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Jurisprudência


TRF3 0008958-85.2006.4.03.6000 00089588520064036000

Ementa
ADMINISTRATIVO. MILITAR TEMPORÁRIO. ALIENAÇÃO MENTAL. ECLOSÃO DURANTE A PRESTAÇÃO DO SERVIÇO MILITAR. NULIDADE DO LICENCIAMENTO. REINTEGRAÇÃO E REFORMA NO GRAU HIERÁRQUICO IMEDIATAMENTE SUPERIOR AO QUE OCUPAVA NA ATIVA. ARTIGO 110, § 1º, DA LEI N. 6.880/80. RECEBIMENTO DOS VALORES DEVIDOS NO PERÍODO EM QUE ESTEVE AFASTADO. AUXÍLIO-INVALIDEZ DEVIDO. DANO MORAL INDEVIDO. PRESCRIÇÃO AFASTADA. APELAÇÃO DO AUTOR PARCIALMENTE PROVIDA. APELAÇÃO DA UNIÃO FEDERAL PREJUDICADA. I. Em face do disposto no artigo 14 da Lei n. 13.105/2015, aplica-se a esse processo o CPC/73. II. Não corre prescrição contra os absolutamente incapazes, a teor do disposto no artigo 198, inciso I do Código Civil de 2003 (artigo 169, inciso I do Código Civil de 1916), na redação vigente à época dos fatos, norma de ordem pública, que não se sujeita a prazo prescricional, nem mesmo a demora na apresentação de requerimento administrativo ou no ajuizamento da demanda pelo representante legal. Havendo prova nos autos de que o autor é incapaz, e de que a incapacidade precedeu o seu licenciamento das Forças Armadas, não há como se falar em prescrição do fundo de direito no presente caso. III. Cinge-se a controvérsia à possibilidade de reintegração e reforma de militar temporário, com pagamento dos respectivos vencimentos, desde seu licenciamento, à concessão de auxílio-invalidez, e ao cabimento da indenização por danos morais. IV. Frise-se que o Estatuto dos Militares - Lei n. 6.880/80 (Lei n. 5.774/71) não fez distinção entre o militar temporário e o de carreira no que tange aos direitos de reintegração e de reforma. V. Consta dos registros do autor no Ministério do Exército que, mesmo estando acometido de "esquizofrenia paranoide - cid - 295.3", incapacitante não somente para o exercício das atividades tipicamente militares, como para qualquer trabalho, e ainda para os atos da vida civil, foi licenciado a partir de 15/09/1977. VI. O autor foi incorporado nas fileiras do Exército em 16/01/1976, pelo serviço militar obrigatório, tendo sido considerado apto à incorporação. VII. Ainda no ano de 1976, passou a apresentar sinais do mal de natureza psiquiátrica que o acomete, havendo referência de que a primeira eclosão do comportamento psicótico se deu dias após a realização de treinamento militar no qual sofreu queda quando cavalgava, tendo batido a cabeça e permanecido em repouso por 24 (vinte e quatro) horas no alojamento. Observe-se que não há registro do referido acidente, providência que caberia unicamente ao Exército. VIII. Após esse episódio, o autor teve afastamentos e punições disciplinares por comportamento inadequado, que indicava perturbação mental. IX. Em 29/10/1976 foi passado à condição de adido, por ter sido considerado "incapaz definitivamente para o serviço ativo do Exército". Foi proposta a sua reforma ex-oficio, mas o procedimento foi arquivado, tendo considerado a Diretoria de Inativos e Pensionistas do Exército que o autor não era estável, que foi julgado incapaz definitivamente para o serviço do Exército, e que podia prover os meios de subsistência. X. Não bastassem os documentos médicos militares, que atestam a doença psiquiátrica do autor, os documentos médicos particulares, com datas compreendidas entre os anos de 2002 e 2007, demonstram que, ao longo de todo o período referido, ele esteve em tratamento de mal psiquiátrico. XI. Realizada a perícia médica judicial, e apresentado o laudo em 23/08/2011, a expert concluiu que o autor é portador de "transtorno afetivo bipolar - CID10 - F31", mal de natureza genética, tendo a eclosão da doença se dado quando ele contava com 18 (dezoito) anos de idade. Concluiu, ainda, que tal doença não tem cura, mas é passível de controle por medicação, de modo que o autor não está total e definitivamente incapacitado para todo e qualquer trabalho, bem como para os atos da vida civil. XII. Em que pese a conclusão da perícia médica judicial no sentido da ausência de incapacidade para qualquer trabalho, e a divergência entre os laudos médicos militares da década de 1970 e o laudo pericial, no tocante à doença psiquiátrica que acomete o autor, é sabido que o Magistrado não está adstrito ao laudo, podendo formar sua convicção por outros elementos existentes nos autos, nos moldes do art. 436 do Código de Processo Civil de 1973. XIII. Restou claro da análise dos documentos médicos militares existentes nos autos que, quando o autor foi desligado, estava acometido por mal psiquiátrico incapacitante (esquizofrenia), que caracteriza alienação mental, para os efeitos da legislação militar. XIV. Ainda que a doença que acomete o autor não tivesse relação de causa e efeito a condições inerentes ao serviço militar, é relevante destacar que a simples comprovação da eclosão da doença ou da ocorrência do acidente, durante o período de prestação do serviço militar, é suficiente para a aferição do direito de passagem do postulante à inatividade, mediante reforma, sendo desnecessária a comprovação do nexo de causalidade entre a moléstia e o exercício da atividade castrense. Precedentes do Superior Tribunal de Justiça. XV. O conjunto probatório destes autos demonstra