TRF3 0008604-71.2008.4.03.6103 00086047120084036103
PENAL E PROCESSO PENAL. EMBARGOS INFRINGENTES. RECONHECIMENTO DA REPERCUSSÃO
GERAL DA QUESTÃO CONSTITUCIONAL DO TEMA DEBATIDO NESTE RECURSO. AUSÊNCIA DE
ORDEM EMANADA DO C. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL DETERMINANDO O SOBRESTAMENTO
DOS FEITOS QUE TRATAM DA TEMÁTICA. POSSIBILIDADE DE ENFRENTAMENTO
DA QUESTÃO. QUEBRA DO SIGILO BANCÁRIO DIRETAMENTE PELA AUTORIDADE
FAZENDÁRIA. POSSIBILIDADE DE COMPARTILHAMENTO DOS ELEMENTOS OBTIDOS PERANTE
O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL SEM QUE, PARA TANTO, TENHA QUE HAVER ORDEM
JUDICIAL AUTORIZATIVA.
- Não se desconhece a existência do reconhecimento de repercussão geral
da questão constitucional debatida nesta senda no bojo do RE 1055941 RG
(Rel. Min. DIAS TOFFOLI, julgado em 12/04/2018, DJe-083 DIVULG 27-04-2018
PUBLIC 30-04-2018 - Tema 990). Todavia, analisando a r. decisão que
assentou a repercussão geral no Recurso Extraordinário mencionado, não
se nota determinação emanada do Eminente Ministro Relator no sentido de
se suspender o processamento de todos os processos pendentes que versem
sobre a questão em tramitação no território nacional (art. 1.035, §
5º, do Código de Processo Civil, aplicável a este feito ante a regência
supletiva consagrada no art. 3º do Código de Processo Penal), de modo que
perfeitamente possível o enfrentamento da matéria.
- A questão afeta ao levantamento do sigilo inerente aos dados bancários
decorre da proteção constitucional dispensada à privacidade, erigida à
categoria de direito fundamental do cidadão (art. 5º, X, da Constituição
Federal), previsão esta que objetiva proteger o cidadão da atuação
indevida estatal (e até mesmo do particular, sob o pálio da aplicação
horizontal dos direitos fundamentais) no âmbito de sua esfera pessoal.
- O direito ora em comento não pode ser interpretado como absoluto, de modo
a figurar como uma salvaguarda a práticas delitivas, podendo, assim, ceder
diante do caso concreto quando aplicável aspectos atinentes à ponderação
de interesses constitucionais em jogo no caso concreto. Desta forma, ainda
que se proteja a privacidade inerente aos dados bancários do cidadão,
justamente porque não há que se falar em direitos fundamentais absolutos,
mostra-se plenamente possível o afastamento da proteção que recai sobre
esse interesse individual a fim de que prevaleça no caso concreto outro
interesse, também constitucionalmente valorizado, que, no mais das vezes,
mostra-se titularizado por uma coletividade ou por toda a sociedade.
- Lançando mão da mencionada ponderação de interesses entre direitos com
assento constitucional, mostra-se possível o afastamento do sigilo bancário
(protegido pelo direito fundamental à privacidade) nas hipóteses em que se
vislumbra a ocorrência de prática atentatória aos interesses fazendários,
vale dizer, atos que redundem em supressão e em omissão de tributos a
prejudicar o implemento de políticas públicas e de planos governamentais (que
alcançam e que são de interesse de toda a sociedade, culminando na atuação
estatal materializada na atividade arrecadatória), cabendo destacar que ficou
a cargo da Lei Complementar nº 105/2001 disciplinar as situações em que
lícita a ocorrência do afastamento do direito fundamental ora em comento.
- A Lei Complementar nº 105/2001, em seu art. 6º, disciplina a possibilidade
de atuação da autoridade fazendária com o desiderato de obtenção de
documentos bancários diretamente de instituições financeiras, sem a
necessidade de ordem judicial nesse sentido, desde que cumpridos os ditames
constantes do comando legal, para o fim de apuração da ocorrência de
obrigação tributária não adimplida pelo sujeito passivo da relação
jurídica tributária, permitindo, assim, a constituição do crédito
tributário não declarado.
- A questão que se põe guarda relação com a possibilidade de
compartilhamento desses dados obtidos pela administração fazendária
diretamente das instituições bancárias (o que caracterizaria quebra de
sigilo bancário supedaneada na Lei Complementar indicada) com órgão
de persecução penal a fim de que fosse possível a instauração de
investigação (e de posterior ação penal) com o objetivo de aferir a
eventual prática de infração penal perpetrada contra a ordem tributária
(especialmente, das condutas típicas descritas na Lei nº 8.137, de 27 de
dezembro de 1990).
