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Jurisprudência


TRF3 0008696-85.2004.4.03.6104 00086968520044036104

Ementa
ADMINISTRATIVO. APELAÇÃO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. CELEBRAÇÃO DE CONVÊNIO PARA RECONSTRUÇÃO DE MORADIAS. TRANSFERÊNCIA DE RECURSOS FEDERAIS PARA MUNICÍPIO. DESVIO DE FINALIDADE NA APLICAÇÃO DOS RECURSOS RECONHECIDO PELO TCU. ATOS DE IMPROBIDADE CARACTERIZADOS. APLICAÇÕES DAS SANÇÕES PREVISTAS NO ART. 12 DA LEI Nº 8.429/92. SUJEIÇÃO DOS AGENTES ÍMPROBOS AO RESSARCIMENTO DOS DANOS CAUSADOS. IMPROVIMENTO DAS APELAÇÕES. 1 - Trata-se de ação civil pública proposta pelo Ministério Público Federal em face de CELSO LUIZ DE FREITAS, W.R. JARDINS E CONSTRUÇÕES LTDA., HERMANN WOLPERT, MAGDALENA ROBERTO DE JESUS VALENTIM, JOSÉ ARAÍ DA SILVA SOARES, LAURO DA SILVA RODRIGUES e ARGENTINO ISMAEL FERREIRA, objetivando o reconhecimento de atos de improbidade decorrentes do descumprimento do Convênio n. 083/97-SEMPRE/MPO, firmado pelo Município de Eldorado/SP com o Governo Federal, para a reconstrução de quinhentas moradias atingidas pelas chuvas de janeiro de 1997 e pela forte cheia do Rio Ribeira. 2 - Não conhecido o agravo retido interposto pelo corréu CELSO LUIZ DE FREITAS, uma vez que não reiterado em sede recursal. 3 - Rejeitado o agravo retido interposto por WR SERVIÇOS AMBIENTAIS LTDA. e HERMANN WOLPERT contra decisão interlocutória que indeferiu o pedido de prova pericial. Não demonstrado pelos corréus o prejuízo decorrente do indeferimento da prova pretendida, sendo, por essa razão, impróprio o reconhecimento da nulidade arguida, em sede de agravo retido, ao fundamento de cerceamento de defesa, por se tratar de prova emprestada. A prova emprestada é perfeitamente possível desde que respeitado o direito de defesa e o contraditório, como ocorrido nos autos. 4 - Afastada a prescrição arguida pelo corréu CELSO LUIZ DE FREITAS. O réu, à época dos fatos, era prefeito municipal da Estância Turística de Eldorado/SP, inserindo-se na hipótese do artigo 23, I da Lei de Improbidade Administrativa, cabendo ao Ministério Público Federal propor a ação de improbidade até 5 (cinco) anos após o término do exercício do mandato. A prática dos atos apontados como ímprobos ocorreram no ano de 1997, por ocasião do seu mandato, que se findou em 31/12/2000, termo a quo para a contagem do lapso prescricional. Tendo esta ação sido proposta em 29/07/2004, não se verifica a ocorrência da prescrição. 5 - Não há que se falar em inobservância ou desrespeito ao princípio da "paridade de armas". A ação de improbidade teve curso regular, sendo observado não só o seu rito específico, como a ampla defesa e o contraditório, concedendo às partes a oportunidade de produzir provas, com o fito de abalar os argumentos despendidos na inicial, especialmente quanto à colheita de prova oral. 6 - Não se vislumbra, na espécie, o alegado tratamento não igualitário entre as partes. Puderam as partes se defender de todas as acusações que lhes foram feitas, bem assim, foram intimadas de todos os atos praticados nos autos, os quais, por sua vez, encontram-se devidamente fundamentados na forma da lei. Houve, inclusive, reiteração de atos probatórios, conforme se depreende da colheita, em duplicidade, dos depoimentos testemunhais, bem como deferidos os pedidos de dilação de prazo, seja para manifestação ou para postulação de produção de provas. 7 - O Ministério Público Federal individualiza as condutas dos corréus Celso Luiz de Freitas, W.R. Jardins e Construções Ltda. e Hermann Wolpert, os quais teriam praticados atos ímprobos ao desviarem-se dos objetivos estabelecidos no Convênio e no objeto licitado, em Tomada de Preços, prestando contas inverídicas para a liberação de verbas federais, bem como desviando materiais para moradores de bairros não atingidos pela enchente. As condutas dos demais corréus, vereadores municipais, Magdalena Roberto de Jesus Valentim, José Araí da Silva Soares, Lauro da Silva Rodrigues e Argentino Ismael Ferreira, foram individualizadas, eis que teriam, igualmente, praticados atos ímprobos, testemunhando entregas de materiais a pessoas que não estariam aptas a tanto, afirmando o recebimento para aqueles que não receberam ditos materiais ou beneficiando eleitores de outras localidades, não abrangidos pela enchente. 