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Jurisprudência


TRF3 0008826-34.2016.4.03.0000 00088263420164030000

Ementa
AMBIENTAL E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. EXECUÇÃO DE SENTENÇA. REPARAÇÃO DE DANO AMBIENTAL. ENCERRAMENTO DAS ATIVIDADES DA EMPRESA DEVEDORA. OBSTÁCULO AO RESSARCIMENTO EVIDENCIADO. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. INCLUSÃO DOS SÓCIOS NO POLO PASSIVO DO FEITO. POSSIBILIDADE. ARTIGO 4º DA LEI N.º 9.605/98, CUMULADA COM O ARTIGO 14, §1º, DA LEI N.º 6.938/81. RECURSO PROVIDO. - Cuida-se na origem de cumprimento de sentença em ação civil pública julgada procedente, em 19.07.2014, para condenar a ré Areeira Dois Rios Ltda. ao pagamento de R$ 100.000,00 a título de indenização pelo dano ambiental causado. Na fase de execução, foi constatada a inatividade da pessoa jurídica devedora desde 2008, sem a reserva de patrimônio para o cumprimento da obrigação, razão pela qual a agravante pleiteou a desconsideração da personalidade jurídica da empresa, para que os sócios Antônio Kleber Ferreira Santos e Valdemiro Borba Ferreira respondessem pela sua reparação, nos termos do artigo 4º da Lei n.º 9.605/98, pleito que foi indeferido, ao fundamento de que "(...) o artigo 4º da Lei n.º 9.605/98, por se tratar de norma de direito material, não alcança fatos pretéritos, sob pena de se admitir a responsabilização dos sócios após o evento danoso.". - Da documentação acostada aos autos constata-se que a empresa agravada foi autuada, em 27.01.1986, por extrair areia do barranco do Rio Branco no Município de Itanhaém/SP e atuar sem o parecer do Ministério da Marinha, época em que vigia a Lei n.º 6.938/81. Posteriormente, sobreveio, em 1988, a atual Constituição Federal, que estabelece princípios norteadores do meio ambiente e sua proteção pelo poder público e pela coletividade, com a finalidade de preservá-lo para as presentes e as futuras gerações (artigo 225 da CF/88). Em seguida, para dar efetividade ao comando constitucional de proteção ao meio ambiente, foi editada a Lei n.º 9.605/98, que dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente. - Não obstante a tutela jurídica ambiental de maneira mais contundente tenha ocorrido após os fatos que originaram a ação de origem, de maneira alguma significa que o causador do dano estivesse isento de responsabilidade reparatória, dado que já havia no ordenamento jurídico brasileiro norma de responsabilização objetiva do poluidor, conforme se denota da redação do artigo 14, §1º, da Lei n.º 6.938/81: "Art 14 - Sem prejuízo das penalidades definidas pela legislação federal, estadual e municipal, o não cumprimento das medidas necessárias à preservação ou correção dos inconvenientes e danos causados pela degradação da qualidade ambiental sujeitará os transgressores: (...) § 1º - Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. O Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e criminal, por danos causados ao meio ambiente." (grifei). - À época do dano causado ao meio ambiente no caso concreto, portanto, já existia previsão de responsabilização independentemente de culpa do causador do dano ao meio ambiente. - Se a pessoa jurídica causadora do dano estivesse impossibilitada de repará-lo, nada impedia de se buscar o ressarcimento dos sócios, pessoas físicas ou jurídicas, sob pena de impunidade e violação ao preceito legal anteriormente explicitado. Nesse sentido, antes da Constituição Federal de 1988 e das legislações que positivaram a teoria da desconsideração da personalidade jurídica, ela já era aplicada pela jurisprudência brasileira, para coibir casos em que os sócios se valiam da distinção patrimonial entre pessoas jurídicas e físicas, para esvaziar o patrimônio da empresa poluidora, em detrimento da reparação do dano. Ademais, o dano ambiental, na maioria dos casos, não é de instantânea reparação, pois a área degradada leva anos, décadas ou mesmo séculos para se recompor, vale dizer, a lesão se protrai no tempo, como no caso dos autos, em que ainda não houve completa