paulo/SP, além
de incorrer, também de maneira livre e consciente, no uso indevido de 02
(duas) anilhas do IBAMA adulteradas (uma por corte e outra por alargamento),
constantes nos tarsos de 02 (dois) dos 26 (vinte e seis) passeriformes objeto
da mesma autuação ambiental [anilhas IBAMA "OA 2,2 201839" (coleirinha)
e "OA 4,0 100290" (sabiá-de-coleira)].
6. De fato, restaram suficientemente comprovadas a materialidade e autoria
delitivas, assim como o dolo do réu, no mínimo eventual, em relação à
prática dos delitos previstos no artigo 296, § 1º, III, do Código Penal,
e no artigo 29, § 1º, III, da Lei 9.605/98, em concurso material, não
se olvidando da natureza diversa dos bens jurídicos penalmente tutelados
em cada um dos tipos penais em comento, respectivamente, a fé pública e a
proteção ao meio ambiente (destacadamente, a fauna silvestre), à míngua
de qualquer das causas de absolvição previstas no artigo 386 do Código
de Processo Penal.
7. Tampouco há de se cogitar erro sobre a ilicitude do fato (seja inevitável,
seja evitável) ou sobre os elementos do tipo, ou mesmo eventual excludente
de culpabilidade, incompatível com o presente contexto delitivo, cujas
circunstâncias não autorizam a concessão do perdão judicial previsto no
artigo 29, § 2º, da Lei 9.605/98, inclusive, pela expressiva quantidade de
aves silvestres irregularmente mantidas em cativeiro domiciliar pelo acusado.
8. O réu foi inicialmente condenado a 08 (oito) meses de detenção, em
regime inicial aberto, e 126 (cento e vinte e seis) dias-multa, no valor
unitário de um trigésimo do salário mínimo vigente à época dos fatos,
pela prática delitiva descrito no artigo 29, § 1º, III, da Lei 9.605/98,
substituída a pena corporal aplicada por uma única restritiva de direitos
consistente em prestação de serviços à comunidade ou a entidades
públicas, a ser cumprida, na forma dos artigos 46 e 55 do Código Penal,
de acordo com as condições do Juízo das Execuções Penais, conforme se
depreende da r. sentença de fls. 116/120.
9. Em relação ao delito do artigo 296, § 1º, III, do Código Penal,
fixou-se definitivamente a pena privativa de liberdade de "FLAVIO" em 02
(dois) anos de reclusão, e 10 (dez) dias-multa, no valor unitário de 1/30
(um trigésimo) do salário mínimo vigente à época dos fatos, portanto, no
mínimo patamar legal, na forma dos artigos 68 e 49, ambos do Código Penal.
10. Já no que se refere ao crime ambiental previsto no artigo 29, § 1º, III,
da Lei 9.605/98, reduziram-se proporcionalmente as penas-base do acusado para
apenas 07 (sete) meses de detenção, e 11 (dez) dias-multa (exasperação
correspondente a somente um sexto), como necessário e suficiente para
repressão e prevenção do delito em comento in caso, na forma do artigo
59, caput, do Código Penal, e do artigo 6º da Lei 9.605/98, valorando
negativamente apenas as circunstâncias do referido crime, em virtude da
expressiva quantidade de pássaros silvestres apreendidos em seu poder,
a saber, 26 (vinte) exemplares, em atendimento ao pleito subsidiário
da defesa, inclusive, em sintonia nesse ponto com o parecer da própria
Procuradoria Regional da República (fls. 165-v/166), à luz do princípio da
proporcionalidade. Na segunda fase da dosimetria, reconheceu-se, de ofício,
a presença das atenuantes previstas no artigo 65, inciso III, "d", do Código
Penal, e no artigo 14, IV, da Lei 9.605/98, razão pela qual, à míngua
de quaisquer agravantes, as novas penas-base vieram a ser reduzidas em 1/3
(um terço), resultando nas sanções intermediárias de 06 (seis) meses
de detenção, e 10 (dez) dias-multa, nos limites da Súmula 231 do STJ. Na
terceira fase da dosimetria de pena, a despeito do pugnado pela acusação,
não se vislumbrou nestes autos a incidência da causa de aumento especial
prevista no artigo 29, § 4º, I, da Lei 9.605/98, porquanto nenhuma das
aves silvestres apreendidas em poder do réu seja tecnicamente "espécie
considerada ameaçada de extinção", inclusive, os 02 (dois) exemplares de
cardeal (Paroaria coronata), os quais, de acordo com o próprio Laudo Pericial
Federal n. 1325/2017 (fl. 31), não integram as listas oficiais de espécies da
fauna silvestre "ameaçadas de extinção" no país, seja em âmbito nacional
ou estadual, na forma do Anexo I da Portaria MMA n. 444, de 17 de dezembro
de 2015, bem como do Anexo I do Decreto Estadual n. 56.031, de 20 de julho
de 2010, nada obstante sua mera citação no Apêndice II da Convenção
sobre Comércio Internacional das Espécies da Flora e Fauna Selvagens em
Perigo de Extinção (CITES), portanto, sem necessariamente se encontrar
atualmente em perigo de extinção, embora, eventualmente, possa chegar a
essa situação no futuro. Na ausência de quaisquer causas de aumento ou
diminuição, fixou-se definitivamente a nova pena privativa de liberdade de
"FLAVIO" em 06 (seis) meses de detenção, e 10 (dez) dias-multa, no valor
unitário de um trigésimo do salário mínimo vigente à época dos fatos,
pela prática do delito capitulado no artigo 29, § 1º, III, da Lei 9.605/98.