- O C. Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento do RE 601314
(Rel. Min. EDSON FACHIN, Tribunal Pleno, julgado em 24/02/2016, ACÓRDÃO
ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-198 DIVULG 15-09-2016 PUBLIC
16-09-2016), cuja observância se mostra obrigatória ante o reconhecimento
da repercussão geral da questão constitucional, firmou posicionamento no
sentido de que o art. 6º da Lei Complementar 105/01 não ofende o direito
ao sigilo bancário, pois realiza a igualdade em relação aos cidadãos, por
meio do princípio da capacidade contributiva, bem como estabelece requisitos
objetivos e o translado do dever de sigilo da esfera bancária para a fiscal
(uma das teses firmadas atinente ao Tema 225/STF).
- Seria possível cogitar-se de que o precedente acima mencionado somente
teria aplicação na senda tributária (ou seja, para fins de constituição
da obrigação tributária), sem a possibilidade de compartilhamento das
informações bancárias obtidas para fins processuais penais (atinente a
eventual prática ofensiva à ordem tributária). Todavia, tal entendimento
não merece prevalência na justa medida em que o próprio C. Supremo Tribunal
Federal já teve a oportunidade de declarar válido o compartilhamento de
informações financeiras, obtidas pela quebra diretamente promovida pela
autoridade da administração tributária, com o órgão de persecução
penal estatal para que tais provas sirvam de elementos a configurar crime
contra a ordem tributária (RE 1041272 AgR, Rel. Min. ROBERTO BARROSO,
Primeira Turma, julgado em 22/09/2017, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-227 DIVULG
03-10-2017 PUBLIC 04-10-2017).
- Assim, imperioso o reconhecimento da licitude da prova obtida mediante
a requisição de informações bancárias diretamente pelo Fisco às
instituições financeiras, podendo, sem qualquer problema, haver o
compartilhamento de tais elementos probatórios para fins de instauração
de relação processual penal em que investigada a prática de infração
à ordem tributária, motivo pelo qual devem ser refutados os argumentos
expendidos nestes embargos infringentes.
- Negado provimento aos embargos infringentes.
Ementa
PENAL E PROCESSO PENAL. EMBARGOS INFRINGENTES. RECONHECIMENTO DA REPERCUSSÃO
GERAL DA QUESTÃO CONSTITUCIONAL DO TEMA DEBATIDO NESTE RECURSO. AUSÊNCIA DE
ORDEM EMANADA DO C. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL DETERMINANDO O SOBRESTAMENTO
DOS FEITOS QUE TRATAM DA TEMÁTICA. POSSIBILIDADE DE ENFRENTAMENTO
DA QUESTÃO. QUEBRA DO SIGILO BANCÁRIO DIRETAMENTE PELA AUTORIDADE
FAZENDÁRIA. POSSIBILIDADE DE COMPARTILHAMENTO DOS ELEMENTOS OBTIDOS PERANTE
O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL SEM QUE, PARA TANTO, TENHA QUE HAVER ORDEM
JUDICIAL AUTORIZATIVA.
- Não se desconhece a existência do reconhecimento de repercussão geral
da questão constitucional debatida nesta senda no bojo do RE 1055941 RG
(Rel. Min. DIAS TOFFOLI, julgado em 12/04/2018, DJe-083 DIVULG 27-04-2018
PUBLIC 30-04-2018 - Tema 990). Todavia, analisando a r. decisão que
assentou a repercussão geral no Recurso Extraordinário mencionado, não
se nota determinação emanada do Eminente Ministro Relator no sentido de
se suspender o processamento de todos os processos pendentes que versem
sobre a questão em tramitação no território nacional (art. 1.035, §
5º, do Código de Processo Civil, aplicável a este feito ante a regência
supletiva consagrada no art. 3º do Código de Processo Penal), de modo que
perfeitamente possível o enfrentamento da matéria.
- A questão afeta ao levantamento do sigilo inerente aos dados bancários
decorre da proteção constitucional dispensada à privacidade, erigida à
categoria de direito fundamental do cidadão (art. 5º, X, da Constituição
Federal), previsão esta que objetiva proteger o cidadão da atuação
indevida estatal (e até mesmo do particular, sob o pálio da aplicação
horizontal dos direitos fundamentais) no âmbito de sua esfera pessoal.
- O direito ora em comento não pode ser interpretado como absoluto, de modo
a figurar como uma salvaguarda a práticas delitivas, podendo, assim, ceder
diante do caso concreto quando aplicável aspectos atinentes à ponderação
de interesses constitucionais em jogo no caso concreto. Desta forma, ainda
que se proteja a privacidade inerente aos dados bancários do cidadão,
justamente porque não há que se falar em direitos fundamentais absolutos,
mostra-se plenamente possível o afastamento da proteção que recai sobre
esse interesse individual a fim de que prevaleça no caso concreto outro
interesse, também constitucionalmente valorizado, que, no mais das vezes,
mostra-se titularizado por uma coletividade ou por toda a sociedade.