8 - A questão de fundo envolve irregularidades procedimentais, iniciada em licitação municipal, que acarretaram na malversação das verbas públicas repassadas pelo Governo Federal ao Município, com o desvirtuamento do objeto do Convênio celebrado. A ação veio instruída com cópia do Convênio firmado com a União Federal, o comprovante do repasse das verbas ao Município, cópia da conclusão final do Tribunal de Contas da União, reconhecendo como irregulares as contas prestadas pelo Município de Eldorado/SP, além de outras provas documentais e orais produzidas no curso da instrução. 9 - O Tribunal de Contas da União ao final da Tomada de Contas Especial, em análise fática ao procedimento adotado, concluiu pelo seu desvirtuamento em face do Convênio celebrado, reconhecendo que houve desvio de finalidade. Infere-se do voto proferido pelo E. Tribunal que a Municipalidade, administrada, à época, pelo corréu Celso Luiz De Freitas em unidade de vontades com o corréu W.R. Jardins e Construções Ltda., além de não cumprir a obrigação a que se propôs junto à administração federal, que seria a reconstrução de residências atingidas pela enchente de 1997, entregou o denominado "kit" de materiais de construção de forma insuficiente, prestigiando pessoas não beneficiárias do convênio, porquanto não residiam na área afeta. 10 - Os depoimentos pessoais, colhidos nos autos, dos corréus Celso e Hermann não se sustentam diante das demais provas produzidas; a uma porque, como administrador, o prefeito ofertou um plano de trabalho ao governo federal, com uma estimativa de custos que não poderia ser ignorada, não sendo cabível a assertiva de que os danos, segundo apurou, estariam na casa dos 20 milhões; a duas, porque o objeto do convênio foi licitado tendo a empresa ganhadora do certame, administrada pelo corréu Hermann, efetuado a proposta para a reconstrução das moradias, indicando o valor desse trabalho, com custo unitário para cada moradia, correspondente a R$1.198,00. 11 - Os vereadores que integraram o polo passivo desta ação tiveram destacados os seus procedimentos ímprobos, porquanto a pretexto de beneficiarem a população sugeriram e concordaram com a entrega dos "kits" de material de construção a eleitores de outras áreas, assinando como testemunhas as declarações firmadas pelas partes beneficiárias desses "kits". 12 - Não restaram dúvidas quanto às práticas lesivas perpetradas pelos corréus, os quais se valeram de suas posições públicas para em conjunto com a prestadora dos supostos serviços, lesarem a população de Eldorado/SP, em um momento de fragilidade e sofrimento, pela análise dos autos e das provas produzidas, notadamente a documental e testemunhal, tenho que devidamente delineados os atos ímprobos por parte dos corréus. Tanto as provas documentais quanto as testemunhais revelam-se suficientes para o fim de decretar a procedência da demanda, pela infringência aos dispositivos da Lei de Improbidade Administrativa, em seus artigos 10 e 11º, consistente na lesão ao erário e no atentado aos princípios da Administração Pública. 13 - A tutela na ação de improbidade protege e socorre os interesses constitucionais que estão além dos interesses meramente econômicos, que alojam princípios de ordem moral e cívicos como são os da moralidade e de uma Administração Proba e Íntegra, resguardando o interesse de toda uma coletividade, que vê seu dinheiro arrecadado para a satisfação de seus direitos mais caros como é a educação, a saúde, e o bem estar social, dentre outros. Ferir esses princípios é a mais grave subversão de um sistema de normas de condutas, de respeito ao próximo, em especial aos cidadãos mais carentes, aqueles que não conseguem compreender as necessidades mais básicas de todos os cidadãos, em uma sistemática de legitimidade de seus próprios direitos e é a forma mais direta e frontal de lesar o povo brasileiro, especialmente por aqueles que foram investidos de alguma forma em uma função pública, seja pela eleição, pela assunção ao cargo por um concurso público, pela admissão para a assessoria para um cargo de confiança de um parlamentar ou de assessoramento; o exemplo sempre deverá vir daqueles que representam o povo ou tem o status "de poder" de representação. 