11. Com efeito, as penas corporais definitivas dos delitos previstos no
artigo 29, § 1º, III, da Lei 9.605/98, e no artigo 296, § 1º, III, do
Código Penal, devem ser somadas, em concurso material, à vista do artigo
69 do Código Penal, perfazendo o total de 02 (dois) anos e 06 (seis) meses
de reclusão/detenção (executando-se primeiro a pena de reclusão). Nos
termos do artigo 33, §2º, "c", e § 3º, do Código Penal, preservou-se
o regime prisional inicial aberto. Ademais, no concurso de crimes, as penas
de multa são aplicadas distinta e integralmente, na forma do artigo 72 do
Código Penal.
12. Por fim, na forma do artigo 44, § 2º, segunda parte, do Código Penal,
e do artigo 8º da Lei 9.605/98, substituiu-se a soma das penas privativas de
liberdade impostas ao acusado por duas restritivas de direitos, consistentes
em prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas, pelo
mesmo prazo da soma das penas corporais substituídas, e em prestação
pecuniária no valor de 01 (um) salário-mínimo, destinada à União Federal.
13. Apelos da acusação e da defesa parcialmente providos.
Ementa
PENAL. PROCESSUAL. APELAÇÕES CRIMINAIS. ACUSAÇÃO DE MAUS-TRATOS CONTRA
SETE DOS PASSERIFORMES APREENDIDOS EM PODER DO RÉU. CRIME DO ARTIGO 32 DA LEI
9.605/98. ABSOLVIÇÃO MANTIDA POR INSUFICIÊNCIA DE PROVAS DA MATERIALIDADE E
AUTORIA DELITIVAS, BEM COMO DE SEU ELEMENTO SUBJETIVO ESPECÍFICO. PRINCÍPIO
JURÍDICO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA. ARTIGO 386, VII, DO CÓDIGO DE
PROCESSO PENAL. APREENSÃO DE VINTE E SEIS PÁSSAROS SILVESTRES IRREGULARMENTE
MANTIDOS EM CATIVEIRO DOMICILIAR PELO ACUSADO. USO INDEVIDO DE DUAS ANILHAS
DO IBAMA PELO RÉU, SABIDAMENTE, ADULTERADAS. DELITOS IMPUTADOS NA DENÚNCIA
DEVIDAMENTE TIPIFICADOS NO ARTIGO 29, § 1º, III, DA LEI 9.605/98, E NO
ARTIGO 296, § 1º, III, DO CÓDIGO PENAL, EM CONCURSO MATERIAL. PRINCÍPIO
DA CONSUNÇÃO NÃO APLICÁVEL NO CASO CONCRETO. AUSÊNCIA DE CONFLITO
APARENTE DE NORMAS. MATERIALIDADE E AUTORIA SUFICIENTEMENTE COMPROVADAS,
À MÍNGUA DE ERRO SOBRE OS ELEMENTOS DO TIPO OU TAMPOUCO SOBRE A ILICITUDE
DO FATO (SEJA INEVITÁVEL, SEJA EVITÁVEL). DOLO CONFIGURADO. DOSIMETRIA E
SUBSTITUIÇÃO DA SOMA DAS PENAS CORPORAIS APLICADAS AO RÉU, PRESERVANDO-SE
O REGIME INICIAL ABERTO, POR DUAS RESTRITIVAS DE DIREITOS. REDUÇÃO
PROPORCIONAL DAS PENAS-BASE DO ACUSADO, COMO NECESSÁRIO E SUFICIENTE
À PREVENÇÃO E REPRESSÃO DO DELITO DO ARTIGO 29, § 1º, III, DA LEI
9.605/98, MANTIDAS, TODAVIA, ACIMA DO MÍNIMO LEGAL, NA FORMA DO ARTIGO
59, CAPUT, DO CÓDIGO PENAL, E DO ARTIGO 6º DA LEI 9.605/98, VALORANDO
NEGATIVAMENTE APENAS A EXPRESSIVA QUANTIDADE DE PASSERIFORMES APREENDIDOS
(EXASPERAÇÃO CORRESPONDENTE A SOMENTE UM SEXTO). REDUÇÃO, EM UM TERÇO,
DAS NOVAS PENAS-BASE DO ACUSADO NO TOCANTE AO DELITO AMBIENTAL EM COMENTO,
AINDA QUE EX OFFICIO, EM RAZÃO DA PRESENÇA DAS ATENUANTES PREVISTAS NO