- Lançando mão da mencionada ponderação de interesses entre direitos com
assento constitucional, mostra-se possível o afastamento do sigilo bancário
(protegido pelo direito fundamental à privacidade) nas hipóteses em que se
vislumbra a ocorrência de prática atentatória aos interesses fazendários,
vale dizer, atos que redundem em supressão e em omissão de tributos a
prejudicar o implemento de políticas públicas e de planos governamentais (que
alcançam e que são de interesse de toda a sociedade, culminando na atuação
estatal materializada na atividade arrecadatória), cabendo destacar que ficou
a cargo da Lei Complementar nº 105/2001 disciplinar as situações em que
lícita a ocorrência do afastamento do direito fundamental ora em comento.
- A Lei Complementar nº 105/2001, em seu art. 6º, disciplina a possibilidade
de atuação da autoridade fazendária com o desiderato de obtenção de
documentos bancários diretamente de instituições financeiras, sem a
necessidade de ordem judicial nesse sentido, desde que cumpridos os ditames
constantes do comando legal, para o fim de apuração da ocorrência de
obrigação tributária não adimplida pelo sujeito passivo da relação
jurídica tributária, permitindo, assim, a constituição do crédito
tributário não declarado.
- A questão que se põe guarda relação com a possibilidade de
compartilhamento desses dados obtidos pela administração fazendária
diretamente das instituições bancárias (o que caracterizaria quebra de
sigilo bancário supedaneada na Lei Complementar indicada) com órgão
de persecução penal a fim de que fosse possível a instauração de
investigação (e de posterior ação penal) com o objetivo de aferir a
eventual prática de infração penal perpetrada contra a ordem tributária
(especialmente, das condutas típicas descritas na Lei nº 8.137, de 27 de
dezembro de 1990).
- O C. Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento do RE 601314
(Rel. Min. EDSON FACHIN, Tribunal Pleno, julgado em 24/02/2016, ACÓRDÃO
ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-198 DIVULG 15-09-2016 PUBLIC
16-09-2016), cuja observância se mostra obrigatória ante o reconhecimento
da repercussão geral da questão constitucional, firmou posicionamento no
sentido de que o art. 6º da Lei Complementar 105/01 não ofende o direito
ao sigilo bancário, pois realiza a igualdade em relação aos cidadãos, por
meio do princípio da capacidade contributiva, bem como estabelece requisitos
objetivos e o translado do dever de sigilo da esfera bancária para a fiscal
(uma das teses firmadas atinente ao Tema 225/STF).
- Seria possível cogitar-se de que o precedente acima mencionado somente
teria aplicação na senda tributária (ou seja, para fins de constituição
da obrigação tributária), sem a possibilidade de compartilhamento das
informações bancárias obtidas para fins processuais penais (atinente a
eventual prática ofensiva à ordem tributária). Todavia, tal entendimento
não merece prevalência na justa medida em que o próprio C. Supremo Tribunal
Federal já teve a oportunidade de declarar válido o compartilhamento de
informações financeiras, obtidas pela quebra diretamente promovida pela
autoridade da administração tributária, com o órgão de persecução
penal estatal para que tais provas sirvam de elementos a configurar crime
contra a ordem tributária (RE 1041272 AgR, Rel. Min. ROBERTO BARROSO,
Primeira Turma, julgado em 22/09/2017, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-227 DIVULG
03-10-2017 PUBLIC 04-10-2017).
- Assim, imperioso o reconhecimento da licitude da prova obtida mediante
a requisição de informações bancárias diretamente pelo Fisco às
instituições financeiras, podendo, sem qualquer problema, haver o
compartilhamento de tais elementos probatórios para fins de instauração
de relação processual penal em que investigada a prática de infração
à ordem tributária, motivo pelo qual devem ser refutados os argumentos
expendidos nestes embargos infringentes.
- Negado provimento aos embargos infringentes.Decisão
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide
a Egrégia Quarta Seção do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por
maioria, NEGAR PROVIMENTO aos embargos infringentes, nos termos do relatório
e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Data do Julgamento
:
19/07/2018
Data da Publicação
:
27/07/2018
Classe/Assunto
:
EIfNu - EMBARGOS INFRINGENTES E DE NULIDADE - 65022
Órgão Julgador
:
QUARTA SEÇÃO
Relator(a)
:
DESEMBARGADOR FEDERAL FAUSTO DE SANCTIS
Comarca
:
TRIBUNAL - TERCEIRA REGIÃO
Tipo
:
Acórdão
Indexação
:
VIDE EMENTA.
Referência
legislativa
:
***** CPC-15 CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015
LEG-FED LEI-13105 ANO-2015 ART-1035 PAR-5
***** CPP-41 CÓDIGO DE PROCESSO PENAL
LEG-FED DEL-3689 ANO-1941 ART-3
***** CF-1988 CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988
LEG-FED ANO-1988 ART-5 INC-10
LEG-FED LCP-105 ANO-2001 ART-6
Observações
:
STF RE 601.314/SP REPERCUSSÃO GERAL TEMA 225.
Fonte da publicação
:
e-DJF3 Judicial 1 DATA:27/07/2018
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