reparação, dado que a atividade de extração de areia do barranco do Rio Branco implicou a supressão de vegetação típica de manguezal, como decorrência de aterramento, que ainda não foi completamente restabelecida (vide laudos do Departamento Estadual de Proteção de Recursos Naturais e da Companhia Ambiental do Estado de São Paulo - CETESB). Com o passar dos anos, a legislação também foi aperfeiçoada e, após a Constituição Federal de 1988 e as legislações ordinárias sobre o tema, o meio ambiente teve tratamento especial, considerada a sua importância para as atuais e futuras gerações. Dessa forma, não há como deixar de aplicar, in casu, a teoria da desconsideração da personalidade jurídica, estabelecida no artigo 4º da Lei n.º 9.605/98, cumulada com o artigo 14, §1º, da Lei n.º 6.938/81, para que o patrimônio dos sócios da devedora responda pela obrigação de reparação do dano comprovado, à vista da inatividade e ausência de patrimônio da empresa, que constitui verdadeiro obstáculo para ao ressarcimento de prejuízos causados à qualidade do meio ambiente. Nesse sentido, destaco julgado do STJ que desconsiderou a personalidade jurídica, para responsabilizar sócios da empresa condenada por fato anterior à positivação da teoria: "RESPONSABILIDADE CIVIL. NAUFRÁGIO DA EMBARCAÇÃO "BATEAU MOUCHE IV". ILEGITIMIDADE DE PARTE PASSIVA "AD CAUSAM". SÓCIOS. TEORIA DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA'. DANOS MATERIAIS. PENSIONAMENTO DECORRENTE DO FALECIMENTO DE MENOR QUE NÃO TRABALHAVA. 1. Argüições de ilegitimidade de parte passiva e imputações recíprocas dos réus acerca da responsabilidade pelo trágico evento. Em sede de recurso especial não é dado rediscutir as bases empíricas da lide definidas pelas instâncias ordinárias. Incidência da súmula nº 07-STJ. 2. Acolhimento da teoria da "desconsideração da personalidade jurídica". O Juiz pode julgar ineficaz a personificação societária, sempre que for usada com abuso de direito, para fraudar a lei ou prejudicar terceiros. 3. Reconhecido que a vítima menor com seis anos de idade não exercia atividade laborativa e que a sua família possui razoáveis recursos financeiros, os autores - pai e irmã - não fazem jus ao pensionamento decorrente de danos materiais, mas tão-somente, nesse ponto, aos danos morais fixados. Recurso especial interposto por Ramon Rodriguez Crespo e outros não conhecido; recurso da União conhecido, em parte, e provido. (RESP 199700878864, BARROS MONTEIRO, STJ - QUARTA TURMA, DJ DATA:12/04/1999 PG:00159 JBCC VOL.:00196 PG:00109 LEXSTJ VOL.:00121 PG:00207 RSTJ VOL.:00120 PG:00370) - Dessa forma, considerada a fundamentação e o precedente colacionado, justifica-se a reforma da decisão agravada. - Agravo de instrumento provido, para desconsiderar a personalidade jurídica de Areeira Dois Rios Ltda., a fim de que seus sócios Antônio Kleber Ferreira Santos e Valdemiro Borba Ferreira sejam pessoalmente responsabilizados pelo pagamento da indenização pelos danos causados ao meio ambiente.
Decisão
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Quarta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar provimento ao agravo de instrumento, para desconsiderar a personalidade jurídica de Areeira Dois Rios Ltda., a fim de que seus sócios Antônio Kleber Ferreira Santos e Valdemiro Borba Ferreira sejam pessoalmente responsabilizados pelo pagamento da indenização pelos danos causados ao meio ambiente, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Data do Julgamento : 21/02/2019
Data da Publicação : 14/03/2019
Classe/Assunto : AI - AGRAVO DE INSTRUMENTO - 581580
Órgão Julgador : QUARTA TURMA
Relator(a) : JUIZ CONVOCADO FERREIRA DA ROCHA
Comarca : TRIBUNAL - TERCEIRA REGIÃO
Tipo : Acórdão
Indexação : VIDE EMENTA.
Referência legislativa : LEG-FED LEI-9605 ANO-1998 ART-4 ***** CF-1988 CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 LEG-FED ANO-1988 ART-225 LEG-FED LEI-6938 ANO-1981 ART-14 PAR-1
Fonte da publicação : e-DJF3 Judicial 1 DATA:14/03/2019 ..FONTE_REPUBLICACAO:
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