ARTIGO 65, III, "D", DO CÓDIGO PENAL, E NO ARTIGO 14, IV, DA LEI 9.605/98,
ALCANÇANDO O MÍNIMO PATAMAR LEGAL, NOS LIMITES DA SÚMULA 231 DO STJ. CAUSA
ESPECIAL DE AUMENTO DE PENA DO ARTIGO 29, § 4º, I, DA LEI 9.605/98, NÃO
INCIDENTE NA HIPÓTESE. ESPÉCIE DA FAUNA SILVESTRE MERAMENTE MENCIONADA NO
APÊNDICE II DA CITES, PORTANTO, SEM NECESSARIAMENTE SE ENCONTRAR ATUALMENTE
EM PERIGO DE EXTINÇÃO (SEJA EM ÂMBITO INTERNACIONAL, NACIONAL OU ESTADUAL),
EMBORA, EVENTUALMENTE, POSSA CHEGAR A ESSA SITUAÇÃO NO FUTURO. APELOS DA
ACUSAÇÃO E DA DEFESA PARCIALMENTE PROVIDOS.
1. Em suas razões recursais (fls. 124/128), o Ministério Público Federal
pleiteia a reforma parcial da r. sentença, para condenar FLAVIO DE SOUZA,
também, pelos crimes previstos no artigo 32 da Lei 9.605/98 e no artigo 296,
§ 1º, III, do Código Penal, aplicando-lhe, ademais, a causa especial de
aumento de pena descrita no artigo 29, § 4º, I, da Lei 9.605/98.
2. Já a defesa de FLAVIO DE SOUZA, em suas razões recursais (fls. 151/155),
pleiteia a reforma parcial da r. sentença, para que seja o réu absolvido
do delito previsto no artigo 29, § 1º, III, da Lei 9.605/98, por suposto
erro inevitável sobre a ilicitude do fato (artigo 21 do Código Penal),
na medida em que à época dos fatos desconhecia, em tese, a necessidade de
autorização do IBAMA para manter em cativeiro domiciliar as aves silvestres
objeto de apreensão, por ele encontradas em um terreno baldio próximo à
sua residência, e, subsidiariamente, para que lhe seja fixada pena-base no
mínimo patamar legal ou o mais próximo possível ao mínimo, à luz do
princípio da proporcionalidade, aplicando-lhe, na sequência, a causa de
diminuição de pena prevista no artigo 21, parágrafo único, do Código
Penal, em razão de alegado erro evitável sobre a ilicitude do fato.
3. Diversamente do pugnado pela acusação no tocante à imputação
delitiva descrita no artigo 32 da Lei 9.605/98, não ficou suficientemente
demonstrado nos autos que o acusado tenha, de fato, realizado qualquer dos
núcleos do tipo incriminador de maus-tratos, razão pela qual mantenho a
sentença absolutória nesse ponto, em observância ao princípio jurídico
da presunção de inocência (in dubio pro reo), com fundamento no artigo
386, VII, do Código de Processo Penal, considerando as observações
inconclusivas do Parecer Técnico do CRAS-PET relativamente à presença de
maus-tratos em pássaros da fauna silvestre (fls. 47/48), o qual veio a ser
encaminhado à Delegacia de Polícia Federal tão somente em 05/06/2017,
vale dizer, após mais de seis meses da data da apreensão dos referidos
passeriformes (04/11/2016 - fl. 51). Tampouco restou caracterizada no caso
concreto a necessária presença do elemento subjetivo específico do delito
em comento consistente na vontade de maltratar o animal, agindo com crueldade,
por qualquer motivo, inclusive puro sadismo.