14 - No que tange às penalidades aplicadas pela sentença, consigno que a cominação por atos de improbidade administrativa visa reprimir e desestimular as práticas que importem violação aos deveres inerentes à atividade pública, encontrando previsão constitucional no §4º do artigo 37, o qual expressamente dispõe que os atos ímprobos importarão na "suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei". Por seu turno, a multa civil destina-se a prevenir e reprimir o agente público que pratica o ato ímprobo de maneira dolosa, contrária ou prejudicial ao interesse público, considerado este o bem maior que a Constituição pretendeu assegurar. Constitui-se numa consequência jurídica da improbidade, não se confundindo com o ressarcimento integral do dano, pois enquanto este visa à recomposição do patrimônio público, a multa civil possui caráter punitivo. 15 - Em relação aos corréus Celso, WR e Herman, correta a aplicação da penalidade de devolução dos valores que receberam do governo federal, em valores históricos: 20/8/1997 - R$ 125.000,00; 22/10/1997 -R$ 175.000,00 e 24/11/1997 -R$ 200.000,00, acrescidos de juros moratórios (art. 406 do Código Civil) e corrigidos monetariamente segundo o Manual de Cálculos da Justiça Federal, vigente à época da execução do julgado. De igual forma, deve ser mantida a condenação em proibição de contratar com o poder público ou receber benefícios, por consistir em uma pena de caráter moral, pela prática de atos considerados ímprobos, conforme previsto no artigo 12 da LIA, estabelecida pelo prazo de 10 (dez) anos, diante da gravidade dos atos praticados e a multa civil, fixada em 1/6 da vantagem ilícita e dano por eles causado, de acordo com os valores apurados pelo Tribunal de Contas da União. As demais sanções aplicadas aos corréus Magdalena, Lauro, José Araí e Argentino, por infração ao artigo 11 da Lei 8.429/92, considerando que não houve apelação do Ministério Público Federal, ficam mantidas na forma em que aplicadas. Os valores serão destinados ao Município de Eldorado, na forma do art. 18 da LIA. 16 - No que tange ao arbitramento e fixação do dano moral coletivo, este deve levar em conta os valores coletivos atingidos e os princípios éticos e morais violados. Os fatos demonstraram que os corréus deixaram de satisfazer os anseios da população do Município de Eldorado, diante de um desastre natural que devastou o Município, não atendendo ao apelo social de reconstrução das residências atingidas pela enchente, apropriando-se, indevidamente, e sem justificativa plausível de verbas federais repassadas para essa finalidade, frustrando o ideal coletivo de reconstrução das unidades habitacionais, conforme sustentado pelo Parquet Federal. Assim, devem ser mantidos os valores fixados a título de dano moral coletivo e revertidos ao Fundo de Defesa dos Direitos Difusos, art. 13 da Lei n. 7.347/85, nas seguintes proporções e individualmente no valor de: R$ 10.000,00 (dez mil reais) para os réus Celso, Hermann e WR, R$ 4.000,00 (quatro mil reais) para os réus Lauro e Magdalena e R$ 2.000,00 (dois mil reais) para José Araí e Argentino Ismael. 17 - Negado provimento aos recursos interpostos por W.R. JARDINS E CONSTRUÇÕES LTDA e HERMANN WOLPERT, CELSO LUIZ DE FREITAS, JOSÉ ARAÍ DA SILVA SOARES e MAGDALENA ROBERTO DE JESUS VALENTIM.
Decisão
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, negar provimento aos recursos de apelação interpostos, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Data do Julgamento : 20/06/2018
Data da Publicação : 27/06/2018
Classe/Assunto : Ap - APELAÇÃO CÍVEL - 2050168
Órgão Julgador : TERCEIRA TURMA
Relator(a) : JUÍZA CONVOCADA ELIANA MARCELO
Comarca : TRIBUNAL - TERCEIRA REGIÃO
Tipo : Acórdão
Referência legislativa : ***** LIA-92 LEI DA IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA LEG-FED LEI-8429 ANO-1992 ART-10 ART-11 ART-12 ART-18 ART-23 INC-1 ***** CF-1988 CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 LEG-FED ANO-1988 ART-37 PAR-4 ***** LACP-85 LEI DE AÇÃO CIVIL PÚBLICA LEG-FED LEI-7347 ANO-1985 ART-13 LEG-MUN CNV-83 ANO-1997 MUNICÍPIO DE ELDORADO/SP ***** CC-02 CÓDIGO CIVIL DE 2002 LEG-FED LEI-10406 ANO-2002 ART-406
Fonte da publicação : e-DJF3 Judicial 1 DATA:27/06/2018 ..FONTE_REPUBLICACAO:
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