que, ao ingressar nas fileiras do Exército, o autor não apresentava a patologia que ocasionou a sua incapacidade, que eclodiu durante a prestação do serviço militar, incapacitando-o total e definitivamente, para qualquer trabalho, bem como para os atos da vida civil. XVI. Em que pese a eclosão da doença incapacitante durante o período de prestação do serviço militar, o autor foi licenciado das fileiras do Exército sem que estivesse recuperado do mal que o acometeu. XVII. Frise-se que o exercício do poder discricionário da autoridade militar de exclusão do serviço ativo, por conveniência do serviço, deve ser precedido da comprovação da higidez do servidor público militar temporário, sob pena de o ato de licenciamento ser considerado ilegal. Precedentes desta Corte. XVIII. Desse modo, o ato de licenciamento é nulo, e o autor, em virtude de estar total e permanentemente incapacitado para qualquer trabalho, deve ser reintegrado e reformado, com remuneração equivalente a do grau hierárquico imediato ao que possuía na ativa (artigo, 114, § 1º, da Lei 5.774/71 e artigo 110, § 1º, da Lei n. 6.880/80), desde a data da indevida exclusão. XIX. Por conseguinte, o autor faz jus à percepção dos valores que deixou de receber no período em que esteve afastado. Os soldos em atraso são devidos a partir do indevido licenciamento, observada a prescrição quinquenal, a contar da data do ajuizamento desta ação (06/11/2006), ou seja, desde 06/11/2001, nos termos do pedido inicial. Precedente do STJ. XX. É devido o auxílio-invalidez ao autor, desde 06/11/2001, uma vez que, por ser portador de alienação mental, se enquadra nos exatos termos dos artigos 2º, I, "h", 3º, XVI, 21, II, 24, IV, e 26, II, todos da Lei n. 10.486/2002, que resultou da conversão da Medida Provisória n. 2.218, de 5 de setembro de 2001. XXI. Com relação à indenização por danos morais, não vieram aos autos evidências de que a decisão administrativa tenha provocado sofrimento desproporcional e incomum aos direitos de personalidade do autor. A atuação da Administração Pública militar, embora dissonante da interpretação jurisprudencial dominante, teve fundamento na aplicação do texto legal, não se vislumbrando, portanto, ilicitude, arbitrariedade ou má-fé do Ente Público. XXII. Assim, como não restaram comprovados os pressupostos ensejadores da indenização por danos morais, não pode ser acolhido o pedido formulado pelo autor nesse sentido. XXIII. A correção monetária deve incidir, desde a data em que devidas as parcelas, conforme os índices previstos no Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, aprovado pela Resolução nº 267/2013 do Conselho da Justiça Federal. XXIV. Os juros moratórios nas condenações impostas à Fazenda Pública incidem, nos termos do julgamento do REsp n. 1.205.946, pelo rito do artigo 543-C do Código de Processo Civil. XXV. No tocante aos honorários advocatícios, convém salientar que o artigo 20, §4º, do Código de Processo Civil de 1973 estabelece a apreciação equitativa do juiz, com obediência aos critérios estabelecidos no §3º do mesmo artigo citado, concernentes ao grau de zelo profissional, o lugar da prestação de serviço, a natureza e importância da causa, o trabalho realizado pelo representante processual da parte e o tempo exigido para o seu serviço. XXVI. Tendo o autor decaído de menor parte do pedido, em consonância com os dispositivos supramencionados e, a se considerar a complexidade da causa, o tempo decorrido, o trabalho desenvolvido pelas partes e os atos processuais praticados, fixo os honorários advocatícios em R$ 2.500,00 (dois mil e quinhentos reais). XXVII. Verifica-se que os requisitos necessários para a concessão da antecipação da tutela estão presentes no caso dos autos, pois, além da verossimilhança das alegações, conforme demonstrado na fundamentação, há o risco de dano irreparável ao autor, eis que ele depende de tal benefício para prover a sua subsistência. XXVIII. Desse modo, concedo a antecipação dos efeitos da tutela para que o autor seja reformado, com remuneração equivalente à do grau hierárquico imediatamente superior ao que ocupava na ativa, nos termos especificados na presente decisão, no prazo de 30 (trinta) dias da publicação do acórdão. XXIX. Afastada a prescrição do fundo de direito, parcialmente provida a apelação do autor, para declarar nulo o seu licenciamento e conceder-lhe a reforma no grau hierárquico imediatamente superior ao que se encontrava na ativa, e o auxílio-invalidez, fixando os consectários legais nos termos especificados, prejudicada a apelação da União Federal.
Decisão
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Décima Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, afastar a prescrição do fundo de direito, dar parcial provimento à apelação do autor e julgar prejudicada a apelação da União Federal, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Data do Julgamento : 30/05/2017
Data da Publicação : 14/06/2017
Classe/Assunto : AC - APELAÇÃO CÍVEL - 1899837
Órgão Julgador : DÉCIMA PRIMEIRA TURMA
Relator(a) : JUÍZA CONVOCADA NOEMI MARTINS
Comarca : TRIBUNAL - TERCEIRA REGIÃO
Tipo : Acórdão
Indexação : VIDE EMENTA.
Fonte da publicação : e-DJF3 Judicial 1 DATA:14/06/2017 ..FONTE_REPUBLICACAO:
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