4. A despeito da posição adotada pela magistrada sentenciante às
fls. 118v-119 da r. sentença e em consonância com o apelo ministerial neste
ponto, não há de se falar em conflito aparente de normas entre os tipos
penais descritos no artigo 296, § 1º, III, do Código Penal (uso indevido
de anilhas do IBAMA falsificadas por adulteração) e no artigo 29, § 1º,
III, da Lei 9.605/98 (guarda irregular de pássaros silvestres, sem a devida
permissão, licença ou autorização da autoridade competente), a resultar
em equivocada absorção do primeiro (suposto delito-meio) pelo segundo
(pretenso delito-fim), sendo de rigor o seu afastamento. Cumpre observar que
os tipos penais em epígrafe tutelam bens jurídicos distintos (o primeiro,
a fé pública; o segundo, o meio ambiente ecologicamente equilibrado,
destacadamente, a fauna silvestre), além de decorrerem de condutas diversas
e autônomas, razão pela qual não se vislumbra, na presente hipótese,
a incidência do princípio da consunção.
5. Ademais, ao contrário do sustentado pela defesa e em sintonia com o
pugnado pela acusação neste ponto, os elementos de cognição demonstram
que o criador amador FLAVIO DE SOUZA, de forma livre e consciente,
mantinha, irregularmente, em cativeiro domiciliar, 26 (vinte e seis)
pássaros silvestres, consistentes em 01 (um) sabiá-de-coleira (Turdus
albicolis), 03 (três) coleirinha (Sporophila caerulescens), 02 (dois) cardeal
(Paroaria coronata), 08 (oito) canário-da-terra (Sicalis flaveola ssp.),
06 (seis) picharro (Saltator similis), 02 (dois) sabiá-laranjeira (Turdus
rufiventris), 01 (um) brejal (Sporophila albogularis), 01 (um) garibaldi
(Chrysomus ruficapillus), 01 (um) corrupião (Icterus jamacaii) e 01 (um)
sabiá-ferreiro (Turdus subalaris), sem estarem devidamente anilhados
(vinte e quatro deles desprovidos de quaisquer anilhas identificadoras,
e dois deles portando anilhas do IBAMA adulteradas), todos em desacordo com
eventual licença, permissão ou autorização obtida de órgão ambiental
competente, nos termos da Instrução Normativa IBAMA n. 10/2011, os quais
vieram a ser apreendidos por policiais militares ambientais, em 04/11/2016,
na própria residência do acusado, no Município de São Paulo/SP, além
de incorrer, também de maneira livre e consciente, no uso indevido de 02
(duas) anilhas do IBAMA adulteradas (uma por corte e outra por alargamento),
constantes nos tarsos de 02 (dois) dos 26 (vinte e seis) passeriformes objeto
da mesma autuação ambiental [anilhas IBAMA "OA 2,2 201839" (coleirinha)
e "OA 4,0 100290" (sabiá-de-coleira)].
6. De fato, restaram suficientemente comprovadas a materialidade e autoria
delitivas, assim como o dolo do réu, no mínimo eventual, em relação à
prática dos delitos previstos no artigo 296, § 1º, III, do Código Penal,
e no artigo 29, § 1º, III, da Lei 9.605/98, em concurso material, não
se olvidando da natureza diversa dos bens jurídicos penalmente tutelados
em cada um dos tipos penais em comento, respectivamente, a fé pública e a
proteção ao meio ambiente (destacadamente, a fauna silvestre), à míngua
de qualquer das causas de absolvição previstas no artigo 386 do Código
de Processo Penal.
7. Tampouco há de se cogitar erro sobre a ilicitude do fato (seja inevitável,
seja evitável) ou sobre os elementos do tipo, ou mesmo eventual excludente
de culpabilidade, incompatível com o presente contexto delitivo, cujas
circunstâncias não autorizam a concessão do perdão judicial previsto no
artigo 29, § 2º, da Lei 9.605/98, inclusive, pela expressiva quantidade de
aves silvestres irregularmente mantidas em cativeiro domiciliar pelo acusado.
8. O réu foi inicialmente condenado a 08 (oito) meses de detenção, em
regime inicial aberto, e 126 (cento e vinte e seis) dias-multa, no valor
unitário de um trigésimo do salário mínimo vigente à época dos fatos,
pela prática delitiva descrito no artigo 29, § 1º, III, da Lei 9.605/98,
substituída a pena corporal aplicada por uma única restritiva de direitos
consistente em prestação de serviços à comunidade ou a entidades
públicas, a ser cumprida, na forma dos artigos 46 e 55 do Código Penal,
de acordo com as condições do Juízo das Execuções Penais, conforme se
depreende da r. sentença de fls. 116/120.
9. Em relação ao delito do artigo 296, § 1º, III, do Código Penal,
fixou-se definitivamente a pena privativa de liberdade de "FLAVIO" em 02
(dois) anos de reclusão, e 10 (dez) dias-multa, no valor unitário de 1/30
(um trigésimo) do salário mínimo vigente à época dos fatos, portanto, no
mínimo patamar legal, na forma dos artigos 68 e 49, ambos do Código Penal.
10. Já no que se refere ao crime ambiental previsto no artigo 29, § 1º, III,
da Lei 9.605/98, reduziram-se proporcionalmente as penas-base do acusado para
apenas 07 (sete) meses de detenção, e 11 (dez) dias-multa (exasperação
correspondente a somente um sexto), como necessário e suficiente para
repressão e prevenção do delito em comento in caso, na forma do artigo
59, caput, do Código Penal, e do artigo 6º da Lei 9.605/98, valorando
negativamente apenas as circunstâncias do referido crime, em virtude da
expressiva quantidade de pássaros silvestres apreendidos em seu poder,
a saber, 26 (vinte) exemplares, em atendimento ao pleito subsidiário
da defesa, inclusive, em sintonia nesse ponto com o parecer da própria
Procuradoria Regional da República (fls. 165-v/166), à luz do princípio da
proporcionalidade. Na segunda fase da dosimetria, reconheceu-se, de ofício,
a presença das atenuantes previstas no artigo 65, inciso III, "d", do Código
Penal, e no artigo 14, IV, da Lei 9.605/98, razão pela qual, à míngua
de quaisquer agravantes, as novas penas-base vieram a ser reduzidas em 1/3
(um terço), resultando nas sanções intermediárias de 06 (seis) meses
de detenção, e 10 (dez) dias-multa, nos limites da Súmula 231 do STJ. Na
terceira fase da dosimetria de pena, a despeito do pugnado pela acusação,
não se vislumbrou nestes autos a incidência da causa de aumento especial
prevista no artigo 29, § 4º, I, da Lei 9.605/98, porquanto nenhuma das
aves silvestres apreendidas em poder do réu seja tecnicamente "espécie
considerada ameaçada de extinção", inclusive, os 02 (dois) exemplares de
cardeal (Paroaria coronata), os quais, de acordo com o próprio Laudo Pericial
Federal n. 1325/2017 (fl. 31), não integram as listas oficiais de espécies da
fauna silvestre "ameaçadas de extinção" no país, seja em âmbito nacional
ou estadual, na forma do Anexo I da Portaria MMA n. 444, de 17 de dezembro
de 2015, bem como do Anexo I do Decreto Estadual n. 56.031, de 20 de julho
de 2010, nada obstante sua mera citação no Apêndice II da Convenção
sobre Comércio Internacional das Espécies da Flora e Fauna Selvagens em
Perigo de Extinção (CITES), portanto, sem necessariamente se encontrar
atualmente em perigo de extinção, embora, eventualmente, possa chegar a
essa situação no futuro. Na ausência de quaisquer causas de aumento ou
diminuição, fixou-se definitivamente a nova pena privativa de liberdade de
"FLAVIO" em 06 (seis) meses de detenção, e 10 (dez) dias-multa, no valor
unitário de um trigésimo do salário mínimo vigente à época dos fatos,
pela prática do delito capitulado no artigo 29, § 1º, III, da Lei 9.605/98.
11. Com efeito, as penas corporais definitivas dos delitos previstos no
artigo 29, § 1º, III, da Lei 9.605/98, e no artigo 296, § 1º, III, do
Código Penal, devem ser somadas, em concurso material, à vista do artigo
69 do Código Penal, perfazendo o total de 02 (dois) anos e 06 (seis) meses
de reclusão/detenção (executando-se primeiro a pena de reclusão). Nos
termos do artigo 33, §2º, "c", e § 3º, do Código Penal, preservou-se
o regime prisional inicial aberto. Ademais, no concurso de crimes, as penas
de multa são aplicadas distinta e integralmente, na forma do artigo 72 do
Código Penal.
12. Por fim, na forma do artigo 44, § 2º, segunda parte, do Código Penal,
e do artigo 8º da Lei 9.605/98, substituiu-se a soma das penas privativas de
liberdade impostas ao acusado por duas restritivas de direitos, consistentes
em prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas, pelo
mesmo prazo da soma das penas corporais substituídas, e em prestação
pecuniária no valor de 01 (um) salário-mínimo, destinada à União Federal.
13. Apelos da acusação e da defesa parcialmente providos.Decisão
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide
a Egrégia Décima Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região,
por unanimidade, dar provimento parcial aos apelos interpostos pela acusação
e pela defesa de FLAVIO DE SOUZA, para: (i) relativamente ao delito do artigo
29, § 1º, III, da Lei 9.605/98, reduzir-lhe a pena privativa de liberdade
para somente 06 (seis) meses de detenção, e 10 (dez) dias-multa, no valor
unitário de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época dos
fatos; (ii) condenar o referido réu a 02 (dois) anos de reclusão, e 10
(dez) dias-multa, no valor unitário de 1/30 (um trigésimo) do salário
mínimo vigente à época dos fatos, também pela prática do delito contra
a fé pública capitulado no artigo 296, § 1º, III, do Código Penal,
afastando-se a incidência do Princípio da Consunção no caso concreto;
(iii) tendo em vista o concurso material entre os tipos penais em comento,
calcular a soma de suas penas privativas de liberdade em 02 (dois) anos e 06
(seis) meses de reclusão/detenção, em regime inicial aberto, que ficam
substituídas por duas restritivas de direitos, consistentes em prestação
de serviços à comunidade ou a entidades públicas, pelo mesmo prazo da soma
das penas corporais substituídas, e prestação pecuniária no valor de 01
(um) salário-mínimo nos termos do voto do Des. Fed Relator; prosseguindo,
a Turma, por maioria, decidiu destinar a pena de prestação pecuniária em
favor da União Federal, nos termos do voto do Des. Fed. Relator, com quem
votou o Des. Fed. Nino Toldo, vencido o Des. Fed. Fausto De Sanctis que a
destinava em favor de entidade pública ou privada de caráter assistencial
a ser designada pelo Juízo da Execução (art. 45, § 1º, do Código Penal).
Data do Julgamento
:
19/02/2019
Data da Publicação
:
26/02/2019
Classe/Assunto
:
Ap. - APELAÇÃO CRIMINAL - 77342
Órgão Julgador
:
DÉCIMA PRIMEIRA TURMA
Relator(a)
:
DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI
Comarca
:
TRIBUNAL - TERCEIRA REGIÃO
Tipo
:
Acórdão
Referência
legislativa
:
LEG-FED LEI-9605 ANO-1998 ART-6 ART-8 ART-14 INC-4 ART-29 PAR-1 INC-3
PAR-2 PAR-4 INC-1 ART-32
***** CPP-41 CÓDIGO DE PROCESSO PENAL
LEG-FED DEL-3689 ANO-1941 ART-386 INC-7
***** CP-40 CÓDIGO PENAL DE 1940
LEG-FED DEL-2848 ANO-1940 ART-21 PAR-ÚNICO ART-33 PAR-2 LET-C ART-44
PAR-2 ART-45 PAR-1 ART-46 ART-55 ART-59 ART-65 INC-3 LET-D ART-68 ART-69
ART-72 ART-296 PAR-1 INC-3
***** STJ SÚMULA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
LEG-FED SUM-231
LEG-FED PRT-444 ANO-2015
MMA - MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE
LEG-EST DEC-56031 ANO-2010
LEG-FED INT-10 ANO-2010
IBAMA
Fonte da publicação
:
e-DJF3 Judicial 1 DATA:26/02/2019
..FONTE_REPUBLICACAO:
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